A antagonista - Capítulo 31


                   Gabriele fitou os olhos claros, pareciam escurecidos, os lábios estavam mais rosados e cheios.

          Sentia o delicioso aroma do corpo feminino, sabia que ela não tinha se saciado ainda, via isso na expressão conhecida. Não podia negar que sentiu vontade de se oferecer para continuar o árduo trabalho. Era de seu conhecimento como era passional a herdeira de Antônio, como parecia incansável quando estava em busca de prazer.

             Fitou a abertura do roupão e viu a curva dos seios, isso a deixou mais desejosa ainda.

             – Apenas pensei que não estava bem… – Respondeu diante do olhar insistente da esposa. – Mas acho que não tem problemas…

              – Sua porta estava aberta… – Falou bem próximo dos lábios da mulher. – Pensei que tinha medo de mim…

                 A Bamberg fez um gesto negativo com a cabeça, já tentando voltar para a cama, mas foi detida pela esposa.

             – Quero ficar contigo, Gabi, quero sentir o seu cheiro…– Sussurrou em seu ouvido. – Estou com tanta saudade do sabor da sua carne molhada…

              Gabriele buscava forças para não sucumbir ao desejo que já estava consolidado em seu interior. Desde que tinha ouvido seus sons no quarto ficara ansiosa por ela, ansiosa para senti-la e não era fácil não ceder à vontade de ficar com Ana Valéria.

               – Não continue com isso, amor, eu preciso tanto de você…não paro de pensar nos seus beijos... por favor, não me castigue mais, sinto não suportar tanto desprezo...

            As bocas voltaram a se unir. 

           A ruiva parecia pronta para seduzir a amada. Deslizando as mãos pelas costas, tocando suas costas, descendo até suas nádegas, apertando-a contra si, parecendo que desejava fundir os corpos e as almas. 

              Gabriele espalmou as mãos em seus seios, tentava livrar-se do toque, mas não o fazia com tanta pressão, parecia não ter forças para deter as investidas da apaixonada empresária.

                Sentia os dedos longos passearem por sua calcinha, sabendo que não precisaria de muito para ceder ao desejo de se entregar à paixão que parecia brasa a marcar sua pele.

             Sentia os lábios passearem por seu pescoço, beijando seu colo protegido pelo tecido da roupa.

                Fechou os olhos em deleite, ouvindo os sussurros apaixonados em seu ouvido.

             Sentia a solidez da porta, onde era pressionada pela Del La Cruz.

               A perna começava incomodar pela posição, mas esse fato não era suficiente para tirar o deleite da expressão da neta de Bernard.

                Sim, ela amava a esposa com o corpo e com a alma, sentia-se encurralada diante da filha de Antônio da mesma forma que um cervo temia a onça, sabendo ser a presa que ela desejava naquele momento.

                Fitou os olhos claros que a mirava. Eram tão brilhantes como as estrelas em dia de primavera. Os lábios entreabertos pareciam guardar o segredo dos prazeres do universo.

              -- Eu sei que também me quer...

               Voltou a ter a boca tomada sem ter chances de responder. Novamente tentou detê-la, porém não com a força de que se esperava de alguém que não queria a continuação de um ato. Fê-lo de leve, talvez porque realmente não quisesse parar.

             Gemeu baixinho como um filhote que era presenteado com um prêmio quando sua língua foi capturada pela ruiva. A forma que a chupava com paciência a estava deixando ainda mais ansiosa.

            Não demorou para sentir as mãos bonitas segurarem as suas, como se a estivesse chamando para a dança mais antiga bailada pela humanidade.

                Gabriele parecia agora totalmente tomada pela loucura da paixão. Abriu o roupão de laços frouxos da Del La Cruz, tocando os seios redondos, massageando-os, usando os polegares para incitar ainda mais os mamilos delicados e avermelhados. 

                 Ousada e safada, Ana Valéria levou sua mão até seu sexo desejante. Mordiscando sua orelha falou:

            – Sabe quantas vezes precisei me conter para não ir ao seu encontro…– Dizia com a voz rouca. – …quantas vezes me toquei imaginando que era você…

                 Gabi a sentia tão molhada, escorregadia, movendo devagar para seu interior, adorando o som que era produzido pela amada, uma fera sendo tomada em desejo mais primitivo. 

               De repente, veio a sua mente as imagens que tinha visto de Ana com Lorena, do beijo que trocaram.

              Empurrou a ruiva.

              A mulher estava tão imersa em seu prazer que acabou se desequilibrando e por pouco não caiu. Havia uma expressão de surpresa na face bonita. 

