A Antagonista - Capítulo 30


 

O avião aterrissou no final da tarde.

Clarice descia da aeronave segurando a mão da pequena Luna que parecia muito à vontade com a vovó. Lia seguia ao lado das duas.

Ana Valéria esperava as mulheres.

Gabriele não fora consigo, precisara ir ao restaurante naquele dia, pois haveria muito movimento.

A ruiva agachou quando viu a pequena garotinha correr em sua direção. Abraçando-a.

Riu de como estava fofa a pequena com os cabelos presos em cada lado da cabeça.

-- Ora que princesinha mais linda! – Beijou-lhe a face. – Pensei que não voltaria mais.

A garota colocou a mão no bolso e tirou uma caixinha.

-- “Pa você!” – A voz infantil falou.

A Del La Cruz abriu o objeto e ficou surpresa ao ver uma medalhinha em forma de coração. Abriu-a e viu a foto de Gabi e Luna ao seu lado.

Se não estivesse usando óculos pretos, seria possível ver as lágrimas de emoção.

Levantou a cabeça e viu as duas mulheres a lhe fitarem.

-- Pensei que a Gabi viria também... – Lia comentou.

Ana Valéria levantou-se, colocando a filha nos braços.

-- Ela precisou trabalhar, mas nós vamos vê-la daqui a pouco, pois iremos jantar lá.

Clarice lhe abraçou, beijando sua face.

-- E como tudo está por aqui? Você está bem? Está tudo bem entre vocês? – Indagou preocupada.

-- Com certeza, acho que tudo está ótimo! – Disse com um sorriso. – Vamos embora?

 

 

 

-- Você está tendo um caso com a Tati?

Hellen e a Bamberg estavam na cozinha. O restaurante estava cheio, algo que já tinha virado rotineiro, tanto que já pensavam em fazer algumas contratações. Ambas terminavam um prato quando o comentário fora feito.

-- Eu não sabia que ela gostava de mulher? – Gabi pegou uma banana. – E desde quando isso está acontecendo?

-- Eu não disse que estou tento um caso, eu disse que saímos para jantar. – Explicava descascando batatas. – Você que é exagerada em tudo.

-- Acha mesmo que estou acreditando nessa sua historinha? – Encostou-se à mesa, cruzando os braços. – Provavelmente a Ana Valéria sabe de algo, vou perguntar já que não quer me contar.

-- Ah, a baronesa? Sua esposa? Não sabia que ela gostava de fofocas como você! – Provocou-a.

-- E por que não gostaria? – Indagou arqueando a sobrancelha esquerda. – Isso faz bem para a relação.

-- Falando nisso, como vocês estão?

A Bamberg pegou uma maçã.

Não respondeu de imediato, pois chegou os garçons para pegar os pratos que estavam prontos.

Não podia se queixar da relação. Estavam bem. Na noite anterior tinham saído para jantar, depois seguiram para o apartamento e fizeram amor, depois conversaram e isso fora o que mais gostara. Sabia como a esposa era fechada em seu mundo e saber que estava tendo essa abertura lhe fazia muito bem. Em nenhum momento falaram sobre as ações, nem sobre a herança de Bernard, não pareciam interessadas nesse assunto, pelo menos não naquele momento. Sabia que logo teriam que falar.

-- Acho que está tudo bem, Hellen, estamos nos entendendo... – Respondeu simplesmente.

-- Sempre discreta e depois quer que te conte minhas coisas!

Gabi teve que desviar de um guardanapo que a sócia jogara em sua direção.

-- O que quer que eu diga? – A neta do barão indagou rindo. – Não posso contar minhas intimidades...

-- Mas quer saber das minhas.

Gabriele suspirou.

-- Ain, Hellen, eu estou bem com a baronesa... – Mordiscou a lateral do lábio inferior. – Nossa relação é uma delícia, porém ainda tenho medo de tudo isso...

-- Medo de quê?

Gabriele foi até o forno para checar o peixe, parecia bastante interessada em examinar a iguaria que estava quase pronta.

-- Às vezes, penso que tudo isso é apenas uma ilusão, sabe...sei lá, não sei se sou boa o bastante para ter uma mulher tão linda como a Ana Valéria...

Hellen a olhava perplexa.

-- Na verdade, o que se passa é que você fica dando ouvido para conversas do Miguel, por Deus, Gabi, sabe bem que todos eles querem fazer vocês se separarem.

Isso não era surpresa para a esposa da Del La Cruz, afinal, tinha recebido inúmeras mensagens de Otávio, sempre insistindo sobre o fato de Ana Valéria continuar com seu caso com Paloma. Não falara nada ainda sobre o abraço no hospital, porém isso a deixara muito irritada, pois morria de ciúmes da amada.

-- Eu não sei...tento não pensar sabe, mas me perturba tudo isso...

-- Bem, espero que esqueça essas suas dúvidas. – Olhava pela janelinha que dava acesso ao salão. – Sua família acabou de chegar...

A Bamberg ficou surpresa, seguindo para olhar também.

Sorriu ao ver a Luna de mãos dada com Ana Valéria. Sempre achara que pareciam mãe e filha. Eram lindas juntas.

Suspirou diante da beleza da amada que vestia um suéter preto e calça jeans. Os cabelos estavam soltos.

Linda!

-- Não vai até lá?

Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Espera só um pouquinho, amiga, volto logo para te ajudar.

 

Ana Valéria se acomodava ao lado da mãe, de Lia e com Luna ao seu lado.

-- Por que não me contou do que estava acontecendo com Antônio? – Clarice questionou preocupada.

-- Não queria perturbá-la na sua viagem. – A ruiva bebeu um pouco de água. – E também nada poderia ser feito...

“Mamãe!”

 A garotinha pulou direto para os braços de Gabriele que se aproximava.

-- Não sabia que viriam para cá. – A Bamberg queixou-se.

Lia e Clarice foram até a jovem, abraçando-a carinhosamente.

-- Não imaginei melhor lugar que esse aqui para a gente jantar. – A Del La Cruz falou. – Claro que estamos esperando uma cortesia. – Provocou-a com um piscar de olho.

-- Minha esposa é muito rica, não acho que necessite de descontos...na verdade, vou servir os pratos mais caros para que deixe de sovina.

Ana Valéria gargalhou.

A chef amava quando ela tinha aquela expressão de sapeca. Amava quando os olhos claros se estreitavam em risos e o som rouco provocava arrepios em sua nuca.

-- E vai demorar para ir para casa, menina? – Lia indagou. – Trouxemos alguns presentes.

-- Ora, não vejo a hora de ver esses presentes. – Beijou a mais velha. – Porém, sinto que demorarei um pouco, hoje estamos com bastante movimentos, graças a Deus. – Entregou a filha à ruiva. – Cuide da nossa pequena, baronesa, pois preciso voltar aos meus afazeres.

-- Não deve se cansar muito, filha! – Clarice alertou-a. – Não deve esquecer que precisa de energia para sua esposa.

Gabriele sentiu a face corar diante do comentário, odiando a expressão debochada da empresária que parece se divertir com o comentário indiscreto da mãe.

Ela apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois deixou o salão.

 

 

Na mansão de Antônio, Otávio servia uma taça de champanhe para Lorena, depois se acomodava ao lado da loira.

-- De certa forma, tenho a impressão de que gostou do que se passou com o seu noivo. – O advogado comentava.

A irmã de Trevan não respondeu de imediato, parecia mais interessada em esvaziar o copo que lhe fora servido. Seus pensamentos estavam presos na filha do político. Era uma verdadeira obsessão pensar em tê-la em seus braços novamente. Ainda se recordava da única vez que estiveram juntas sexualmente e não pensava em deixar isso no passado. Queria-a e estava disposta a tudo para tirá-la de Gabriele.

Queimava de ciúmes em imaginá-la juntas.

-- Espero que verdadeiramente ele morra. – Ela falou sem tentar fingir que estava penalizada. – Odiava quando ele me tocava...perdi as contas de quantas vezes vomitei depois de transarmos.

O advogado parecia pensativo diante do que ouvia.

-- Fato que não acontece quando pensa na baronesa, imagino... – Provocou-a.

-- Bem, você poderia perguntar a sua noiva se ela sente ânsia de vômito quando se deita com a Del La Cruz...creio que ela pode te explicar melhor que eu.

O maxilar do homem enrijeceu, enquanto seus olhos estreitavam-se.

-- Não quero falar sobre a Paloma!

Lorena levantou-se.

-- E por que não? Sei muito bem que ela se deitava com a Ana enquanto era sua noiva e vocês a flagraram juntas...imagino como isso deve ter te deixado arrasado.

-- Sabe que já tenho uma ideia de como trazer sua ruiva aqui...

Antes que Lorena questionasse sobre o plano, sentiu a primeira bofetada, que veio seguida de várias outras. A mulher tentava se proteger, mas o advogado era muito mais forte, então seguia com o espancamento.

 

 

Ana Valéria colocou Luna para dormir, depois seguia para os próprios aposentos. Sabia que a esposa demoraria para chegar naquela noite, então pensou em ler um livro para relaxar.

Viu o celular sobre a mesa tocar e ao atender, falou com um oficial de policial. Ficou surpresa com o que ouvia.

Encerrou a chamada, em seguida discou para Branca, mas a administradora estava em uma clínica, pois seu esposo tinha sofrido um acidente doméstico. Assim, a ruiva preferiu não a perturbar.

Pegou as chaves do carro, deixando os aposentos imediatamente.

