A víbora do mar - Capítulo 27 - Revelações
Uma semana antes…
Miranda
seguiu até ao hospital quando ficou sabendo do ocorrido com a Lacassangner. Ela
fora emboscada quando deixara a clínica onde a mãe de Belinda estava
internada. Sorte que já tinha chegado ao continente, pois se ainda
estivesse na cidade isolada do oceano, não teria ficado sabendo.
Os
agentes conseguiram refutar o ataque, mesmo assim, Samantha saiu com alguns
arranhões e machucara o ombro. Tivera que pular do carro em movimento para que
não fosse pega. Ainda não acreditava que a Víbora saíra praticamente ilesa.
–
Por isso pedi para não vir até aqui, não entende que você se tornou um alvo
fácil ao pressionar o suspeito. – A chefe do departamento dizia enquanto andava
pelo quarto. – O que custava seguir as minhas ordens?
A
Lacassangner estava sobre a cama, sentada, a enfermeira tinha acabado de cuidar
das escoriações que tinha na face e nos braços. O ombro tinha sido colocado no
lugar, algo que provocara muita dor. Ela não demonstrava nenhuma reação de
temor, apenas agia como se fosse algo comum em seu dia a dia.
–
Já mandou redobrar os cuidados com o Eliah? – Indagou ignorando o sermão. –
Como eles sabiam que eu estava aqui?
A
Maldonado parou, fitou-a. Não acreditava que aquela mulher ali parada não tinha
mostrado nenhum medo ou interesse por sua própria segurança, como se fosse
sempre aquele ser inabalável.
–
Sim, já o fiz, pedi para o levassem para a capital e quanto a essas pessoas
saberem...Quem sabia da sua viagem? Porque eu não sabia, nem os agentes que
mandei te vigiar, nem a Virgínia que chegou à fazenda e você já não estava.
A morena ponderava, mas preferiu não comentar nada
naquele momento.
–
Reserve um voo, quero ir até lá, preocupa-me deixá-lo sozinho. – Disse depois
de alguns segundos.
A
Maldonado apontou-lhe um dedo em riste.
–
Não irá a lugar nenhum, na verdade vai sim, porém comigo, vai ficar comigo, ao
meu lado, talvez assim não aja mais incidentes.
–
Pensei que não devessem fazer nenhum tipo de ligação entre a gente. – Deixou o
leito. – Não me diga que vai me colocar em um forte cercado de soldados? –
Debochou. – Eu não ficaria.
Miranda
tentava ignorar o olhar de sarcasmo.
–
Não, claro que não é uma ideia ruim levando em conta que você não parece se
importar em ter o couro da face exposto em algum lugar para seus inimigos se
divertirem...Acha que pode comprar outra carinha bonita?
A
morena pegou o sobretudo, vestindo-o devagar, cerrou os dentes ao sentir o
incômodo do movimento.
–
Eu estava em uma missão humanitária em uma cidade no meio do pacífico, ela fora
devastada por um furacão. Muitas pessoas morreram e há outras tantas precisando
de ajuda. – Sentou-se em uma poltrona. – Estou levando alguns agentes para
ajudarem, porquanto alguns países já retiraram suas tropas, sendo que ainda
precisamos de muita ajuda. – Cruzou as pernas. – Vou te levar para lá,
ficaremos alguns dias e depois retornará para a capital... – Pegou o celular. –
Como convidei outras autoridades, não acho que será algo tão suspeito, você é
uma sheika, tem dinheiro e poder, vai ser voluntária. – Completou com um
sorriso. – Você disse que não te agrada muito as orgias, agora vai desempenhar
outro papel.
A
Lacassangner pensou em se negar, mas gostou da ideia de seguir para esse lugar,
gostava de se sentir útil. Quando estava no mar com o pai fizeram muito dessas
ações, principalmente na costa africana.
–
Irei sem problemas nenhum, apenas garanta a segurança do Eliah.
