A antagonista- Capítulo 22


            O som da voz de Otávio era ouvido por todos, ele era incisivo em seus argumentos para que a união entre as empresas acontecesse. O advogado sabia que aquela era a única oportunidade para concretizar os planos de Antônio.

              Gabriele não parecia decifrar as palavras ditas, precisava fazer um esforço maior para conseguir entender o que o representante do político estava falando. Seus olhos estavam presos em Ana Valéria, fixados na bela mulher que exibia aquele ar tão arrogante como sempre. Observava-a e buscava em seu olhar a confirmação de que estava diante da dançarina a quem se entregara com tanta paixão.

                   Respirou fundo.

                 Havia algo dentro de si que vibrava em uma felicidade inexplicável. Saber que realmente estava certa e que a Del La Cruz estava viva. Sentiu uma vontade de ir até ela e abraçá-la, mesmo não acreditando que sua relação fosse melhorar, ainda mais agora que se unira a Antônio, deixando entrar em sua empresa até mesmo a irmã de Trevan.

                 Baixou a cabeça por alguns segundos.

                – Vamos assinar, meu amor, podemos resolver tudo agora. – A voz de Miguel soava carinhosa.

                Lorena tentava não olhar para Ana Valéria, porém sentia um misto de ansiedade e temor pelo retorno da empresária. Olhava-a e sentia que tinha mergulhado em um pesadelo, mesmo que não tivesse sido seu desejo a morte da baronesa, pois o seu mais íntimo segredo era que conseguiria seduzir novamente a bela ruiva e assim a teria para si. Vendo-a, agora, ressurgia em seu interior esse desejo que acalentava secretamente.

              – E então, Gabriele?

           Novamente a voz da filha de Antônio fez-se ouvir.

              Ela não estava mais parada na porta, agora seguia lenta e seguramente próximo a todos, como se quisesse mostrar que realmente era feita de carne e osso. Exibia um sorriso, os olhos azuis brilhavam em desdém. Ouvi-la chamar seu nome fora algo que a deixara desconsertada. Fitou os lábios rosados, pensou em como fora maravilhoso quando os sentiu em seu corpo.

             A Bamberg olhou-a mais uma vez e foi quando disse em bom som:

              – A reunião ficará suspensa até que possamos nos organizar diante do retorno da baronesa.

              Antônio exclamou uma expressão que não condizia com sua figura de homem íntegro e religioso.

              Levantando-se, fitou a filha com todo o ódio que trazia em seu coração, deixando em seguida a sala.

               – Acho que já foi dito o que deve ser feito. – Ana apontou a porta. – Talvez nos encontremos em outro momento, hoje não.

              Os demais acionistas e auxiliares do Del La Cruz deixaram a sala, apenas Miguel ainda voltou a chegar perto da noiva que foi bem enfática:

               – Conversamos depois!

               O advogado pareceu pronto para protestar, porém não o fez, deixando em seguida o recinto. Agora, apenas Branca, Ana Valéria e a Bamberg ficaram no local.

             A ruiva sentou-se na cadeira que ficava na lateral da neta do barão, Branca permanecia de pé, parecia temer um confronto entre as duas mulheres, mesmo conseguindo ver os olhos escuros da chef de cozinha brilhar diante da outra. Ainda não tivera tempo para questionar sobre o dinheiro que fora entregue a Tatiana, estivera tão preocupada que nem perguntara em relação aos cheques que foram descontados. Será que Gabriele tinha visto a baronesa na boate?

            – Gabi, depois te conto os detalhes do encontro que trouxe de volta a Ana Valéria… – Falou tentando manter a paz. – Agradeço por ter encerrado a reunião.

            – Agradece? – A ruiva perguntou com olhar de sarcasmo. – Ela nem devia estar nessa cadeira fazendo associações com o meu pai.

            A Bamberg suspirou.

            Olhava para a mulher sentada a sua frente, parecia buscar algo que mostrasse que o que se passara entre ambas fora importante, porém não havia nada naqueles olhos azuis a não ser indiferença. Fitou Branca em busca de uma explicação.

            – Ana Valéria tinha perdido a memória quando sofrera o acidente de avião, agora ela recuperou boa parte, porém está confusa…as lembranças congelaram em um período bem anterior a sua chegada.

            Havia confusão no olhar da chef de cozinha.

            –Então não se recorda de mim?

