A antagonista - Capítulo 18





A claridade invadiu os aposentos e a hóspede que jazia sobre a cama cobriu a face com o braço. Ela parecia bastante confortável sobre as cobertas de seda. Usava um roupão atoalhado e os lençóis enrolavam em seu torso. Usava apenas uma camisa longa cobrindo seu corpo.

Ouvia um som, mas não parecia distinguir de quem se tratava. Colocou o travesseiro sobre a cabeça. Queria dormir mais uma pouco.

            Reclamou algo do barulho, então sentiu alguém puxando suas cobertas, abriu os olhos com dificuldade devido à fotofobia diurna.

            Demorou para reconhecer o lugar. Havia uma poltrona e um armário de roupas. Uma janela grande de frente à cama.

            Sentiu a cabeça latejar, então fechou os olhos novamente.

            Parecia que havia uma escola de samba batucando em seus ouvidos.

            – O seu pernoite já terminou, bela adormecida…

            A voz baixa com sotaque francês e em tom arrastado fez-se ouvir.

            A Bamberg então com dificuldade abriu os olhos pela metade e foi quando viu a bela dançarina a lhe olhar. Usava uma das máscaras que rodeava seus olhos, cobrindo quase toda a face. Os cabelos estavam presos em um rabo-de-cavalo. Usava calça preta colada às pernas torneadas, uma blusa branca de botões, mangas e gola longa. Nos pés trazia botas de couro negro.

            Gabriele sentou-se na cama, cobrindo-se com o lençol diante do olhar inquisidor da outra. Por um instante, esqueceu onde estava. Recordava-se de pouca coisa da noite passada, mas sabia que não tinha retornado para a casa. Olhava em volta, parecia buscar algo que lhe indicasse a hora.

            Fitou os olhos intensamente azuis, havia uma zombaria presente neles ao examinar seu corpo coberto.

            Se aquela mulher fosse ruiva…

            Às vezes pensava que estava ficando louca, mas em outros momentos olhava para a dançarina e tinha certeza de que estava diante da baronesa.

            – Vamos fechar a conta, princesa, preciso que desocupe. – Tirou do bolso um papel e colocou sobre o leito. – Veja o que está devendo.

            A neta do barão soltou um longo suspiro, depois estendeu a mão e pegou a missiva. 

            Os olhos negros arregalaram.

            – Eu não vou pagar isso de forma algum! – Negou-se veementemente. – Isso é um absurdo! – Levantou-se da cama e pareceu arrepender-se, pois sentiu tontura. – Está cobrando muito… – Observou o lugar com desdém. – Acha que isso aqui é um hotel cinco estrelas?

              Rubi nada disse, apenas a olhava, examinando-a em seu roupão atoalhado. Os cabelos em desalinhos, a face corada. Era muito bonita a tal jovem. Não ficara no quarto, dividira a cama com a amiga Tatiana, pois temia não se controlar se a chef de cozinha tentasse lhe beijar novamente.

            Olhava-a ali e sentia vontade de sentir novamente a maciez dos lábios rosados.

            Viu-a lhe olhar de forma indagadora e desafiante.

              – Aqui não é hotel, então esse é o motivo de cobrar caro, afinal, por que não chamou seu namorado para vir te buscar? Ou não pediu um táxi? – Acomodou-se na poltrona, cruzando as pernas longas. – Sem falar que andou se aproveitando de mim...alguns beijos também estão inclusos...o banho...meu cheiro...

            A face da Bamberg corou.

            -- A Tatiana cuidou muito bem da senhorita, então não tem motivos para reclamar, apenas pague e volte para o seu castelo.

                – Isso não te dá esse direito! – Aproximou-se. – Não irei pagar...Beijos? – Questionou confusa. – Aproveitou-se de mim?

            A dançarina revirou os olhos em demonstração de tédio.

            -- Não, chefinha, você quem o fez. – Disse com um sorriso. – Mas isso não importa, pague o que deve e estaremos resolvidas por aqui...se precisar de uma cama confortável, pode vir aqui...a minha está à sua disposição. – Disse com uma piscada provocativa. – Quem sabe não terá companhia.

            Gabriele sentiu a face corar de raiva.

            -- Não irei pagar!

                 – Então, vou chamar a polícia para denunciar! – Falou com um sorriso. – Você dormiu no meu quarto, na minha cama, e eu tinha um compromisso ontem e por sua culpa não deu certo.

