A antagonista - Capítulo 25



A chuva caia fininha. Uma nuvem solitária parecia não ter suportado o peso que carregava e decidira desaguar. Ela não parecia incomodar ninguém, fazia-o silenciosamente, como se temesse machucar a terra.

Diante da janela que dava para o jardim, Gabriele estava parada, olhava tudo como se não conseguisse enxergar. Desde que retornara dos aposentos da baronesa, ficara ali, parecia perdida em seus pensamentos, sentindo-se pesada, como se também quisesse chover para livrar-se da carga que levava. Ao longe ouvia o som do violino. Ela continuava a tocar sua melodia, continuava a tirar daquele pequeno instrumento o som dos anjos.

Encostou a mão no vidro da janela, observando-a, sentindo-a fria, gélida. Diferente do seu corpo que queimava em brasas. Poderia ter se entregado totalmente ao desejo que sentia, poderia ter aproveitado apenas o momento e depois ponderaria sobre as consequências do seu desejo, porém não o fizera, não tivera coragem para isso, mesmo que houvesse tanta vontade. Deixara ser tocada, deixara ser invadida em seu secreto prazer.

O som do celular insistia em invadir suas divagações. Nem precisava aproximar-se do visor para saber quem poderia ser. Trevan, Lorena...e o noivo.

Mordiscou o lábio inferior demoradamente.

Não iria atendê-los, não agora, pois não desejava ouvir nenhum tipo de cobranças. Estava cansada, irritada, frustrada com tudo o que estava acontecendo. Por que não podiam deixá-la em paz de uma vez por todas? Sabia que a resposta era sempre a mesma: Era uma peça importante no jogo de poder que se iniciara com a morte do barão.

Naquele momento pensava no cruel avô. Sabia que ele nunca se importara consigo e ponderava se ele sabia que tudo aquilo ocorreria e por essa razão a colocara naquela história.

Um sorriso desenhou-se em seus lábios.

Não, não acreditava que ele fizesse isso sabendo que sua linda e maravilhosa esposa seduziria sua neta...

-- Ana Valéria... – Sussurrou o nome.

Bernard sempre fora obcecado pela Del La Cruz. Ouvira horrorizada Clarice contar sobre como o velho desejara a sua filha quando ainda era uma menina.

Fez um gesto negativo com a cabeça.

Às vezes, invejava Lorena, invejava-a por saber que fora a mulher que fizera a bela filha de Antônio perder o controle. Ela tinha conhecimento do profundo afeto que nutrira pela irmã de seu pai adotivo, o que a deixava ressentida, especialmente porque sabia que após essa relação, ela não havia se apaixonado novamente.

Tamborilava os dedos no batente, estava impaciente, agoniada.

Se pudesse, partiria levando a Luna consigo, porém tinha total conhecimento que não poderia fazer isso, pois Ana Valéria não permitiria, ela jamais aceitaria que partisse com a garotinha. E o que lhe restava? Aceitar aquele casamento pelo tempo que a baronesa desejasse, entregar seu corpo e sua alma a alguém que lhe usava apenas como um capricho.

Levou o polegar à boca, mordiscando a unha.

O que significava ser esposa daquela mulher? Teria que aceitá-la da forma que ela se impunha, talvez até com suas amantes...

Fechou os olhos, pressionando-os.

Sabia que Paloma não desistiria do caso que tinham, mesmo estando noiva.

Viu o farol de um carro, então observou o veículo da baronesa deixando a mansão.

Nem tinha percebido que a música tinha cessado. Pensara que ela passaria a noite ali, não imaginara que iria embora. Talvez tivesse algum compromisso.

Caminhou até a cama, deitando-se encolhida, enquanto continuava a fazer suas conjecturas.

Ouviu batidas à porta e não demorou para Lia aparecer trazendo uma bandeja.

-- Trouxe um lanche...

Os olhos negros fitaram a amiga que se aproximou, acomodando-se em uma cadeira.

-- Pensei que já tinha ido descansar...está trabalhando muito...

-- Eu gosto, mocinha, então não adianta discutir. – Falou, fitando-a. – Estive no quarto de Luna ainda pouco e fiquei surpresa em encontrar a baronesa lá... – Confidenciou.

A expressão de surpresa estava presente na face da Bamberg.

-- O que fazia?

-- Eu não sei, estava arrumada e apenas olhava para a menina, quando eu cheguei, ela foi embora, nem falou comigo.

-- Eu vi o carro deixando a casa...pensei que ficaria aqui.

Lia fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Até a senhora Clarice ficou surpresa quando lhe disse que a filha tinha partido.

Gabriele se levantou e caminhou até a bandeja, serviu suco para si e para a empregada.

-- Devia ter algum encontro na agenda de safadeza dela.

A cozinheira bebeu um pouco do líquido, depois falou:

-- A senhora Branca falou que a baronesa deseja saber os motivos que fizeram você demitir Tereza.

A neta do barão bebeu todo o suco de uma vez.

-- E por que ela não me questionou pessoalmente? – Pegou uma fatia de bolo. – Direi a verdade. – Sentou-se na cama. – Não tenho medo de Ana Valéria nem da sua arrogância.

-- Sim, eu sei, porém hoje na cozinha ela te deixou desconsertada.

A face da jovem voltou a corar, como ocorrera mais cedo. Ela baixou os olhos, olhava para as próprias mãos.

-- Filha, por que não aceita o casamento? Talvez, se for um capricho da Del La Cruz, ela desista...

-- Desista? – Encarou a mais velha. – Seja honesta comigo, você acha mesmo que eu cedendo ela vai desistir?

Lia não respondeu de imediato, fazendo-o depois de alguns segundos.

-- O que eu acho é que ela gosta muito de você e não sabe lidar com isso.

-- Gosta de mim? – Questionou com incredulidade. – Não acredito nisso...

