A antagonista - Capítulo 21



                  Na empresa, os funcionários pareciam preocupados, principalmente os pequenos acionistas, com a notícia de que haveria a fusão com as corporações de Antônio Del La Cruz. Os comentários pelos corredores eram feitos em tons baixos, ainda mais pelo fato de a neta de Bernard não parecer muito acessível nos últimos dias. O noivado não parecia ter sido benéfico, tirando os gentis traços da ex-noviça.

            Passava das três da tarde e Gabriele ainda estava em sua sala e parecia bastante irritada com Lorena.

            A noiva de Antônio chegara mais cedo e insistira para ver a filha do irmão, mesmo recebendo inúmeras negativas. Agora olhava com apreensão para a fúria da jovem Bamberg.

            -- Não se intrometa na minha vida, estou cansada das suas intromissões! – A chef de cozinha dizia, apoiando as mãos na escrivaninha. – Acha que não sei que aquela palhaçada de noivado foi ideia sua? Acha que sou inocente a ponto de não saber suas armações?

            A loira a olhava, parecia não a reconhecer.

            Fora até ali para questioná-la sobre o atraso no dia da comemoração, porém encontrara uma jovem furiosa e totalmente irascível. Continuava curiosa com o que tinha se passado com a neta do barão, afinal, onde ela poderia ter estado? Sentia-a distante, distraída, como se houvesse outros interesses escusos em sua vida.

            -- Sim, foi minha ideia, já estava cansada de te ver enrolar o pobre do Miguel. – Falou com um suspiro. – Entenda que só fiz isso pelo bem de vocês...

            Os olhos negros estreitaram-se de forma ameaçadora.

            -- Essa é a última vez que enfia esse seu nariz em assuntos que são meus! – Esmurrou a mesa descontrolada. – Não preciso de babás, nem tampouco das suas ajudinhas. – Respirou fundo. – Se o Miguel não deseja continuar, então ele termine tudo e arrume alguém que o queira.

            -- Então, você não o quer? – Questionou com um arquear de sobrancelha. – Não o quer? – Repetiu preocupada. – Está me dizendo que não sente mais nada pelo rapaz?

            Gabriele encarava a mulher ali presente, sentia uma impaciência enorme, ainda mais em relação ao noivado que não quisera. Desviou o olhar por alguns segundos, depois a fitou.

            -- Isso é problema meu! – Esbravejou ainda mais alto. – Eu não me intrometo na sua vida, não me intrometo de andar se deitando na cama de um homem que tem idade para ser seu pai... – Apontou-lhe o dedo indicador em riste. – Não me intrometi quando descobri que agiu como uma vagabunda com a Del La Cruz, usando-a apenas para lograr lucro...

            -- Não venha falar na baronesa! – Lorena disse por entre os dentes. – A impressão que eu tenho é que no final, você gostou de ter sido obrigada a casar com ela.

            Gabriele exibiu um sorriso.

            -- Quer saber? – Piscou provocativa. – Ana Valéria tinha uns encantos que ninguém conseguiria resistir e sabe que eu acho que se ela te quisesse, você correria para ela como uma cachorrinha. – Dizia com os olhos brilhando. – Convenhamos que ela é uma arrogante, mas sabia seduzir muito bem.

            Era possível observar como a noiva de Antônio digeria cada uma das palavras que foram ditas, parecia tentar controlar sua exasperação, tentando não permitir que aquele desentendimento colocasse em risco a fusão da empresa.

            A Bamberg parecia esperar que ela retrucasse, mas passaram alguns segundos e a outra continuava calada, então a chef de cozinha sentou-se. Estava furiosa depois de tudo o que tinha acontecido, ainda mais pelo fato de não conseguir falar com a Rubi.

            Tocou na tecla do computador e ficou lá, olhava para a tela, mas não parecia conseguir prestar atenção em nada. Talvez devesse viajar, ir para um lugar distante durante alguns dias com a filha, isso poderia lhe ajudar a retomar o controle que tinha perdido.

            -- Vim aqui falar contigo não porque estou me intrometendo, mas porque estou apreensiva, fiquei muito preocupada com o seu sumiço no dia do noivado, não apenas eu, mas o Miguel, o Trevan...esse fiquei desesperado, pois você não atendia o telefone... – Lorena explicava com voz branda. – Poderia considerar andar com o motorista, com seguranças, tememos pelo pior.

            Gabriele desviou o olhar da mulher parada a sua frente, olhava para a tela do computador, enquanto sua mente viajava para a noite da festa. Conseguia se ver nos braços de Rubi, conseguia respirar e sentir o cheiro da dançarina invadir seu espaço. Ouvia os gemidos, as palavras, as frases que pareciam ainda serem sussurradas em seu ouvido. Queria não ter ido até a festa, queria ter ficado a noite toda, sentindo todo aquele prazer que foi único em sua vida.