              -- Se suas necessidades são tão grandes, vá atrás da Lorena, afinal, não estava aos beijos com ela...acredito que ela conseguirá resolver seu problema. – Limpou a boca com as costas da mão. – É só isso o que pensa, baronesa, sexo? Acha que sou quem? Uma prostituta que é usada para satisfazer sua libido e depois é descartada?

              A filha de Antônio olhava a esposa com uma expressão indecifrável.

              -- De que falas? – Ana indagou por entre os dentes. – Está me acusando de quê?

              Gabriele respirou fundo, enquanto arrumava as roupas que usava. Sentia o corpo ainda trêmulo diante do arroubo apaixonado, mas também estava irritada, pois as lembranças das imagens que tinha visto vieram a sua cabeça.

              -- Eu vi! – Esbravejou. – Vi você com a Lorena, vi as fotos e vi as imagens da câmera em tempo real, estava lá, beijava-a... – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Como pôde ter algo com ela? Como pôde me trair com a Lorena? É tão vagabunda quanto ela.

              Então fora isso!

              A Del La Cruz sentia o sangue ferver diante das acusações, ainda mais pelo fato de a Bamberg não ter exposto o que estava acontecendo logo, esperando e ferindo-a dia a dia com sua rejeição.

              -- E na sua cabeça tola você acredita realmente nisso?  -- Ana indagou com a indignação cortando seu peito. – É tão cega a ponto de acreditar em todos, exceto em mim.

              Havia lágrimas presas nos olhos negros da ex-freirinha.

              -- Eu vi...eu vi...eu vi... – A última frase foi apenas sussurrada. – Estava com ela, nos braços dela quando me dissera amar...não imagino como me senti depois disso. – Cobriu a face com as mãos. – Se queria as malditas ações que o meu avô tinha deixado, por que não falara? Por que ensaiar essa mentira de amor? – Encarou-a. – Eu sinto nojo quando me recordo das suas declarações mentirosas, das suas juras de amor...

              Novamente, via-se na expressão da baronesa uma máscara de indiferença começar a formar-se. Ela não acreditava que Gabriele tinha caído nos planos para separá-las, não acreditava que ela confiara em imagens e fotos sem lhe dar pelo menos o direito da dúvida. Sim, não havia pena pelo que a Bamberg tinha passado, afinal, fora infantil demais em sua cabeça, boba a ponto de permitir que outros terminassem com sua relação.

              Passou a mão pelos cabelos, depois caminhou até a esposa, empurrando-a contra a porta, não parecendo se importar com a perna machucada, mesmo assim, teve cuidado para não a prejudica-la ainda mais.

              Havia confusão na face da neta de Bernard. Porém antes que conseguisse indagar ou protestar, teve a boca esmagada pela da Del La Cruz. Tentou empurrá-la, ainda conseguiu mordê-la, mas a ruiva não cessara suas ações, conseguindo por fim concretizar o beijo, dessa vez não foi delicado, mas a própria lava do vulcão, mesclado ao sabor férreo do sangue.

              Gabriele sentia a vertigem do ataque, mas seu corpo novamente parecia pronto para permitir que a amada lhe usasse, tendo apenas a condição de que fosse prazeroso.

              Nem mesmo sentiu quando caminharam, sentindo as costas sobre o colchão confortável.

              Abriu os olhos e viu a Del La Cruz totalmente despida em sua beleza tão primitiva, com seu olhar de deusa vingadora. Mais uma vez não conseguiu falar, pois novamente era tomada em uma paixão desenfreada, humilhada por não conseguir vencer sua própria guerra.

 

 

              Lia e Clarice estavam arrumando a mesa para o café da manhã. Pareciam preocupadas, pois tinha visto Ana Valéria sair muito cedo da mansão e só agora retornava.

              Luna correu para o braço da tia que a recebeu com muito carinho.

              -- Ela já comeu, filha, daqui a pouco irei levá-la à escola.

              A ruiva cheirou os cabelos vermelhos da pequena.

              -- Não, mamãe, eu mesma a levarei.

              Novamente as duas mulheres trocaram olhares.

              -- Me faça um favor, Lia, depois acorde sua protegida e peça para que se arrume, chegarei em breve para buscá-la. – Encarou a mãe. – Também esteja pronto, desejo a sua presença.

              -- Aconteceu algo, Ana? – A mãe indagou receosa.

              Luna parecia distraída com o relógio da tia, sem se preocupar com a tensão que tinha se instalado naquela casa.

              -- Faça o que eu ordenei, Lia! – A baronesa não respondeu à mãe.

              A empregada apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, sabendo que algo estava errado, pois a viúva do barão só se referia desse jeito à esposa quando estava chateada.

              -- Vá se despedir das suas vovós que já estamos indo. – Ana incentivou à filha.