-- E por que não? Pense bem, você sempre a desafiou...sempre a enfrentou, mesmo assim, ela não fez contigo o que faria com qualquer outra pessoa que ousasse agir dessa forma... – Tocou-lhe a face. – E você a ama...

Havia um brilho nos olhos negros.

-- Você não pode negar isso para mim, eu te conheço bem, filha, sei como sofreu quando houve o acidente de avião, eu vi de perto a sua dor, dor que você escondia de todos, mas não de mim.

-- E o que adianta amá-la? – Questionou por entre os dentes. – O que vale todo amor que sinto aqui – apontou para o peito – eu sei que ela vai me ferir, eu sei que a baronesa deseja vingar-se de mim... é apenas isso que ela deseja. – Cobriu o rosto com as mãos.

A empregada a abraçou, ouvindo o choro baixo transformar-se em um pranto descontrolado. Quedou-se ali, sabendo como sua menina sofria com toda aquela história. 

 

 

A boate ainda estava aberta.

O som de música alta invadia o ambiente. As luzes estavam concentradas apenas no palco onde ocorria as apresentações.

Tatiana estava auxiliando no bar quando viu um rosto conhecido aparecer. Não era surpresa vê-la ali, vez e outra aparecia lá, talvez sentisse saudades ou apenas buscasse distrair sua mente.

-- O lugar está cheio.  – Ana Valéria ocupou uma das banquetas. – Não parecem ter sofrido com a perda da Rubi.

-- Você quem pensa. – Preparou um coquetel e entregou a empresária. – Estou tentando levantar isso aqui sem minha principal estrela.

Ambas riram.

-- E o que faz aqui? Não está muito tarde? Uma mulher casada não pode frequentar certos ambientes. – Provocou-a.

A ruiva bebericou um pouco do líquido, depois voltou sua atenção para o show que acontecia. Não quisera ficar na mansão, pois sua vontade era de ir atrás da esposa, seu corpo queimava em desejo e por isso achou melhor ir embora. Gabriele continuava sendo uma ameaça a sua sanidade mental. Continuava a desafiá-la como ninguém ousara fazer em sua vida. Podia simplesmente obrigá-la, usar seu amor pela Luna para isso, porém queria que ela cedesse, que aceitasse, por saber que não poderia vencê-la.

-- Amanhã irei ver o Índio e quero que venha comigo. – Falou, encarando-a. – Sei que já deveria ter ido, mas acho que ainda não me sentia pronta, ainda mais por ter que lidar com minhas memórias.

Tatiana a observava, parecia querer decifrá-la.

-- Ele perguntou várias vezes sobre você...acho que ele sabe o motivo de não ter ido lá...—Sorriu. – E como é ser a baronesa?

Ana Valéria voltou a beber e depois falou:

-- Não é fácil lidar com tudo o que significa ser Ana Valéria Del La Cruz...acho que era muito mais fácil ser apenas a Rubi...

-- Mais fácil até a senhorita chef de cozinha aparecer por aqui... – Disse com uma falsa inocência. – Sabe que fiquei pensando que deve existir algo muito forte que ligam vocês duas, afinal, mesmo desmemoriada, você a quis...e ela era sua esposa...

A filha de Antônio franziu o cenho, mas não respondeu, voltou a prestar atenção no espetáculo.

-- Acho que a Rubi também ignorava as pessoas quando não desejava falar sobre determinados assuntos...como quando proibiu a entrada a Gabriele aqui...

-- O que quer que eu fale? – Estendeu o copo. – Não há muito o que dizer, ainda mais se assunto for a petulante neta do barão.

-- Então, é verdade o que a senhora Branca falou sobre a poderosa baronesa não aceitar que gosta da própria esposa...

Os dentes alvos abriram-se em um sorriso carregado de sarcasmo.

-- A Branca é uma sonhadora. – Levantou-se. – Coloque os coquetéis na minha conta, depois passo um cheque.

Tatiana riu.

-- Esse é por conta da casa.

Ana Valéria piscou.

-- Então prepare mais alguns, vou me sentar em uma daquelas poltronas, afinal, aqui eu não tenho muito sossego com uma tagarela.

A produtora fez um gesto afirmativo com a cabeça. Pensando em como era arredia a sua amiga.

 

 

Na manhã seguinte, Gabriele inventou uma desculpa, deixando a filha com Clarice e seguiu até o apartamento onde o pai morava. Não desejava fazê-lo, mesmo assim decidiu ir até lá. Não pediu ao motorista para levá-la, pois não desejava que ninguém soubesse sobre sua visita.

Subiu direto para o apartamento, tocou a campainha e não demorou para ser atendida.

Encontrou-o sozinho.

-- Filha, eu já estava preocupada. – O homem disse abraçando-a. – Ontem tentei várias vezes lhe falar, mas não consegui.

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas nada disse, indo sentar-se em uma poltrona.

-- Preciso avisar a Lorena sobre sua presença, ela estava quase indo até a mansão.

-- Se ela tivesse ido teria sido expulsa pela própria baronesa.

O fotógrafo sentou-se próximo à jovem.

-- Então foi por isso, a Del La Cruz estava lá. – Disse em constatação. – E o que fazia na mansão? – Indagou curioso.

-- Estava lá, papai, ela é a dona da casa e a mãe dela mora lá.

-- E a esposa dela também...

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, depois respondeu:

-- Ah, por favor, o senhor sabe muito bem que esse casamento foi apenas para ela manter as malditas ações. – Disse impaciente.

Trevan a olhava, perscrutava-a.

-- Só isso que é esse casamento? – Perguntou hesitante. – Eu tenho a impressão que há muito mais...

-- Claro que é! – Passou a mão pelos cabelos. – Não há nada mais que isso.

-- Então, você e Miguel continuam juntos?