            Olhou para a irmã do fotógrafo.

            Sabia que seu descontrole estava relacionado à irritação por não conseguir falar com a amante, isso a estava deixando com os nervos à flor da pele. Queria vê-la, explicar o que tinha acontecido. Tentara falar com Tatiana, porém também não lograra êxito. Podia simplesmente esquecer tudo aquilo, mas não conseguia.

            Soltou um longo suspiro.

            -- Já disse que fiquei parada em um engarrafamento...foi só isso que aconteceu. – Disse por fim mais tranquila.

            -- E por que não ligou?

            Ela nem se recordara do celular, enquanto estava rolando na cama com Rubi, na verdade, não se recordara de nada, nem lembrada suas responsabilidades.

            Passou a mão pelos cabelos em um gesto de impaciência.

            -- Eu não quero mais falar sobre isso, então, se já terminou, pode sair. – Apontou-lhe a porta.

            Porém, não parecia ter acabado, pois a loira sentou-se.

            -- Vim aqui também para que me dê permissão para que possamos fazer um coquetel no dia da fusão, até pensei que seu restaurante pudesse organizar o buffet.

            Gabriele tamborilava os dedos sobre o tampo da mesa.

            Sabia como aquela união das empresas causaria problemas. Branca estava furiosa, nem mesmo ouvira suas explicações. Claro que daquela vez não acontecera bate-boca, ela simplesmente ficara de “cara fechada”, deixando que o silêncio fosse o responsável pelas interpretações.

            Estava se sentindo cansada de tudo aquilo. Pensava seriamente em passar toda a herança para o nome de Luna, focando suas atenções apenas no restaurante. Pensara em fazê-lo e deixar a Wasten como a tutora dos bens, mas agora temia que ela não aceitasse.

            -- Faça o que quiser! – Suspirou vencida. – Fale com a Hellen, ela organizara tudo sem problemas.

            A loira parecia feliz e entusiasmada diante da resposta positiva.

            -- Miguel me falou sobre uma boate que faz shows, umas dançarinas, parece que ficou interessado para animar...

            -- Não! – A Bamberg interrompeu-a corada. – Não quero esse tipo de espetáculo aqui na empresa, se ele gosta dessas coisas, ele que faça onde quiser, mas aqui eu não aceitarei.

            -- Sim, sim, claro! Eu também acho de péssimo gosto, só pensei em algo para entreter os presentes.

            -- Já basta a comida e a bebida, depois cada uma vai para suas casas e tudo fica em paz. – Abriu a gaveta e pegou um bloco de notas. – Eu mesma não ficarei para essa comemoração, não estou interessada nesse tipo de diversão. Assinarei e em seguida irei para o meu restaurante.

            -- Antônio vai ficar triste, ele vem falando o tempo todo sobre isso...

            -- Ah, por favor, não me importo se ele vai ficar triste, já estou fazendo sua vontade, então não custa nada que me deixem em paz.

            Lorena a olhava, parecia confusa com toda a exasperação que a filha adotiva do irmão demonstrava.

            -- Se era só isso que queria falar comigo... – Apertou o botão e logo a porta abria-se. – Tenho algumas coisas para resolver. – Apontou a saída.

            -- Está bem! – A loira disse, levantando-se. – Como já tenho sua permissão, resolverei tudo.

            Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto via a irmã de Trevan sair. Voltou a fechar a porta, levantou-se e seguiu até o sofá de couro, deitando-se.

            Estava cansada.

            Não conseguira dormir direito nos últimos dias. Sua mente não lhe dava sossego. Tinha a impressão de que seguia por um caminho totalmente contrário: Primeiro tinha ficado noiva de um homem que não amava e agora aceitara a fusão com Antônio Del La Cruz. Não sabia onde estava com a cabeça diante de todas essas decisões que estava tomando.

            Fechou os olhos, permanecendo no mesmo lugar, apenas ponderando sobre tudo o que tinha acontecido nos últimos dias.

 

 

            Branca andava de um lado para o outro no hospital.

            A recepcionista observava a cena pela proteção de vidro. Havia poucos pacientes naquele momento, vez e outra chegava alguém para fazer visitas aos enfermos.

            A administradora foi até máquina que expunha alguns produtos, pegando uma água.

            Não conseguiram despertar Ana Valéria depois do desmaio e fora necessário levá-la com urgência para que fosse atendida. Com ajuda de Tatiana, colocou-a no carro e agora estavam ali, ambas esperando que o médico dissesse algo. Ainda não acreditava que tinha encontrado a baronesa, que ela realmente estava viva como sempre pensara.