Miranda fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Imaginei, seu pai fazia muito isso quando o conheci.
Samantha
puxou uma cadeira, sentando-se perto da mulher.
–
Nunca me conta tudo o que viveu ao lado do meu pai… Como se conheceram? –
Indagou curiosa. – Também conheceu a Iracabeth?
Miranda ficou pensativa, olhava para a pirata, via o
olhar perscrutador.
–
Iraçabeth… engraçado que não a chama de mãe… por quê?
A
outra deu de ombros, mas cerrou os dentes ao sentir dor com o movimento.
Só
pensara na mãe quando era uma menina, naquela época a via assim, mas isso fora
se perdendo junto às ilusões de ser aceita pelo avô.
–
Seu pai sempre fora um bom homem… um dia saberá a verdade, direi todos os
detalhes… – Falou com pesar. – Agora, vamos seguir até o hangar, só assim
poderemos chegar ao pacífico. – Levantou-se. – Vamos levar água, alimentos,
remédios e roupas, não há nada lá, tudo foi destruído.
–
Era lá que você estava? – Questionou curiosa.
–
Sim, o príncipe Ralf me pediu para seguir com ele… muitas mortes… muito triste.
–
Ficarei feliz em poder ajudar, sabe que pode usar a fortuna para auxiliar na
reconstrução da cidade.
–
Eu sei, Ralf está organizando uma festa para angariar fundos e você estará
presente.
Ela
fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Não
iria contar que também tinha outros planos para aquela viagem, sabia que ela
estava fugindo, sentia isso no olhar da pirata. Mas o que tinha se passado?
Seria apenas um caso corriqueiro? Não, não seria. Se assim o fosse não
pareceria tão fechada mais uma vez. Iria levá-la, deixaria que ambas se
aproximassem, assim buscaria ver o que realmente sentia a filha do escorregadio
duque. Se a Santorini fosse um perigo, deveria afastá-la, porém se houvesse
algo mais entra ambas...
Arrepiava-se só em pensar nessa possibilidade.
O que faria Fernando se soubesse disso?
O duque era obcecado pela filha do Serpente. Ele não
permitiria que a própria herdeira ficasse com o prêmio que ele vinha cobiçando
por tantos anos.
Tudo parecia ainda mais complicado agora.
Dias atuais...
A Santorini não respondeu de imediato, seguindo para o
interior do hospital de campanha. Observava os pacientes sendo cuidados pelas
voluntárias.
–
Não sei ainda, quem sabe o que teremos que fazer quando retornarmos.
-- Acredito que o príncipe pedirá pessoalmente pela nossa
presença.
–
Mas eu pensei que aproveitaria para namorar um pouco com seu amorzinho. –
Seguia medicando alguns moribundos. – Acho que está necessitada.
A
fisioterapeuta ficou em silêncio, depois falou:
–
Estou cansada dessa relação… estou sempre sozinha, ela parece mais preocupada
com os estudos que comigo.
–
Acho melhor que conversem, talvez consigam encontrar um ponto em comum em tudo
isso.
Ouviram burburinhos na rua, seguindo rapidamente até lá.
A noite e o dia pareciam idênticos, pois o sol não parecia conseguir brilhar
naquela área depois de toda a destruição. Olhava-se aquela terra e apenas dor
parecia presente.
Estreitou os olhos para conseguir enxergar de quem se
tratava, quem estava vindo em meios a tantas vozes.
Então a Santorini viu Samantha Lacassagner!
Sentiu as batidas do coração acelerarem. Pensou estar
sonhando. Olhou para a amiga e viu-a com a mesma perplexidade que a dominava.
A morena trazia uma garotinha nos braços e pareceu ainda
mais surpresa ao ver a filha do duque parada na entrada do hospital de
campanha.
Fitaram-se demoradamente.
Miranda observava a cena.
Agora teria mais tempo para analisar o que havia entre
ambas.
