A antagonista - Capítulo 28
Na manhã daquele
dia, todos estavam muito ansiosos com a abertura da última parte do testamento
do barão.
Lorena andava
de um lado para o outro. Estava na sala, esperava Antônio que estava no banho.
Sentou-se em
uma poltrona.
Sentia-se incomodada.
O pai da baronesa cobrava sexo cada vez mais e isso a deixava enojada. Odiava
quando ele a tocava, mas não podia dispensá-lo, ainda mais naquele momento.
A empregada
aproximou-se com uma bandeja de chás.
-- Ah, por
favor, eu não quero essa porcaria, pode tirar isso daqui! – Esbravejou com a
moça.
Imediatamente
a mulher afastou-se.
Todos naquela
casa sabiam do humor terrível da jovem noiva de Antônio, sabiam que não podiam
fazer queixas ao patrão, isso só lhe trariam mais problemas. A loira era mimada
ao extremo e só aceitava perfeição em todas as ações executadas por todos. Uma
das serviçais do político tinha sido demitida injustamente e agora cobrava na
justiça por uma indenização pelos anos que servira ao homem.
A irmã de
Trevan seguiu até o bar e praticamente encheu um copo com um martini, bebendo-o
de uma vez.
Se pelo menos
conseguisse seduzir Ana Valéria... – Pensava.
Se a tivesse
ao seu lado tudo seria perfeito. Não apenas seria rica e poderosa, mas também
teria em seus braços a bela ruiva arrogante.
Tamborilava os
dedos sobre a bancada, parecia ponderar.
Nenhum dos
seus planos tinha surtido efeito até aquele momento. Seu ódio por Gabriele só
aumentava cada dia mais, pois sabia que a maldita Bamberg estava ao lado da
filha de Antônio.
Pegou o
celular e mandou mensagem para Miguel. Tinha ligado para o rapaz algumas vezes,
porém não fora atendida. Ele era um perfeito idiota. Não conseguia nem mesmo
apelar para a consciência da querida do irmão.
O que a Del La
Cruz tinha visto na ex-noviça?
Era tão sem
graça, puritana ao extremo, não parecia o tipo de mulher que chamaria a atenção
de alguém como a empresária. Talvez, realmente fosse um capricho, uma forma de
vingança, um jeito de garantir os bens do Bernard.
Otávio estava
a caminho da mansão, mesmo que a ruiva não aceitasse, ele continuava sendo o
representante dos bens de Gabriele diante da vontade do barão. Quiçá ele
conseguisse continuar plantando a dúvida no coração da Bamberg, se isso
acontecesse, conseguiria abrir caminho para seu plano. Infelizmente, teria que
usar a Paloma, mas para separar as duas mulheres estava disposta até mesmo a
aceitar que a modelo se deitasse com a baronesa.
Bebeu mais um
pouco do líquido, sentindo o álcool queimar a garganta.
Ouviu passos
apressados e já abria a boca para repreender a empregada, porém a mulher dizia
esbaforida.
-- Senhorita,
o senhor Antônio está caído no quarto...
Gabriele estava
descendo as escadas. Ainda se sentia aérea depois do que ouvira de Ana Valéria.
Não pôde ainda falar com a esposa, pois ela deixara os aposentos logo em seguida,
pois Branca tinha chegado. Não conseguia raciocinar direito, será que era
verdade o que ela dissera?
“ Sim,
freirinha, eu te amo...te amo tanto que temo enlouquecer...”
Deus, seria
isso possível?
Seu coração parecia
tão acelerado que temia ter um ataque.
Não seguiu
direto para o escritório, foi em direção à cozinha, precisava tomar um chá ou
algo que a acalmasse.
Caminhava
pensativa quando sentiu mãos fecharem-se em seu braço, olhando assustada, viu
Otávio.
-- Preciso
falar contigo antes que abram o testamento. – Ele confidenciou em seu ouvido. –
Sua esposa deve estar muito preocupada com o que vai ser declarado dentro de
poucos minutos.
Gabriele
desvencilhou-se do toque, afastando-se. Fitava o homem em desconfiança. Não
gostava dele, ainda mais por sua pressão para que agisse contra a ruiva.
-- Eu sou seu
representante e me preocupo com a sua tolice em acreditar nessa mulher. –
Sussurrava. – Ana Valéria está apenas te usando, não seja boba.