            A administradora sentou-se diante da produtora.

            -- Por que não foi até a polícia? – Questionava irritada. – Não sabe como passamos todo esse tempo em desespero com o desaparecimento dela. – Dizia com lágrimas nos olhos. – Eu estive na cidade, lá no interior, me falaram sobre você e seu tio e uma mulher de cabelo vermelho... Contratei vários detetives, mas não obtive nenhuma resposta positiva...Já estava perdendo a esperança.

            -- Ela não permitia, senhora, juro por Deus, sempre dizia que tentaram matá-la no avião e temia que se fosse reconhecida algo pior ocorresse. – Justificava aflita.

            Uma expressão de preocupação apossou-se da face da administradora.

            -- Como assim?

            -- Isso que sempre contou, desde que se recuperou e acordou que nos conta essa história...viemos para essa cidade porque meu tio está muito doente e se tem alguma esperança de sobreviver está aqui.

            Branca cobriu o rosto com as mãos.

            Não falara com ninguém ainda sobre o ocorrido. Pensara em ligar para Clarice, mas não o fez, pois temia que isso prejudicasse ainda mais o estado da Del La Cruz naquele momento. Ligaria para Rogério e pediria que lhe encontrasse ali.

            -- Ana Valéria Del La Cruz é uma baronesa...era esposa de um dos homens mais importantes do país. – Voltou a fitar a mulher. – Eu trabalho com ela há muito tempo, conheci-a em um momento complicado da sua vida...não precisa me temer, eu jamais faria algo para machucá-la, não precisa se preocupar...também não deixarei que ninguém o faça...

            A produtora fez um gesto afirmativo com a cabeça, também estava muito aflita.

            Um dos médicos responsáveis por atender a Del La Cruz aproximou-se.

            -- E então, doutor? – A Wasten questionou levantando-se. – Como ela está? Está bem?

            O olhar ansioso de Tatiana acompanhava tudo com temor.

            -- A baronesa despertou, porém achamos melhor lhe dar um calmante, pois estava muito agitada.

            -- Mas ela recuperou a memória? – Tatiana indagou temerosa.

            -- Ainda está muito confusa... – O médico explicava. – Há muita confusão em sua mente, acho que está sendo bombardeada por uma carga de informações e isso não é bom.

            Branca fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Posso vê-la?

            -- Nesse momento está na sala de exames, precisamos de mais informações, porém quero que se acalmem, ela está bem, apenas com a confusão das memórias que ainda não parecem organizadas em sua cabeça.

            -- Por favor, doutor, qualquer coisa, mesmo que seja mínima, nos avise, ficarei aqui até poder vê-la.

            -- Também ficarei. – Tatiana prontificou-se.

            -- Tudo bem, logo falo com as duas. – Disse com um sorriso, depois se afastou.

            A Wasten voltou a ocupar uma das poltronas e fez um gesto para que a outra jovem fizesse o mesmo.

            -- E o seu tio? – Indagou curiosa. – Me disse que ele está doente...

            -- Sim! – A produtora fez um gesto afirmativo com a cabeça. – Ele está internado em um hospital, a Rubi...quer dizer, Ana Valéria me ajuda muito...ela dança na boate a graças a isso conseguimos arcar com as despesas...

            -- Dança? – Esboçou um sorriso. – Não me surpreende isso, ela sempre foi boa nessas coisas, mesmo com aquele ar carrancudo que gostava de exibir. – Tirou o celular do bolso. – Deixe que lhe mostre algumas fotos da Ana e te conte um pouco da história dela, acho que temos bastante tempo para isso.

            A outra fez um gesto afirmativo, enquanto olhava para a mulher a sua frente.

            Olhava as imagens com crescente curiosidade, enquanto ouvia a narrativa que a administradora contava. Ficara perplexa diante da parte que era falado sobre a internação da filha de Antônio. Dos anos que passara em uma clínica psiquiátrica, sendo preciso que ela aceitasse um matrimônio com um homem bem mais velho para assim poder deixar o lugar.

            A moça ouvia tudo e não conseguia esconder suas exclamações diante de algumas barbaridades que jamais imaginaria que tivessem acontecido. Agora, percebia que alguns comportamentos da dançarina eram justificáveis por tudo o que tinha vivido. No início, era comum que tivesse inúmeros pesadelos, só conseguia dormir quando tomava um forte chá que seu tio costumava preparar. Houve também alguns episódios de ansiedade, uma vez, logo que a encontraram fora tão forte que temeram por sua vida. Depois, tudo fora ficando mais tranquilo, pois o Índio tinha conhecimentos de ervas e sempre fazia algumas misturas para ajudá-la.