              A garotinha fez o que fora dito, beijando as duas senhoras e logo segurava a mão da filha de Antônio e juntas deixavam à casa.

 

 

              Os aposentos de Gabriele ainda estavam mergulhados na penumbra. As cortinas cortavam os raios solares para que seu sono não fosse incomodado. Era possível ver pelo assoalho as roupas que tinham sido usadas pelas amantes na noite anterior. Os lençóis emaranhados, travesseiros jogados, como se ali tivesse acontecido uma épica batalha, talvez sim, afinal, houve inúmeras delas sobre aquele leito durante toda a noite, invadindo a madrugada. As guerreiras não pareciam prontas para ceder em sua fúria, mas o prazer tinha sido a prioridade, mesmo que a raiva estivesse dominando-as.

              A Bamberg mexeu-se preguiçosa, estendendo os braços em busca de algo, tateou devagar, mas o que buscava não estava lá. Lentamente abriu os olhos. Sentia-se imensamente cansada. Sabia que pouco dormira, pois seu corpo fora requisitado durante toda a madrugada, como se não houvesse fim na paixão da empresária.

              Observou o relógio sobre a cabeceira.

              Oito horas!

              Não estava acreditando que apenas cochilara por duas horas ou até menos.

              Ao seu lado viu a minúscula calcinha que Ana Valéria usara...tocou-a, sentindo a maciez do tecido...sabendo que ela estivera ensopada há algumas horas...era prova da sua vergonha, prova de que fora fraca e cedera a todos os apelos do corpo.

              “Chupe-a, minha senhora...passe sua língua...”

              Irritada, jogou-a longe.

              Não acreditava que tinha sido tocada sem chances de protestar. Cedera aos caprichos do corpo sem nem mesmo ter forças para repeli-la como fizera com o minúsculo tecido. Fora usada de tantas formas deliciosas que esquecera que sua raiva ainda estava lá.

              Mexeu-se e sentiu o desconforto no corpo.

              Não fora tocada com gentilezas, mas com uma fúria intensa, uma loucura impiedosa que parecia não ter mais fim, mesmo assim, aceitou-a, aceitou e participou ativamente de cada ato, ainda que agora se odiasse por isso.

              “ Você gosta mais forte...gosta de sentir sua carne tremer...assim...”

              “ Aceite...deixe...”

              Cobriu a face com as mãos.

              Odiava-a a fraqueza que sentia diante do desejo, odiava saber que tinha sido usada sem nenhuma consideração.

              Ouviu batidas à porta, então puxou o lençol para proteger o corpo desnudo. Sabia que não era a Del La Cruz. Ela não tinha educação nenhuma, iria simplesmente entrar como se dominasse tudo e não devesse nenhuma satisfação.

              “ Sim, baronesa...eu gosto...eu gosto...faça...faça...”

              Deu um grunhido forte de raiva.

              -- Filha...

              A voz de Lia soou relutante e preocupada.

              Pensou em mandá-la embora, mas não o fez.

              -- Entre...

              A mulher o fez imediatamente, surpresa com a escuridão que reinava nos aposentos. Observava tudo, parecia buscar enxergar onde pisava.

              -- Filha, já estive aqui duas vezes te chamando e não me respondia...Você está bem?

              Gabi enrolou-se ainda mais nas cobertas.

              -- Não quero falar com ninguém, estou com dor de cabeça.

              Lia aproximou-se, agora já conseguindo ver com mais nitidez a bagunça do lugar.

              -- A senhora Ana Valéria me pediu para acordá-la e ajudá-la a se vestir...

              -- Eu não quero saber nada sobre a Ana Valéria, ela não manda na minha vida, não manda em mim! – Dizia furiosa. – Não desejo nem mesmo que ela coloque os pés no meu quarto...

              A expressão da empregada mostrava preocupação.

              -- O que houve? O que ela lhe fez?

              “Abusou deliciosamente de mim, levando-me à humilhação.” – O pensamento intrusivo dizia, mas seus lábios não falaram.

              Lia caminhou até as cortinas, abrindo-as e foi quando teve a visão da bagunça que tinha nos aposentos.

              Um roupão estava rasgado, enquanto a delicada camisola de seda tinha sido reduzida a nada...

              -- Vocês brigaram? – Lia voltou a perguntar.

              Gabriele sentia a face corar, então se virou de bruços e afundou o rosto no travesseiro.

              -- Gabi, o que se passou, menina? – A voz da mais velha soava preocupada.

              Alguns segundos se passaram, até que a voz chorona da Bamberg fosse ouvida.

              -- Ela me usou, Lia, me tocou sem meu consentimento...—Soluçava. – Abusou de mim...

              -- Deus do céu! – A empregada cobriu a boca com a mão. – Quer dizer que ela te forçou? – Questionava chocada.