-- Estou
cansada de ouvir suas acusações contra a baronesa. – Falou aborrecida. – Talvez
devesse se preocupar com outras coisas e não com a minha mulher.
O advogado pareceu
surpresa diante da defesa apaixonada.
-- E você acha
que eu me sinto bem com tudo isso? – Passou a mão nos cabelos. – A Paloma
voltou a se relacionar com sua esposa, estão juntas novamente e o que me resta
fazer? Eu a amo...fico triste em saber que você também está sendo usada, igual
a minha pessoa.
Os olhos
negros brilhavam em uma mistura de dúvida e ciúmes.
-- Não
acredito! – Levantou a cabeça em desafio. – Sei como deseja destruir a Del La
Cruz...não só você, mas também seus clientes.
O advogado esboçou
um sorriso.
-- Acha mesmo
que ela te ama? – Debochou. – Espero que um dia não se arrependa de não ter me
ouvido... – Suspirou. – Espero que não demore, o tabelião já vai começar.
Gabriele fez
um gesto afirmativo com a cabeça, porém não saiu do lugar. Tentava controlar a
respiração, manter a calma diante das acusações que ouvira.
No escritório,
Branca estava acomodada em uma das cadeiras junto a outros dois advogados. Otávio
estava ao lado de Miguel. Ana Valéria não conseguira barrar a entrada do ex-noivo
da Bamberg, pois ele era auxiliar jurídico do representante da neta de Bernard.
Aquilo deixara a ruiva ainda mais irritada.
A Wasten
observava tudo com crescente preocupação, pois não imaginava o que poderia
acontecer com o que estava pronto para ser revelado. Não confiava no barão,
sabia como ele sempre fizera tudo para ferir a esposa, de como agia com
crueldade até mesmo quando a esposa engravidara.
Observou-a.
Como de
costume ela estava de pé, com os braços cruzados e com aquela expressão de
desinteresse, mesmo assim, não lhe enganava, sabia que ela tinha uma explosão
em seu interior. Preocupava-se com a empresária, ainda mais depois das crises
que tivera. Ela lutava em seu interior contra o ódio que sentia pelo pai e o sentimento
que crescia incontrolavelmente pela ex-noviça. Tinha certeza de que ela estava
apaixonada, mesmo que não conseguisse admitir isso de forma clara.
Viu Gabriele
entrar na sala e viu seu olhar fixar no da baronesa, sabia que a jovem amava-a,
porém havia muita confusão envolvida entre as duas.
A moça seguiu
até a cadeira ao lado da administradora. Seu olhar não abandonava a esposa.
Miguel
aproximou-se de si diante da expressão furiosa de Ana Valéria. Cochichou algo
em seu ouvido e voltou para o lado de Otávio com um sorriso.
O tabelião
pigarreou para chamar a atenção dos presentes. Parecia saber que seria perda de
tempo pedir para que a viúva sentasse. Então apenas ignorou esse fato, até
mesmo evitando olhar para a empresária. Iniciou a introdução costumeira:
“...como todos
já sabem, hoje será aberta a última parte do testamento do barão...peço que
ouçam e apenas no final teçam os comentários...”
Gabriele
conseguiu encontrar os olhos claros da esposa, pensou em ir até lá, mas não o
fez, permanecendo quieta e ouvindo a voz do homem que representava a lei
naquele momento.
“ Minhas
queridas, minha neta e minha esposa...sei que o tempo passou lentamente, que
todas esperavam ansiosas por esse momento e agora ele chegou...Gabriele, hoje,
peço perdão por não ter te dado a tão sonhada liberdade, não acho que tenha
sido fácil conviver com Ana Valéria...sim, a minha querida Del La Cruz... – O tabelião
deu uma pausa e fitou a viúva, parecia constrangido diante da figura imponente,
mas teve que continuar.”
“... a mulher
que nunca se curvou a ninguém, nem mesmo quando fora jogada dentro de um
hospício para morrer...sim, essa sempre fora a intenção de Antônio, porém ele
concordou com animação com meu plano de tomá-la como esposa, ele queria
estreitar nossos laços e não se importava em entregar a filha...confesso que
foi uma experiência horrível...arrogante, orgulhosa e atrevida...não se curvou
diante de mim nem mesmo quando lhe tirei o esperado filho...”
Gabriele
observava o perfil da ruiva, parecia uma estátua esculpida em mármore. Não
esboçava uma única reação diante das coisas horríveis que estavam sendo ditas.