            – Não! – A Del La Cruz respondeu. – O que sei de ti é o que a Branca me contou…Fiquei surpresa com a história do casamento…

           Gabriele sentiu uma angústia dentro de si. Mais uma vez teria que lidar com a frieza e inflexibilidade da esposa do avô. Uma terrível frustração parecia tomar conta dos seus sentidos, imaginando como deveria se comportar mais uma vez diante da baronesa que não parecia se importar com nada, nem com ninguém. Pensava na Luna. Decerto, também a garotinha não estava em suas lembranças, porém não acreditava que ela renunciaria à criança, ainda mais pelo fato dela ser herdeira das ações do pai.

            Tamborilava os dedos sobre a mesa de forma impaciente o que chamou a atenção da herdeira excluída do Del La Cruz.

            -- E então, o que me fez contrair casamento com a neta do maldito Bernard? – Ana indagou, olhando-a profundamente. – Não acho que me ame, afinal, não te vi se jogar nos meus braços ao me ver viva. – Desdenhou.

            A Bamberg sentia um arrepio na nuca ao ouvi-la falar, agora sem o sotaque francês que usava tão bem. Sim, não se jogara nos braços da ruiva, pois mesmo com todo o desejo que sentiam, nada mais havia entre elas. Porém, em seu interior havia uma fagulha de felicidade por vê-la ali, por tê-la de volta, mesmo sabendo que não teria um lugar em seu coração. Será que se ela lembrasse de quando era a dançarina sentiria algo por si ou fora apenas sexo? Precisava conversar com Branca e lhe contar tudo sobre sua relação com a Rubi. Sentia-se mal por não ter revelado antes, porém não tinha certeza das próprias suspeitas, mesmo tendo em seu corpo as mesmas sensações que tinha com a baronesa, duvidara em algum momento.

            -- A senhora também não se jogou nos meus... – Respondeu levantando-se. – Branca, eu irei até o restaurante, porém acho que deva falar com a tia Clarice sobre o retorno da sua filha, afinal, ela é a pessoa que mais esperou por isso junto contigo. – Pegou a pasta. – Acho que minha temporada por aqui acabou.

            A administradora fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Não, Gabi, ainda precisamos de você, pois como Otávio e Miguel frisaram, Ana Valéria ainda não está juridicamente viva, sendo assim, ainda continua à frente da corporação.

            -- Está bem... – Assentiu com um suspiro. – Nos encontramos em outro momento. – Falou evitando olhar para a esposa.

            A Bamberg deixou a sala, enquanto Branca acomodava-se próximo da baronesa.

            -- Como se sente? – Perguntou preocupada.

            Ana Valéria massageava as têmporas.

            -- Minha cabeça está doendo...estou cheia de memórias desconexas...

            -- Acho melhor não irmos até a sua mãe nesse momento...

            -- Claro que não! – Negou-se. – Desejo muito vê-la, preciso.

            A administradora ponderava. Sabia que não era justo adiar ainda mais aquele encontro, ainda mais devido ao longo tempo que ambas estiveram separadas. Falara com Clarice, contara sobre o retorno da Del La Cruz, ouviu o choro e as preces de gratidão proferidas pela mulher.

            -- Está certo, porém antes vamos ao médico, quero que ele te examine.

 

 

 

 

            Na mansão de Antônio Del La Cruz estavam reunidos: Miguel, Otávio, Lorena. O patriarca esbravejava em plenos pulmões.

            -- Ainda podemos conseguir a fusão. – Otávio dizia. – Miguel, telefone para a Gabriele, ela ainda é a presidente da empresa.

            O político sentou-se, enquanto estendia o copo para o noivo de Paloma lhe servisse mais uma dose de uísque.

            -- Faça isso logo, rapaz, nosso futuro depende disso. – Antônio bebeu todo o conteúdo de uma única vez. – Essa minha filha tem mais vidas que um gato...é muito forte, pois se não fosse assim teria sucumbido quando a joguei naquele manicômio. – Falava pensativo. – Ela voltou e continua sendo uma pedra em nossos sapatos.

            Lorena apenas ouvia, não parecia interessada nos planos, pois seus pensamentos voltavam naquele momento para a baronesa. Nem parecia que tinha passado mais de dois anos. O olhar da ruiva nada mudara, continuava exibindo aquela expressão desdenhosa e orgulhosa, não parecendo temer a nada nem a ninguém. Se pudesse reconquistá-la não mediria esforços, afinal, poderia não apenas ser muito rica, poderia ter também a poderosa mulher.