Claro que não!

Não desejava mais nada com o advogado, nem mesmo seria possível, ainda mais agora com o retorno da baronesa. Já conversara com ele pelo telefone, mas o homem insistia em querer vê-la. A Del La Cruz seria capaz de matá-lo se soubesse que vivia atrás de si.

-- Avise a Lorena que estou aqui...

Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça. Pegou o celular, mas não executou a chamada.

-- Ela já está subindo, parece que adivinhou...

Não demorou para a porta abrir-se e a loira aparecer. A expressão de irritada estava presente. Fitou a Bamberg e não fez questão de esconder sua revolta.

-- Ora, a senhora Del La Cruz decidiu aparecer.

-- Claro, titia, sinto muito por tê-la deixado esperando...mas não pude vir antes.

Era possível sentir o sarcasmo em cada palavra dita.

-- Antônio não está com paciência para seus deboches, então trate de aceitar o divórcio como fora dito por Otávio.

Gabriele cruzou as pernas.

-- A situação está complicada, pois a Ana Valéria não aceita o fim do casamento...ontem ela deixou claro isso.

Os olhos de Lorena brilhavam em fúria.

-- Então ontem esteve com ela e por isso nos deixou aqui fazendo papel de idiotas. – Esbravejou. – Acha mesmo que suas ações não vão prejudicar seu papai? – Vociferava. – Sabe muito bem que Antônio não brinca.

-- E eu nunca imaginei que brincasse...mas eu não posso fazer nada nesse momento...—Levantou-se. – Se achar que consegue o divórcio, então continue com o processo, porém mais nada posso fazer nesse momento.

-- Por que não pode? – Lorena indagou curiosa. – Acha que vai se deitar com a Ana Valéria enquanto nós entramos na briga sozinhos?

Os olhos negros estreitaram-se de modo furioso.

-- Deitar-me com a baronesa? – Disse por entre os dentes. – Claro, o que posso fazer, afinal, ela cobra os direitos matrimoniais que tem. – Provocou-a. – Você negaria se estivesse no meu lugar?

-- Não tem vergonha na cara...

-- Quem é você para falar em vergonha na cara? Bastava que a filha do seu noivo te quisesse e eu tenho certeza de que correria para a cama dela.

A loira a esbofeteou, mas Gabriele revidou, não uma vez, fê-lo duas, estapeando-a sem dó.

Trevan correu para ficar entre as duas, temendo algo pior acontecesse. Ele sabia como a filha não gostava do comportamento da loira, porém não imaginara que ela reagiria de tal forma.

-- Acho que isso não é necessário... – Ele tentava apaziguar os ânimos.

-- Nunca mais ouse encostar suas mãos em mim ou faço pior que isso. – A Bamberg falava. – Está revoltada por saber que eu sou a esposa da Del La Cruz.

Lorena mantinha a mão na face, parecia perplexa com o que tinha acontecido.

-- Vai pagar caro por isso, maldita Gabriele...

-- O que vai fazer comigo? Vai falar com o seu político para me jogar em um hospício como fizeram com a baronesa? – Voltou a provocá-la. – Não deve esquecer que Ana Valéria ainda não acertou as contas contigo.

-- E contigo ela já acertou? Ou acha que é inocente? Acha que ela vai te perdoar por ter nos colocado dentro da empresa?

A neta de Bernard fez um gesto negativo com a cabeça.

-- Claro que vai se vingar de mim, ela já está fazendo isso...só que bem diferente de como fará contigo...comigo ela usa o sexo, me castiga com prazer...

Mais uma vez era possível ver na expressão de Lorena a raiva, precisando que Trevan a segurasse para impedi-la de partir para cima da filha adotiva.

Gabriele esboçou um sorriso.

-- Continue com o processo de divórcio, enquanto isso eu aguento a vingança da minha esposa.

A Bamberg pegou a bolsa e deixou o apartamento.

-- Me solta, seu estúpido! – A loira empurrou o irmão. – Maldita seja essa garota estúpida que você criou como filha. – Esmurrou com o punho fechado contra a madeira da mesa. – Ela também vai pagar caro por tudo isso.

 

 

Na recepção do hospital estavam Tatiana e Ana Valéria. Estavam esperando a permissão do médico para a visita e não demorou para acontecer. A ruiva seguiu sozinha.

Ficou feliz em vez o grande amigo não mais cheio de aparelhos ligado ao seu corpo. A cama estava inclinada, permitindo que ele se mantivesse sentado.

-- Eu sempre disse que ficava muito mais bonita com os cabelos de fogo.

Ela sorriu, aproximando-se, recebeu o abraço que a acalentara durante tantas noites.

-- Me perdoe por não ter vindo antes... – Ela sussurrou em seu ouvido.

Ele segurou-lhe a face querida, olhando-a.

-- Sei que não estava pronta, mas agora sei que já consegue...

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Quando minhas memórias voltaram me senti mal com tudo...com todas as informações...

Ele segurou-lhe a mão, olhando-a.

-- Não sei exatamente o que se passou em sua vida, minha querida, mas eu sempre soube que havia muita dor em seu passado...mas não precisa haver no seu presente. – Disse, olhando-a. – E como vai seus pesadelos?

Ela umedeceu os lábios demoradamente.

-- Acho que meus pesadelos na verdade eram as crises que sempre tive...mas desde que retornei não tive mais...

-- Talvez por que suas dores não sejam mais tão intensas...lembra quando eu falava sobre nossas escolhas...podemos escolher continuar vivendo ou desistirmos e nos entregar as dores, ao rancor...

-- Não é tão fácil...porém me sinto mais leve...não sei o motivo...

-- Não seria o amor?

Ana Valéria esboçou um sorriso, mas não respondeu.

-- Falei com o médico, vai receber alta em breve, quero que venha ficar comigo, quero que conheça minha mãe.

Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Também desejo conhecer a mulher que habita em seu coração...

-- Insiste nisso? – Questionou rindo. – Vai conhecer muitas pessoas, mas não se iluda com isso de amor.

-- Tem certeza?

Ela puxou uma cadeira, sentando-se.

-- Sim, tenho certeza, há apenas a minha esposa, mas o casamento não foi por amor, apenas a obriguei a se casar porque eu desejava as ações que meu marido deixou para ela.

-- Interessante...É a mesma que a Tatiana me falou que você se enamorou quando estava sem memória?

Ana Valéria relanceou os olhos.

-- Não houve nada disso, a Tati inventa coisas, não deve acreditar nessas bobagens.

-- Mas é a mesma? – Insistia o idoso.

A baronesa suspirou de forma impaciente.

-- Sim.

-- E você a quis mesmo estando sem memória... – Falou com ar divertido. – Quero muito conhecer essa moça.

Ana fez um gesto afirmativo com a cabeça.

A conversa continuou, mas não voltaram a falar sobre Gabriele, a baronesa contava tudo sobre a mãe, tudo o que passaram.

Ficou lá por quase uma hora, depois partiu com a promessa de retornar em breve.

 

 

Naquela tarde, Ana Valéria não aceitou o convite para almoçar na mansão. Já passava das seis da tarde quando seguiu até a casa onde crescera.

Parou o carro diante dos enormes portões. Conseguia ver o extenso jardim e por alguns segundos recordou de como vivera ali, das vezes que ficara naquele lugar ao lado da mãe. Decidira ir até ali, queria falar com o pai, queria vê-lo, desejava ver em seu olhar que mais uma vez fora o responsável por tentar matá-la. A investigação continuava, porém ainda nada de concreto fora descoberto.

Observou a ligação no painel do carro, Paloma. Não tinha vontade de vê-la, na verdade, não ansiava por nenhuma outra mulher a não ser a esposa.

Passou a mão pelos cabelos.

Será que realmente estava apaixonada pela neta de Bernard?

O porteiro aproximou-se e pareceu ficar surpreso ao reconhecê-la. Era o mesmo que trabalhara ali quando ela ainda morava lá.

-- Senhora Ana Valéria...

-- Olá, Carlos, o Del La Cruz se encontra?

-- Eu não sei lhe informar, pois assumi o posto ainda pouco, mas interfonarei para saber. – Falou nervoso.

Todos sabiam do que acontecera em sua vida, não era surpresa para si a expressão perplexa que o porteiro tinha mostrado.

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

Depois de algum tempo, o homem retornou.

-- Está e a senhora pode entrar.

A baronesa observou os portões abrirem-se, hesitou, mas logo acelerava até a grande casa que ocupava o centro do enorme terreno.

Abriu a porta do carro, e logo subia os degraus que dava acesso à porta e logo ela foi aberta.

Não conhecia a empregada que lhe atendeu, sendo acompanhada até a sala.

Por dentro era perceptível que a casa não era a mesa, tinha sido totalmente redecorada. Olhava tudo com atenção quando ouviu passos e ao se virar viu Lorena.

-- Fiquei surpresa quando Carlos avisou que estava aqui.

-- Vim falar com Antônio.

A loira a observava em contemplação. A baronesa usava uma calça jeans colada ao corpo, blusa de gola alta e mangas longas. Os cabelos estavam soltos.

-- Ele não está. – Respondeu diante do olhar impaciente. – Está viajando a negócios.

-- E por que disse que estava? – Questionou exasperada.

-- Porque fiquei curiosa com a sua visita...e também porque desejo lhe falar. – Apontou-lhe a poltrona. – Por favor, me dê alguns minutos do seu precioso tempo.

Ana Valéria pensou em recusar, mas acabou sentando-se.

-- Diga o que quer. – Ordenou, cruzando as pernas.

A loira fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Primeiramente quero que saiba que fiquei muito feliz em saber que estava viva, sei que não vai acreditar, mas sofri muito quando todos pensavam que tinha morrido.

A expressão da ruiva não parecia se importar com o que ouvia.

-- Era apenas isso?

Lorena aproximou-se um pouco mais, queria tocá-la, senti-la como fizera há tanto tempo. O tempo a transformara em uma mulher forte, decidida, arrogante e ainda mais bela.

-- Não, também quero que me perdoe...

-- Ah, por favor, Lorena, não quero falar sobre isso, não tenho interesse em suas desculpas, então não perca seu tempo. – Falou levantando-se. – Sua ambição falou mais alto, seu desejo de poder não tem limite, até hoje é assim, afinal, vai casar-se com meu pai apenas pelo dinheiro.

A mulher aproximou-se, segurando a ruiva pelo braço.

-- Sim, sei bem como agi, fui uma desgraçada e me arrependo por tudo que te fiz passar...—Umedeceu os lábios demoradamente. – Não vou me casar com o Antônio por dinheiro, mas porque ele tem provas que podem colocar meu irmão na cadeia.

Os olhos azuis estreitaram-se.

-- E acha mesmo que acredito nisso? – Desvencilhou-se do toque. – Você só pensa em você mesma, sempre foi assim e não acho que agora seja diferente.

-- Engraçado, me mim você não acredita, mas na sua esposa deve acreditar. – Debochou. – Pois saiba que hoje estive com ela, não só eu, o Miguel também e ela aceitou continuar com o processo do divórcio.

O maxilar de Ana Valéria enrijeceu.

-- Acha mesmo que a Gabriele é diferente do que eu fui? Ela também busca o poder, ela também ambiciona tudo o que é seu.

A baronesa deixou a sala, mesmo diante dos protestos da noiva do pai.