              A chef de cozinha levantou um pouco a cabeça, havia lágrimas em seus olhos.

              -- Não, Lia, eu não queria...mas meu corpo queria... – Chorava copiosamente. – Meu corpo cedeu como se pertencesse a ela...cedia a tudo, mesmo que fosse humilhante... – Batia com o punho fechado sobre a cama. – Abusou de mim...

              A empregada tentou esconder o riso. Aproximou-se, tocou-lhe a face molhada.

              -- Cedeu porque a ama...isso é normal...

              -- Normal? – A morena elevou o tom de voz. – Ela me traiu, ela esteve com outra, ficou com outra e depois veio para mim como se tivesse direitos...

              -- Te traiu?

              Gabriele fez um gesto rápido com a cabeça afirmando.

              -- Ela me traiu com a Lorena...eu vi...vi...vi vídeos e imagens...

              Havia confusão e incredulidade na expressão da sua fiel amiga e protetora.

              -- Não acredito que a baronesa faria isso, ainda mais com essa mulher que lhe fez tanto mal...—Acomodou-se na cama. – Gabi, você tem certeza disso?

              -- Eu vi...

              -- Não consigo acreditar, para mim é um dos maiores absurdos que já ouvi, talvez se me dissesse que foi a Paloma...mas com a Lorena...

              -- Ela não me negou nada...eu falei e ela não me negou... – Voltou a chorar. – Me sinto tão mal e humilhada...queria ir para bem longe...por isso que fechava a porta do quarto, eu sabia que acabaria cedendo se ela insistisse...agora ela deve estar rindo de mim...rindo da minha fraqueza...

              Lia passava a mão para limpar as lágrimas.

              -- Querida, deve haver uma explicação para tudo isso, converse com sua esposa, escute-a...eu testemunhei como ela estava triste todos esses dias por sua rejeição, vi como ficou desesperada quando você se machucou...por favor, não aja sem antes pensar...

              Gabriele ficou em silêncio.

              A porta foi aberta sem nenhuma educação e lá estava a causa de todo seu descontrole e desejo infinito.

              Fitou a ruiva e observou como parecia imponente. Usava a blusa de mangas longas listradas entre o preto e o branco. Saia longa e de cintura alta na cor preta. Sapatos de salto e bico fino. Os cabelos estavam soltos e trazia na bela face os óculos de graus.

              -- Disse para que ajudasse a minha esposa a se vestir, Lia! – A voz fria soou implacável.

              -- Não irei a lugar nenhum contigo! – A chef de cozinha respondeu. – Saia do meu quarto, não tenho nenhum interesse em te ver aqui.

              A ruiva exibiu aquele sorriso cheio de sarcasmo, enquanto cruzava os braços.

              -- Te aconselho a aceitar a ajuda da Lia para tomar banho e se vestir...ou deseja que eu mesma faça? – Provocou-a. – Eu não me importo de fazer, mas não sou tão delicada quanto à sua protetora...sem falar que vamos acabar demorando mais nessa simples tarefa...

              Furiosa, Gabriele arremessou o travesseiro contra a esposa que segurou o objeto antes que lhe atingisse a face.

              -- Está passando dos limites, freirinha, não teste mais a minha paciência, você já viu o que se passou ontem.

              -- Eu odeio você! – Gabriele esbravejou jogando mais uma vez outro travesseiro.

              Clarisse entrava nos aposentos, pois tinha ouvido os gritos e ficara preocupada, recebendo na face o objeto jogado.

              A Bamberg se desesperou e quando tentou se levantar, o lençol que cobria seu corpo despido cedeu, rapidamente ela se cobriu, ainda mais diante do olhar provocador da Del La Cruz.

              -- Perdão, tia, não era para bater na senhora...

              Ana Valéria permanecia parada no meio dos aposentos, seu olhar exibia irritação e impaciência.

              -- Vou lhe dar dez minutos, Bamberg, para tomar um banho e ir ao meu encontro, caso não o faça, eu mesma voltarei aqui e te arrasto até o banheiro. – Ameaçou-a. – Não me faça voltar aqui, creio que não vai gostar muito dos meus métodos.

              -- Quem pensa ser para me obrigar?

              -- Diga você quem eu sou...porque não perderei mais meu tempo com seus dramas...faça sua escolha e arque com as consequências.

              Sem esperar, deixou o quarto, enquanto as duas mulheres mais velhas olhavam-se em preocupação.

              Clarice parecia buscar explicações com Lia, mas a empregada permanecia em total silêncio.

              Enquanto Gabriele tinha o olhar na porta, parecendo tentar controlar as emoções que pareciam ferver em seu interior.