            -- Lorena...

            A voz impaciente de Antônio foi ouvida, tirando-lhe dos seus devaneios.

            -- Desculpe, estava distraída...

            -- Ligue para o inútil do seu irmão, peça que vá atrás da Gabriele, acho que nesse momento ele é a pessoa indicada para conseguir convencer a moça a fazer a nossa vontade.

            -- Eu também irei falar com ela, estamos noivos, ela vai me ouvir.

            A loira pensou em retrucar, mas permaneceu calada. Tinha visto o olhar de Gabriele quando a Del La Cruz entrou na sala, havia algo naqueles olhos negros, sabia que elas tinham tido algo, que foram amantes. Morria de ciúmes só em imaginar que a ruiva estivera com a filha adotiva de Trevan.

            -- Eu irei falar com meu irmão, quanto a você, Miguel, deve ir até sua noiva urgentemente, não pode permitir que fique ao lado da baronesa. Não deve esquecer que são casadas.

            -- Eu mesma darei entrada nos papéis para dissolver essa relação, afinal, nem mesmo fora consumado.

            Lorena fez um gesto afirmativo com a cabeça, porém foi Otávio que falou:

            -- O divórcio vai ser o melhor caminho, ainda mais se fizermos a Gabriele buscar parte dos bens da esposa... – Dizia pensativo. – Ela pode ter as ações da empresa.

            -- Isso é uma boa ideia... – Antônio dizia. – Vamos fazer um jantar e quero a presença da Bamberg, ela será nosso maior trunfo contra a Ana Valéria.  

 

 

 

 

 

 

            No restaurante, Gabriele se ocupava de preparar a comida. Estava com a mente perturbada e costumava inventar pratos quando se sentia assim. Hellen observava tudo em silêncio, pois nas vezes que tentara falar com a amiga, recebera apenas monossílabas. Estava cheia de perguntas, ainda mais depois que lhe contara sobre o retorno da baronesa. Encheu o copo com água, bebendo-o devagar.

            A Bamberg cortava cebolas, fazia-o lentamente, enquanto mantinha seu olhar no afazer.

            -- Não sei por que me contou essa história se não me deixa ouvir os detalhes.

            -- Quais detalhes você quer? – Indagou sem interromper o que fazia. – Está claro que te disse que Ana Valéria está de volta.

            -- Sim, você deixou claro também que ela era a Rubi...porém o que não me esclareceu é se ela continua desmemoriada.

            Naquele momento, a neta do barão interrompeu o que fazia, encarando a amiga.

            -- Não, ela não lembra, parece que só consegue se recordar de parte da vida, acho que ainda parou no tempo em que o meu avô ainda era vivo.

            -- Hun...então não se lembra de ter feito sexo contigo...

            A face da jovem enrubesceu.

            -- Não quero que fale mais sobre esse assunto. – Pediu deixando a faca de lado. – Sabe muito bem que eu não deveria ter me deitado com a...—mordiscou a lateral do lábio inferior. – da dançarina que na verdade é a Ana Valéria. – Retirou o avental. – Agora ela retorna e se comporta novamente com toda aquela frieza e arrogância...

            Hellen pegou uma banana, descascou-a, depois comia devagar.

            -- Sabe que agora vai ter que terminar seu noivado...não pode continuar noiva quando é uma mulher casada...

            Gabriele olhava para o aro dourado que ainda mantinha em seu anelar direito. Sim, não podia continuar casada e noiva ao mesmo tempo, precisava encerrar uma das relações. Não podia negar que não sentia nada pelo noivo, nem mesmo quando estivera com ele intimamente conseguira sentir prazer. Claro que também não tinha ambições quanto ao casamento, sabia o motivo de ter sido obrigada ao matrimônio e não acreditava que a Del La Cruz morresse de amor por si, diferente dela que estava completamente apaixonada pela baronesa.

            -- Por que não conta a sua esposa sobre a aventura que viveram? Talvez refresque sua cabeça desmemoriada...

            -- E por que acha que quero isso? – Voltou a preparar a comida. – Não quero nem mesmo estar perto daquela mulher.

            -- Eu acho que vai ter que ficar, pois ela é sua esposa e não acredito que a tal Del La Cruz possa abrir mão assim de uma jovem tão bonita como você.

            Gabriele ficou em silêncio, não queria pensar nisso naquele momento, pois ainda se sentia abalada pelo retorno da empresária.