Samantha teve a impressão que levara um soco no estômago
ao fitar a mulher que a observava. Viu os olhos dourados ainda maiores, os
lábios entreabertos...Parecia ainda mais linda que da última vez que a viu
-- Doutora, precisamos da senhorita! – Miranda
intrometeu-se, pois percebia que as duas estavam em transe.
A Maldonado via o olhar
penetrante das duas, pareciam perdidas uma na outra, então decidiu antecipar.
–
Fora retirada de uma casa…
Samantha
passou pela Santorini, deixando a garota sobre o leito improvisado no chão.
Cristina
olhava tudo boquiaberta.
Sabia
o que se passara entre as duas. Mel contara, mesmo não dando todos os detalhes,
mas falara o ocorrido, mesmo que só conseguira se abrir depois de beber duas
garrafas de vinho.
A
Santorini aproximou-se e logo começava os primeiros socorros.
A
garotinha devia ter uns cinco anos, tinha alguns machucados, parecia bastante
assustada, porém não aparentava ter nada grave. Olhou os olhos negros que
pareciam buscar alguém em espacial.
A
Lacassangner olhava para Miranda, havia uma indagação em seu olhar. Afastou-se,
seguindo para fora da tenda.
Por
qual razão a Maldonado não falara da presença da filha do duque? Com certeza
sabia que ela estava naquele lugar.
Passou a mão pelos cabelos úmidos.
Ainda sentia o desejo queimar em seu interior. Suas
últimas noites estavam sendo assombradas pelos toques trocados, pela vontade de
senti-la inúmeras vezes.
Sentiu
o vento frio.
A
chuva voltava a cair, mas agora estava fininha.
–
Trouxe para que tente se aquecer.
Viu
Cristina lhe estendendo uma toalha.
Observava
as outras tendas que foram montadas.
Nada
sobrara do lugar. Havia apenas escombros. Conhecia aquele vilarejo. Em algumas
vezes o pai parava o navio para abastecer com água.
–
Tudo está horrível… – Comentou.
A
fisioterapeuta fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Machucou-se quando salvava a menina? – Indagou olhando os arranhões na face. –
Quer que a médica dê uma olhada?
–
Não, eu estou bem.
–
Que horas chegou?
–
Cedo, viemos de helicóptero, depois pegamos uma lancha até aqui.
A
amiga da Santorini olhava-a desconfiada, porém não iria se alongar naquele
momento, não era a hora certa.
–
Vou ver se a Mel precisa de mim! – Disse afastando-se.
Samantha
nada disse, apenas ficou quieta, esperava pela chefe e não demorou para ela
aparecer.
Encarou-a.
–
Sabia que a tenente estava aqui? – Indagou por entre os dentes.
–
E desde quando isso é um problema? – Questionou com um arquear de sobrancelha.
– Sempre esteve presente onde a Santorini esteva e isso nunca foi algo que te
perturbava… o que mudou?
A
Lacassangner enrijeceu o maxilar.
–
Apenas fiquei surpresa… não me importo com a presença da Santorini.
No dia seguinte pela manhã fora ainda mais intenso os
trabalhos. A chuva fora implacável durante toda a noite, deixando o lugar ainda
mais frio. O grande desafio foi manter a todos aquecidos, principalmente as
crianças e os idosos. Alguns voluntários trouxeram inúmeros cobertores que a
Maldonado tinha conseguido. Outro gerador fora instalado já que não havia
previsão de ser retomada a energia elétrica. Mais dois médicos tinham sido
trazidos pela chefe do departamento internacional, foram distribuídos nos
outros dois hospitais de campanha.
Mel ajudava os voluntários a alimentar os pacientes.
Sentia os olhos arderem pela falta de descanso, mas tudo
estava tão corrido que nem se deu ao luxo de descansar por algumas horas.
Naquela manhã alguns jovens receberam alta e tinha sido
levados para o abrigo, porém ainda havia muita gente precisando de cuidados.