Sentia náuseas diante das palavras atrozes que ouvia.
Como o avô
podia ser tão cruel mesmo depois de morto?
Pensou em ir
até ela, queria consolá-la, abraçá-la bem forte e poder tirar todas aquelas
dores que ainda não tinham cicatrizados, mas a conhecia bem, seria dispensada
com desdém.
Olhou para a
administradora e viu a palidez em seu olhar.
“...
acostumada a estar sempre no controle, baronesa, dei-lhe alguém que não baixa a
cabeça para ninguém, mesmo tendo sido educada em um colégio de freiras...se
hoje estão abrindo a segunda parte do meu testamento se deve à escolha da minha
neta de aceitar ficar ao seu lado...Gabriele foi o castigo que lhe deixei e
agora você terá que dividir toda a herança com a minha amada neta... sim, minha
amada, passei todos esses anos esperando o momento de te dar um oponente à
altura...sei que deve, nesse momento, estar com seu olhar frio e expressão de
que nada vai te atingir, mas nós sabemos que não é assim...era essa a expressão
que mostrava quando eu levava os empresários para desfrutar da sua beleza em
festas com sexo e drogas...eu gostava quando os outros violavam seu corpo e sua
alma...eu sorria com a sua dor...”
Gabriele deixou
a sala e rapidamente foi para um dos banheiros.
Apoiou-se na
pia, enquanto vomitava.
Como seu avô
podia ser tão cruel?
Recordava-se
das vezes que o tinha visto no convento, de como a obrigara a permanecer
naquele lugar, mesmo que não desejasse. Sempre o ouvia dizer: “ Precisa aprender
a ser forte e aqui você aprendera...”
Sim, agora
entendia. Ele lhe tirara tudo e depois armara aquele plano de obriga-la a ficar
ali, pois sabia que ela aceitaria, não retornaria para o lugar que sempre
quisera sair, porém para isso teria que enfrentar a baronesa...
Ela a usara
para atingir a esposa, queria que fosse a inimiga, queria torná-la mais um
instrumento de tortura.
-- Gabi, você
está bem?
A voz da
administradora soou do lado de fora.
Passou alguns
segundos e logo a porta era aberta.
-- Não sei se
aguento ouvir mais de tudo aquilo... – Dizia em pavor. – É preciso mesmo que
tudo isso continue?
A Wasten fez
um gesto afirmativo com a cabeça.
-- Não vai
demorar a acabar. – Entregou-lhe um copo com um líquido escuro. – Beba, vai se
sentir melhor para ouvir o resto.
A Bamberg fez
um gesto afirmativo com a cabeça, fazendo uma careta diante da bebida amarga.
-- É um chá...
Ambas as
mulheres voltaram para o escritório e mais uma vez os olhos da empresária
fitaram os da ex-noviça por alguns segundos, pareciam querer constatar que ela
estava bem, depois voltou sua atenção para o tabelião que voltava a ler a
carta.
“...mas você
não baixava a cabeça...será que continua com seu orgulho intacto depois de
conviver com a minha querida neta por todo esse tempo...?
Branca teve
vontade de rir da presunção do barão. Ele fez tudo para destruir a esposa,
armara cada detalhe para que o inferno que causara em sua vida continuasse,
porém não contara com o fato da Bamberg ter se apaixonado pela esposa do avô,
tampouco imaginara que a neta não tinha o caráter podre que tinha no sangue dele.
“... mas não
se preocupe, minha esposa, também será entregue a ti as provas que vão mandar
Trevan para a prisão...”
Gabriele
prendeu o fôlego diante daquelas palavras.
Então ele
entregaria a baronesa tudo o que ela buscara tanto.
Umedeceu os
lábios demoradamente.
Sabia que ela
odiava o pai adotivo, pois ele ajudara Lorena em seu plano de destruí-la.
Mexeu-se
desconfortavelmente na cadeira. Queria que tudo aquilo terminasse logo, estava
se sentindo sufocada diante de cada palavra dita pelo tabelião.
“... Trevan
que sempre armou para te tirar do caminho...sempre foi um ótimo colaborador nos
meus planos para te ferir...sempre soltando algumas fotos de quando esteve
internada...você deve muito a ele, agora vai poder retribuir, minha amada...”
Ana Valéria
cruzou os braços sobre os seios.
Fitou a
esposa.