 

 

A Del La Cruz chegou na delegacia e foi levado para uma sala, encontrando Lorena toda machucada e chorando copiosamente. Mesmo odiando-a por tudo, comoveu-se com seus machucados.

Não sabia o motivo de ter ido até lá, mas acabou fazendo-o, pois a última coisa que desejava era ter o nome Del La Cruz envolvido em mais polêmicas.

Assim que a viu, a loira jogou-se em seus braços, soluçava como uma criança.

Ana Valéria afastou-a, não gostando do contato.

-- O que se passou? – Indagou friamente.

O delegado que tinha atendido a mulher, adiantou-se, enquanto entregava uma xícara com um chá à loira.

-- Recebemos a ocorrência e quando chegamos no local não havia rastros do infrator.

-- E quem o fez? – Indagou fitando os olhos verdes. – Quem te espancou?

A filha de Antônio observava a irmã de Trevan detalhadamente. Havia hematomas por toda a pele exposta do pescoço, braços e o olho estava roxo.

-- Eu não sei, estava tudo escuro... – Dizia recomeçando o pranto, sentando-se.

-- Chamamos a senhora, pois sabemos que é filha do noivo da senhorita...não tínhamos com quem falar, pois o irmão não atendia o telefone. Ela foi atendida no hospital e decidimos trazê-la para cá até que alguém pudesse busca-la.

A baronesa cruzou os braços sobre os seios, enquanto fazia um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Já pegamos o depoimento dela, então continuaremos com as buscas e qualquer coisa, avisaremos.

Lorena levantou-se, mas sentiu uma tontura, precisando apoiar-se na ruiva que a segurou.

-- Me desculpe, Ana, porém estou me sentindo tão mal...por favor, me leve para casa do meu irmão, não quero ficar na mansão... – Chorava copiosamente.

A Del La Cruz mais uma vez pensou em deixá-la sozinha e ir embora, mas algo acabou fazendo-a fazer um gesto de assentimento. Talvez, o Índio estivesse certo quando dizia que era preciso perdoar seu passado para seguir em frente com um futuro ao lado da mulher que amava.

 

 

O caminho feito até o apartamento fora feito em total silêncio, exceto pelo choro da loira que não parara em nenhum momento.

Ana estacionou o veículo em frente ao prédio, mas não fez menção em descer.

-- Não vai me acompanhar? – Lorena indagou. – Por favor, Ana, não me deixe ir sozinha até lá.

-- Não, acho que já fiz mais do que o suficiente por alguém como você.

Os olhos verdes abriram-se em espanto.

-- Eu não acredito que mesmo diante do que me passou ainda consegue agir de forma tão cruel. – Limpou os olhos com as costas da mão. – Vejo que realmente não sobrou nada da garota gentil e amável que conheci um dia.

-- Por favor, Lorena, sabe muito bem que nada mudou em relação ao que sinto por você, continuo te achando um ser humano terrível, ambicioso e aproveitador...

A loira fez um gesto negativo com a cabeça.

-- Eu não disse lá na delegacia, mas eu apanhei por sua culpa. – Apontou-lhe o dedo em riste. – Se eu não tivesse tentado te defender, nada disso teria acontecido.

Sem falar mais nada, deixou o veículo, mas a baronesa foi atrás da mulher que seguiu correndo para o interior do apartamento, parando apenas ao entrar onde o irmão morava.

Ana Valéria lhe segurou pelo braço.

-- De que falas? – Ana indagou por entre os dentes. – Quem te espancou?

-- Ah, agora você se importa? – Lorena livrou-se do toque. – Parece muito interessada quando seu lindo nome entra na história, mas eu não falarei. – Apontou a porta aberta. – Volte para sua casa, para sua mulherzinha, não desejo voltar a olhar para tua cara nunca mais. – Passou a mão pelos cabelos. – Se eu soubesse que agiria assim, jamais teria falado para te ligar, mas não tinha mais ninguém para me ajudar nesse momento horrível.

A Del La Cruz suspirou.

-- Quem fez isso? – Voltou a perguntar. – E por que não falou o nome ao delegado?

Novamente a loira iniciou seu choro, jogando-se nos braços da ruiva.

-- Eu estou com medo, Ana, muito medo, você não entende...temo por sua vida, temo que te firam, que te façam algo mais uma vez.

A baronesa pensou em empurrá-la, mas dessa vez não o fez. Talvez devesse fazê-lo, mas pensou que realmente não era uma situação muito boa para aquela mulher, mesmo depois de tudo o que tinha lhe feito.

Ouvia-a chorar e não pode deixar de sentir pena, sim, sentiu, mesmo depois de tudo o que tinha passado, fora isso que sentiu diante do que via. Ela estava muito machucada. A face bonita cheia de hematomas.

-- Lorena, me diga quem te machucou... – Segurou-lhe o queixo delicadamente. – Tomarei providências para que não volte a acontecer.

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas não fez menção de soltar a filha de Antônio.

-- Foi o Otávio...

Ana Valéria parecia chocada com o que ouvia.

-- Pensei que estivessem unidos? – Indagou com ceticismo.

Ela fez um gesto afirmativo.

-- Eu pensei que ele estava preocupado comigo...—Mordiscou a lateral do lábio inferior. – Não nego que me sentia confortável com ela, pois foi o único que se mostrara atencioso comigo depois do que se passou com o Antônio... – Ela tocou a face da ruiva. – Porém, hoje ele ficou furioso quando tentou me beijar e eu não permiti...—Soluçou. – Me agarrou a força...ficou furioso porque não aceitei...então começou a falar que se fosse contigo eu não me negaria...

Ana tentou se afastar, mas teve sua boca tocada pela noiva do pai, afastando-a de si.

-- Eu te amo...eu não consigo nem imaginar em ficar com outra pessoa...

-- Eu não sinto nada por você! – A baronesa a deteve. – Não se iluda, não vim te ajudar por que tenho algum interesse, não tenho mesmo, vim apenas porque não queria que o nome da minha família voltasse a ser matéria de jornais...principalmente por minha mãe.

-- Eu não acredito! – Lorena falo em tom alto. – Eu fui a primeira que te toquei, fui eu quem te fiz mulher!

-- Sim, e foi também você quem destruiu minha vida, que acabou com tudo o que eu sentia... – Passou a mão pelos cabelos. – Você me matou dia a dia naquele maldito manicômio...e o que fez por mim? – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Nunca se importou comigo, apenas com sua ambição...

-- Eu não podia fazer nada, seu pai me mataria! – Sentou-se na poltrona. – Eu era tão jovem quanto você...tinha sonhos, estava cansada de ser pobre...e tinha o Trevan com a Gabriele...ela tinha sofrido um acidente na época e meu irmão queria dinheiro para tirá-la das mãos do barão...

Novamente, Ana mostrava-se cética.

-- Se não acredita, investigue! – Lorena falou. – Sua amada tinha sofrido um acidente na época...veja se não há uma cicatriz sobre o lábio superior... – Desdenhou. – Ela foi salvar um gato e quase morreu, foi por isso que o barão a tirou do meu irmão e a jogou no convento...então nessa época, a gente precisava muito de dinheiro.

-- Eu não quero saber mais de nada. – Caminhou até a porta. – Irei falar com Otávio e espero que o denuncie para que não volte a lhe fazer isso.

 

 

 

 

Já passava da meia noite quando a neta de Bernard chegou à mansão.

Subiu para os aposentos e para sua surpresa a ruiva não estava lá. Pensou em perguntar a Clarice se ela sabia de algo, mas já era muito tarde para incomodá-la.

Suspirou!

Onde poderia estar?

Pegou o celular para discar o número da ruiva e foi quando percebeu que estava desligado. Talvez, ela tivesse tentado entrar em contato.

Ligou-o e viu inúmeras mensagens de Otávio e fotos.

“Espero que agora acredite em mim.”

“Veja onde sua esposa está.”

“Se não acredita no que estou mandando, pode ir até o apartamento do Trevan, ainda estão lá.”

“Na verdade, posso facilitar sua vida.”

Havia um link e ao clicar uma câmera foi aberta.

Gabriele reconhecia o lugar. Estava na penumbra, mas conseguia ver a esposa e Lorena abraçando-a. Viu quando os lábios da irmã do pai adotivo tocaram o de Ana.

Furiosa, a jovem jogou o aparelho contra a parede.

Mais uma vez fora uma idiota!

Queria ir embora daquele lugar, queria ir para bem longe naquele momento. Sem pensar, deixou os aposentos chorando e foi para o quarto da filha.

 

 

No dia seguinte, Ana Valéria chegou à mansão.

Na noite anterior decidira ficar na cobertura. Mandou uma mensagem para o celular da esposa para avisar, mas não recebeu resposta, imaginara que devia ter chegado cansada e acabara dormindo.

Encontrou a mãe e Lia na cozinha, ambas as mulheres pareciam apreensivas.

-- Filha, a Gabi está contigo?

A ruiva parecia surpresa com a pergunta.

Fez um gesto negativo com a cabeça.

-- A Luna não está no quarto também. – Lia falou ainda mais preocupada.

Uma empregada entrou na cozinha esbaforida.

-- A senhora Gabriele ligou, disse que está bem e que a Luna está com ela.

-- Graças a Deus! – Clarice juntou as mãos em preces.

Ana Valéria parecia surpresa com o que se passava.

-- O que se passa aqui?

-- Não sabemos, pensei que você soubesse...um dos seguranças disse que viu a Gabi saindo no carro por volta de meia noite e desde então não retornou. – Lia explicou.