Seguiu até o recipiente onde estava sendo armazenado
água, bebeu um pouco, tomava o líquido lentamente como se precisasse senti-lo.
Ouviu passos.
-- Falei com a Miranda mais cedo. – Cristina foi logo
dizendo. – Pedi que providenciasse um médico para que te substitua por algumas
horas, pois estou vendo a hora de você também cair doente.
A Santorini fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Confessava que realmente estava precisando deitar um
pouco e descansar por algumas horas, mas nada falara, pois não tinha outro para
ficar em seu lugar, porém agora com a chegada de alguns colegas de profissões,
pudesse dormir por umas três horas completas.
-- Ontem quase tive um desmaio ao ver a Víbora... – A
fisioterapeuta continuava. – O que ela está fazendo aqui? Veio atrás de ti... –
Abriu um sorriso enorme. – Ela deixou de estar em suas farras para vir até aqui
só para ver você?
Mel bebeu mais um pouco de água.
Não queria pensar na Lacassangner, não mesmo. Jamais
pensara em encontra-la ali, revê-la não fora algo que fizera bem para si.
Tentava não reviver o último encontro, tentava não pensar em como sentia falta
de vê-la...
-- Não quero falar sobre a pirata.
-- Você viu que ela está machucada? O que será que
aconteceu?
Sim, o rosto bonito estava cheio de arranhões...
-- Talvez tenha conseguido na hora de salvar a menina...
-- Também pensei, mas achei que assim o fosse estaria
mais inflamados... – Mel comentou. – Não sei, também não vou perguntar, acho
que ela não falaria comigo.
-- Por que não? – Cris indagou ainda mais curiosa. – Pelo
que me contou você quem deveria estar furiosa pela última vez que estiveram
juntas...Até te bateu... –Cobriu a boca com a mão. – Mas você gostou não é?
A filha do duque deu de ombros, enquanto sentia o rosto
corar.
Arrependia-se de ter bebido e contado tudo o que tinha
acontecido a amiga.
Caminhou até a garotinha trazida pela Lacassagner. Não
deveria ter nem cinco anos. Tinha alguns arranhões, um corte no braço que
precisara pontilhar, mas nada mais crítico. A mãe fora encontrada, tinha
chegado para ficar com ela, só que precisara sair um pouco, pois tinha outros
dois filhos e tinha que cuidar.
Aproximou-se, sentando-se no chão.
-- E como você está se sentindo hoje? Está bem?
A pequena fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois
sentou-se também. Era muito calada e arredia. Precisava limpar as feridas para
trocar os curativos, porém ela não se mostrava muito interessada.
-- Posso cuidar?
A criança não respondeu, mas não parecia muito
interessada.
Mel pegou a caixa que tinha o material necessário e
começou a retirar os curativos para limpar.
A pequena paciente a observava com seus grandes olhos
castanhos. Os cabelos que antes estavam em desalinhos, agora fora arrumado e
tinha inúmeras tranças. A pele negra era a mais bonita que já tinha visto em
toda sua vida. Percebia-a bastante séria, mas surpreendentemente um sorriso
lindo desenhou-se em seus lábios.
Pensou que fosse para si, porém ao virar a cabeça
percebeu que o encantamento era dirigido a visitante que tinha acabado de
chegar.
A pirata!
Mirou-a cuidadosamente.
Na noite anterior, quando trouxera a menina, não a tinha
observado direito. Mas agora com a luz do dia estava bem visível em sua calça
de couro preta, botas marrons, camiseta e um sobretudo que ia até os joelhos.
Os cabelos estavam soltos e úmidos, os machucados em sua face bem mais visível.
Havia arranhões superficiais, o lábio inferior tinha um corte no canto.
Observou os olhos azuis lhe fitarem por alguns segundos,
durou pouco, mas conseguiu vê-los e isso causou um arrepio em sua nuca.
Por que se sentia daquele jeito diante daquela mulher?