 

 

Na manhã seguinte, Ana Valéria tinha seguido cedo para a empresa, estava em sua sala quando Branca chegou. Não era preciso abrir a boca para expressar sua raiva. Os seguranças retiraram Otávio e Miguel do prédio.  Ambos tinham ido até lá para representar o desejo de Gabriele de encerrar o casamento.

-- Dormiu aqui? – Ironizou. – Liguei várias vezes para a cobertura e para mansão te procurando e nada.

A baronesa não parecia interessada em dialogar.

Estendeu para a administradora o envelope.

A Wasten imaginou que não devia ser nada de bom, então antes de abrir, foi até a cafeteira e preparou um café, só depois voltou, sentando-se. Observou os documentos. Lia com atenção.

-- Sua protegida insiste nesse maldito divórcio. – Girava a caneta entre os dedos. – O que pensa que ela quer?

-- E por que me pergunta isso? Acha que eu sei? – Questionou tentando manter a calma.

-- Deveria, afinal, você a defende vinte e quatro horas, decerto deve saber o que se passa naquela cabeça de vento. – Levantou-se. – Ainda exige metade de tudo o que tenho. – Respirou fundo. – Não sabe o que tenho vontade de fazer com aquela maldita Bamberg.

Branca não parecia alterada com a explosão da empresária.

-- Eu sei muito bem o que deseja fazer com ela, mas ainda não obteve sucesso...ou obteve?

A face da filha de Antônio ficou corada, não sabia se de raiva ou vergonha.

-- Não estou brincando, Branca, então deixe das suas gracinhas.

-- E o que quer que faça?

A ruiva voltou a se sentar, parecia ponderar sobre os próximos passos que daria.

-- Quando será aberto a última parte do testamento do barão? – Indagou depois de algum tempo.

-- Próxima segunda-feira.

-- O que será que o miserável guardou para esse final?

-- Bem, você não precisa se preocupar, afinal, sua riqueza é muito maior do que herdou do Bernard.

Sim, isso era verdade. A Del La Cruz investiu muito bem seu patrimônio, triplicando-o em pouco tempo.

-- Mesmo assim, não desejo que essa última parte traga benefícios para a freirinha. – Girava na cadeira.  – Organize o avião, quero ir para a serra.

-- Vai para aquele lugar sozinha? – Questionou preocupada. – Não acho que seja uma boa ideia, ainda mais agora que ainda está se recuperando.

-- Levarei a Bamberg comigo.

Branca suspirou.

-- Para que isso?

-- Quero mantê-la longe de algumas pessoas até o dia da abertura do testamento.

-- E a Luna?

-- Ficará com a minha mãe e contigo, acho que conseguem cuidar da garotinha por alguns dias.

-- Não acho que vai ser fácil que ela aceite...

-- Ela não tem escolha...

-- Vai usar de ameaças então?

-- Eu não usarei nada por enquanto, você vai até ela e tentará convencê-la, caso se negue, então usarei as armas que tenho em mãos. – Tamborilava os dedos sobre o encosto lateral da cadeira. – Não tenho interesse em vê-la nesse momento, pois nem sei o que seria capaz de fazer.

A Wasten fez um gesto afirmativo com a cabeça, sabendo que não conseguiria convencer a Bamberg, mesmo assim iria até ela.

 

 

 

Naquele dia, Gabriele não foi até a empresa. Fora para o restaurante e trabalhara durante toda amanhã, pois Hellen precisou se ausentar. Já passava das três da tarde quando conseguiu deixar a cozinha e seguir para o escritório, já que havia alguns relatórios para serem enviados para a contadora para fechar a folha daquele mês.

Não podia reclamar, pois nas últimas semanas o estabelecimento sempre estava cheio, fosse no horário do almoço ou no jantar.

Ligou o computador e começou a digitar os dados que que estava em uma pasta.

Talvez devesse pensar em contratar alguém para se ocupar daquela parte, pois estava ficando cansativo levar tudo sozinha junto com a sócia.

O celular tocou e prontamente atendeu ao ver que era Clarice.

-- Aconteceu algo? – Questionou preocupada.

-- Não, filha, apenas liguei para avisar que peguei Luna na escola e vou levá-la ao cinema.

Gabriele suspirou aliviada. Pensou em deixar tudo e ir com as duas. Adorava sair com a mãe da baronesa e com a filha, porém naquele momento tinha muitas responsabilidades.

-- Peça ao motorista para levá-las.

-- Não vai ser necessário, Ana Valéria vai nos levar.

A Bamberg brincava com uma tecla de forma distraída. Não sabia se gostava de saber que a baronesa estava tão perto de Luna.

-- Tem algum problema?

A voz de Clarice voltou a questionar depois do silêncio.

-- Não, não há problemas.

-- Está bem, aviso quando chegarmos. Não trabalhe muito.

A chamada foi encerrada e Gabriele ficou lá, parecia presa em seus pensamentos. Passara o domingo imaginando se a Del La Cruz apareceria, mas não aconteceu. Ouvira a ex-esposa de Antônio comentar que não tinha conseguido falar com a filha durante o dia todo, nem mesmo a administradora sabia. Não podia negar que parte de si ficara aliviada por não a ver, não se sentia pronta para enfrentá-la mais uma vez.

Ouviu batidas à porta e ficou surpresa ao ver a Wasten aparecer.

-- Você tem um tempinho para uma conversa? – A mais velha indagou sem entrar.

A neta de Bernard apontou a cadeira e não demorou para a mulher acomodar-se. Observou-a tirar um envelope da bolsa e colocar sobre a mesa.

-- Esse é o motivo da minha visita.

Gabriele viu observou os documentos, sabia bem do que se tratava.

-- Você acha que essa é a melhor forma de lidar com a baronesa? – A Wasten questionou. – Sabe muito bem que o que está fazendo é muito perigoso.

-- E há uma forma para lidar com a sua senhora?

-- Pedir metade da fortuna dela e a guarda de Luna não parece ser muito diplomático.