            Gostaria de ir até o tio e contar que tinham encontrado alguém que conhecia a ruiva, ele sempre falara que ela precisaria retornar em algum momento e que sua mente precisava buscar o caminho para sair daquele labirinto e agora talvez isso estivesse acontecendo.

            Em determinado momento, Branca pediu para que a fosse relatado tudo o que se passara quando a empresária tinha sido encontrada. Tatiana fizera o que fora pedido, contara cada detalhe do dia que fora ao rio com o tio e encontrara a moça agarrada a uma tora de madeira. Ainda se recordava dos olhos azuis fechando-se aos poucos ao verem seus salvadores, como se soubesse que já podia descansar. Disse do tiro que tinha pegado de raspão do lado direito da cabeça da Del La Cruz, relatando que depois a empresária tinha falado sobre um ataque que sofrera na aeronave.

            A Wasten parecia cada vez mais assustada.

            Agora percebia que tudo fora parte de um sério plano para assassinarem a baronesa, algo que por muito pouco não tinha acontecido. Deveria tomar muito cuidado, pois percebia que realmente havia muitos riscos envolvendo a filha de Antônio.

 

 

            Na manhã seguinte, Gabriele levou Luna para a escola, depois retornou para a casa, não seguindo até a empresa como era esperado.

            Encontrou Clarice na cozinha junto com Lia, ambas pareciam concentradas em um bolo.

            Acomodou-se em uma das cadeiras, observando-as.

            -- Não pode colocar tão pouco chocolate, Lia, não vai ficar tão saboroso. – Argumentava a mãe de Ana Valéria. – A Gabi e a Luna gostam com muito recheio.

            A neta de Bernard ouvia tudo, enquanto pegava uma maçã na fruteira e começava a comer.

            -- Por mim, pode ficar muito recheado...eu vou amar.

            Lia envia-lhe um olha de repreensão.

            -- Sempre, né... – Olhava para a porta. – Agora veio a minha mente quando você inventou o bolo para comemorar alguns meses da Luna... – Fitou Clarice – A gente estava aqui fazendo o bolo e começamos uma guerra de farinha, até a pequena ruiva entrou nessa bagunça e no final a massa do bolo foi parar na cara da baronesa.

            -- Meu Deus! – Exclamou a ex-esposa de Antônio.

            De repente, Gabriele teve a impressão de que voltava para aquele tempo. Fora praticamente arrastada escada acima...e naquele dia sentira algo estranho em relação à empresária, como se seu corpo ganhasse vida própria. Fitou a entrada da cozinha e teve a impressão de que via a expressão furiosa a lhe fitar.

            Sentiu a face corar só em recordar da sensação de ter tocado os seios femininos. De olhar fascinada para os lábios rosados de sorriso debochado.

            -- E como a minha filha reagiu?

            A voz de Clarice lhe tirou dos seus pensamentos.

            -- Ficou uma fera! – A cozinheira disse cada sílaba pausadamente. – Só faltou levar a Gabi pelos cabelos para limpá-la.

            A Bamberg mordia a maçã.

            -- Não acredito que a Ana faria isso, ela sempre fora muito gentil com todos... – Clarice dizia cheia de emoção. – Era uma menina meiga.

            Gabriele trocou olhares com Lia, depois falou:

            -- Com todo respeito, mas a sua filha parecia uma onça... – A Bamberg dizia. – Talvez, mais fria, mas sempre agia com arrogância e intolerância comigo.

            -- E você não a provocava? – A mais velha questionou curiosa. – Sei que ela também podia responder de forma mais irritante diante disso.

            -- Se a provocava? – Lia falou mais alto. – O tempo todo a Gabi enfrentava a poderosa Del La Cruz, às vezes, a dona Branca fazia plantão por aqui temendo que algo ocorresse entre as duas.

            -- E acabaram se casando...

            A neta de Bernard mordiscou a lateral do lábio inferior, enquanto se recordava de quando fora levada para o litoral e deixada no hotel, até o dia que Rogério aparecera lá com a história do casamento. Ainda sentia no corpo a mesma sensação de agonia quando lembrava da presença de Ana Valéria naquele cartório, de como seu olhar exibia total frieza, em como quisera esbravejar bem alto para que todos soubessem que não aceitava estar ali.

            Suspirou chamando a atenção das duas mulheres.

            -- Não vai trabalhar hoje? – Clarice questionou.

            -- Ainda não, estou tentando falar com a Branca, mas ela não atende minhas chamadas, já deixei mil recados e nada. – Terminou de comer a maça. – Estou pensando em ir até a casa dela.