 

 

 

            Na mansão Del La Cruz, Lia tentava acalmar Clarice que andava de um lado para o outro na sala. Desde que falara com Branca não descansava um só minuto, ansiosa pelo momento de reencontrar a filha depois de tanto tempo.

            A empregada lhe entregou uma xícara.

            -- Beba, vai te ajudar a ficar mais tranquila.

            -- Será que elas virão logo? – A ex-esposa de Antônio questionava, enquanto bebericava a bebida. – Estão demorando bastante.

            -- A senhora Branca disse que iriam primeiro ao médico, depois passariam por aqui.

            -- Sim, eu sei. – Afirmou, sentando-se na poltrona. – Porém já são quase seis horas e nada delas aparecerem. – Colocou a porcelana sobre a mesinha. – Será que aconteceu algo com a minha filha?

            -- Claro que não, mulher, ela está bem, não vai demorar para que chegue.

            Clarice fez um gesto afirmativo com a cabeça, porém sua expressão continuava preocupada.

            -- Será que ela vai me perdoar...

            Lia olhava para a porta e estava boquiaberta ao ver Ana Valéria parada lá. Nunca acreditara que realmente aquela mulher estivesse viva, porém agora estava de volta como se nunca tivesse acontecido nada. Observou o olhar ao fitar a mãe, havia uma emoção tão forte que sentiu que era a primeira vez que a via de forma tão humana.

            -- E por que eu haveria de perdoá-la, mamãe?

            A voz soou baixa, embargada, enquanto tinha seus olhos na mulher ali parada.

            Sua mãe...

            Quanto tempo vivera separada dela...Perdera as contas de quantas vezes sonhara em tê-la ao seu lado, em poder revê-la, abraçá-la. Passara todos aqueles anos naquele hospital psiquiátrico se culpando por tudo o que tinha acontecido com a mãe, por ter se envolvido com Lorena. Sempre pensava que tudo teria sido diferente se não tivesse se apaixonado pela loira.

            Continuava parada no mesmo lugar, como se não tivesse forças em suas pernas. Sentia as lágrimas banharem sua face, como se tivessem ficado presas durante todo aquele tempo.

            Clarice olhava sua amada filha. Como se tornara uma bela mulher.

            Aproximou-se lentamente, olhando-a de mais perto.

            -- Minha amada filha... – Acariciou-lhe a face. – Me perdoe por não ter estado ao seu lado... – Soluçava. – Eu pedi tanto a Deus para poder te ver novamente...

            A ruiva sentia o toque em seu rosto, enquanto não conseguia dizer uma única palavra, como se a voz tivesse desaparecido.

            -- Minha pequenina...era apenas uma menina...

            Lia e Branca olhavam tudo emocionadas. A administradora sabia como Ana Valéria sofrera durante aqueles longos anos de espera pela oportunidade de encontrar a mãe. De como Antônio tinha sido cruel durante todas as vezes que conseguira impedir aquele encontro. Ouvia a voz de Clarice, a emoção que ambas sentiam.

            Ana Valéria abraçou-lhe, apertando-se em seus braços, como se temesse perde-la mais uma vez.

            Gabriele acabava de chegar, tinha Luna consigo. Via a cena entre a baronesa e a mãe. Sentia-se surpresa ao ver a fragilidade demonstrada pela Del La Cruz, parecia uma menina naquele momento. Uma garotinha que fora separada da sua protetora durante muitos anos. Ouvia os sussurros, os soluços.

            -- Vovó bem, mamãe?

            A pergunta de Luna fez Branca notar a presença das duas.

            -- Ela está bem sim, amor, apenas está reencontrando a filha...

            -- Titia Ana?

            Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            A pequena ruiva sabia da existência da tia, mesmo sendo bem pequena quando a empresária sofrera o acidente, Clarice sempre lhe contava histórias da baronesa.

            Ana Valéria deixou-se ficar nos braços da mãe, abraçadas. Não queria sair dali, não desejava perdê-la novamente depois de todo aquele sofrimento.

            Luna foi até a avó, puxando a barra do seu vestido, parecia querer ser notada.

            Clarice riu entre lágrimas, tomando a garotinha nos braços.

            -- Essa é a sua titia...

            Naquele momento, a baronesa notou a presença de Gabriele, e pareceu voltar ao seu olhar de inflexibilidade que já era acostumada.

            A chef observou os olhos azuis por alguns segundos, depois desviou o olhar para Lia.