-- Não me interessa o dinheiro.

-- Então por que tem nesse documento?

-- Acho que mereço uma indenização...

Na verdade, ela nem sabia que Otávio exigia dinheiro, mas não comentaria isso com a Wasten.

-- Bem, se você queria invocar o demônio, conseguiu. – Branca brincou. – Ela vai te levar para a serra, já mandou organizar a aeronave.

Os olhos negros não pareciam demonstrar temor.

-- Sinto muito, mas não irei, tenho muita coisa para resolver aqui no restaurante.

-- Acho melhor que vá...estou te aconselhando como já fiz em outras ocasiões.

-- Imagino que nos planos dela só eu esteja inclusa... – Comentava pensativa.

Branca fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Pense nisso como uma forma de vocês conversarem, quem sabe, um milagre acontece e vocês se entendem...

-- Você é muito sonhadora... – Disse, levantando-se. – Quando terei que ir para o castigo?

-- Amanhã de manhã cedinho.

-- Está bem, Branca, diga a sua baronesa que eu irei.

A administradora parecia surpresa, mas feliz por ter conseguido convencer a jovem, pois sabia que se não tivesse conseguido, Ana Valéria não teria nenhum tato para persuadi-la.

 

 

Na manhã seguinte, Ana Valéria já conversava com o piloto quando viu Gabriele aproximar-se. Ficara surpresa quando Branca dissera que ela tinha aceitado. Pensara em suspender a viagem, pois não tivera uma noite boa de sono. Tivera fortes dores de cabeça, tinha a impressão de que estava ficando resfriada.

Observou-a passar por si sem mesmo lhe cumprimentar. Não se importava com isso, pois também não estava muito feliz com as atitudes da jovem, ainda mais depois da impertinente visita do tal Miguel.

Seguiu para o interior da aeronave e acomodou-se ao lado da mulher.

-- Não adianta ficar com essa carinha de irritada, pois eu quem estou uma fera contigo.

-- Está? – Debochou. – Então fique com sua fúria para você mesma, pois já estou com muita raiva para ter que lidar contigo.

Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente, mas não falou nada. Decidiu seguir na frente com o piloto, não estava realmente se sentindo bem.

 

 

Não demorou para a aeronave chegar ao destino.

Gabriele mais uma vez seguiu na frente. Não esperando Ana Valéria que caminhava um pouco atrás.

A chef de cozinha entrou na casa e ficou surpresa em vê-la limpa e arrumada. Não tinha boas lembranças daquele lugar e talvez continuasse não tendo, pois sabia quais eram as intenções da Del La Cruz.

Viu-a entrar e notou a face corada.

-- Pronto, já estamos aqui, fiz sua vontade de vir, porém não espere mais nada de mim a não ser a minha presença.

-- Acha mesmo que pode falar comigo assim? – A ruiva aproximou-se. – Disse para se afastar daquele seu namoradinho, mas insiste em manter esse noivado.

-- Nosso casamento nunca foi de verdade!

Ana Valéria lhe segurou pelo braço.

-- Pois comece a se acostumar com a ideia de que ele é de verdade e vai durar enquanto eu quiser...—Apertou-lhe mais forte. – E quanto ao divórcio, se insistir com isso, tiro a Luna de você de uma vez por todas.

-- Então a briga vai ser grande, baronesa, porque pela minha filha eu sou capaz de tudo. – Tentou se soltar, mas não conseguiu. – Deixe-me.

-- Pense bem nas suas ações, vai ficar aqui até que essa as cabeça tola volte a raciocinar.

Ambas se fitavam, mediam-se, encaravam-se como duas inimigas em um campo de batalha.

-- Não me enfrente, freirinha, não tem ideia de como posso ser cruel.

-- Não tenho medo. – Livrou-se do toque. – Não tenho medo de você.

-- Vamos ver se não tem mesmo. – Exibiu um sorriso. – Acho que você já conhece a casa e seus aposentos. – Disse, deixando a sala.

 

 

 

Naquela noite, Branca e Rogério foram jantar na mansão.

Luna correu para abraçá-los.

Tudo fora tranquilo, mesmo que a administradora percebesse que Clarice se mostrasse preocupada. Ela devia saber do que se passava entre a filha e chef de cozinha.

No final da refeição, seguiu com ela até o quarto.

-- Conseguiu falar com a Ana ou com a Gabi? – A mais velha indagou.

-- Não, ela não costuma usar o rádio, apenas o faz para chamar o piloto. – Segurou-lhe as mãos. – Não se preocupe.

-- Estou preocupada porque sei que as duas estão em pé de guerra, mas também me preocupo porque acho que a minha filha não estava muito bem ontem. Acho que estava com febre...parecia doente quando estivemos no cinema.

-- Doente? – Questionou receosa.

-- Estava espirrando muito e pelo que me disse o lugar onde ela está é muito frio, sem falar que não há nada por perto

-- Pelo menos a Gabriele está lá e não se preocupe, se a baronesa estiver doente, ela cuidar muito bem dela.

 

 

Gabriele não saiu do quarto desde que chegaram. Lia tinha colocado alguns sanduíches e fora isso que comera. Também tinha trazido água, mas já tinha acabado.

Tinha tomado banho e buscava algo para fazer naquele lugar. Tinha usado uma das luzes portáteis, pois a energia do local não tinha sido ligada.

Pegando a garrafa, deixou os aposentos em busca do líquido. Tudo estava em silêncio e quando chegou a cozinha ficou surpresa com a presença de um homem já idoso.

-- Boa noite, senhora, não se assuste, me chamo Pedro, eu cuido de tudo aqui quando a baronesa não está. – Ele adiantou-se ao ver a expressão temerosa.

A Bamberg olhava tudo ao redor.