            -- Discutiram? – A cozinheira indagou preocupada.

            -- Não, mas sei que ela está chateada com a história da fusão das empresas, porém eu necessito dela, não pode simplesmente sumir sem falar nada. – Levantou-se. – Vou tomar um banho e depois vejo o que faço.

            Gabriele caminhou até as duas mulheres, dando um beijo na face de cada uma, depois seguiu em direção à escadaria que dava acesso ao seu quarto.

            -- Estou preocupada com essa história de juntar as empresas com Antônio. – Clarice comentava depois de ficarem sozinhas. – Conheço muito bem esse homem, sei que isso não é algo bom, ele vai acabar destruindo todo o patrimônio da Gabi.

            -- Eu também não gosto dele, ainda mais por tudo o que fez a senhora e a sua filha, mas não podemos nos intrometer nos negócios, ainda mais quando a Bamberg tem uma cabeça dura.

            -- Acho que esse noivado foi proposital, tudo organizado para Miguel influenciar as decisões da namorada.

            -- A senhora Branca deve estar muito brava, não acho que vai atender as ligações...

            -- Espero que tudo se resolva e possamos ter algum momento de tranquilidade aqui.

            As duas mulheres sabiam que tudo poderia ser ainda mais complicado com a união das empresas. Antônio tornar-se-ia mais poderoso e não demoraria para conseguir.

 

 

 

            Branca e Tatiana passaram toda a noite no hospital, ambas mostravam sua preocupação pela saúde da Del La Cruz. A Wasten tivera a presença do esposo, mas o convencera a retornar para casa, pedindo que não comentasse nada do ocorrido. Ele estava ansioso, queria ver a filha de Antônio, porém não tiveram permissão ainda para visitas. Já as duas mulheres se arrumaram na recepção, dormindo nas poltronas. Logo ao raiar do

            -- Bom dia, senhora e senhorita! – O doutro aproximou-se de ambas que estavam tomando café no restaurante. – Procurei por vocês e me disseram que estavam aqui.

            -- Viemos comer algo. – Branca respondeu. – Alguma novidade?

            -- Sim, a senhora Ana Valéria já acordou e deseja ver a senhora Wasten.

            A administradora se levantou com um salto.

            -- Então ela recuperou a memória? – Questionou em felicidade.

            O médico não respondeu, apenas fazendo um gesto para que lhe acompanhasse.

           

 

            A janela do quarto estava aberta. Mesmo a enfermeira insistindo para manter a paciente deitada, ela negara-se arrogantemente, exibindo sua velha forma quando alguém a contrariava.

            A funcionária via a mulher vestindo a bata branca, apoiada ao batente e olhando para a rua, parecia que há tempos não contemplava aquela paisagem, perdida em seus pensamentos e em suas confusões. Sabia que não poderia pedir que fosse para o leito mais uma vez, por isso informara ao médico o que tinha acontecido.

            Ana Valéria tinha os olhos presos no fluxo do trânsito. Seu olhar examinava tudo, porém parecia não compreender nada, como se houvesse apagamentos em sua memória.

            Aliviou o aperto dos dedos sobre o batente, pois já começava a sentir dores.

            Cerrou os dentes.

            Por que sua mente parecia cada vez mais confusa? Havia imagens desconexas, recordações que não conseguia fazer ligações.

            Ouviu a porta abrir e ao virar-se, viu Branca vindo em sua direção, abraçando-lhe. A ruiva permaneceu quieta, apenas ouvindo as palavras da administradora, sentindo suas lágrimas lhe molharem o tecido branco. Não entendia o que se passava, mesmo assim continuou lá, ouvindo os agradecimentos a Deus que a empregada do marido fazia. Será que sofrera um acidente e por esse motivo estava naquele hospital? Provavelmente Bernard a tinha espancado novamente ou pedido para os seus malditos seguranças fazê-lo.

            Odiava-o com todo seu coração.

            Já pensara inúmeras vezes em fugir para bem longe, deixá-lo, porém, tinha as ações que pertenciam ao seu pai e o maldito barão prometera que seriam suas. Esse fora o único motivo que a fizera ficar quando ele lhe tirara o filho que esperava. Já administrava grande parte da riqueza do marido, mas ainda não era suficiente.

            -- Todos pensamos que tinha morrido...

            Os olhos azuis fitaram os da esposa de Rogério. Havia tanta lágrima lá.

            -- Bernard tentou me matar novamente? – Questionou com descaso. – Pensei que já estivesse acostumada com as tentativas. – Disse afastando-se.

            A administradora olhava para a mulher ali parada e parecia não ter ouvido bem o que ela tinha dito.