              -- Filha, eu acho melhor que permita que a Lia te ajude...eu não sei o que se passa, mas a Ana não vai ceder, vai voltar aqui e vai ela mesma te arrumar... – Clarice dizia insegura. – Melhor não ter mais brigas.

              -- Eu não irei! – A garota disse orgulhosa. – Não irei ceder, ela não manda em mim, não é minha dona.

              -- Gabi, é melhor não arrumar mais confusão, vamos comigo, eu te ajudo...depois você briga, mas agora vamos comigo, por favor...estamos te pedindo... – Lia tentava acalmar a jovem.

 

 

              No escritório da mansão, Ana Valéria estava sentada diante da tela do computador. Ela tamborilava os dedos impacientemente sobre a barra lateral da cadeira.

              Era possível perceber como estava furiosa, mesmo assim tentava controlar sua raiva.

              Sim, raiva, estava com muita raiva da esposa, raiva por ela ter escondido o que se passava, raiva por ela ter acreditado nas mentiras, raiva por ela acreditar que fora traída e ainda mais com a Lorena.

              Na noite passada sabia que tinha passado dos limites, mas sua fúria era tanta que apenas conseguia descontar em seu desejo sexual. Desejara castigá-la, infligir em sua carne a mesma dor que ela infligira em sua alma. A mesma agonia que sentira dia a dia sem saber o motivo de Gabriele não lhe querer mais.

              Tudo poderia ter se resolvido se ela tivesse contado o que tinha acontecido, se tivesse falado sobre as tais fotos e o tal vídeo, mas não, sua infantilidade e tolice era tanta que apenas guardara para si, não se importando que isso machucava-a.

              Lorena e Otávio estavam por trás de tudo aquilo. Tinham armado tudo de forma perfeita e a boba da esposa caíra como um patinho.

              Ana Valéria levantou-se e seguiu até a janela, observando o jardim da mansão, parecia buscar algo para acalmar o tormento que tinha se instalado em seu peito.

              Quando decidiu confessar seu sentimento a Gabriele, fê-lo, mesmo temendo sair ferida mais uma vez. Com ela era diferente de tudo o que vivera, dos casos que colecionara e talvez esse fosse o motivo de ter medo de falar e aceitar o que sentia, pois sabia que se não desse certo seria ainda mais destrutivo do que fora com a Lorena.

              Fitou a aliança que ainda trazia em seu anelar esquerdo. Brincava com o aro distraidamente, tentando não pensar em como tudo aquilo tinha lhe abalado mais uma vez.

              Ouviu batidas à porta e logo via a imagem da mãe.

              -- Ana, Gabriele já está pronta.

              A ruiva suspirou, enquanto fazia um gesto afirmativo com a cabeça.

              -- Então vamos indo.

 

 

              O trajeto fora feito em total silêncio.

              Gabriele e Clarice seguiam no banco de trás, enquanto Ana dirigia o veículo. Nenhuma palavra fora dita, nem mesmo quando a Bamberg entrara no carro. Em alguns momentos, a chef de cozinha conseguira ver o olhar protegido pelos óculos de sol pelo espelho, porém não conseguira decifrá-los, queria vê-los, queria buscar as emoções em seus olhos.

              Várias vezes abrira a boca para questionar para onde estava sendo levada, mas não o fez. Não iria começar uma briga, ainda mais na presença de Clarice, ainda mais pelo acontecimento matutino que a deixara constrangida.

              Olhava pela janela do carro.

              O dia estava nublado. Não havia o brilho do astro solar que estava sendo ofuscado por nuvens carregadas. Observava o número grande de veículos que trefegava naquele momento. Tentava imaginar para onde estava indo, mas não conseguia pensar em nenhum local naquela área que pudesse ser interessante para a Del La Cruz.

              O que ela pensava em fazer? Mentir? Negar tudo?

              Não, ela nem se importara em agir assim. Fizeram sexo durante toda a noite e única coisa que ouvia dos lábios cheios eram frases cheias de atrevimento.

              Sentia a face corar só em lembrar da forma como fora tocada.

              Não gostava nem de fechar os olhos que as cenas começavam a aparecer em sua mente. A ruiva não poupava seu talento quando se tratava de sedução. Sua boca era muito experiente no quesito de ousadia...

              Respirou fundo e isso chamou a atenção de Clarice.

              -- Tudo bem, querida? – A mulher questionou preocupada.

              A Bamberg fitou as próprias mãos, depois encarou a mãe da esposa.

              -- Sim.

              Nesse momento o carro entrou em um estacionamento e para surpresa das duas mulheres se tratava de uma delegacia.

              Ana Valéria desceu e abriu a porta traseira, pegando as muletas da esposa no porta-malas, depois as entregou.