-- Onde ela está? – A ruiva questionou a empregada.

-- Ela não disse, senhora!

A Del La Cruz saiu pisando duro da cozinha, tendo sua mãe atrás de si. Subiram para os aposentos e lá não havia nada que pudesse explicar o que tinha acontecido.

Olhava de um lado para o outro, sentindo a agonia em seu inteiro aumentar diante da incerteza.

-- Vocês brigaram?

-- Claro que não, mamãe, nem mesmo dormi em casa. – Umedeceu o lábio superior.

-- Será que ela ficou chateada por isso?

Ana cobriu a face com as mãos.

-- Eu não sei, mas se for isso, é muito infantilidade... – Suspirou. – Espero que ela retorne logo e esclareça o que se passou.

 

 

 

Luna brincava, estava deitada no carpete da sala do apartamento de Hellen. Parecia distraída pintando seus desenhos.

-- Eu vi, vi as fotos e vi o vídeo. – Gabriele dizia.

Não dormira nada durante toda a noite. Em sua cabeça não parava de passar as cenas que tinha visto. Queria não acreditar que fora tola, mas testemunhara com seus próprios olhos.

-- Podia ser inteligência artificial, afinal, hoje em dia é tudo muito fácil.

Gabriele fez um gesto negativo com a cabeça.

-- Liguei para o porteiro e ele me confirmou que a Lorena passou a noite lá e que uma ruiva também esteve no apartamento... – Levantou-se. – Quem podia ser a ruiva? A minha esposa mentirosa.

Hellen segurou-lhe as mãos.

-- Converse com ela, Gabi, deixe que ela se explique...

Os olhos negros estreitaram-se.

-- Por favor, você continua confiando na baronesa? – Indagou perplexa. – Não acha estranho que de repente ela tenha dito que me amava? E no outro dia eu fui contemplada com metade da herança que ela tanto queria?

-- Não acho que a Del La Cruz seja capaz de fingir que gosta de alguém apenas por dinheiro...

-- Por poder, para destruir o pai...ela sempre quis, fez tudo para ter o controle, até mesmo se casou comigo para assegurar sua vingança.

-- Isso, vingança que se estendia também a Lorena, então é meio incabível que ela tenha te traído com ela.

-- Ela é uma devassa...não se importa com quem se deita...—Dizia em lágrimas. – Não quero vê-la, nem a ouvir, quero que saia da minha vida, apenas isso que desejo.

 

 

Ana Valéria esperou pacientemente durante todo o dia por uma notícia da esposa, mas já era noite e nada ficara sabendo.

Naquele momento estava na varanda dos aposentos. Estava sentada em uma poltrona, enquanto pensava o que poderia ter feito a Bamberg agir de forma tão precipitada. Algo tinha passado por sua cabeça durante alguns momentos, mas pensara que poderia ser paranoia, mas agora fazia bastante sentido.

Levantou-se e voltou a ligar para o restaurante, dessa vez exigiu falar com Hellen.

-- Ela não está aqui no restaurante, baronesa.

-- E onde ela está? – Indagou tentando controlar a irritação. – Sei que você sabe e acho melhor que diga antes que eu vá a polícia e a denuncie por sequestro, afinal, ela levou a Luna. – Ameaçou-a.

Houve um silêncio do outro lado da linha, então de repente fora dito.

-- Está no meu apartamento, mas...

A jovem nem terminou de falar, pois Ana Valéria desligou e saiu rapidamente atrás da esposa.

 

 

-- Você não precisava ter batido com tanta força. – Lorena queixava-se.

-- Mas valeu a pena...e sabe o que é o melhor, a Gabriele viu no momento que você beijava a esposinha dela.

Lorena estava bebericava o vinho.

Não podia negar que se sentia frustrada, pois não conseguira nada com a ex-namorada. Chegara a pensar que poderia seduzi-la, mas não consegui, apenas sentira frieza quando a beijara.

-- Gabriele falou comigo, estive com ela à tarde, está no apartamento da amiga, pediu para que eu desse entrada no divórcio e quer a guarda da Luna.

-- Como é tola! – A loira comentou. – Ela acha mesmo que vai ser fácil assim enfrentar a baronesa?

-- Bem, pelo menos, eu já estou representando as ações que ela herdou novamente. – Levantou a taça em um brinde. – Acho que agora vamos poder respirar melhor.

-- Não vai ser suficiente...conheço a Ana Valéria, não vai aceitar assim que a boba da Bamberg encerre a relação.

-- Agora o Miguel e a Paloma vão entrar no jogo...tenho planos para destruir a baronesa...acho que ela vai achar o tempo que passou no hospício fichinha para o que vai enfrentar.

Lorena bebeu todo o conteúdo da taça.

-- Você odeia a Ana por que ela te humilhou com a sua noiva ou tem outro motivo para tanta raiva?

Otávio ficou em silêncio, não parecia interessado em continuar a conversa.

 

 

Gabriele tinha terminado de arrumar a bagunça que tinha feito na cozinha para preparar o jantar.

Luna tinha terminado de comer e não parava de perguntar sobre a tia Valéria, vovó Clarice e a Lia.

Deixou-a na sala, enquanto seguia para o quarto para tomar banho.

Não parava de pensar em Ana Valéria, na sua traição. Achava estranho ela não ter usado seus métodos sujos para encontrá-la. Passara todo o dia temendo que a ruiva aparecesse ali e a confrontasse, mas isso não aconteceu. Talvez, ela tivesse cansada de fingir amor, talvez tivesse decidido ficar de uma vez por todas com Lorena.

Pegou o roupão, vestindo-o.

Estava cansada de tanto chorar, cansada de sentir tanta dor. Queria que tudo aquilo acabasse de uma vez por todas. Pensava em viajar, em ir embora, em seguir para longe ao lado da filha. Falaria com Otávio para que informasse se haveria essa oportunidade legalmente.

Amarrou o cordão do roupão atoalhada na cintura, depois foi para sala onde tinha deixado a filha e para sua surpresa lá estava a dona de todos os seus pensamentos brincando a menina que parecia muito feliz.

Seus olhos fitaram os claros.

Observou a calça jeans que usava, as botas de cano curto, a jaqueta de couro vermelha. Os cabelos estavam presos em um rabo-de-cavalo.

-- Boa noite, meu amor!

A voz de Ana Valéria soou baixa, gentil, amorosa.

Luna foi até a mesinha e trouxe o livro de desenhos para mostrar à tia.

Gabriele não respondeu, apenas permaneceu lá de braços cruzados, observando a cena. Queria expulsá-la, mas não o faria na frente da filha, não desejava que a pequena presenciasse aquele tipo de cena.

Permanecia lá, observando as duas rindo e pintando a nova imagem.

Viu-a lhe fitar e ficou apenas encarando-a. Viu-a beijar os cabelos vermelhos da pequena, depois se aproximou.

-- Arrume-se, vamos para casa.

-- E se eu não quiser? – Indagou baixo. – Vai me obrigar?

A ruiva a olhava e via em seu olhar a raiva.

-- Apenas você vai voltar comigo e quando chegarmos, conversaremos.

Luna correu para o quarto parecia que tinha ouvido que iriam para casa, decerto fora arrumar suas poucas coisas.

-- Iremos conversar em nossa casa, então irá comigo, mesmo que não deseje.

Gabriele levantou a mão para esbofetear a esposa, mas a baronesa conseguiu detê-la.

-- Solte-me! – A Bamber exigiu por entre os dentes. – Não quero que me toque, não desejo seu toque nunca mais em minha vida.

A baronesa novamente fitou-lhe e viu as lágrimas em seus olhos.

-- Não o farei sem sua permissão. – Soltou-a. – Porém ainda vai voltar comigo para casa.

-- Por quê? – Indagou tentando segurar o choro. – O que deseja comigo?

Luna voltou trazendo sua pequena mochila.

              A empresária pegou-a nos braços, beijando-lhe.

              -- Vamos esperar sua mamãe e depois já vamos, princesa, sua vó está com saudades e a vó Lia também.

 

 

              Clarice e Lia estavam na cozinha quando a empregada avisou da chegada da baronesa e da chef de cozinha. As mulheres correram para a sala. Luna pulou nos braços das duas, enquanto Gabriele seguiu imediatamente para os aposentos sem falar com ninguém.

              Ana Valéria não a seguiu, mas caminhou em direção ao escritório.

              Acomodou-se na poltrona.

              Ligou para Branca para saber como estavam as coisas. Não contou sobre o que estava acontecendo, não desejava preocupar a administradora. Talvez pudesse resolver tudo.

              Ligou o computador, mas não parecia muito concentrada.

              O que teria acontecido?

              Por que Gabriele estava com tanta raiva?

              Não queria brigar, tampouco obrigá-la a nada, porém começava a se desesperar por não saber o que se passava.

              Ouviu a porta abrir e viu a mãe aparecer.

              Gostava de tê-la ali, mesmo que não conseguisse desabafar o que a perturbava tanto, pelo menos se sentia acalentada.

              A mulher sentou-se diante dela.

              -- O que houve, filha?

              A Del La Cruz fez um gesto negativo com a cabeça.

              -- Eu não sei, mamãe, ela não falou, apenas disse que não deseja que a toque. – Falou como se houvesse um nó em sua garganta. – Ficou em silêncio em todo trajeto, nem mesmo me olhava.

              -- Quer que eu fale com ela?