                – Ah, não me diga! – Gabi debochou. – Acho tão desnecessário essa sua forma de agir, de se comportar como uma…uma… – Hesitou.

                 Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente. 

                – Uma o quê? – Indagou por entre os dentes. – Ouse verbalizar o que se passa nessa sua cabecinha de vento…e eu mesma te jogo na rua do jeito que está aí... – Levantou-se. – Na verdade, era isso que eu deveria ter feito ontem quando te vi embriagada, te jogado na calçada, assim você aprenderia.

            Os olhos negros encararam os negros durante longos segundos em uma batalha silenciosa.

            -- Você é insuportável!

            -- Ontem não foi isso que falou...

                A jovem mordiscou o lábio inferior demoradamente, enquanto encarava-a. Não a temia, apenas estudava as próprias reações em relação àquela mulher. Talvez não fosse a baronesa, mas despertava as mesmas urgências e agonias.

               Por que sempre usava aquela máscara? O que escondia por baixo da cara bonita? Sem aquela proteção era possível ver todo o rosto. Fitou os lábios…até a forma de torcer era idêntica.

                  – Vou pagar o que te devo, senhorita, basta que diga onde estão minhas coisas, assinarei um cheque.

                 – Cheque? – Rubi arqueou a sobrancelha em ironia. – Não tem um débito? Dinheiro?

               – Acredite, tem muito mais fundo que todos os seus clientes.

              – Ora…isso é música para os meus ouvidos.

             A porta abriu e Tatiana entrou. Parecia interessada nas duas mulheres. Observava com curiosidade ambas, vendo a expressão de irritação da face da jovem Gabriele, enquanto havia zombaria no olhar da dançarina.

              – Atenda a senhorita, Tati, ela vai pagar em cheque, dê uma cortesia… – Esboçou um sorriso. – Um cartão com o meu número pessoal.

             Antes que a Bamberg pudesse esbravejar que não queria nada, a moça saiu com seu andar etéreo e ar de superioridade.



              Branca tinha chegado à mansão no final da tarde daquele dia. Foi recebida por Lia com sua costumeira simpatia.

                 – Onde está a Bamberg?-- Questionou curiosa. – Está em casa? – Fitou a escadaria que levava ao andar superior. – Sabe que horas ela chegou?

            A cozinheira parecia confusa com os questionamentos.

             – Está na sala de vídeo com a Luna, passou o dia todo com a menina.

              A Wasten olhou as escadas, pensando se iria lá agora ou deixaria para outro momento. A garota não fora para a reunião, deixando a administradora responsável por representá-la naquela manhã. Tentara lhe falar várias vezes, mas nenhuma das suas ligações e mensagens foram respondidas. Perto do meio-dia, o gerente do banco tinha ligado dizendo que um cheque tinha sido descontado em nome de uma mulher chamada Tatiana Mendonça. Achara estranho, pois Gabriele não costumava usar dinheiro da corporação nas despesas pessoais, mesmo tendo direito a isso.

               Ouviu passos e viu Clarice descendo as escadas.

               Abraçou a mãe de Ana Valéria, depositando um beijo em sua face.

               – Tudo bem, querida? – A mais velha questionou. – Parece preocupada.

              – Estou pensando se vou falar com a Gabi agora ou espero a irritação passar.

             – Acho melhor fazer um cházinho. – Lia disse apressada temendo o confronto.

            A ex-esposa de Antônio fez um gesto para que seguissem até a sala. Assim foi feito, acomodaram-se no sofá.

              – A Bamberg não foi para a reunião, ela sabia que era importante que fosse, mas não o fez.

             – Ela dormiu com a Hellen, acho que teve muito trabalho no restaurante. Não brigue com ela, eu sei como anda na correria.

            Branca fez um gesto negativo com a cabeça.

            – O restaurante não abriu ontem e eu falei com a Hellen e ela ficou muito nervosa quando pedi para falar com a Bamberg…acho que não estava lá. – Negou com convicção. – Creio que mentiu quanto a isso e não entendo o motivo.

              Clarice ficou em silêncio.

             Achou estranho quando a jovem tinha chegado, não parecia muito bem e ainda usava as mesmas roupas. A sócia e amiga da garota tinha chegado ali mais cedo e conseguira ouvir o questionamento sobre onde estaria a garota. Ficara preocupada e ainda mais agora depois de ouvir a administradora. Não sabia o que se passava, mas percebia que a Bamberg passava por grande pressão nos últimos dias.