Via o temor em
seu olhar e desejou que nada daquilo estivesse acontecendo. Queria que o barão tivesse
desaparecido da sua vida com sua morte, porém ele continuava a atormentá-la com
sua narrativa cruel.
Observava
Otávio, ele se regozijava diante das frases que eram ditas. Sabia como o advogado
sempre fora fã da crueldade que Bernard tratava a jovem esposa.
Mordiscou a
lateral do lábio inferior demoradamente.
Ouvia as
palavras finais ditas pelo tabelião, depois teriam que assinar como os demais
presentes.
Uma empregada
aproximou-se da patroa, parecia indagar se devia trazer lanches, mas a Del La
Cruz a dispensou, não parecia interessada em prorrogar ainda mais aquela
reunião.
O tabelião
despediu-se, enquanto Otávio e Miguel pediram para falar com Gabriele.
-- Faça-o em
outro lugar, não os quero aqui nem um minuto a mais. – A baronesa disse
irritada.
-- Não esqueça
que essa casa agora também é da Gabi, isso significa que ela manda tanto quanto
a senhora. – O ex-noivo da Bamberg falou em provocação.
Branca observou
os olhos da ruiva estreitarem-se e pensou em intervir, mas foi a neta de
Bernard que resolveu o problema.
-- Falaremos
em outro momento, agora tenho algumas coisas para resolver, então peço que deixe
essa conversa para depois.
O noivo de
Paloma fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas não saiu imediatamente, falou
antes:
-- Eu te
disse, Gabriele, veja que foi do jeito que te falei que seria, então tome
cuidado...as aparências enganam e enganam muito...
A
administradora acompanhou os dois, enquanto deixava as duas mulheres sozinhas.
Ana Valéria
segurou a chef de cozinha pelo braço, não o fez grosseiramente, mas não parecia
muito delicada.
-- O que
aquele desgraçado falou para ti?
Os olhos
negros fitaram os claros, era possível ver a fúria contida nos da herdeira de
Antônio’.
-- Não quero
discutir, Ana, por favor, estou cansada e com dor de cabeça. – Afastou a mão
que fechava sobre seu braço. – Está irritada e isso significa que vai ficar ainda
mais arrogante e debochada, então acho melhor que conversemos em outro momento.
– Respirou fundo. – Pode ser ou vai me obrigar?
Um sorriso
brotou nos lábios cheios da ruiva.
A chef de
cozinha mordiscou a lateral do lábio inferior.
-- Não quero
que se aproxime daquele bonequinho engravatado. – Apontou-lhe o indicador.
-- E você
exige isso de mim...mas não parece se importar de estar recebendo a Paloma em
sua empresa...
-- Então foi
isso que aquele corno te falou? – Voltou a segurá-la. – Realmente a noiva dele
anda atrás de mim, porém acredite, só tenho desejo por você, só quero você na
minha vida.
Os olhos
negros estreitaram-se, mas antes que pudesse falar algo, Branca aproximou-se,
parecia apreensiva.
-- Baronesa...
– Disse hesitante.
Ana Valéria
parecia ainda mais impaciente com a interrupção.
-- O que é
agora?
Gabriele
relanceou os olhos com a forma grosseira que a esposa tratou a administradora.
-- A Lorena
ligou...
-- E o que eu
tenho a ver com ela? – Indagava continuando segurando o braço da neta do barão.
– Não acredito que me interrompeu para falar sobre essa mulher.
A
administradora respirou fundo.
-- Sim, eu
sei, mas ela ligou para avisar que seu pai está no hospital...passou mal...
Foi possível
ver por alguns segundos uma preocupação em seus olhos.
-- O que ele
tem? – A Bamberg indagou assustada.
-- Não me deu
detalhes, queria falar com a Ana, mas eu disse que daria o recado...se quiser,
eu vou até lá para saber do quadro clínico dele.
Gabriele fitou
a esposa.
-- Acho melhor
que você vá até lá, amor, não acho que a Lorena ligaria se não fosse algo
sério...eu irei contigo.
A ruiva
caminhou até a estante de livro. Parecia observar os títulos de cada uma das brochuras.
Sentia uma agonia em seu interior, uma irritação em pensar que estava
preocupada com o homem que destruíra sua vida. Por que sentia aquele temor pelo
religioso que agia como se fosse um santo, mas sempre agira como um verdadeiro
demônio?