              -- Não acho que ela vai falar o que se passou...porém...não custa tentar...

              Clarice foi até a ruiva, beijou-lhe a testa.

              -- Vou preparar algo para que jante, não comeu nada o dia todo. – Acariciou-lhe os cabelos. – Tudo vai ficar bem, meu anjo ruivo.

 

 

              Era domingo e Gabriele não teria que ir ao restaurante.

              Ela despertou cedo.

              Agradecera a Deus pela ruiva não ter ido até os aposentos depois que chegaram do apartamento de Hellen.

              Ouviu batidas à porta e se encolheu, mas era Lia com uma bandeja.

              -- Trouxe seu café! – Disse com um sorriso. – Parece que todos estão em greve de fome aqui em casa. – Colocou sobre o leito. – E coma tudinho, ou vou lhe colocar de castigo, ainda mais pelo susto que nos deu.

              Gabriel observou tudo o que tinha lhe trazido. Havia bolos, pães, sucos queijos e frutas e foi por uma maçã que ela começou a comer.

              -- Filha, o que se passa hein? – Lia indagou depois de algum tempo. – Você foi embora no meio da noite e agora está aqui, mas parece tão triste.

              A Bamberg deixou a fruta de lado. Bebeu um pouco de suco, levantando-se.

              -- Eu só não desejo continuar aqui, não quero continuar casada com a baronesa.

              A cozinheira olhava-a desconfiada.

              -- De uma hora para outra? – Questionou com um arquear de sobrancelha. – Eu vim aqui e encontrei seu celular todo quebrado, tirei-o daqui, não falei nada para ninguém, mas tenho a impressão de que isso está ligado com o que se passou.

              Gabriele pegou o roupão de seda, vestindo-o.

              -- Espero que continue sem falar, pois não quero dar explicações sobre nada. – Aproximou-se da empregada. -- Quando eu partir, quero que venha comigo.

              -- Ora, até minha governanta você quer levar?

              A voz de Ana Valéria fez-se ouvir.

              A Bamberg a fitou.

              Usava a mesma roupa da noite anterior.

              Lia pediu licença e deixou os aposentos diante do olhar de súplica da patroa neta do barão.

              Ana Valéria livrou-se da jaqueta, depois começou a desabotoar a blusa que usava.

              Passara toda a noite no escritório, temendo não se controlar se fosse para o quarto.

              A Bamberg a viu ficar apenas de sutiã e desviou o olhar.

              Ana Valéria tirou a calça, exibindo a calcinha, depois seguiu para o banheiro sem dizer uma única palavra.

              Gabriele via as roupas no chão, depois seguiu para a cama, observando o farto desjejum que Lia lhe servira. Nem fome tinha naquele momento.

              Não queria ficar na mansão. Não queria encontrar a esposa, não se sentia bem com sua presença. Odiava pensar que ela estivera nos braços de Lorena. Na noite passada pouco dormira lembrando do que tinha visto. Como podia ter ficado com a mulher que destruíra sua vida?

              Caminhou até a varanda.

              O sol não estava tão brilhante naquela manhã.

              Secou uma lágrima que insistia em rolar.

Respirou fundo, tentando afastar o peso do coração apertado. O silêncio da mansão parecia amplificar cada pensamento, tornando a solidão ainda mais evidente. Por um instante, desejou poder sumir dali, escapar daquela dor que a cada dia parecia crescer.

O ar parecia pesado, mesmo com a brisa suave que entrava pela janela. Gabriele abraçou os próprios ombros, sentindo um frio que não vinha do tempo, mas da confusão dentro de si. Era como se tudo ao redor estivesse suspenso, à espera de uma decisão que ela mesma não sabia se queria tomar.

Sentia-se perdida, como se estivesse à deriva em um mar de lembranças dolorosas. Nenhum cômodo parecia acolhedor, e cada objeto ali trazia consigo ecos de momentos felizes que agora pareciam distantes. O desejo de fugir confrontava o medo do desconhecido, deixando-a presa entre o passado e um futuro incerto.

              Voltou para o quarto e encontrou Ana Valéria com seu roupão preto atoalhado.

              -- Acho que agora vamos conversar. – Apontou-lhe a poltrona. – Quero saber o que se passa de uma vez por todas.

              -- Não há nada para ser dito, apenas que desejo que me deixe em paz.

A tensão entre elas era palpável. O olhar de Ana Valéria parecia buscar respostas nas feições de Gabriele, mas o silêncio era mais eloquente do que qualquer explicação. Por alguns segundos, nenhuma das duas se moveu, como se aguardassem que o tempo trouxesse algum alívio ou direção para aquele momento difícil.

-- Então você quer que acredite que de uma hora para outra deixou de me amar?

-- E por que não acreditaria? – Levantou-se. – Quero que me deixe ir, apenas isso.

O silêncio que se seguiu foi cortante, tão intenso que parecia preencher todo o espaço entre elas. Gabriele abaixou o olhar, incapaz de sustentar o peso das perguntas não ditas. Por dentro, uma batalha se travava entre o desejo de acabar com aquela conversa e a necessidade de expressar tudo que havia guardado.

Ana Valéria aproximou-se, mas a neta de Bernard afastou-se, parecia temer seu toque.

-- Não irá embora, não enquanto não me falar o que aconteceu.

-- Eu não te amo mais! – Gritou.

O grito ecoou pelo quarto, reverberando nas paredes como um golpe seco. Ana Valéria pareceu vacilar, como se as palavras tivessem tirado o chão sob seus pés. Um silêncio ainda mais profundo se instalou, pesado, quase insuportável, enquanto as duas lutavam para encontrar forças diante do abismo que se abria entre elas.

-- Não acredito!

-- É muito presunçosa, baronesa!

-- Apenas não acredito que um sentimento pode acabar de uma hora para outra.

-- Era apenas sexo e acho que já enjoei.

Um sorriso amargo se formou nos lábios da baronesa, mas seus olhos denunciavam a dor das palavras que acabara de ouvir. Ela virou o rosto, tentando esconder o tremor em sua voz.

— Não era amor, nunca foi — murmurou, quase como se tentasse convencer a si mesma.

A respiração ficou curta, o peito apertado, enquanto Ana Valéria buscava em vão algum traço de ternura entre as farpas lançadas.

-- Então você não me amava e simplesmente enjoou do sexo? – Questionou por entre os dentes.

A Bamberg afastou-se, mas Ana a segurou, empurrando-a contra a porta e cobrindo sua boca com um beijo esmagador.

              Gabriele a empurrava, mas seus atos eram vãos.

Mesmo relutante, Gabriele sentiu as mãos de Ana Valéria deslizarem por seus braços, suaves, mas firmes, até se acomodarem em sua cintura. Com delicadeza, Ana afagou-lhe as costas, buscando romper a barreira do orgulho com gestos lentos e atentos, deixando que o toque falasse aquilo que as palavras não conseguiam expressar.

O toque de Ana era desesperado, misturando raiva e desejo em um gesto que falava mais do que qualquer palavra dita naquela noite. Gabriele hesitou por um instante, sentindo o calor do beijo e a intensidade do olhar que a prendia ali, incapaz de decidir entre fugir ou se entregar àquele momento. O silêncio pesado entre elas parecia vibrar com as emoções conflitantes, tornando o ambiente sufocante.

-- Enjoou?

Tocou o sexo feminino sob a calcinha, constatando-o molhado e pegajoso. Acariciou por alguns segundos, vendo os olhos negros estreitarem-se em prazer.

Ana Valéria afastou-se.

-- Eu sei que aconteceu algo e está me escondendo... sua tese de não querer mais sexo já foi quebrada, minha senhora, apenas preciso descobrir quanto ao seu amor. – Mostrou-lhe os dedos.

Havia raiva na expressão da chef de cozinha.

-- Eu te odeio!

A confissão ecoou no pequeno espaço, carregada de mágoa e de uma sinceridade feroz. Ana Valéria soltou um riso curto, quase dolorido, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas contidas, misturando vulnerabilidade e desafio. Gabriele desviou o olhar, sentindo o peso das palavras e a tensão pulsando entre elas, como se cada uma procurasse um motivo para permanecer ou partir.

-- Vai ficar aqui até que me fale o que aconteceu, vai ficar aqui até que tenha coragem de falar a verdade!

-- E se eu não quiser ficar? Vai me prender aqui ou me levar para sua montanha e me manter prisioneira? – Voltou a provocá-la. – Você sempre resolve as coisas desse jeito.

Ana Valéria se aproximou mais uma vez, segurando o rosto de Gabriele entre as mãos, como se quisesse enxergar além da resistência estampada em seus olhos. O espaço entre elas parecia diminuir, e por um instante o medo se confundiu com desejo, tornando difícil distinguir qual sentimento prevalecia. O tempo parecia suspenso, enquanto ambas aguardavam, em silêncio, que alguma palavra ou gesto pudesse finalmente romper o impasse.

-- Se for embora eu coloco seu papai na cadeia!

O aviso soou como uma ameaça, deixando Gabriele sem reação por alguns segundos. O silêncio que se instalou era pesado, carregado de lembranças e segredos não ditos, como se tudo pudesse desmoronar a qualquer momento. Ela apertou os punhos, tentando decidir se cedia ou enfrentava Ana Valéria, sabendo que qualquer escolha mudaria para sempre o que sentiam uma pela outra.

A ruiva seguiu até o closet e pegou umas roupas, seguindo de volta para o banheiro.