Voltou a prestar atenção no que fazia, mas logo a morena
acomodava-se ao seu lado. Sentia o cheiro dela...
-- Ora, ora, como está ainda mais bela essa princesa. –
Tirou do bolso um pirulito, entregando-lhe. – Essa mocinha está se comportando
bem, doutora? – Indagou, sentando-se ao lado dela.
-- Está sim... – Mel respondeu simplesmente sem se
voltar.
-- Dói... – A garotinha falou apontando para os
machucados.
-- Sim, eu sei, mas logo vai ficar bem, precisa apenas
ter paciência e calma.
A médica levantou-se.
-- Vou te sentar em uma cadeira, fica mais fácil para
cuidar das feridas. – Disse, depois da garotinha não parar a perna quieta.
Mel viu as lágrimas descendo nos olhinhos castanhos e se
sentiu culpada. Voltou a sentar.
-- Vamos fazer o seguinte, eu cuido dos dodóis da tia
Samantha e depois você deixa cuidar dos seus, pode ser?
-- Ora...Servirei de cobaia... – A Lacassagner fingiu
temor. – Ela cuida de mim com a sua ajuda e depois ela cuida de ti. – Estendeu
a mão. – Estamos combinadas?
A criança parecia ponderar, mas quando a tenente colocou
o estetoscópio em seu pescoço, um sorriso grande apareceu mais uma vez.
-- Enquanto limpo as feridas você vai ouvindo os
batimentos cardíacos para me avisar se tudo está bem... É preciso que fiquemos
de olhos nas reações da paciente.
-- Sim, sim... – Respondeu alegremente a criança.
Samantha virou-se para Mel, observando como estava linda,
mesmo com a expressão de cansaço.
Jamais imaginou que a veria logo ali, jamais pensara que
teria que lidar com a herdeira do duque mais uma vez.
Observou-a pegar o algodão e molhar em um líquido e logo
começava a passar delicadamente por sua face.
-- Não vai doer, tia. – A garotinha dizia, enquanto
começava ouvir o coração da Víbora.
Mel limpava os machucados e se sentia incomodada com o
olhar que a fitava. Cuidou do corte que tinha no lábio inferior...Parecia não
ter pressa, usou o indicador para examiná-lo, contornando-o com cuidado...
Umedeceu os lábios demoradamente, pois teve a impressão
que estavam secos.
Samantha desviou o olhar, pois tinha a médica muito
próxima de si e seu toque era torturante.
A Santorini soltou um suspiro sofrido...Frustrante...Sim,
não mentiria para si mesma como faria para todos. Confessava que naquele
momento o que mais ansiava era poder beijá-la mais uma vez, esquecer tudo o que
estava entre ambas...Sentir o cheiro dela, o corpo feminino sobre o seu...
Só em pensar sentia os seios doloridos.
Não!
A pirata deixara claro que não a queria mais em seu
caminho, mas agora estavam ali, em meio àquela tragédia que fora provocada pela
natureza e a própria tragédia que as cercavam.
Viu os olhos azuis lhe fitarem novamente, então se
concentrou em fazer a limpeza.
Estava
um pouco inchado o canto do lábio inferior... O supercílio também estava
machucado...
O que teria acontecido?
Pegou alguns curativos, colocando-os em alguns pontos na
face.
Via a pequena ajudante cuidar da Víbora com bastante
cautela, parecia levar a sério a profissão.
Segurou-lhe as mãos, tirando-lhe as luvas. Estavam
feridas...
Prendeu o fôlego.
Teria sofrido uma queda? Teria conseguido os machucados
quando salvara a pequena? Se assim o fosse pareceriam mais recentes. Estaria
tão arranhada em outras partes do corpo também?
-- O que houve? – Questionou baixinho. – Como foi ferida?
A Lacassangner cerrou os dentes demoradamente.
Fora covardemente emboscada e graças aos céus saíra
daquele episódio apenas com escoriações, porém não iria contar para a Santorini
o que tinha se passado.