Sentiu a mão
sobre seu ombro. Sabia de quem se tratava. Sentia uma eletricidade em seu
interior quando ela se aproximava.
-- Por que eu
tenho que me importar com esse homem? – Indagou sem se voltar.
-- Porque você
sempre foi melhor que Antônio...
Passaram-se
alguns segundos, depois a voz baixa e rouca indagou:
-- Será?
Lorena andava
de um lado para o outro na recepção do hospital. Tinha sido informada que o
plano de saúde do empresário estava atrasado e não podia ser atendido ali.
Tentara falar
com Ana Valéria inúmeras vezes, mas não fora atendida.
Abriu a bolsa
e retirou de dentro a carta que tinha encontrado ao lado do corpo do Del La
Cruz.
Ele tinha
perdido tudo.
O banco deu
ordem para executar as dívidas, começando pela mansão. Ele tinha pedido
inúmeros empréstimos e não conseguira pagar.
Não estava
acreditando que apostara em uma relação e agora descobria que o maldito velho
estava falido.
-- Senhorita...
A voz da
recepcionista lhe tirou das suas divagações.
-- E então?
--
Infelizmente, não há como atendê-lo, como avisei inicialmente, o plano está
meses atrasado.
-- Não entende
que se não o atender, pode morrer. – Lorena retrucava.
-- E quem vai
pagar por isso?
-- Eu arcarei
com todas as despesas...
As duas
mulheres voltaram-se e viram o trio que acabava de chegar. A loira fitava a
baronesa surpresa, pois foram delas as palavras que ouvira.
-- Branca,
responsabilize-se por garantir que Antônio seja atendido.
A
administradora fez um gesto afirmativo, seguindo a recepcionista.
--
O que houve com ele? – A voz fria da ruiva questionou.
--
Passou mal... – Lorena disse com lágrimas nos olhos. – Encontrei-o caído,
fiquei desesperada. – Agora chorava copiosamente, jogando-se nos braços da
empresária. – Meu Deus, Ana, espero que ele se recupere... – Soluçava. – Sei que
cometeu muitos atos ruins, mas é seu pai...
Gabriele
observava tudo incomodada com a irmã de Trevan nos braços da ruiva. Tentou manter
a tranquilidade, afinal, era um momento complicado, então era normal que a
outra estivesse abalada.
Cruzou
os braços e esperou.
--
Acho melhor que se sente, vai ficar tudo bem... – A ruiva disse, enquanto
desvencilhava-se do toque. – Ele é muito mais forte do que imagina.
A
Bamberg olhava para a esposa e percebia que havia uma preocupação em sua expressão.
Ela ficara em silêncio por todo o caminho até chegarem ali. Não tecera um único
comentário sobre o que estava acontecendo com o pai. Tinha certeza de que
pensava em tudo o que tinha passado por culpa de Antônio e isso a deixava
relutante em agir.
A
Wasten tinha narrado no trajeto sobre a informação que recebera sobre o banco
executar as dívidas do ex-senador. Não imaginara que ele estava devendo tanto,
porém agora entendia a agonia do homem em lhe fazer tirar dinheiro da filha.
Não gostava do Del La Cruz, ainda mais por tudo o que fizera com Ana Valéria,
mesmo assim não desejava que morresse, ao contrário, sempre acalentara a ilusão
que a baronesa pudesse fazer as pazes com seu passado, talvez assim pudesse
livrar-se de todos os traumas que vivera.
Suspirou
e decerto o fizera bastante alto, pois a empresária aproximou-se, segurando-lhe
a mão, permanecendo assim, enquanto ouvia a loira com suas explanações.
--
Por que não vai até a sua casa, toma um banho e descansa um pouco. – A chef de
cozinha sugeriu. – Vejo que parece muito cansada...
--
Como posso deixá-lo aqui sozinho? – Indagou em indignação. – Não irei a lugar
nenhum!
--
Só falei para o seu bem, afinal, em nada vai mudar sua presença aqui, o que vai
acabar acontecendo é que fique doente também.
Lorena
olhava para as duas mulheres e parecia incomodada em vê-las tão juntas.
--
Irei até a cafeteria...mas não demorarei...
A
Del La Cruz fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois caminhou com a esposa
para uma das poltronas do final do corredor da recepção, sentando-se com ela ao
seu lado.