            -- Eu vou para a cozinha preparar o jantar da Luna...conseguiu comprar as coisas que pedi.

            A cozinheira fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Então, essa é a filha de Antony... – A Del La Cruz comentou, enquanto observava a garotinha a lhe fitar. – E eu sou a sua tutora...

            A administradora trocou olhares com a neta de Bernard, parecia lhe pedir calma.

            -- Lia, leve-a para tomar banho...

            -- Claro que não! – Ana Valéria a interrompeu. – Deixe que fique, ela parece bastante curiosa...

            -- Ela é muito inteligente, filha. – Clarice acomodou-se no sofá, colocando a garotinha no colo. – Sente-se, vai ficar aqui, não é?

            -- Não acredito que tenha problemas de eu ficar... – Acomodou-se.

            Mãe e filha iniciaram uma saudosa conversa. A baronesa, mesmo tentando esconder, mostrava-se bastante emocionada.

            A Bamberg deixou a sala.

            A administradora seguiu-a até a cozinha, parecia interessada em acompanhá-la para uma conversa.

            -- Gabi, preciso falar contigo.

            A Bamberg ficou quieta, enquanto seguia buscando algumas coisas no freezer.

            -- Há algumas coisas que me interessa bastante e gostaria que me esclarecesse...

            Ela colocava os ingredientes dentro de uma panela, não parecia interessada na conversa que a administradora propunha. Talvez, ainda estivesse chateada, irritada com tudo o que estava acontecendo. Sentia-se, na verdade, frustrada com tudo. Queria falar com Ana Valéria, dizer o que sentia, o que havia ocorrido entre elas, mas nada dissera, apenas ouvia sua forma fria e debochada de falar consigo.

            -- Sabe como encontrei a Del La Cruz?

            A voz de Branca não parecia ter lhe chamado a atenção ainda, apenas respondendo vagamente.

            -- Não tenho ideia... – Cortava alguns legumes.

            Branca pegou uma maçã, enquanto se sentava no banco.

            -- Eu pedi que o gerente do banco pedisse o endereço do último destinatário do seu cheque...vinte mil...

            Gabriele recolheu a mão, pois a faca passara direto e lhe cortara o dedo indicador. Levou-o à boca.

            A Wasten a olhava com atenção, analisando-a com cuidado, entregando-lhe um guardanapo.

            -- Eu não entendo o motivo de ficar monitorando minhas ações, afinal, você mesma disse que eu poderia usar o dinheiro, coisa que nunca tinha feito antes. – Respondeu aborrecida.

            -- Sim, eu não estou te repreendendo quanto a isso...realmente nunca usou o dinheiro...apenas para a Tatiana... – Mordeu a fruta. – O que você pagou a ela é o mistério...

            A face da Bamberg tingiu-se de vermelho.

            Ela não falaria que tinha se deitado com a baronesa, tampouco que se envolvera em um leilão de procedência duvidosa.

            -- Gabi, eu não vou insistir nisso, porém gostaria muito de saber se você já tinha visto Ana Valéria na boate...

            A chef de cozinha baixou a cabeça e ficou olhando para o sangue que ainda jorrava do seu dedo, agora mais lento.

            --Branca... – Começou hesitante – ela usava uma máscara na face...confrontei-a algumas vezes, pois quando a vi pela primeira vez achei muito parecida com a Ana, porém ela nunca tirou a máscara e sempre negava... – Passou a mão pelos cabelos em um gesto de nervosismo. – Pensei em falar contigo, porém me sentia uma tola...pensava que estava enganada e apenas estava imaginando coisas...ela tinha um sotaque francês...—Encarou a administradora. – Me sinto culpada...eu juro que se soubesse que era ela eu teria te falado.

            A Wasten via os olhos negros marejados em lágrimas a sinceridade e o arrependimento. Desejou questionar mais, porém percebia que ela não parecia bem com tudo aquilo. Não podia negar que ficara furiosa com a jovem, mas a conhecia bem para saber que ela não faria nada para prejudicar a Del La Cruz. Podia até estar errada, mas conseguia ver o sentimento que ela tinha e viu a decepção em seu olhar ao perceber que não era reconhecida pela esposa do avô.

            Lia entrou na cozinha.

            -- A baronesa deseja lhe ver. – Informou. – Ela subiu, está nos aposentos dela junto com a senhora Clarice e a Luna. – Fitou Gabriele. – A pequena ruiva não parece ter esquecido a tia...