              Gabriele sentiu um arrepio quando os dedos longos da ruiva tocaram os seus por acidente, então viu uma marca no pescoço esguio da filha de Antônio. Ela tinha sido responsável por aquilo, fora outras que deviam estar espalhadas por todo o corpo bonito.

              -- O que viemos fazer em uma delegacia? – A neta de Bernard indagou recuperando a raiva.

              Ana Valéria não respondeu, apenas seguindo para o interior do prédio e praticamente forçando-a a segui-la.

              O lugar estava cheio, havia policiais por todo lado e pessoas que pareciam prontas para serem atendidas.

              A Del La Cruz parou diante de uma mesa e não demorou para ser guiada até uma sala, sendo seguida pela esposa e pela mãe.

              O mesmo homem que estava lá no dia que acontecera o fato com Lorena se encontrava. Cumprimentou os presentes, apontando as cadeiras para que se acomodassem.

              -- Não entendi de início o seu pedido, senhora Del La Cruz, mas como não havia nenhum problema em ajudá-la, aqui estou. – Entregou uma pasta a Gabriele e a Clarice. – Esse é o boletim de ocorrência do determinado dia.

              A Bamberg lia e parecia cada vez mais confusa. Vez e outra seu olhar buscava o da esposa, porém ela permanecia impassível. Não demonstrava nenhuma emoção, ficando ali, como se nada estivesse acontecendo.

              -- A senhorita Lorena esteve aqui na delegacia, estava machucada, narrara um ataque, mas não dissera quem era o responsável, na verdade, ela disse não saber. – O delegado dizia diante da expressão curiosa da chef de cozinha. – Pediu para que a ligação fosse feita para a senhora Ana Valéria, foi feito e ela estivera aqui e ambas deixaram a delegacia.

              O delgado ligou a TV e a gravação daquela noite aparecia. Realmente estavam lá os fatos narrados.

              Gabriele acompanhava as cenas, via a face da irmã de Trevan ferida, observava como ela se jogara nos braços da ruiva e como a esposa parecera desconfortável com o excesso da outra. Mas isso nada provava, afinal, tinha visto o beijo.

              Ana Valéria levantou-se.

              -- Agradeço sua gentileza em esclarecer parte dos fatos. – Estendeu a mão para cumprimentar o homem.

              -- Espero ter ajudado...

              Novamente a filha de Antônio seguiu sem esperar as duas mulheres que se despediram do delegado e logo deixavam o escritório.

              Clarice não entendia nada o que estava acontecendo, mas começava a perceber que havia algo relacionado à Lorena na história e isso deveria ter sido a causa dos problemas que vinham acontecendo nos últimos dias.

              Observou a Bamberg aproximar-se da esposa que esperava com o porta-malas aberto. Ficou um pouco para trás, permitindo que ambas pudessem conversar.

              -- Então, o motivo de ter estado com a Lorena naquela noite foi isso? – Gabriele desdenhava. – E o beijo? Não me diga que foi para consolá-la...ah, por favor, Ana Valéria, me leve embora para casa, minha perna está doendo e já estou cansada de tudo isso...não quero saber de nada...não vai me convencer que a beijou apenas por pena...

              -- Sabe o que mais me machuca em toda essa sua histeria é que não teve a dignidade de me contar o que se passava...talvez, não estivéssemos enfrentando tudo isso agora. – Pegou as muletas para guardar. – Eu pensava que o fato de me amar me daria pelo menos a chance da defesa...

              Gabriele estava encostada no carro, os braços estavam cruzados, enquanto ponderava sobre o que ouvia.

              -- Será que tudo o que vivemos não tinha que ser levado em conta? – Ana Valéria questionava. – Achava o que hein? Ah, sim, que eu tinha confessado meu amor porque queria suas malditas ações...que eu fingia que te queria todas as vezes que me entregava...—Passou a mão pelos cabelos. – Eu devo ser uma ótima atriz mesmo. – Abriu a porta. – Entre, senhora.

              -- Irei no banco da frente. – Respondeu altiva.

              Clarice acomodou-se, esperando que as duas mulheres se entendessem, mas conseguia ver que a filha estava muito triste e irritada.

              Mais uma vez o carro seguiu, fazendo alguns contornos pela cidade.

              A Bamberg pensou em voltar a questionar para onde estava indo, mas não o fez. Esperava que estivessem indo para casa. Queria apenas deitar e poder sofrer sozinha, sem ninguém para testemunhar sua dor.

              Olhou de soslaio e viu o perfil forte da ruiva que parecia ter atenção total na estrada.

              Queria poder esquecer tudo aquilo, queria que nunca tivesse acontecido, que nunca tivesse recebido aquelas imagens.