            Observava-a, mesmo com os cabelos negros, pouco escondia da mulher forte que sempre fora.

            -- De que falas? – Perguntou confusa.

            Ana olhava tudo ao redor, parecia buscar algo.

            -- Onde estão os seguranças que me vigiam? Não acredito que o barão me deixaria aqui sem que houvesse vigias a me espreitar.

            Uma ruga de preocupação se formava entre as sobrancelhas da Wasten.

            -- Ana Valéria, você se lembra de mim? – Perguntou relutante.

            -- Claro que me lembro, estou um pouco confusa, mas claro que lembro. – Suspirou. – Leve-me embora daqui, porém não desejo voltar para a mansão, não desejo ver aquele velho desgraçado.

            Mais uma vez, a administradora parecia mais perplexa.

            Naquele momento, o médico que acompanhava o caso da empresária entrou no quarto, parecia que entendia a confusão expressa na cara da administradora.

            -- Ana, o barão morreu faz quase quatro anos... – Disse baixinho. – Não se lembra?

            Os olhos azuis abriram-se em surpresa.

            -- De que falas?

            --Acho melhor que esperem um pouco... – O médico interveio.

            -- Esperar o quê? – A baronesa o interrompeu. – Branca, o que se passa? Por que eu estou nesse hospital? E que história é essa que o barão morreu há tanto tempo?

            Diante da insistência da empresária, fora necessário que tudo lhe fosse narrado.

            Depois de quase uma hora, constatou-se que Ana Valéria recobrara parte das memórias, porém era como se só houvesse lembranças anterior à morte do Bamberg, depois disso era como se existisse um branco em sua mente. Ela ouvia pacientemente toda a história, culminando com o terrível acidente que lhe deixara desaparecida por mais de dois anos.

            Sentada no leito, era possível ver a confusão e preocupação no olhar da empresária.

            -- O que se passa, doutor? – Ela perguntou depois de saber de tudo. – Por que não consigo me recordar?

            Branca a olhava e novamente se penalizava diante de tudo aquilo, mesmo assim, estava feliz por tê-la de volta, por saber que não estava morta.

            Discretamente, limpou algumas lágrimas que lhe molhava a face.

            -- O que sabemos é que você tinha perdido a memória antes... – O médico dizia – e pelo que vejo agora, recuperou parte dela, mas ainda há partes que parecem perdidas, creio que tudo acontecera progressivamente e não vai demorar para tudo voltar ao normal.

            Ana passou a mão pelos cabelos, parecendo desagradar a cor que estava.

            -- É como se eu tivesse dormido durante todo esse tempo... – Hesitou – eu não consigo me lembrar... – Olhava para os próprios pés.

            -- Tenha calma, isso não é importante nesse momento. – Branca dizia. – O importante é que está aqui e está bem.

            -- Estou? – Ela questionou mostrando a incredulidade.

            -- Está sim, senhora! – O médico mostrou os exames que tinha no envelope. – Fizemos exames e tudo mostra que estão bem suas funções. Acredito que esse seu apagamento de memória seja devido ao choque que passou, mas logo vai recuperar suas lembranças.

            -- O senhor pode me garantir isso? – Ela perguntou mais uma vez mostrando sua descrença.

            O médico baixou a cabeça, não parecia pronto para fazer aquela garantia, mesmo assim acabou dizendo:

            -- A senhora é uma mulher muito forte, pense em tudo o que já viveu e conseguiu superar, então não acha que está menosprezando seu poder?

            Realmente, ele falara algo que era verdadeiro, mesmo ele tendo pouco conhecimento sobre a vida da empresária, era visível que já passara por inúmeras situações complicadas.

            Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, permanecendo em silêncio, ouvindo Branca conversando com o médico.

 

 

 

            Ana negara-se a ficar no hospital, então a administradora a levou para sua casa. Não falara nada sobre o retorno da baronesa para ninguém, apenas o marido ficara sabendo, esse quase desmaiou quando viu a esposa chegar acompanhada da Del La Cruz. A Wasten explicara a Tatiana sobre a nova confusão da empresária, achando melhor que não se encontrassem naquele momento. Passara seu endereço e telefone para que entrasse em contato. Assumiu o tratamento do tio da mulher, deixando claro que tudo o que fosse necessário poderia lhe falar, afinal, sentia-se em dívida com eles por terem cuidado de Ana Valéria.

            Não fora até a empresa, mas tivera que atender a ligação de Gabriele. Inventara que estava meio indisposta e por essa razão não tinha ido trabalhar.

            -- Está precisando de algo? Posso ir até aí? – A voz da Bamberg dizia no telefone. – Devia ter me dito que estava doente.