              Alguns minutos se passaram e a baronesa já retornava vestida e pronta para sair. Passou pela esposa sem falar uma única palavra.

 

 

 

 

              Naquela manhã, Ana Valéria foi até o hospital para saber sobre o estado de saúde do pai.

              A recepção do hospital estava vazia naquela manhã.

              Sentou-se em uma das cadeiras, estava esperando o momento para falar com o médico.

              Na sua cabeça só havia pensamentos sobre sua esposa.

Ao sair de casa,  sentia o coração acelerado e a mente ainda tomada pelos ecos da discussão. As ruas pareciam desfocadas sob seus olhos, mas ela se obrigou a manter a postura altiva, determinada a não deixar que as emoções transbordassem. Enquanto dirigia até o hospital, lembranças de momentos felizes com Gabriele misturavam-se ao peso das palavras trocadas, e uma dúvida cruel se instalava: teria ido longe demais desta vez? Apesar do orgulho ferido, algo dentro dela implorava por reconciliação, mas o medo de se mostrar frágil ainda era maior.

Não iria deixá-la ir, não antes de saber tudo o que tinha acontecido. Não acreditava em uma única palavra que ouvira naquela manhã, mesmo que ficara magoada diante de tudo o que fora dito.

              Viu Lorena caminhando ao lado do médico.

              Levantou-se.

              -- Olá, baronesa! – A loira a cumprimentou com um sorriso. – Vi o Antônio e acho que ele sorriu para mim.

              A Del La Cruz fitou o especialista que acompanhava o caso.

              -- Realmente, a senhora Lorena falou sobre esse fato, mas talvez se tratasse de uma ilusão, não podemos afirmar que realmente aconteceu.

              -- Eu vi! – A noiva do político insistia.

              -- Bem, se realmente aconteceu, será um grande milagre acontecendo diante dos nossos olhos. – O médico dizia. – Fizemos alguns exames, mas ainda estamos esperando o neurologista que está chegando para podermos contar com sua opinião.

              -- Então não há nenhuma novidade?

              O homem fez um gesto negativo com a cabeça.

              -- Infelizmente não houve nenhum progresso. – Fitou a recepcionista. – Pode vê-lo se desejar, agora preciso urgentemente ir para sala de cirurgia.

              Ana fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              -- Eu juro que seu pai sorriu para mim! – A loira insistia quando estavam sozinhas. – Esses médicos estão negando a realidade. – Entre lá, acho que ele vai gostar de te encontrar.

              A ruiva fez um gesto negativo com a cabeça e já estava se afastando, mas a outra lhe deteve pelo braço.

              -- Almoce comigo, quero te agradecer por ter ficado comigo naquela noite.

              Ana desvencilhou-se do toque.

              -- Apenas tenho compromissos.

              -- Com sua esposa? – Lorena indagou curiosa. – Estranho, pois Miguel me disse que a encontrou ontem e que ela parecia disposta a reatar a relação...

              O maxilar da ruiva enrijeceu.

              -- O que você está tramando hein? – Segurou-lhe pelo braço. – Se eu souber que fez algo...

              -- Algo para quê? – Indagou com um sorriso. – Me conte o que se passa e não me venha com ameaças.

              -- Mantenha-se longe da minha esposa e de mim.

              -- Não entendo sua raiva...apenas disse o que Miguel me falou.

              Ana Valéria saiu sem falar mais nada, deixando a loira ponderando. Então, Gabriele não contara nada para a esposa sobre o que tinha visto, caso tivesse feito, naquele momento a ruiva tinha partido com mais violência.

             

 

 

Branca foi até a mansão naquela tarde. Tinha estado com Ana Valéria na hora do almoço e a ruiva lhe contara tudo o que tinha acontecido.

Encontrou Gabriele no jardim. Lia um livro, parecia bastante concentrada.

Ao perceber a aproximação de Branca, Gabriele levantou o olhar, demonstrando surpresa misturada a uma certa cautela. O silêncio entre elas durou alguns segundos, interrompido apenas pelo som distante dos pássaros no jardim. Branca, sem rodeios, sentou-se ao lado da amiga e respirou fundo, demonstrando que trazia algo importante para compartilhar.

-- Imagino que tenha vindo especular em nome da sua chefe.

-- Não, ela me contou o que se passa e pediu para que não viesse, porém eu acabei vindo assim mesmo.

-- E onde ela está? – Questionou aborrecida. – Mandou você em busca de respostas.

-- Foi se depilar, sabe como ela tem problemas com pelos.

A Bamberg corou, mas não falou nada sobre o assunto.

-- Gabi, o que houve?

A jovem deixou o livro de lado. Pensou em contar tudo a administradora, mas sabia que ela contaria a empresária e não estava disposta a escutar as mentiras da esposa novamente.

Ela hesitou, mordendo o lábio inferior, e desviou o olhar para o gramado bem cuidado à sua frente. Por fim, balançou a cabeça devagar e, num tom baixo, respondeu:

-- Tem coisas que não dá mais para esconder, Branca. Algumas verdades, por mais dolorosas que sejam, precisam vir à tona...uma delas é que não desejo continuar com esse casamento. – Não conseguiu segurar as lágrimas. – Por favor, eu imploro, peça para que a baronesa me deixe partir.

Branca se surpreendeu com a confissão, sentindo o peso das palavras da amiga. Aproximou-se um pouco mais, oferecendo o ombro para Gabriele, que chorava silenciosamente. Sem saber ao certo o que dizer, Branca apenas segurou sua mão, transmitindo apoio e compreensão.

O ato continuou por longos segundos, mas logo a jovem se afastava.

-- Estou cansada de tudo isso...quero um pouco de paz para a minha vida. – Levantou-se. – Estou cansada de me submeter às vontades da baronesa, eu desejo viver a minha vida.

-- Eu não acredito que deixou de amá-la... – A Wasten falou. – Uma pena que não me conte o que realmente está acontecendo. – Lamentava. – Estive hoje com a Ana e ela está muito abalada, mesmo que tente não demonstrar.

Gabriele suspirou fundo, lutando para recuperar a compostura diante das palavras de Branca. Mesmo assim, o peso do segredo que carregava parecia insuportável. Ela enxugou as lágrimas com as costas da mão e tentou, sem sucesso, reunir coragem para explicar os detalhes que a atormentavam.

-- Vai ser melhor para nós duas que isso tudo acabe...eu...eu não quero mais...apenas isso...

Branca viu a jovem afastar-se, mas não a deteve.

Lembrava-se das palavras de Trevan, talvez ele soubesse de algo.

 

 

Já era tarde da noite quando Gabriele percebeu que a esposa tinha retornado. Ouvia o barulho nos aposentos adjacentes. Ouviu o som do violino e o latido de Pandora.

Tinha cochilado com a TV ligada.

O cômodo estava mergulhado em uma penumbra suave, apenas a luz azulada da televisão iluminava o rosto cansado de Gabriele. O silêncio era interrompido apenas pelo som ocasional das cenas. Embora sentisse vontade de se esconder sob as cobertas e esquecer do mundo, sabia que cedo ou tarde teria que enfrentar as perguntas que pairavam no ar, aquelas que vinham tanto de Branca quanto de Ana.

Levantou-se e foi até a jarra de água, bebendo um pouco do líquido. Depois caminhou até a porta, passando a chave. Não queria que a esposa fosse até lá.

O peso da solidão parecia ocupar todos os cantos do quarto, feito névoa densa que se recusava a dissipar. Gabriele sentou-se na beira da cama, sentindo o frio do chão sob os pés descalços, e abraçou os joelhos junto ao peito. Os pensamentos rodopiavam sem trégua, trazendo memórias recentes e antigos receios, enquanto o som distante do violino misturava-se ao pulsar inquieto de seu coração. Ela desejava, mais do que tudo, que aquela noite trouxesse algum alívio, ainda que breve, para as dúvidas que a consumiam.

A melodia delicada continuava. Não era a mesma que ouvira outras vezes, essa era diferente, triste.

Novamente, sentia as lágrimas molharem sua face.

A angústia que tomava conta de si era profunda, a ponto de fazê-la duvidar de sua própria capacidade de suportar tamanho sofrimento. Seu amor por Ana Valéria era intenso, quase desesperado, mas esse sentimento não era suficiente para fazê-la aceitar estar envolvida em uma trama de jogos de poder e ambições alheias. Para ela, seria preferível enfrentar toda a dor de um coração partido do que se resignar a ser apenas mais uma peça no tabuleiro da baronesa. A dignidade e o respeito próprio falavam mais alto, ainda que o preço fosse o sofrimento.

 

 

              Ana Valéria afagava o pelo da cadela que estava aos seus pés. Deixou o violino de lado.

              Estava sentada na poltrona.

              Não estava com sono, mesmo depois de ter ingerido quase uma garrafa inteira de vinho.

O silêncio entre as duas era pesado, carregado de tudo o que não era dito. Ana Valéria olhou para o teto, sentindo o peso da noite sobre os ombros. Tentou buscar algum consolo no olhar da cadela, mas sabia que, por mais fiel que fosse, aquele animal não poderia ajudá-la a decifrar os sentimentos conflitantes que a atormentavam. O vinho, embora tivesse trazido um breve entorpecimento, agora parecia apenas acentuar a sensação de vazio e incerteza que preenchia o ambiente.

Não acreditava que a esposa a deixara de amar. Pensava o tempo todo nos momentos que ficaram juntas, até mesmo quando estava desmemoriada e a Bamberg mesmo assim estivera consigo.