              Pensou em falar algo, mas não quis fazê-lo na presença da sogra. Sabia como ela devia estar apreensiva com tudo aquilo. Será que Ana tinha contado a história?

              Não, ela estava surpresa diante da narrativa do delegado. Decerto nem sabia o que a filha tinha aprontado nos últimos dias.

              Massageou a perna.

              Realmente estava doendo. Forçara-a bastante.

              A Del La Cruz tentava se concentrar apenas no caminho que fazia. Não desejava pensar em Gabriele naquele momento, não desejava pensar em como se sentia ferida por sua desconfiança e acusações. Naquele momento, só desejava provar que fora inocente em toda aquela armação, depois pensaria no passo que daria depois de tudo aquilo.

              Amava-a e por isso doía tanto.

              Quase meia hora depois o veículo parava diante do prédio de Trevan.

              -- Não acredito que vai envolver meu pai nessa história, baronesa. – A Bamberg falou sem esconder a indignação. – Não descerei, não desejo envolvê-lo em tudo isso.

              A ruiva não parecia se importar, apenas deu de ombros, descendo do carro.

              Gabriele suspirou impaciente, mas acabou seguindo-a. Clarice a ajudou a subir as escadas, fizeram em total silêncio, apenas ponderando sobre o que aconteceria naquele lugar.

              Ao entrar, o homem veio ao encontro da filha, abraçando-a.

              -- Está bem, querida? Deve tomar mais cuidado para não sair por aí se machucando. – Beijou-lhe a testa.

              -- Eu estou bem! – Falou tentando disfarçar o desconforto.

              Ana Valéria estava em pé no meio da sala. Sua expressão era neutra, não havia nenhum sentimento que pudesse ser visto naquele momento.

              O fotógrafo cumprimentou Clarice, ofereceu algo para as visitas, mas foi cortado pela empresária.

              -- Apenas mostre as imagens da câmera, pois não tenho todo o tempo do mundo para suas cortesias.

              O homem fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              Fora procurado pela empresária logo cedo naquele dia, não recebera muitas explicações, apenas fora exigido que ele conseguisse as imagens de determinada data. Ele mesmo nem sabia do que se tratava.

              Ele ligou a TV e aumentou o volume para que todos ouvissem bem o que estava sendo apresentado.

              Ana Valéria não sentara como os demais, apenas ficou lá, parada, vendo tudo o que era passado.

              Gabriele não desgrudava os olhos do aparelho, acompanhava tudo com crescente apreensão.

              Viu o momento que ambas entraram no apartamento.

              O que a baronesa queria? Humilhá-la diante de todos?

              “ Ana Valéria lhe segurou pelo braço.

-- De que falas? – Ana indagou por entre os dentes. – Quem te espancou?

-- Ah, agora você se importa? – Lorena livrou-se do toque. – Parece muito interessada quando seu lindo nome entra na história, mas eu não falarei. – Apontou a porta aberta. – Volte para sua casa, para sua mulherzinha, não desejo voltar a olhar para tua cara nunca mais. – Passou a mão pelos cabelos. – Se eu soubesse que agiria assim, jamais teria falado para te ligar, mas não tinha mais ninguém para me ajudar nesse momento horrível.

A Del La Cruz suspirou.

-- Quem fez isso? – Voltou a perguntar. – E por que não falou o nome ao delegado?

Novamente a loira iniciou seu choro, jogando-se nos braços da ruiva.

-- Eu estou com medo, Ana, muito medo, você não entende...temo por sua vida, temo que te firam, que te façam algo mais uma vez.

A baronesa pensou em empurrá-la, mas dessa vez não o fez. Talvez devesse fazê-lo, mas pensou que realmente não era uma situação muito boa para aquela mulher, mesmo depois de tudo o que tinha lhe feito.

Ouvia-a chorar e não pode deixar de sentir pena, sim, sentiu, mesmo depois de tudo o que tinha passado, fora isso que sentiu diante do que via. Ela estava muito machucada. A face bonita cheia de hematomas.

-- Lorena, me diga quem te machucou... – Segurou-lhe o queixo delicadamente. – Tomarei providências para que não volte a acontecer.

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas não fez menção de soltar a filha de Antônio.

-- Foi o Otávio...

Ana Valéria parecia chocada com o que ouvia.

-- Pensei que estivessem unidos? – Indagou com ceticismo.

Ela fez um gesto afirmativo.

-- Eu pensei que ele estava preocupado comigo...—Mordiscou a lateral do lábio inferior. – Não nego que me sentia confortável com ela, pois foi o único que se mostrara atencioso comigo depois do que se passou com o Antônio... – Ela tocou a face da ruiva. – Porém, hoje ele ficou furioso quando tentou me beijar e eu não permiti...—Soluçou. – Me agarrou a força...ficou furioso porque não aceitei...então começou a falar que se fosse contigo eu não me negaria...