-- Nada sério, doutora...Caí apenas... – Respondeu
simplesmente.
-- Tá muito dodói, tia... – A garotinha disse observando
os ferimentos.
A filha do Serpente esboçou um sorriso.
-- Estou bem, nem está doendo, a doutora é muito
delicada, então quando for a sua vez, não vai doer.
A menina assentiu, depois colocou a pequenina mão sobre o
peito esquerdo da pirata.
-- Bate forte o coração...Tum...tum...tum...tum...
Cristina aproximou-se rindo.
Observava
toda cena e sentia como ambas as inimigas pareciam mergulhadas em olhares. Não
tinha dúvidas que se amavam, estava muito claro, mesmo que mentissem, que
negassem e como um certo poeta escrevera um dia: “vão negando as aparências e
disfarçando as evidências...”.
-- Por que será que está batendo tanto hein? – Indagou
chegando mais perto. – Se você colocar a mãozinha no da doutora, eu aposto esse
pirulito que vai estar batendo ainda mais rápido.
Mel sentiu o rosto enrubecer, então enviou um olhar irado
para a amiga.
-- Bem... acho que já terminei, agora vou cuidar dessa
princesinha.
-- Sim, agora é sua vez, e você disse que deixaria a
doutora fazer o trabalho.
A menina não parecia mais temerosa, fazendo um gesto
afirmativo com a cabeça.
Samantha levantou-se, recolocou as luvas, enquanto
observava o trabalho que estava sendo feito.
Ainda havia muitos feridos.
Propusera a Miranda não sobrecarregar a Santorini, visto
que ela estava trabalhando desde os primeiros dias, então o melhor seria não
mandar mais pacientes para ela, pelo menos por enquanto. Naquele dia chegaria
mais três médicos, ela mesma fizera questão de pagar para que viesse ajudar.
Observou a mãe da pequena aproximar-se. Ficara muito
aliviada quando ela fora encontrada viva, diante de tantos mortos. Conseguira
se proteger junto com os outros filhos e o reencontro com a caçula fora maravilhoso
para todos que viram.
-- Ainda não sei como lhe agradecer por ter salvo a minha
filha.
Ruth, esse era o nome da mãe da pequena paciente.
-- Eu quem sou grata por ter podido ser útil. –
Apertou-lhe a mão. – Espero que tudo possa se resolver o mais rápido possível.
A mulher fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois
seguiu até onde estava a filha.
Cristina aproximou-se.
-- Uma surpresa quando a vi por aqui... – Comentava,
enquanto a fitava. – Consigo te ver mais naquelas baladas até a madruga que em
um lugar assim... – Provocou-a. – Desculpe-me a sinceridade, mas vejo isso nos
jornais o tempo todo.
A morena colocou as mãos nos bolsos da calça, não parecia
preocupada em responder a fisioterapeuta, então a ouviu continuar.
-- Sem falar que parece que há uma guerra ainda maior
entre a senhora e a minha amiga. – Alfinetou-a mais uma vez. – O que é estranho
não é, afinal, depois que se prova o mel, tudo fica mais doce em uma relação.
-- Bem, não tenho problemas com a sua amiga... –
Respondeu, encarando-a impaciente. – E quanto ao mel que fala ter sido
provado... – Arqueou a sobrancelha esquerda em desdém. – Não foi tão doce
depois.
Cristina cruzou os braços.
-- Sabe que eu torço muito para que pessoas teimosas,
arrogantes e petulantes consigam controlar seus monstros e busquem um
diálogo...
-- É impressão minha ou está reclamando comigo pelo o que
se passou?
-- A tenente é minha amiga, não a quero sofrendo!
Samantha apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça,
deixando a tenda.
Caminhava por entre os destroços, observando como a
população buscava em meio a toda a destruição itens para reconstruírem suas
vidas.
Viu os voluntários cuidando e alimentandos os animais que
também forma bastantes afetados.