Observou a porta que as separava.

Trôpega, foi até lá e tentou abrir, mas estava fechada. Decerto, ela o fizera há pouco tempo, pois estivera lá e a tinha visto dormindo.

-- Gabriele, quero falar contigo...abra a porta, por favor...

Do outro lado, a neta do barão ouvia o pedido, ficando inerte.

Gabriele permaneceu imóvel por alguns instantes, hesitando entre ceder ao apelo da esposa ou manter-se firme em sua decisão. O som da voz de amada, embargada pela emoção e pelo vinho, ecoava pelo corredor escuro, misturando-se ao silêncio sufocante da casa. Lá dentro, a dúvida pulsava: abrir a porta significaria confrontar seus próprios sentimentos, assumir a vulnerabilidade e talvez permitir que tudo mudasse, para o bem ou para o mal.

-- Eu sei que está acordada, meu amor, por favor, só quero conversar... – Ana pedia.

O silêncio permaneceu, mas um leve rangido indicou que a chef de cozinha se aproximava da porta, talvez para escutar melhor ou apenas para sentir a presença da Del La Cruz do outro lado. A tensão entre as duas era palpável, como se cada respiração trouxesse consigo o peso de todas as palavras não ditas. Ana Valéria apoiou a testa na madeira, esperando que o gesto trouxesse algum alívio.

-- Por favor, Gabi...deixe que eu entre...me deixe ficar ao seu lado...

O som das palavras sussurradas parecia fazer a madeira vibrar, transmitindo o desespero de Ana Valéria para o outro lado. Gabriele segurou a maçaneta, os dedos trêmulos, sentindo a pressão daquele momento em que tudo poderia se despedaçar ou finalmente se recompor. O ar pesado entre elas era feito de amor, mágoa e esperança, enquanto a noite se arrastava lentamente, testemunha silenciosa da batalha entre o orgulho e o desejo de reconciliação.

Decidida, voltou para a cama, deitando-se, cobriu a cabeça com o travesseiro. Não queria ouvir, não queria pensar, só desejava esquecer tudo aquilo.

Mas, mesmo com o travesseiro abafando os sons, o coração batia forte demais para que o silêncio reinasse. Lágrimas silenciosas escorreram pelo seu rosto enquanto lembranças dos momentos felizes invadiam sua mente, tornando impossível ignorar o turbilhão de sentimentos que a consumia. Sabia que se fosse tocada, acabaria cedendo a vontade de se entregar a paixão que continuava a queimar em sua interior.

 

 

Ana Valéria caminhou de volta a poltrona, bebendo o resto do vinho no gargalho da garrafa.

 

 

              Era manhã de segunda-feira.

              Naquele dia a diretoria da empresa fora convocada para expor as mudanças que ocorreriam após a leitura da segunda parte do testamento do barão.

              Gabriele não quisera ir até lá, mas não tinha escolhas quanto a isso. Otávio estava ao seu lado e Branca não parecia ter gostado muito do que via.

              A administradora tinha ligado para ruiva várias vezes, mas ela não atendera. Precisara pedir a Clarice para ir até a filha para saber se estava tudo bem.

              -- Uma falta de respeito da presidente da corporação com todos os presentes. – O advogado instigava. – Uma empresária que não consegue cumprir seus próprios horários não parece boa para liderar uma empresa como essa.

              A Wasten enviou-lhe um olhar de advertência, depois deixou a sala de reuniões.

              Gabriele via o semblante preocupado da administradora. Começava a pensar se algo tinha acontecido com Ana Valéria.

              Na noite passada, ela não voltara a chamar, nem mesmo ouvira o violino. Pensou em ver se estava tudo bem, mas não teve coragem.

              A porta abriu-se e para seu alívio viu a ruiva aparecer ao lado da administradora.

              Viu-a evitar seu olhar, então baixou a cabeça.

              -- Bem, acredito que já podemos começar. – Otávio falava. – Claro que antes esperamos um pedido de desculpas da presidente.

              Gabriele viu o sorriso carregado de sarcasmo da baronesa. Observou-a como estava linda, mesmo com a expressão cansada. Usava os óculos de aro dourado. Os cabelos estavam soltos. Vestia um daqueles terninhos que a deixava ainda mais séria.

              Se tivesse aberto a porta na noite passada não teria resistido ao desejo de senti-la. Amava-a tanto e a desejava na mesma proporção.

              -- Não tenho tempo para desculpas... – Ana fez um sinal para a Wasten.

              Branca entregou as pastas a todos os presentes, depois se acomodou em sua cadeira.

              Alguns minutos se passaram e todos pareciam surpresos diante do que viam.

              -- Está abdicando da cadeira de presidente da empresa? – Um dos sócios indagou surpreso e preocupado. – Não acredito que entre todos os acionistas exista alguém que consiga gerir tão bem essa corporação.

              A ruiva cruzou as pernas.

              -- Não concordo, afinal, Gabriele agora tem metade de tudo aqui, creio que ela possa ser a presidente. – Otávio dizia vitorioso. – Com meu apoio isso poderia acontecer.

              -- Bem, eu não sei quem vai ser o presidente, o que sei é que não serei mais eu. – Ana falava. – Tenho outros negócios que requer minha atenção.

              -- Concordo que não tem outra pessoa que possa cumprir com esse trabalho tão bem, baronesa. – Gabriele disse, fitando-a. – Estive a frente dessa empresa quando esteve desaparecida e sei como os ganhos triplicaram sob sua liderança, então eu não aceito que deixe a presidência.

              Os olhos claros a fitaram por incontáveis segundos. Desejou que não houvesse mais ninguém naquela sala naquele momento, queria poder senti-la, como quisera na noite passada, como ansiara por tê-la, por amá-la.

              -- Minha decisão está tomada, senhora.

              Um burburinho instalou-se na sala.

              Branca permanecia em silêncio. Sabia que a Del La Cruz iria deixar a presidência, apenas não imaginara que anteciparia essa decisão.

O clima ficou tenso, com olhares trocados e murmúrios crescentes entre os acionistas. Alguns tentavam convencer Ana a reconsiderar sua posição, enquanto outros já começavam a discutir possíveis alternativas para o futuro da liderança. A incerteza pairava sobre todos, tornando o ambiente carregado de expectativa.

A ruiva não parecia interessada em ficar na sala. Levantando-se deixou o recinto.

-- Você é o melhor nome para liderar essa empresa. – Otávio confidenciava no ouvido da neta de Bernard. – Aceite.

Gabriele levantou-se e foi atrás da esposa.

Parou diante da secretária.

-- A senhora Ana foi para sala dela e pediu para não ser incomodada. – A mulher falou. – Pegou alguns analgésicos e foi até lá.

A Bamberg olhava para a porta cerrada.

-- Abra-a para mim, preciso falar com ela.

-- Não posso, senhora, me perdoe, mas ela deixou claro que não deveria deixar ninguém entrar, nem mesmo a senhora Branca.

A chef de cozinha assentiu, seguindo em direção ao escritório da Wasten, encontrou-a arrumando alguns papéis.

-- Que palhaçada é essa agora? – Gabriele indagou furiosa. – O que se passa com a sua chefe?

-- Bem, você não viu? Ela decidiu te entregar a presidência da empresa.

Gabi apoiou as mãos sobre a mesa.

-- Eu não quero isso, nunca quis.

-- Mas acha que ela só te quer porque herdou metade de tudo que era do Bernard, está aí a prova de que não tem nada a ver os sentimentos da baronesa com sua herança. – Retrucou aborrecida. – Você agora enxerga algo?

-- Peça que ela abra a porta, quero que ela reconsidere essa decisão.

-- Sinto muito, mas não o farei, você mesma tente falar com ela.

              A jovem respirou fundo, enquanto deixava a sala.

 

 

              Na mansão o jantar foi servido pontualmente às dezenove.

              Gabriele não fora ao restaurante, pois não abria às segundas-feiras.

              Clarice conversava animadamente com Lia e Luna parecia muito interessada em sua refeição.

              A Bamberg pensou em perguntar sobre a esposa, mas pelo que tinha visto ela não estava na mansão.

              Ainda não entedia o motivo de ela ter entregado a presidência da empresa.

Tomada por um sentimento de inquietação, Gabi sentiu o peso do silêncio no ambiente. O aroma delicado dos pratos preenchia a sala, mas nenhum deles despertava seu apetite. Ela percebeu os olhares furtivos trocados entre Clarice e Lia, e, por um instante, sentiu que um segredo pairava no ar, denso e não revelado.

-- Tudo bem, filha? não tocou na comida. – A mãe de Ana Valéria questionou.

A chef de cozinha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Na verdade, estou com um pouco de dor de cabeça. – Levantou-se. – Acho que não há problemas em subir e descansar um pouco.

-- Claro que não! – Clarice respondeu. – Cuidarei da Luna.

A jovem assentiu.

Despediu-se de todos, beijando a filha, depois deixou a sala.

O clima permaneceu suspenso por alguns instantes após sua saída, como se todos esperassem que algo fosse dito, mas ninguém ousava quebrar o silêncio. Lia desviou o olhar para a janela, observando o jardim iluminado pela luz suave do entardecer, enquanto Clarice mexia distraidamente em seu copo, perdida em pensamentos. Luna, por sua vez, continuava alheia, entretida com os sabores em seu prato.

 

 

Gabriele entrou nos aposentos e ficou surpresa ao ver a ruiva diante penteadeira, arrumando os cabelos avermelhados. Parecia que tinha acabado de sair do banho.