A
Bamberg ainda tinha os dedos entrelaçados o da amada. Ficaram em silêncio
durante alguns segundos, mas logo a voz da neta do barão era ouvida.
--
Como se sente com tudo?
Ana
não respondeu de imediato, fitou a jovem que parecia preocupada consigo.
Sentia-se bem por tê-la ao seu lado, por saber que não precisava passar por
tudo aquilo sozinha. Não sabia o que estava sentindo em relação ao pai, apenas
desejava que ele saísse daquele hospital e continuasse sua vida, mesmo sabendo que
continuaria dificultando a sua. Agora entendia o que o Índio falava sobre suas
emoções, sobre sentir que apenas o ódio conduzia suas ações, como era muito fácil
destruir a todos que construir algo.
Ironicamente,
o Bernard, o homem que usara de todos os meios para lhe destruir, entregara-lhe
a jovem neta e fora isso que provocara essa dualidade em seu caminho.
Fitava
os olhos negros, a expressão gentil e preocupada. A forma que acariciava seus
dedos feridos, a gentileza que expressava quando buscava todas as maneiras de
lhe amar, mesmo sabendo que não era digna desse sentimento. Não era tão fácil
lidar com aquela explosão de sentimentos que conviviam contraditoriamente em
seu interior.
--
Eu não sei... – Disse por fim, emudecendo o lábio superior. – Não posso dizer
que me importo com Antônio...ou dizer que daria a minha vida para que ele
ficasse bem, estaria mentindo...porém não desejo que o imponente político fique
aqui...frágil... – Esboçou um sorriso amargo. – Não vim aqui para fazer as
pazes com o meu passado, Gabi, isso não é uma novela mexicana e eu não sou a
mocinha que perdoa tudo o que se passou e consegue viver em paz...há uma
realidade tão difícil, concreta que parece uma ponta afiada de mármore a
perfurar minha carne dia após dia... – Desviou o olhar por alguns segundos. –
Não acho que eu ou Antônio tenhamos salvação...—Cerrou os dentes. – Quero que
ele levante daquela maldita cama e pague por tudo o que me fez...
Gabriele
via os olhos claros encherem-se de lágrimas, tentou abraçá-la, mas foi detida.
--
Sabe hoje, quando o tabelião falava aquelas coisas...eu desejei um milhão de
vezes que o maldito barão estivesse queimando no fogo eterno...sim, freirinha,
eu pedi tanto que aquele miserável morresse, regozijei quando soube da sua
morte, quando soube que não teria mais que o ver, que nunca mais ele me
feriria...—Uma lágrima surgiu em sua face. – Eu mesma tive vontade de matá-lo
várias vezes...—Voltou a exibir um sorriso. – Quando o desgraçado do barão
mandou me espancar até perder meu filho...quando voltei para casa, peguei uma
arma e tentei matá-lo...porque ele tinha me matado...porque ele matara a única
esperança que eu tinha na vida...
A
Bamberg sentia a dor da empresária pulsar em sua carne. Chorou por ela, novamente
por tudo o que ela vivera, por tudo o que ela passara em sua vida. Ficou em
silêncio, sabia que ela precisava falar, sabia que ela necessitava daquilo.
--
... ele riu na minha cara...riu como um demônio e me desafiou a atirar...eu o
fiz, mas não o atingi porque Branca entrou na hora e puxou meu braço...—Suspirou
-- isso é a mulher que você vai ter ao seu lado...alguém que tem sede de
vingança...que recebeu as provas contra o Trevan e que só deseja nesse momento
fazê-lo pagar...—Encarou-a. – Você não pode me salvar, Gabriele, então não
romantize tudo o que se passa...porque eu sou uma desgraçada cruel e não pararei
só porque te amo...
A
chef de cozinha ficou quieta, enquanto via a esposa afastar-se, seguindo em
direção à saída. Levantou-se para ir até ela, mas a administradora a deteve.
Branca ouvira parte da narrativa emocionada da empresária.
--
Ela precisa ficar sozinha...se for até lá, a Ana Valéria vai continuar sua dor
e talvez te rechace também.
A
Bamberg suspirou em frustração, enquanto passava a mão pelos cabelos.
--
Por que ela teve que passar por tudo isso? – Questionava em desespero. – Qual a
sensação de fazer tanto mal a uma menina...Meu Deus, Branca, ela era uma
criança quando passou por tudo aquilo – Meneava a cabeça. – Eu juro que tento
não pensar em todos os males que recaíram sobre a Ana, pois isso me dá tanta raiva
que temo odiar todos eles, como ela odeia.