Ana tentou se afastar, mas teve sua boca tocada pela noiva do pai, afastando-a de si.

-- Eu te amo...eu não consigo nem imaginar em ficar com outra pessoa...

-- Eu não sinto nada por você! – A baronesa a deteve. – Não se iluda, não vim te ajudar por que tenho algum interesse, não tenho mesmo, vim apenas porque não queria que o nome da minha família voltasse a ser matéria de jornais...principalmente por minha mãe.

-- Eu não acredito! – Lorena falo em tom alto. – Eu fui a primeira que te toquei, fui eu quem te fiz mulher!

-- Sim, e foi também você quem destruiu minha vida, que acabou com tudo o que eu sentia... – Passou a mão pelos cabelos. – Você me matou dia a dia naquele maldito manicômio...e o que fez por mim? – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Nunca se importou comigo, apenas com sua ambição...

-- Eu não podia fazer nada, seu pai me mataria! – Sentou-se na poltrona. – Eu era tão jovem quanto você...tinha sonhos, estava cansada de ser pobre...e tinha o Trevan com a Gabriele...ela tinha sofrido um acidente na época e meu irmão queria dinheiro para tirá-la das mãos do barão...

Novamente, Ana mostrava-se cética.

-- Se não acredita, investigue! – Lorena falou. – Sua amada tinha sofrido um acidente na época...veja se não há uma cicatriz sobre o lábio superior... – Desdenhou. – Ela foi salvar um gato e quase morreu, foi por isso que o barão a tirou do meu irmão e a jogou no convento...então nessa época, a gente precisava muito de dinheiro.

-- Eu não quero saber mais de nada. – Caminhou até a porta. – Irei falar com Otávio e espero que o denuncie para que não volte a lhe fazer isso.”

Gabriele tinha as lágrimas banhando os olhos quando a cena encerrou, mas ainda foi possível ver Lorena ligando para Otávio e dizendo que tudo tinha sido feito de forma poderiam agora separar as duas mulheres.

Trevan desligou a TV, enquanto tinha seus olhos na filha e na empresária. Via o desespero presente na face bonita da neta de Bernard. Então, fora isso, sua irmã conseguira destruir a relação. Chegara a pedir para que as deixasse em paz, exigiu que não se intrometesse, mas ela fizera e pelo que via, tinha conseguido obter sucesso.

O olhar da Bamberg encontrava o da empresária, parecia buscar algo, tentar desculpar-se por suas acusações, porém sua expressão era tão fria quanto uma estátua de mármore.

-- Levante-se, Bamberg, vamos embora.

A voz de Ana Valéria soou gélida como iceberg. Não havia emoções, nem pesar ao ver o arrependimento presente nos olhos da esposa. Não parecia penalizada por vê-la em lágrimas.

 

             

              Na mansão, o clima não era um dos melhores.

              Clarice contara a Lia tudo o que tinha acontecido, deixando a cozinheira perplexa.

              Ana Valéria deixara a casa tão logo tinha deixado a esposa e a mãe. Já era noite e não tinha retornado.

              Luna ficara com Gabriele durante longas horas, mas estava sonolenta naquela noite e fora dormir cedo.

              -- Filha, você deve comer algo. – Lia insistia.

              A Bamberg estava na varanda, olhava para o jardim, observava a noite de chuvas.

              Estava ansiosa, tentara falar com Ana Valéria várias vezes, mas ela não atendera o telefone. Decerto, estava no apartamento. Sentia-se culpada, sentia-se uma estúpida por ter caído no plano de Lorena e Otávio.

              Sentiu a mão sobre seu ombro esquerdo.

              -- Eu fui uma boba, Lia, duvidei da minha mulher e eu sei que ela não vai me perdoar. – Dizia sem se voltar.

              -- Ela te ama...e o amor vai acabar falando mais alto em algum momento...tenha paciência...

              -- Eu a machuquei muito...ainda mais sabendo que ela tinha sofrido muito depois do que passara com a Lorena... – Virou-se para a empegada. – Eu podia ter falado tudo...mas eu preferi dizer que não a amava...—Dizia chorando. – Eu fui tão cruel, fui tão má...eu não medi esforços para feri-la...

              Lia abraçou a jovem que acolhera como se tivesse seu sangue.

              Sentia os espasmos do pranto, enquanto acariciava os cabelos em cachos. Sabia que naquele momento nada que falasse poderia ajudar a jovem, então apenas permanecia lá, acolhendo-a em seu desespero e pedindo a Deus que as coisas pudessem se resolver entre as duas mulheres.


 

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