Ana Valéria a fitou pelo reflexo do espelho.

              -- Pensei que não estivesse em casa...

              -- Se soubesse teria fechado a porta como fez na noite passada? – Ana Valéria indagou com um sorriso sarcástico.

Gabriele sentiu um leve desconforto com a lembrança, mas tentou disfarçar, aproximando-se lentamente da penteadeira. O ambiente estava impregnado pelo aroma suave do sabonete, misturado ao perfume fresco de Ana Valéria. Ficou em silêncio por um instante, observando os detalhes do quarto, antes de responder com voz baixa:

-- Provavelmente...

-- Por que tem medo de eu te atacar ou de não resistir ao desejo que sente?

O silêncio que se seguiu pareceu pesar ainda mais sobre Gabriele, fazendo seu coração acelerar. Ela hesitou antes de responder, desviando o olhar para as mãos e sentindo um calor súbito subir pelas bochechas.

-- Desejo saber o motivo de ter deixado a presidência. – Falou mudando bruscamente de assunto.

-- Porque eu quis!

A resposta direta de Ana Valéria não satisfez Gabriele, que permaneceu ponderando, procurando entender o que realmente estava por trás daquela decisão inesperada. O olhar de Ana Valéria era firme, mas havia uma sombra de melancolia em seus olhos, como se guardasse uma verdade que não queria revelar.

              A ruiva levantou-se e já caminhava para os aposentos adjacentes, mas foi detida pelas palavras da esposa.

              -- Até quando vai querer levar essa relação?

              -- Até você me falar a verdade, então farei como deseja, enquanto mentir para mim, continuarmos com nosso casamento.

              -- Não acha que precisar usar de ameaças para manter uma mulher ao seu lado é algo muito humilhante?

              Ana Valéria a segurou pelo braço bruscamente.

              -- Não teste a minha paciência, freirinha, pois ela já está no limite com suas mentiras...estou ficando cansada das suas provocações.

              -- E o que vai fazer?

              -- Não pague para ver, não acho que vai te agradar.

              -- Não tenho medo! – Respondeu, erguendo orgulhosamente a cabeça. – Não temo suas ameaças.

O silêncio entre as duas tornou-se pesado, quase palpável. Por um instante, pareceu que o tempo havia parado naquele cômodo, onde só restavam as palavras não ditas e os olhares carregados de mágoa. Apesar da tensão, ambas sabiam que o confronto era inevitável e que nenhuma delas estava disposta a recuar.

-- Não irei discutir contigo! – Ana afastou-se. – Continue mentindo, dizendo que não me ama, talvez você acabe acreditando e eu também.

A baronesa seguiu até o closet, pegando uma muda de roupa.

-- Para onde vai uma hora dessas? – Gabriele não conseguiu ficar quieta, sentindo o ciúmes queimar em seu interior.

A ruiva livrou-se do roupão diante do olhar feminino, totalmente nua, exatamente a imagem de Afrodite que seduziria qualquer ser humano que tivesse sangue em suas veias.

Gabriele desviou o olhar, enquanto prendia o fôlego. O coração estava acelerado, assustado, enquanto seu corpo vibrava.

-- Vou à casa da Branca, pois a última coisa que desejo é passar a noite me humilhando para você.

O silêncio voltou a preencher o ambiente, mas desta vez carregado de uma tristeza resignada. Os passos de Ana ecoaram pelo quarto, determinados, cada movimento denunciando o abalo que sentia, embora tentasse esconder sob uma postura altiva. Gabriele permaneceu imóvel, lutando para conter as lágrimas e o impulso de pedir que ela ficasse.

 

 

              A boate estava cheia. A música alta, as luzes coloridas no palco preenchiam os espaços.

              O grito dos clientes era compreensivo diante da dança sensual que se desenrolava no palco. Os garçons chegavam a se bater na correria de servir a todos.

              Tati acompanhava tudo do balcão, porém sua cliente mais que especial estava isolada de todos. Ocupava uma mesa reservada e demonstrava total tristeza contrastando com a alegria do lugar.

              Pegou um copo e seguiu até a amiga, acomodando-se ao seu lado.

              -- Não sei se aqui é um lugar para uma empresária tão respeitável. – A moça a provocou com um sorriso.

              Ana Valéria mexia na borda do copo delicadamente.

              -- Eu já estive naquele palco...—Fitava as dançarinas. – Creio que superou as expectativas sua contratação.

              -- Gostou? – Piscou ousada. – Também gostei, mas tive problemas com a Hellen quando a viu.

              -- Como se você tivesse olhos para outra a não ser para sua chef de um metro e meio. – Riu.

              A sobrinha do Índio sabia o que se passava na vida da amiga. Antes de começar o show naquela noite, tiveram uma conversa e a Del La Cruz contara tudo o que tinha acontecido.

              -- Já tentou conversar com a Gabriele?

              Ana fez um gesto para o garçom que prontamente lhe trouxe mais uma bebida.

              A ruiva bebeu todo o conteúdo, parecia que não desejava falar sobre a esposa, não queria nem mesmo pensar na Bamberg. Estava irritada por não saber o que realmente tinha acontecido, por estar sendo condenada em um processo que nem mesmo lhe fora dado o direito de defesa.

              -- Não desejo falar sobre aquela freirinha de quinta categoria.

              -- Ana, é óbvio que aconteceu algo e isso é a causa de todo esse problema...tente conversar mais uma vez, fale como a ama, talvez isso a ajude a dizer o que se passa.

              -- E acha que já não tentei? – Indagou com impaciência. – Ela só fala que não me ama, que enjoo de mim, que deseja ir embora...toda vez me fere um pouquinho mais.

 

 

              Gabriele tentava se concentrar em um livro, mas seus olhos vez e outra passavam para o relógio da cabeceira. Já era muito tarde e não havia nem sinal de Ana Valéria.

              Não entendia o motivo de se preocupar tanto, afinal, era melhor que não estivesse em casa, não desejava nem mesmo vê-la, pois temia não resistir ao desejo que sentia de tê-la por perto.

              Suspirou.

              O melhor era tentar dormir e não ficar imaginando situações que a deixavam cada vez mais ansiosa.

              Chegou a pensar em mandar mensagens para Branca, porém não seria interessante, pois a administradora se mostrava irritada com toda a situação.

              Ouviu o bip no celular e ficou surpresa ao ver uma mensagem da amiga. Abrindo-a viu a imagem da Del La Cruz.

              “ Acho que sua esposa não vai conseguir dirigir para casa.”

              Imediatamente, a Bamberg reconheceu o lugar onde a esposa estava.

              “ Vim ver a Tati e encontrei a ruiva desolada e bêbada...”

              Gabriele pensou em ignorar, mas não conseguiu, então escreveu:

              “ Desde que horas ela está aí?”

              Alguns segundos se passaram até receber a resposta.

              “ Pelo que me disseram, assim que abriu ela já estava por aqui.”

              Então, ela não foi para a casa da Branca, foi direto para a boate.

              “Você deveria vir buscá-la, amiga, imagina se ela decide dirigir.”

              A neta do barão sentiu inicialmente o impulso de ir até lá, até mesmo levantou-se da cama, mas depois voltou a sentar. O que falaria indo até lá?

              “ Não irei a lugar nenhum, ela já é bem grandinha para saber que não deve dirigir nessas condições.”

              “Gabi, você acha mesmo que a Del La Cruz te traiu com a Lorena? Amiga, olha como essa mulher está destruída desde que a deixou...pelo menos conte a ela o que você viu, deixe que explique o que aconteceu realmente.”

              “ Para ela mentir? Para dizer que é armação?”

              “ E se for? Afinal, sabemos muito bem que Otávio odeia a Ana e poderia sim armar tudo isso para acabar com a relação de vocês.”

              A Bamberg deixou o aparelho móvel de lado. Caminhou até a varanda.

              Pensava dia e noite sobre tudo o que tinha acontecido, sobre as cenas que tinha visto, sobre o beijo que Lorena tinha dado na esposa. Essas imagens a perseguiam, machucavam-na como se uma faca estivesse sendo enfiada em seu coração a cada lembrança.

              Deitou-se na poltrona, encolhendo-se como uma criança amedrontada. Se tudo aquilo fosse realmente uma armação? Teria destruído sua relação por culpa de mentiras, por não ter permitido que a ruiva lhe explicasse...

              Mas tinha visto tudo, não fora lhe contado apenas, viu até mesmo as imagens da câmera em tempo real, confirmara com o porteiro sobre a presença da esposa no apartamento.

              Novamente, deu vasão às lágrimas que pareciam incontidas mais uma vez.

 

 

              Na manhã seguinte, Ana Valéria chegou cedo à empresa.

              Dormira na boate e pedira para o motorista lhe levar uma muda de roupa. Precisava organizar tudo para a transição da presidência.

              Não estava deixando à corporação apenas por estar cansada de ter que administrar os bens que o barão tinha deixado, estava fazendo isso para se dedicar a construtora que tinha comprado. Sabia que podia tirá-la da falência e esse era o desafio que ansiava naquele momento.

              No decorrer daquela longa semana, sempre retornava tarde para a mansão, mas não deixara de ficar lá um único dia. Não tinha encontrado Gabriele mais, porém sabia que ela estava nos aposentos, via quando ela chegava tarde, depois de vir do restaurante. Não podia negar que vez e outra ia até a porta e sempre constatava que permanecia fechada.