            Branca fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois deixou a cozinha.

            A Bamberg continuou no mesmo lugar. Seus olhos pareciam perdidos, enquanto pensava o que aconteceria agora que Ana Valéria estava de volta. Pelo menos se conseguisse lembrar de si, mas não, era uma total estranha.

            -- Está tudo bem?

            A voz de Lia lhe tirou dos seus pensamentos.

            Fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Sente-se triste pelo retorno da baronesa? – Indagou com relutância. – Não acredito que seja isso...

            Havia lágrimas brilhando nos olhos negros mais uma vez.

            -- Vou para o meu quarto, não me sinto bem...acho que a Luna vai comer a sua sopinha... – Deu um beijo na face da mulher. – Depois a leve para mim.

 

 

 

            Mesmo diante da insistência de Clarice, a baronesa não ficara na mansão. Retornara com Branca para sua cobertura. Chegaram tarde e agora a ruiva já parecia pronta para dormir. Encontrou a administradora na sala, falava no telefone com Rogério. Depois de alguns segundos encerrou a chamada.

            -- Não entendo sua insistência em dormir aqui... – A ruiva dizia. – Estou bem. – Deitou-se no sofá.

            Pandora tinha ido consigo para o apartamento. O animal ficara em alegria ao ver a dona depois de tanto tempo. Ela acomodou-se na lateral da poltrona, enquanto recebia carinho da dona em sua cabeça.

            -- o médico disse para que não ficasse sozinha... – Olhou-a. – Por que não ficou na mansão com a sua mãe? Pensei que não se afastaria dela.

            Ana brincava com a cadela, depois respondeu:

            -- Na minha mente o Bernard ainda está vivo...e isso é algo tão ruim...—Umedeceu o lábio superior. – Eu tenho a impressão de que ele vai aparecer para me atormentar ou mandar seus malditos seguranças me espancarem...

            A administradora tinha imaginado isso, pois tinha conseguido ver seu olhar na mansão, estava assustada, mesmo que tentasse não demonstrar. Sabia como aquela bela mulher tinha sido ferida por aquele homem cruel, como ele se aproveitara de sua fragilidade para machucá-la e mantê-la aprisionada.

            -- Ele não está mais aqui e nunca mais vai te fazer mal... – Consolou-a.

            Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Não gostava de transparecer aquela fragilidade que tinha, escondendo-a por sua arrogância.

            -- Eu pedi uma pizza, vai querer? – A Wasten foi até o bar e preparou um drinque para si.

            -- Eu jantei com a minha mãe...ela não mudou nada...continua sendo o ser doce, gentil que esteve comigo por tanto tempo...ainda não acredito que ela está livre do meu pai...

            -- Graças a Gabi...

            A ruiva ficou em silêncio ao ouvir o nome da esposa. Fechou os olhos e algumas imagens apareciam insistentemente.

            -- Gabi...a neta do maldito barão...a mulher que se uniu ao meu pai...

            Branca voltou a sentar-se, tomando a bebida.

            -- Ela fez por temer que Antônio tirasse a menina...eu a entendo, mesmo que nunca tenha concordado.

            -- A Luna? De todo jeito ela vai perdê-la, afinal, não permitirei que fique com a garota.

            A administradora mostrava-se preocupada.

            -- O que pensa em fazer?

            -- Me divorciarei e tirarei essa mulher da minha vida.

            -- Não seria melhor pensar nisso quando recuperar a memória?

            -- Acha que quando recuperar a memória vou me lembrar que estou apaixonada? – Debochou, sentando-se. – Não acho que ela sinta algo por mim...

            -- E você? Não sente nada?

            A Del La Cruz não respondeu de imediato. Havia algo estranho quando a via, uma sensação estranha em seu corpo. Não entendia o que podia ser.

            -- Vou dormir... – Levantou-se. – Peça para a minha secretária marcar uma depilação para amanhã...e eu quero a tal Bamberg na empresa, afinal, ela ainda é a responsável por assinar as ordens e eu tenho muitas para dar.

            Branca assentiu, vendo-a deixar a sala ao lado da cadela.

            Preocupava-se com a relação entre as duas mulheres, ainda mais pelo fato da baronesa não se recordar da esposa. Quanto à Gabriele, sabia que ela estava apaixonada, sabia disso por seu olhar pela forma que se mostrava.

 

 

 

 

            Na manhã seguinte, Gabriele foi até uma cafeteria para encontrar o noivo.