Realmente em algum momento Branca comentara sobre uma pessoa que fazia tudo por ali, mas que morava um pouco longe do lugar.

-- Eu trouxe a comida, minha esposa quem fez. – Apontou para as panelas.

A Bamberg sentia uma delicioso aroma vindo do lugar onde estava os utensílios.

-- E a Ana Valéria? – Questionou curiosa.

-- Ela me recebeu, pois passou um rádio para que trouxesse remédios para dor de cabeça. Acho que foi para o quarto. Estava um pouco febril, por isso não fui embora ainda, pensei que podia precisar de mim.

-- Ela está doente? – Questionou sem esconder a preocupação.

Pedro fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Deseja que eu faça algo?

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Sei que há um gerador em alguma parte aqui, teria como o senhor ligar.

-- Sim, farei agora mesmo. – Disse de forma simpática.

A Bamberg viu o homem deixar a cozinha, permanecendo no mesmo lugar, pensando se deveria ir até a Del La Cruz. Se não estava bem, não podia deixá-la sozinha.

              Seguiu pelo corredor, parando diante da porta da ruiva. Segurou na maçaneta, hesitando. Talvez devesse ir embora, afinal, o que iria fazer lá? Discutir novamente?

              Decidira ir até aquele lugar para não ser obrigada, mas fizera uma promessa para si mesma: passaria todos os dias naquele lugar sem dirigir a palavra à Del La Cruz, nem mesmo ficaria perto dela, não cairia em suas provocações.

              O melhor era ir embora, porém não o fez.

              Devagar abriu a porta e viu a ruiva sobre o leito. Os olhos estavam fechados, estava coberta e tremia. Mesmo na penumbra, conseguia vê-la. Uma das lamparinas estavam acesas e a luz parda iluminava o ambiente.

              Aproximou-se.

              -- Ana Valéria... – Falou baixinho.

              Os olhos azuis abriram-se um pouco, mas logo voltaram a fechar.

              Gabriele aproximou-se da cama, tocando na face da empresária.

              -- Deus do céu, você está queimando! – Exclamou assustada. – Precisamos chamar o piloto.

              A Del La Cruz voltou a fitá-la e dessa vez fez um esforço grande para falar.

              -- Ele não vai poder...está chovendo...chovendo muito...não tem como pousar.

              A voz estava rouca baixa.

              Realmente, a chuva tinha começado mais cedo e continuava implacável.

              As luzes acenderam, então ela seguiu até o armário e pegou outro lençol para cobrir a ruiva que tremia como vara verde. Viu a embalagem do remédio que ela devia ter tomado.

              Sabia que o cobertor não seria suficiente para aquecê-la, então se livrou do roupão, deitando-se ao lado da esposa, abraçando-a. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao tê-la tão próxima de si. Respirou fundo e inalou o delicioso cheiro das madeixas ruivas.

              -- Por que é tão teimosa, baronesa...? —Sussurrou em seu ouvido. – Devia ter me chamado para lhe cuidar.

              -- Pensei que me odiava tanto que preferiria que eu morresse aqui...

              A Bamberg não respondeu, apenas permanecendo lá, sentindo-a continuar ter espasmos. Recordou-se de quando estivera naquele mesmo quarto há algum tempo, quando a bela empresária tivera uma das suas terríveis crises, de como abraçou-a, sentindo-a perdida em seus pesadelos.

              Beijou-lhe a testa que parecia ferver.

              -- Claro que não, senhora, eu seria capaz de dar a minha vida para salvar a sua... – Disse baixinho.

              Ela sentia a respiração fraca da amada e percebeu que dormia. Sentia o corpo quente unido ao seu, sentia o delicioso cheiro que era próprio daquela mulher que destruía sua paz.

              Por que era tão difícil lhe resistir?

              Amava-a tanto que às vezes temia que esse amor lhe ferisse ainda mais e talvez fosse por isso que negava a todos o que sentia. Temia ser destruída.

              Beijou os cabelos ruivos.

 

 

              Já era madrugada quando Ana Valéria despertou. Não sentia mais frio, estava aquecida. Não estava com o mal-estar que lhe acometera mais cedo. Tinha ido até o estábulo e acabara se molhando ao tentar arrumar uma goteira, decerto isso contribuíra para que ficasse doente.

              Sentia braços sobre sua cintura e ao se virar viu Gabriele dormindo.

              Apenas a pequena luminária da cabeceira iluminava os aposentos. Havia algumas sombras em sua face, mas continuava linda.

              Engoliu em seco.

              O que faria com aquele sentimento que parecia cada vez mais forte em seu peito?

              Observou os cachos em desalinhos.

              Como podia ser tão linda?

              Morria de ciúmes só em pensar que ela estava com o tal Miguel. Odiava imaginar que ela poderia ser de outra pessoa...

              Tocou-lhe o lábio inferior e ela despertou assustada.

              -- Você está bem? Eu acabei dormindo...

              A ruiva fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              -- Acho que a febre passou...

              A Bamberg tocou sua face e realmente não estava mais quente.

              -- E sente mais alguma coisa?

              -- Apenas me sinto cansada, sonolenta...

              -- É normal... – Acariciou a face. – Deve descansar, vai se sentir melhor pela manhã.

              -- Vai ficar comigo?

              Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              -- Ficarei sim...

              Ana Valéria deitou-se nos braços da amada e não demorou para voltar a dormir.

 

 

              Na manhã seguinte, a Bamberg despertou cedo, seguiu para o próprio quarto, tomando banho, depois foi até a cozinha e viu que tinha um verdadeiro banquete de desjejum. Pedro estava no estábulo, então ele quem deveria ter levado a comida.

              Ainda chovia, então não teriam como ir embora.

              Ouviu passos e viu a baronesa usando apenas um roupão preto. Os cabelos estavam presos em um coque, os pés estavam descalços. Sua face estava corada.