              Antônio continuava no hospital. Não havia nenhum avanço em seu quadro, continuava em estado totalmente vegetativo. Sempre ligava para o hospital para saber sobre o pai, mas não tinha voltado lá.

              O dia já estava terminando, naquela sexta-feira. A Del La Cruz tinha aceitado o convite para jantar com Tati e o Índio, mas antes de deixar o escritório recebeu a ligação de Branca avisando que Gabriele tinha sofrido um acidente e estava no hospital.

              A ruiva saiu imediatamente e chegando lá, encontrou a administradora na recepção.

              -- O que houve? – Perguntou preocupada. – Onde ela está? – Olhava de um lado para o outro.

              -- Calma, ela está bem, apenas sofreu uma queda quando foi trocar um lustre lá no restaurante.

              -- Trocar lustre? – Indagou em perplexidade. – Só podia ser ideia da freirinha esse tipo de coisa. – Passou a mão pelos cabelos. – E o que o médico disse? Onde está?

              -- Machucou a perna, então provavelmente vai ficar de muletas por alguns dias.

              Ana Valéria olhava de um lado para o outro, então viu a esposa vir em sua direção. Usava muletas e havia um curativo na lateral da cabeça.

              Gabriele viu a ruiva e sentiu uma certa alegria, pois fazia tempo que não a via.

              -- Ótimo, ela já parece bem, agora tenho que resolver alguns problemas. – Branca falou, enquanto dava um beijo nas duas mulheres e saia rapidamente.

              A Del La Cruz fitava a bela mulher e sentia uma vontade enorme de abraçá-la, mas se conteve, sabia que não poderia fazê-lo. Ficara desesperada quando soube do que tinha acontecido, pensando que poderia perdê-la.

              -- Eu te levo para casa... – Disse por fim.

              A neta do barão fez apenas um gesto afirmativo com a cabeça, seguindo ao lado da esposa.

 

 

              Lia e Clarice não poupavam mimos para a jovem enferma, até mesmo Luna fazia o mesmo com a mamãe.

              Gabriele ria com os cuidados exagerados, mas não podia negar que estava gostando.

              -- Então, agora seu trabalho é de eletricista? – A cozinheira a repreendia. – Merece umas boas palmadas.

              Luna era a responsável para alimentar a jovem, até fazia “aviãozinho” para animá-la.

              A Bamberg ouviu o som de Pandora, sinal de que a esposa estava no quarto.

              Quando fora trazida do hospital nenhuma palavra fora dita, vieram em total silêncio. Não evitara olhar para o perfil sério e bonito que parecia ter sua atenção total no trânsito.

              Não podia negar que sentira falta dela todos aqueles dias, que desejara vê-la apenas para saber se estava tudo bem. Mesmo sabendo que em nenhum momento ela deixara de dormir em casa, não negava que continuava a sentir um ciúmes descontrolável só em pensar que a amada estava nos braços de Lorena por algum momento.

              Otávio sempre lhe dizia que tinha visto a ruiva com Paloma, parecia sempre pronto para envenená-la cada vez mais com seus comentários.

              Deus, por que tudo isso só fazia amá-la ainda mais?

              Todos se despediram, pois já ficavam um pouco tarde. Clarice ficara responsável por colocar a neta para dormir.

              Já sozinha em seu quarto, Gabriele seguiu até a varanda. A noite estava com um céu claro e uma lua cheia e brilhante.

              Fitou o anelar...

              Não usava mais a aliança, porém em todas as vezes que tinha visto a ruiva, ela continuava com seu aro dourado.

              -- Não deveria ficar em repouso?

              A voz baixa e rouca soou tão próxima que ela se virou assustada, vendo a ruiva a apenas alguns centímetros de distância.

              Os cabelos estavam molhados e usava roupão. O aroma delicioso invadiu suas narinas.

              -- Quis tomar um pouco de ar... – Respondeu simplesmente. – Vai sair? – Indagou tentando esconder a ansiedade.

              -- Não, afinal, alguém precisa cuidar de você...—Arrumou-lhe um cacho que tinha se soltado do cabelo preso.

              Gabriele se encolheu temendo o toque.

              -- Não vou te machucar, meu amor... – Passou o dedo indicador sobre o machucado. – Fiquei tão assustada quando soube que tinha se ferido...eu mesma preferiria que tivesse sido comigo...

              A Bamberg mirava os olhos claros que pareciam mais brilhantes que as estrelas.

              -- Vem, não deve ficar muito tempo em pé, precisa se cuidar...

              A jovem assentiu e caminhou devagar para o quarto, usando as muletas. Sentou-se na cama.

              A ruiva guardou as muletas, depois arrumou os travesseiros para que ela deitasse, ajudando-a. Os olhos da esposa baixaram diante da proximidade.

              -- Vou para o meu quarto...se precisar de algo pode me chamar... – Afastou-se. – Deixe a porta aberta...não vou te incomodar...

              Gabriele mordiscou a lateral do lábio inferior, fê-lo para evitar de chamá-la, fê-lo para evitar de pedir que ficasse e dormisse ao seu lado.

              Passou a mão pelos cabelos, imaginando por quanto tempo resistiria em tê-la tão perto de si.

 

 

              Na manhã seguinte, Lia não fora até os aposentos para ajudar no banho da Bamberg, mas Ana Valéria apareceu cedo para cuidá-la.

              -- Não irei tomar banho com a sua ajuda! – A jovem negara-se. – Só o farei depois.

              A ruiva estava sentada na poltrona diante da cama. Tinha acordado cedo, mas ainda não trocara a camisola que vestia. Preta, com um decote que moldavam bem os seios e tendo o cumprimento na metade das coxas.

              -- Não entendo o motivo de agir assim, Gabi, não irei fazer nada que macule sua honra...—Disse com um sorriso. – Posso até fechar os olhos se assim te fizer feliz.

              A jovem observava a beleza sensual diante dos seus olhos, incomodava-se tanto com sua presença e com sua forma de agir que chegava a temer sua presença, mesmo que agisse de maneira comportada.

              -- Agradeço, mas não quero, prefiro a ajuda da Lia.

              -- Ok! Irei até o meu quarto, preciso tomar um banho e depois terei que ir ao hospital.

              -- Encontra a Lorena? – Acusou-a.

              Os olhos claros estreitaram-se perigosamente. Aproximou-se do leito.

              -- O que insinua?

              -- Eu não insinuo nada, baronesa, só fiz uma pergunta...

              -- Eu não estou acreditando que está insinuando que eu tenha algo com a Lorena depois de tudo o que aconteceu...

              -- E por que seria tão difícil algo assim acontecer, ela é uma mulher muito bonita.

              -- Eu não teria nada com ela, na verdade, nem com ninguém, afinal, já tenho uma esposa mais que suficiente para satisfazer meus desejos. – Suspirou. – E não tenho vontade de fazer sexo com nenhuma outra...na verdade, só desejo fazer contigo.

              Gabriele corou diante do que ouvia. Pensou em responder com grosseria, mas apenas ficou em silêncio, vendo-a voltar para o outro quarto.

 

 

 

              -- Não consegui falar com o Miguel! – Otávio dizia preocupado.

              Estava na mansão de Antônio com Lorena. Ana Valéria tinha pagado as promissórias, mesmo assim ainda não tinha expulsado a irmã de Trevan de lá.

              -- Precisamos dele, seria ótimo que Gabriele se envolvesse com ele, assim, a fúria da baronesa aumentaria. – A loira dizia. – Vá ao convento, fale com a tia dele, devem saber algo.

              -- Irei amanhã mesmo, ainda mais agora que a Gabi está prestes a ser a nova presidente da corporação.

              -- A Ana Valéria não precisa da herança do barão, tem muito mais que isso.

              -- E nós vamos tomar tudo isso, pois o divórcio vai acontecer e eu pedirei tudo o que ela tem... – Riu.

 

 

 

              Já era noite, bem tarde e a ruiva não tinha aparecido nos aposentos da esposa.

              Gabriele sabia que ela estava lá, tinha chegado cedo e ficara com Luna durante boa parte da tarde, mas não fora até lá.

              A porta não estava trancada, mesmo assim, não tivera sua presença.

              Deixou o livro que estava lendo de lado, tinha perdido o interesse.

              Suspirou.

              Sentou-se com as pernas para fora da cama. Observava a perna. Não podia forçá-la ainda, mas sua vontade era de voltar ao restaurante, assim poderia preencher sua mente com trabalho.

              Pegou as muletas, levantando-se.

              Ouviu sons vindo do quarto da esposa...

              Aproximou-se, temendo que ela não estivesse bem. Segurou a maçaneta, mas hesitou em abri-la.

              Ouviu a respiração acelerada vindo do quarto.

              -- Ana Valéria... – Chamou-a baixinho.

              Passaram alguns segundos, uma eternidade na verdade na cabeça da Bamberg, e quando se preparava para entrar, a porta abriu-se.

              Fitou a ruiva. Estava corada e suada. Os cabelos avermelhados em desalinhos. Parecia ainda mais bela. Observou o roupão que usava, parecia ter sido vestido às pressas.

              -- Aconteceu algo? – A baronesa indagava apreensiva. – Precisa de algo? Sua perna está doendo?

              Gabriele fez um gesto negativo com a cabeça.

              -- Eu ouvi sons...

              Foi naquele momento que ela entendeu o que estava acontecendo no quarto da esposa. Sentiu um frenesi na espinha, imaginando a deliciosa cena de vê-la satisfazer o próprio desejo sozinha.


 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21