            Miguel já estava lá, esperando-a, parecia bastante preocupado. Quando a viu, levantou-se para lhe dar um beijo nos lábios, mas ela virou a face e o carinho acabou tocando sua face.

            -- O que houve? – Ela questionou intrigado.

            Ela não respondeu de imediato, sentando-se, esperando que ele fizesse o mesmo.

            -- Por que virou a cara quando tentei te beijar? – Ele perguntou ao se acomodar. – Aconteceu algo?

            -- Não pode me beijar, não agora que Ana Valéria está viva e, mesmo que seja no papel, eu sou sua esposa.

            Era possível ver a raiva na expressão do rapaz.

            -- Casamento que vai durar pouco, pois já entrei com uma ação de anulação, pois sabemos muito bem que você foi coagida a aceitar...

            Deu uma pausa, pois a garçonete trouxe uma jarra de suco acompanhada de bolos e pães.

            -- Sem falar que não houve consumação. – Serviu-se e a ela também. – Vou pedir uma indenização pelos danos sofridos.

            Gabriele olhava para o copo de suco, enquanto pensava que seria uma loucura falar em não consumação matrimonial, pois estivera sim com a baronesa. Claro que não poderia dizer tal fato, continuando em silêncio, apenas ouvindo as informações sobre o processo.

            -- Eu não posso exigir parte da herança dela...

            -- Claro que pode, pois além de ser neta do barão, você também foi obrigada a se casar. – Comeu um pedaço de bolo. – Antônio já me orientou, só preciso que me permita a representação.

            -- Tudo isso para ter a empresa... – Falou em desgosto. – Estou tão cansada disso. – Levantou-se. – Não aguento mais estar no meio dessa guerra... então não me envolva mais nessas bobagens.

            O advogado permaneceu no mesmo lugar, enquanto via a jovem ir embora. Não acreditava que a noiva o deixara sozinho quando precisavam se unir para lutar contra a Del La Cruz. Ligaria para Trevan e sabia que ele conseguiria convencê-la a fazer o que eles queriam.

           

 

 

            Ana Valéria chegara à empresa perto das dez da manhã. Exigira que a secretária lhe entregasse as movimentações financeiras dos últimos meses, ficando surpresa ao observar os pagamentos pessoais que tinham sido feitos para Tatiana.

            -- Para quê, Branca? – A ruiva indagava. – Esses pagamentos foram feitos em datas anteriores ao nosso encontro...isso significa que a Bamberg tinha conhecimento de que eu estava viva antes de você?

            A administradora não sabia o que dizer, ainda mais porque Gabriele não explicara realmente para o que foi aquele dinheiro.

            Via a empresária andar pela sala, depois se sentar em sua cadeira de couro.

-- Não vai me responder? – Tamborilava os dedos sobre o tampo da mesa. – Não se preocupe, não vai demorar para Tatiana chegar e ela vai me contar tudo.

-- Ana, não acho que seja necessário...

O som do telefone interno interrompeu a conversa. A secretária avisava da chegada da mulher que fora convocada para estar ali.

-- Pode deixá-la entrar e avise a minha esposa vir aqui também.

Branca voltou a protestar, porém ficou quieta, pois Tatiana apareceu e não demorou para a neta de Bernard também aparecer, ficando surpresa ao encontrar com a produtora da boate ali.

-- Ora, fico feliz em ver as duas. – Apontou as cadeiras. – Acomodem-se.

Gabriele olhou para a Wasten, buscava alguma explicação, mas recebeu apenas um olhar conformador.

-- Fico feliz em vê-la... – Tatiana falou para a empresária. – Falei com o meu tio e contei que já tinha recuperado a memória.

A baronesa fez um gesto afirmativo com a cabeça, parecia desconfiada e isso foi percebido pela mulher ali que a olhava.

Estava muito confusa, sua mente estava cheia de imagens estranhas. Pouco conseguira dormir, ainda mais com lembranças que tinha sobre a neta do marido. Viu-a em inúmeras imagens, mas não conseguia associá-la a nada. Vendo-a naquele momento, sentia um incômodo, uma ansiedade por algo que não sabia exatamente o que era. Viu-a lhe encarar, como se não tivesse medo, apenas havia desafios presentes ali.

Ana entregou as folhas as duas mulheres.