Não era fácil se refazer das cinzas, mas ela sabia bem
como funcionava.
Seguiu pela trilha que levava até a praia, sentando-se em
uma pedra.
O mar estava calmo e alguns moradores improvisavam canoas
para pescarem.
Remexeu-se e sentiu o incômodo da costela que fora
machucada.
Tinha quase certeza de que Sir Arthur estava por trás de
tudo o que tinha acontecido.
Fechou os olhos, enquanto revivia a cena.
Já estava anoitecendo.
Miranda seguiu até a tenda depois de ter passado o dia
todo ajudando os moradores na reconstrução de abrigos.
Ao entrar ficou perplexa ao ver quem estava a lhe esperar
no interior.
-- Algum problema, Santorini? – Indagou, observando-a com
cuidado.
A filha de Fernando estava parada de pé.
-- Olá, Miranda, espero que não tenha problemas em ter te
esperado aqui dentro. – Falou exibindo um sorriso. – Precisava falar contigo e
aproveitei a sua demora para observar algumas coisas... – Entregou-lhe uma
pasta. – Pensei que fosse um álbum de fotografias, por isso abri.
A chefe do departamento internacional fitou o invólucro
na cor vermelha, pegou-o, depois apontou uma cadeira de plástico para que a
tenente sentasse, depois fez o mesmo.
-- Invadiu a minha tenda sorrateiramente... – Comentava
curiosa. – Tinha dois seguranças aí fora.
-- Sim, eu sei, mas eles acabaram se distraindo...Nem
viram quando entrei. – Cruzou as pernas. – O que há entre a Víbora e você?
A Maldonado exibiu um sorriso.
-- Provavelmente não é o mesmo que há entre vocês duas...
– Disse, encarando os olhos dourados. – Não que morenas dos olhos azuis não
seja uma tentação até para os considerados héteros...mas sou casada e amo o meu
marido.
Mel sentiu a face enrubecer.
-- Não sei do que falas! – Disse depois de alguns
segundos.
-- Querida Olívia, o seu olhar em relação à pirata não
denota apenas raiva...
A militar levantou-se.
-- A Lacassangner te contou o quê? – Indagou irritada.
-- A Lacassangner não me contou nada, ela não falaria.
Mel arqueou a cabeça orgulhosamente.
-- Não precisamos guerrear, tenente, tenho grande
admiração por sua pessoa, então apenas sente e vamos conversar.
A filha do duque ficou um tempo de pé, apenas analisava
tudo e por fim, deu-se por vencida, sentando-se.
-- Bem, você está aqui porque deseja saber a relação que
tenho com a Samantha, ótimo, não sou amante dela...
-- Então o que há entre vocês? – Indagou com um arquear
de sobrancelha. – No seu álbum há várias manchetes sobre o Serpente... Não
sabia que tinha interesse nessa história.
Miranda fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois
soltou um suspiro.
-- Confiarei a você uma narrativa que se passara há
muitos anos... No final, verei se corto a tua língua para que não conte a
ninguém ou se acreditarei que não sairá dizendo a todos. – Fitou a pasta que
tinha nas mãos. – Há muitos anos eu fazia parte da força especial conselheira
da marinha... Eu queria proteger a todos, criar estratégias para combater o mal
que atormentavam as pessoas inocentes...
Perdi as contas de quantas condecorações recebi...
-- Sim, eu sei sobre essa história! – Mel a cortou
impaciente. – O que tem a ver com a Víbora tudo isso?