            A administradora viu a baronesa aparecer na sala vestindo um roupão atoalhado. Os cabelos voltaram a ser ruivos depois das mãos de uma boa especialista cuidando dos fios.

            -- Eu estou bem, apenas indisposta.

            -- Vai estar presente no processo de fusão?

            Branca viu a ruiva sentar-se na poltrona, olhando-a com curiosidade.

            -- Sim, estarei, disso você não tenha dúvidas.

            Gabriele falou por mais alguns segundos e logo a ligação foi encerrada.

            -- Imagino que essa é a neta do Bernard... – Ana Valéria comentou, cruzando as pernas. – Então, eu a conheço...

            A Wasten fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            Não tinha contado sobre o casamento, não pensara que seria uma boa ideia relatar sobre aquele fato naquele momento.

            -- A Bamberg é uma boa menina, não é como o avô, já te disse tudo o que ela fez para conseguir tirar a Clarice daquele terrível lugar.

            -- Minha mãe... – Suspirou. – Desejo tanto vê-la...

            -- Logo poderá vê-la, apenas tenha um pouco de paciência.

            Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- A única coisa que tenho a agradecer a tal Gabriele é o fato de ter cuidado da mamãe, porém quando penso que minha empresa está quase nas mãos de Antônio, Trevan e Lorena...

            -- Não vai acontecer a fusão, você estará lá para não permitir que isso ocorra.

           

 

 

            Os garçons corriam de um lado para o outro, pois havia ocorrido um atraso na entrega devido a um acidente que tinha acontecido, congestionando o trânsito. Hellen ligara para Gabriele para explicar o ocorrido, mas a Bamberg estava muito ocupada e não conseguira atender, deixando tudo a cargo de Lorena, essa fora bastante intransigente e irritante com a chef de cozinha.

            Naquele momento, a neta do barão estava na sala de reunião, lia todas as cláusulas do contrato de fusão. Estava sozinha, pois até agora Branca não tinha chegado, mesmo garantido que não faltaria.

            De repente, a moça sentia medo por estar permitindo que aquela fusão ocorresse. Pela primeira vez, pensava em como estava entregando tudo que era de Ana Valéria ao seu maior inimigo, seu pai.

            Suspirando, caminhou até a janela.

            Tudo estava arrumado para a presença dos demais acionistas que não demorariam a aparecer. Ela se sentia sufocada, desejava ir embora e deixar tudo aquilo para trás.

            Olhou para o celular sobre a mesa.

            Perdera as contas de quantas vezes ligara para Rubi nos últimos dias, até mesmo usara o telefone de casa para tentar falar com a dançarina, mas não conseguira. Não voltara a boate, mas pedira para Hellen fazer a para sua surpresa e amiga contara que o lugar estava fechado, como se não houvesse ninguém mais lá.

            Terminaria aquela reunião e depois seguiria até o lugar, tentaria conversar com a bela mulher e explicar o que tinha acontecido.

            Ouviu batidas à porta e logo via o noivo todo sorridente.

            -- Hoje será um grande dia para todos nós!

            Gabriele sentiu os lábios masculinos sobre os seus por alguns breves segundos, depois se afastou.

            -- Antônio vai me promover, acabei de conversar com ele, quer que eu seja o diretor geral da corporação.

            -- Esse cargo já pertence a Branca. – Ela replicou calmamente. – E não pretendo que ela o deixe.

            -- Mas eu sou seu noivo.

            -- Como pessoas adultas e responsáveis, sabemos que não devemos misturar as coisas, então ela continua com seu cargo, pois tenho total confiança em seu trabalho.

            Era possível ver a expressão irritada do advogado.

            -- E não confia em mim?

            -- Não disse isso, apenas falei que não haverá mudanças na parte administrativa.

            O homem já abria a boca para voltar a protestar, mas a secretária entrou e logo atrás de si todos os acionistas fizeram o mesmo.

            Antônio vinha de braços dados com Lorena. Paloma também estava presente, pois representava as ações do pai. Otávio representava a parte jurídica.

            Todos acomodaram-se.

            Gabriele aproximou-se da secretária.

            -- Ligue para a senhora Wasten, diga para vir. – Ordenou baixinho.

            -- Já falei com ela, senhora, está chegando, acho que vai vir de helicóptero, pois pediu o piloto para encontrá-la, acho que o acidente a prendeu também.

            Ela fez um gesto afirmativo, enquanto cumprimentava a todos, tentando evitar a modelo, pois sempre ouvia suas indiretas.