Branca
abraçou a moça, sentindo as lágrimas descerem copiosamente. Sabia o que ela sentia,
pois fora aquela mesma sensação que tinha diante de todas as crueldades que
foram feitas com a herdeira de Antônio.
A
cobertura de Ana Valéria estava às escuras.
A
empresária seguira para lá depois que deixara o hospital. A TV da sala estava
ligada e nela passava pela enésima vez o vídeo da sua festa de quinze anos. O
som do violino que a debutante tocava soava baixo, numa sinfonia doce e gentil.
Todos pareciam emocionados. Clarice tivera toda a maquiagem manchada pela
emoção que não conseguira controlar. A imagem de Antônio era imponente,
arrogante e orgulhosa ao exibir a filha diante de todos. Em determinado momento
do vídeo, ele dava uma entrevista e exaltava as qualidades da herdeira que possuía
inúmeros talentos.
“Ela
será a minha substituta e acreditem...ela me superará em todos os sentidos...”
“
Ana Valéria é um anjo ruivo...não há ninguém mais gentil e delicada que ela
nesse universo inteiro...”
A
Del La Cruz olhava para a tela, enquanto ingeria de uma única vez todo o
conteúdo do copo.
Ela
ria e chorava ao mesmo tempo.
--
O brinde a filha perfeita de Antônio! – Falava de forma ébria, enquanto
levantava. – P-e-r-f-e-i-t-a...
Caminhava
trôpega até o bar, enchendo mais uma vez o copo.
--
Sim, Antônio, eu...superei você...sempre esteve certo...exceto quando declarou
que eu era um anjo... – Ria alto. – ou quem sabe um anjo vingador...
Ouviu
o toque do celular, mas não o atendeu, jogando-o fora.
Não
queria ver ninguém, não desejava que ninguém se aproximasse de si, apenas
ansiava por ficar sozinha. Quisera ir para a cabana, mas o avião estava
passando por uma manutenção. Pensara em alugar um, porém não o fez, apenas
seguindo para o apartamento para ficar isolada.
Ouviu
o interfone, mas novamente ignorou.
Caminhou
devagar e bamba até uma gaveta e retirou de lá o violino. Aquele fora o que
ganhara de presente da mãe quando completara quinze anos. Sempre guardara
consigo, fora esse que usara em sua festa. Havia seu nome desenhado em relevo.
Usava
o polegar para delinear as letras. Seguiu para o sofá e começou a tocar a mesma
canção do seu debuto.
--
Ela está na cobertura. – Branca dizia.
Gabriele
tinha seguido para o restaurante depois de deixar o hospital e permanecera lá
até às oito quando a administradora foi ao seu encontro. Agora, ambas as
mulheres ocupavam uma das mesas.
A
Bamberg bebeu um pouco do chá que tinha sido servido.
--E
Antônio? – Perguntou receosa.
--
Foi constatado um acidente vascular cerebral, os médicos estão realizando
inúmeros exames, o caso é delicado, mas tudo o que o dinheiro pode fazer, será
feito.
--
Ele está falido? – Questionou perplexa.
--
Sim, e acredito que isso fora o causador do AVC. Ele teria que deixar a mansão
que sempre ostentara...não é fácil para alguém tão orgulhoso... – Deu uma
pausa. – Fiquei surpresa com o tanto de dívidas que ele tinha feito nos últimos
anos, então vi que foram inúmeros investimentos errados...foi tolo...fora a
luxuosa relação que tinha com a Lorena...gastava milhões em viagens...
Gabriele
mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente. Parecia ponderar sobre o
que ouvia. Quando estivera á frente das empresas percebera que o pai da esposa
não agia com muita inteligência com seus negócios. Fazia inúmeros empréstimos e
não conseguia pagar. Achava estranho que alguém que parecia tão inteligente
tivesse se perdido pelo caminho.
--
Acredito que gastara muito do que tinha na última eleição, já que não recebera
apoio do partido...acabou perdendo tudo e não se elegeu. – Comeu um pedaço do
bolo. – Eu vou te levar até a cobertura e depois irei para o hospital. – Disse preocupada.
– O porteiro me falou que Paloma foi até lá, mas não recebeu permissão para
subir.