-- Apenas me escute até o final. – Repreendeu irritada. –
Como dizia queria proteger os inocentes e a maior ameaça que havia era um
famoso pirata que assombrava os cruzeiros, roubava cargas e tirava a paz de
todos...Um dia saí junto com um grupo de marinheiros, estávamos monitorando o
mar do sul... Fomos atacados, naufragamos e eu pensei que fosse morrer...Já
tinha me despedido de tudo...Mas dias depois acordei em um navio... – Dizia
enquanto trazia um brilho no olhar. – Vi naquele quarto os olhos mais azuis que
jamais imaginei existir... o Serpente tinha me salvado... – Miranda
levantou-se, pegou uma garrafa de água, encheu dois copos, servindo um para Mel
e o outro ficou para si. – Minha reação foi enfrenta-lo, pensava que tinha me
sequestrado, mas não, ele tinha me salvado dos meus próprios companheiros...
O maxilar da Santorini enrijeceu.
-- Eu sempre fui muito curiosa e investigava coisas que
não era do interesse dos meus subordinados, então decidiram acabar comigo... e
o pirata me salvou...mas nessa época eu não sabia quem eram os inimigos...Eu
era uma tola inocente, acreditando em tudo o que os outros diziam...Somos
parecidas...
Os olhos dourados estreitaram ameaçadoramente.
-- A Samantha estava com ele?
A Maldonado fez um gesto negativo com a cabeça.
-- Não, ela não estava. Ele a mantinha sempre distante,
assim achava que a protegeria...
-- Protegê-la? – Indagou com um arquear de sobrancelha.
-- Sim, porque ele sabia que a matariam... – Levantou-se.
– O fato é que ele fez um acordo comigo...Entregaria-se e em troca eu prometi
que me certificaria que ele tivesse um julgamento justo e nada aconteceria com
a filha dele... – Passou a mão pelos cabelos. – Eu fui burra... voltei e contei
aos meus superiores que garantiram que tudo seria feito como eu dissesse... –
Limpou uma lágrima que rolava por sua face. – Eles o mataram, Mel, covardemente
assassinaram um homem desarmado...E eu fui culpada por isso.
A Santorini tinha um misto de espanto e empatia com a
mulher que estava a sua frente.
-- Eles disseram que o Serpente tinha atacado primeiro,
era mentira, eu estava lá, eu vi...
-- E por que não falou?
-- Porque eu tive tanto medo, fui covarde... – Mordiscou
a lateral do lábio inferior. – Deixei os conselheiros...queria me afastar de
tudo isso... Carregava a culpa comigo...Depois de alguns anos fui chamada para
trabalhar no departamento internacional...Virei a chefe e comecei a buscar pela
filha do Serpente...Depois de muito tempo, a minha assistente me contou do caso
do assassinato de sheika...Já tinha passado anos...Então descobri de quem se
tratava...Fui atrás da Samantha...
-- Você a tirou da prisão então...
-- Ela não queria sair, foi uma luta terrível, não há
mulher mais teimosa que a Lacassangner, iria apodrecer naquele lugar... Eu
reuni as provas para reabrir o caso...Para que tenha uma ideia, ela foi
condenada sem nem mesmo terem investigado tudo...Eu sei que fora armado...
-- Como você a tirou de lá, se ela não desejava sair? –
Indagou com ceticismo.
-- Eliah também estava preso...Ele é idoso...Ela fez um
acordo e aqui estamos...
Mel levantou-se, parecia perturbada com tudo o que tinha
ouvido.
-- O que houve com ela? Por que esta ferida?
Miranda a fitou.
-- Foi atacada...Tentaram mata-la em uma emboscada...
Era possível ver o pavor estampando a face da
aristocrata.
-- Quem?
A chefe do departamento internacional tamborilava os
dedos na própria coxa.
-- Eu não sei exatamente quem, mas tenho alguns suspeitos
na minha lista.
-- Imagino que pense logo em minha família... meu pai,
por exemplo... – Disse mostrando descrenças.
-- Não! – Miranda fez um gesto negativo com a cabeça. –
Seu pai não faria algo para mata-la, ele a quer para si...Acho que ele deseja
lhe dar uma nova madrasta... – Completou com um sorriso.
Uma jornada incrível a você, autora. Todo sucesso na sua empreitada ❤️
ResponderExcluirSou mega fã da inteligência dessa autora.
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