            Sentou-se em sua cadeira, na cadeira de presidente, enquanto esperava o silêncio reinar para que pudesse falar. Via a felicidade na cara dos presentes. A imprensa chegaria mais tarde, cobriria o coquetel e devido a isso deveria estar presente para dar algumas declarações aos jornalistas. Antônio pedira a palavra por alguns segundos e logo começava seu discurso religioso.   

            A neta de Bernard ouvia o tom e pensava como ele mostrava-se sempre um cidadão-modelo, cheio de princípios, quando na verdade, havia outra face, essa terrível e cruel. Ainda pensava como ele fora ruim ao prender a filha em um hospital psiquiátrico durante longos anos, depois usando seu poder para impedi-la de se aproximar da própria mãe.

            Como podia estar unindo seus interesses com aquele homem?

            Pensava na Luna, em como desejava apenas protegê-la e mantê-la longe do político.

            Sentiu a mão do noivo sobre a sua, olhou-o e viu seu olhar de felicidade.

            -- Acho que todos queremos ouvir a presidente da empresa... – Miguel disse ao final do discurso de Antônio. – Desejamos que inicie esse tão importante acontecimento.

            Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, novamente fitando cada um dos presentes e lamentando a ausência da administradora.

            -- Bom dia a todos... – Ela começou – Hoje será um dia de grande importância para duas grandes empresas, temos a presença do representante do governo federal, e todos os acionistas. Anteriormente, já havia ocorrido a votação e todos concordamos com a fusão, eu como presidente, possuo a maioria das ações...

            A porta abriu-se e todos os olhares fitaram-na. A Bamberg viu a administradora e ficou feliz com isso, mas atrás de Branca surgia uma figura conhecida, exibindo um sorriso cheio de ironia.

            -- Não acho que todos tenham sido consultados...

            A voz baixa e rouca de Ana Valéria encheu o ambiente. Todos exibiam um espantoso olhar, enquanto Gabriele fitava os olhos azuis que focavam nos seus.

            Branca estava ao lado da baronesa. Via a surpresa e o pavor de todos sobre a empresária. Conseguia perceber como estavam perplexos, fitando-a como se estivessem diante de um fantasma.

            -- Espero que minha presença não seja um incômodo... – Exibiu um sorriso. – Ah, não precisa se preocupar, eu não sou um espectro, sou de carne e osso...

            A administradora parecia preocupada com Gabriele, porém não tivera escolha, não podia permitir que aquela fusão acontecesse, mesmo que soubesse que poderia ter sido melhor falar antes com a Bamberg. Via os olhos negros fitarem à esposa, porém não parecia tão surpresa como deveria estar.

            A neta de Bernard olhava a mulher ali parada e naquele momento teve a constatação que precisava: Ela era a dançarina! Sempre estivera certa e agora percebia que se deixara embustear por sua própria ingenuidade. Aquela máscara não podia ter lhe enganado assim.

            Fitou-lhe os olhos azuis.

            Observava as roupas que usava. Calça preta justa, blusa de gola alta branca e a jaqueta de couro vermelha por cima. Os cabelos brilhavam em seu vermelho. Trazia nos olhos os óculos de lentes douradas e redondas. Nem parecia que tinha passado todo aquele tempo, era como voltasse a ser a jovem recém-saída do convento diante da esposa do avô.

            Pensou em esbravejar em vê-la ali, mas apenas ficou em silêncio.

            Antônio fitava a filha, seu rosto estava branco, como se o homem estive a ponto de ter um infarto, sua expressão não era diferente dos outros que estavam presentes. Miguel foi o primeiro a se manifestar:

            -- Tudo está pronto para a fusão, mesmo a sua presença aqui não mudará muita coisa, baronesa, afinal, sua esposa tem o direito aos seus bens,  pois há tempos que fora dada por morta.

            -- Realmente... – Otávio disse depois de se recuperar do susto. – Para as leis não está viva...

            A confusão brilhava nos olhos azuis ao fitar Branca por alguns segundos, então a administradora falou:

            -- Não acredito que Gabriele prossiga com isso, ainda mais agora que não tem o direito de tomar essas decisões quando a Del La Cruz está de volta.

            A baronesa sentiu uma tontura, enquanto olhava diretamente para a Bamberg. Naquele momento, sentia que a conhecia, mas não conseguia buscar lembranças associadas à jovem. Eram casadas? Por que a Wasten não falara sobre aquilo? Fechou os olhos por alguns segundos, tentando equilibrar seus pensamentos que mais uma vez começava a causar mais confusão.

            -- Gabriele, você pode assinar a fusão, Ana Valéria não pode fazer nada nesse momento, as ações são suas. – Otávio insistia seguindo até a jovem. – Apenas assine e tudo estará resolvido. – Entregou-lhe o papel. – Sabe que isso é melhor para a Luna e para todos.


 

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