-- Bem, vejam aí, há duas transferências de dinheiro direto das contas da empresa para você. – Apontou para a produtora da boate. – A última foi vinte mil, creio que necessito de uma explicação... – Levantou-se. – Pensei se esse dinheiro não foi usado para me manter longe...pagar para a Tatiana para me manter longe, assim, você poderia fazer tudo na empresa...até a fusão...

-- Claro que não! – Tatiana negou indignada. – Eu não sabia quem era você e várias vezes insisti para que fôssemos até a polícia. Eu jamais agiria de forma a te prejudicar.

A Bamberg via o desespero na voz da moça, então interferiu.

-- Não houve nada disso, baronesa...sim, eu te encontrei antes da Branca, te vi em uma despedida de solteiro que foi feita no meu restaurante...você usava uma máscara...fui até a boate algumas vezes, pedi para que tirasse a máscara, porém não fazia, você se negava...

-- É verdade, ela questionou sobre ser alguém que conhecia... – Tatiana corroborava com as palavras da jovem chef de cozinha.

Branca olhava para Ana Valéria, pensou em interferir, mas não o fez, ficando quieta e apenas observando tudo com atenção. Não podia negar que estava muito curiosa, queria saber de toda aquela história, mesmo que não concordasse com a forma de agir de Ana.

-- E o dinheiro? – A Del La Cruz questionou sem mostrar nenhuma emoção.

Tatiana falou:

-- Uma vez, a senhorita Gabriele bebeu muito lá na boate e acabou dormindo lá...cobramos pela noite...

Gabi sentia os olhos azuis sobre si. Era como se estivesse sendo invadida intimamente naquele momento. Sentiu um arrepio na nuca.

-- E os vinte mil?

Tatiana agora olhou para a Bamberg, fitou-a, esperava que ela mesma dissesse o que tinha acontecido, pois achava que era algo mais pessoal.

O silêncio reinou entre ambas, até que foi possível ouvir a voz de Gabriele.

-- Isso é um absurdo! – Levantou-se. – Se esse show todo é pelo seu dinheiro, devolverei cada centavo.

-- Eu quero que me diga para que serviu esse dinheiro... – Ana Valéria continuava implacável. – O que você pagou com esses vinte mil? Pagou para que a Tatiana me mantivesse longe? Sim, foi isso, você queria apenas ficar com a empresa e me manter longe...

-- Não foi por isso! – Esbravejou. – Você quer saber? – Vociferava a jovem. – Eu paguei vinte mil para fazer sexo contigo...vinte mil para transar contigo...melhor, com a Rubi...Está satisfeita? – Gritava. – Foi para isso que usei seu maldito dinheiro. – Levantou a cabeça orgulhosamente. – Agora está satisfeita?

Branca tinha os olhos arregalados, enquanto via a neta de Bernard deixar a sala pisando duro.

Olhou para a empresária e viu a postura rígida parecer mais maleável. Havia perplexidade em seu olhar.

-- Na verdade, foi um leilão... – Tatiana explicava nervosa. – Precisávamos de dinheiro e decidimos fazer um leilão de um jantar...a amiga da senhorita Gabriele providenciou e acabou que a moça apareceu lá e ficou indignada por estar acontecendo o evento...ela ficou lá e ela mesma pagou um valor alto e conseguiu o jantar...

-- Ela falou de sexo...—Comentou baixinho.

-- Sim, pois aconteceu...havia algo entre vocês duas muito forte...uma atração, acho que você estava apaixonada...

Ana Valéria fez um gesto negativo com a cabeça, enquanto voltava a sentar-se. Olhou para Branca e depois voltou a fitar a mulher que cuidara de si quando sofrera o acidente.

-- E o que houve depois?

-- Você proibiu que ela entrasse na boate...ficou chateada porque naquela mesma noite a Gabriele tinha ficado noiva.

A Wasten então lembrou que naquela noite ela chegara atrasada no evento do noivado e ninguém conseguira saber o que realmente tinha acontecido, pois ela não atendera o telefone, tampouco explicara a situação. Afirmara que tinha acontecido um acidente e ficara presa no trânsito, mas checara com a administração do tráfego e nada ocorrera.

A baronesa fechou os olhos e novamente teve algumas imagens aparecendo em sua mente e em uma delas havia o corpo despido de Gabriele.

 

 

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. A Gabi precisa tomar atitudes e parar de ser manipulada por essa gente do mal,e esse noivo pau mandado tem que morrer, ou a mesma terá problemas. A Ana Valéria vai se apaixonar outra vez pela mesma mulher.

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