A
Bamberg se mexeu incomodada com a informação sobre a modelo. Otávio deixara
claro que as duas mulheres tinham retomado o caso e isso a incomodava muito.
--
E o que te garante que ela vai me deixar entrar?
--
Não precisa deixar, você é esposa dela e também vou te dar as chaves. – Retirou
da bolsa.
Gabriele
fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Trevan
chegou ao hospital e encontrou a irmã na recepção, estava sentada e lia uma
revista de moda.
--
E como está o senador? – Ele foi logo perguntando.
A
postura da loira não parecia ser a mesma que demonstrara quando a Del La Cruz
estivera ali. Ao contrário, parecia muito calma. Folheava o encarte de forma
atenciosa.
--
Está lá! – Apontou para a porta. – Vamos esperar o que vai ser dele agora que
perdeu tudo. – Torceu a boca. – Não acredito que esse velho miserável está
falido.
O
fotógrafo não parecia surpreso com a forma que a irmã falava. Sentou-se ao seu
lado.
--
Pensei que pudesse se preocupar...
--
Ah, por favor, não me venha com isso, estou cansada de fingir que sinto algo
por esse maldito presunçoso...e agora que não posso contar com seu dinheiro,
tenho que buscar outras alternativas. – Deixou a revista de lado. – Sua filhinha
esteve aqui com a baronesa...agi como se realmente fosse a esposa amada... –
Torceu a boca em desdém.
--
Mas ela é a esposa...
A
loira enviou um olhar de ódio para o irmão.
--
Não me venha com essas bobagens, não sei se já sabe, mas a Ana Valéria tem as
provas que necessita para te jogar na cadeia...
Otávio
ligara e contara sobre tudo o que tinha acontecido na leitura do testamento.
--
Não me importo... sei que devo pagar por tudo o que fiz e estou pronto para
isso...
Lorena
o fuzilava com o olhar.
--
Tinha esquecido que agora não é apenas sua filhinha que tem alma de freira... –
Levantou-se. – Ah, ela herdou metade de tudo que era do barão, então trate de
pedir algo, quem sabe ela paga um advogado para te defender, pois se depender
de mim, você vai passar o resto da sua vida em uma prisão fedida.
O
homem apenas fez um gesto de assentimento, enquanto Lorena se afastava.
Realmente
não se importava em ser preso. Quem sabe isso o ajudasse a superar seu remorso
por tudo o que tinha feito contra Ana Valéria.
Gabriele
seguia pelo elevador do prédio. Estava ansiosa para encontrar a esposa. Sabia
que ela não estava bem, era nítido que aquele não fora um dia bom. Primeiro com
o sadismo de Bernard em sua carta e depois com o problema de Antônio.
Não
aceitara quando a administradora falara que ficaria com a empresária, desejava
estar ao lado dela, mesmo sabendo que a ruiva não queria sua presença naquele
momento. Passara todo o dia se controlando para não ir até ela, ligara inúmeras
vezes, mas não fora atendida.
Fitava
a própria imagem no espelho.
Sentia-se
insegura, não conseguia acreditar que sua imagem comum pudesse atrair uma
mulher tão bonita como a Del La Cruz. Era apenas um ser comum.
Suspirou.
Tinha
tomado banho no restaurante e trocara de roupa. Usava uma saia que chegava
quase aos joelhos. Era de couro sintético marrom. Uma blusa de mangas curtas branca.
Tinha um cinto prendendo sua cintura. Nos pés trazia um sapato de bico fino e
sem salto. Os cabelos cacheados estavam soltos e caiam como uma cascata sobre
os ombros.
Prendeu
o fôlego quando o elevador parou no andar, parando diante da porta do
apartamento.
Não
entrou imediatamente.
Encostou-se
à porta e ouviu o som do violino. Adorava ouvi-la tocar. Era como se fosse um
bálsamo para almas sofridas.
Talvez
não devesse ter ido até ali...
Sua
mente fervilhava de dúvidas. Nem mesmo tivera tempo de conversar sobre o que
ela tinha falado mais cedo.
O
que a fazia pensar que a Del La Cruz podia realmente amá-la?
Paloma
era muito mais bonita e mais sofisticada. Era uma modelo internacionalmente
conhecida. Era da mesma classe da baronesa, pertencia ao mesmo círculo social.
Passou
a mão pelos cabelos em um gesto nervoso, depois tirou as chaves da bolsa e logo
adentrava ao local.
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