              -- Como se sente?

              -- Melhor que ontem...

              Gabriele já se afastava, mas Ana a deteve pela mão.

              -- Fique comigo... – Pediu. – Não quero brigar...

              A Bamberg ficou parada quando os lábios rosados tocaram os seus, fizeram devagar, esperando ser correspondia e não demorou para que isso ocorresse. A neta do barão a abraçou pelo pescoço correspondendo ao beijo, apertando mais. Sentia a língua buscar a sua, permitindo que a tomasse, aceitando-a, deixando-a se deliciar com seu próprio prazer.

              -- Então, podemos fazer uma trégua, minha bela esposa? – Perguntou próximo aos seus lábios. – Não desejo brigar...na verdade, estou sem forças para isso.

              -- Se você se comportar... – Falou com olhar travesso.

              -- O que tenho que fazer?

              -- Ser boazinha e não tão arrogante como costuma ser... – Tocou-lhe o nariz. – Pode se comportar assim?

              Ana Valéria pousou a mão em sua cintura.

              -- Vou tentar...

              Novamente as bocas uniram-se em um beijo delicado. A ruiva lhe abraçou a cintura.

              -- Acho que estou com fome...

              Gabriele riu nervosa.

              -- O senhor Pedro preparou tudo para matar a sua fome, minha senhora.

              A Del La Cruz assentiu, mesmo sabendo que não era aquela fome que estava sentindo naquele momento. Mesmo assim, caminhou até a mesa, puxou uma cadeira próxima a sua para a esposa, depois acomodou-se.

              -- Obrigada por ter ficado comigo ontem...

              A neta do barão serviu-se e depois passou o cesto de pão para a filha de Antônio.

              -- Não podia te deixar doente...

              -- Mesmo eu sendo um ser tão ruim contigo?

              A jovem mordeu a lateral do lábio inferior demoradamente, depois a encarou. Não queria discutir, não naquele momento. Ansiava por ficar ao seu lado.

              -- Talvez não entenda o que sinto...

              Os olhos azuis brilhavam naquele momento ao fitar a amada.

              -- Seja sincera comigo e me diga se é seu desejo realmente se divorciar...

              A Bamberg observava a beleza da mulher a lhe encarar. Como ansiava em tê-la para sempre em sua vida, como desejava dormir ao seu lado e vê-la despertar, ouvi-la lhe falar com aquela voz baixa e rouca, beijar aqueles lábios todos os dias da sua vida.

              Fez um gesto negativo com a cabeça.

              -- Não quero me divorciar, porém não quero fazer parte desse jogo que você joga o tempo todo...quero ficar contigo porque que te quero, mas se você não me quiser, isso não vai dar certo.

              -- Eu quero você, Gabi. – Segurou-lhe pela mão, trazendo-a para seu colo. – Eu te quero, freirinha, te quero muito, não sei o que sinto, mas eu sinto que quero que fique comigo, quero te ver sorrindo para mim...quero que me olhe sem raiva...não posso dizer que não desejo tocá-la sempre, mas não é apenas isso...—Escondeu a cabeça no pescoço esguio da esposa. – Fique comigo...

              -- Eu fico, eu também te quero muito...

              Ficaram ali durante um bom tempo, apenas braçadas, como se precisassem se sentirem, como se ansiasse por não se perderem novamente.

              Ouviram passos e Pedro apareceu. Gabi fez menção de sair do colo da esposa, mas Ana a manteve lá.

              -- Bom dia, senhoras! – O homem cumprimentou com simpatia. – Trouxe tudo o que pediu, baronesa, deseja mais alguma coisa?

              -- Não, Pedro, agradeço por ter cuidado do meu cavalo, ainda não estou muito bem para ir até ele.

              -- Deve descansar, senhora, não se preocupe com nada. Estou usando o Jipe, então posso ir e voltar no povoado quantas vezes precisar.

              -- Agradeço, mas não será necessário. Pode voltar para sua casa, acredito que essa chuva não vai passar tão cedo.

              -- Está certo, patroa, mas precisando basta passar o rádio e eu venho rapidinho.

              Ela fez um gesto afirmativo e logo o homem deixava a casa.

              -- Fiquei surpresa dessa vez com a casa...tem até comida. – Zombou.

              -- Sempre teve, meu anjo. – Beijou-lhe a pontinha do nariz. – Mas naquele tempo eu queria te matar de fome.

              Ambas gargalharam.

              -- Que malvada. – Pegou um pedaço de bolo. – Que bom que eu conseguia fazer alguma coisa para eu comer.

              Ana bebeu um pouco de suco.

              -- Sim, você sempre conseguia driblar minhas maldades.

              -- E como está se sentindo?

              -- Estou sentindo dores por todo o corpo, acho que peguei um resfriado.

              A Bamberg levantou-se, acomodando-se próxima a ela.

              -- Se o tempo melhorar temos que retornar, Ana, precisa ser medicada por um médico.

              -- E o que ele vai fazer que eu não possa fazer? Vai receitar os mesmos medicamentos, sucos, muita água e repouso...acho que já estou fazendo...Prefiro ficar aqui ao seu lado...


 

Comentários

  1. Será que finalmente haverá uma trégua para amar ?

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  2. espero que essa trégua entre elas dure pra sempre, pq qro ver elas duas destruírem Antônio e sua turma.

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  3. Só você para explicar o forjamento de personagens como Maria de Fátima de Vale tudo. Vc sempre responde "quem são "d"de onde vieram" essas peças boas.Eu amo o humano dos seus personagens; como eles foram moldados pelos ciclos das dores. Depois...Regeneração ,pela paixão e transformação pelo amor.

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  4. É tão bom quando essas duas estão em paz. A Gabi quando se impõe é show.

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  5. Espero que a paz dure por muito tempo kkkk

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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