              – Talvez estivesse com o namorado…-- Disse tentando justificar o ocorrido. – E pode apenas ter falado que estava com a amiga. Não vejo problemas quanto a isso.

              – E por que mentiria? – Questionou mostrando não acreditar naquela teoria. – O que eu sei é que a Gabriele está agindo com grande falta de responsabilidade, ainda mais agora que Antônio está praticamente montando sobre os negócios da família. – Levantou-se. – Clarice, eu tenho certeza que a Ana Valéria está viva… – Agachou ao lado da mais velha, tomando-lhe as mãos nas suas. – Eu estive na pequena comunidade que a aeronave caiu e algo estranho foi comentado…

               Os olhos da mais velha encheram-se de lágrimas.

            – Havia um morador lá, um homem conhecido como índio, ele vivia lá com a sobrinha que cuidava dele, pois era muito debilitado e de repente foram embora. – Narrava os fatos com os olhos brilhando em esperança. – Parece que essa moça tinha um bar, algo assim, um homem me falou sobre terem acolhido alguém em um rio...ele estava muito confuso, porém eu acredito que seja a baronesa.

             – Mas o que isso tem a ver? – Clarice questionou ansiosa 

               – Disseram que uma mulher apareceu lá…ferida e estava com eles…cabelos de fogo…

                 A mãe da Del La Cruz levou a mão à boca, soltando uma exclamação de felicidade, enquanto as lágrimas banhavam sua face.

               – E onde ela está?

              – Ainda não sei, mas o detetive está investigando. – Voltou a sentar. – Se a Ana Valéria estiver viva imagine o que ela vai fazer com a nata de Bernard quando descobrir que até mesmo a Lorena está dentro das empresas…

            -- Não, isso não importa, o que importa é que minha filha está viva... – Dizia emocionada. – Peço a todo instante a Deus para que a devolva para mim depois de tudo o que passamos.

            A administradora a abraçou.

            -- Ele vai te ouvir, eu sei que vai, eu sei que ela está em algum lugar, perdida.

            Clarice segurou a face da amiga.

            -- E por que acha que ela não retorna para a casa?

            -- Eu não sei, mas não sossegarei enquanto não a encontrar, eu prometo.

             Lia aproximou-se trazendo a bandeja com chás. Sua expressão parecia surpresa, como se estivesse ouvido algo, mas nada disso, apenas servindo as duas mulheres e depois se retirando.



              O hospital particular tinha sido o escolhido para o tratamento do bom senhor conhecido por Índio. Apenas medidas paliativas eram feitas para ajudá-lo a superar as fortes dores.

             Rubi estava sentada na recepção. Tinha conseguido mais uma vez pagar a conta do hospital daquele mês, porém já se preocupava com os antibióticos que deveriam ser usados. Fora muita sorte sua, a jovem dona do restaurante ter aceitado pagar a quantia cobrada, pois era o que precisavam para quitar a conta do lugar. Apesar de terem um bom público, o aluguel era muito caro e as despesas eram sempre muito altas.

              Pegou uma revista antiga para folhear e ficou surpresa ao ver uma foto da sua cliente petulante.

          Gabriele Bamberg!

          Observou a foto com atenção. 

         Ela estava de mãos dadas com o mesmo rapaz da festa que fora dançar. Deixou o encarte de lado, parecendo não gostar do que via.

          Ouviu passos e Tatiana sentou-se ao seu lado.

            – O tio está preocupado contigo.

            Rubi fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            – Eu sei, ele me disse, disse que estava tudo bem, mas ele vê mais que a gente… – Umedeceu os lábios. – A minha mente está cheia de imagens desconexas…um quebra cabeça…

           – Por que não vamos até a polícia? – A jovem propôs entusiasmada. – Você fala que sofreu um atentado e que não se lembra de nada, eles vão atrás da sua família. – Sugurou-lhe as mãos nas suas. – As pessoas devem sofrer por sua perda, devem achar que morreu…

           – Claro, afinal, tentaram me matar. – Levantou-se aborrecida. – Então eu vou lá, eles chamam a tal família e logo sou emboscada de novo? – Ironizou. – Não me interessa mesmo.

            Tatiana soltou um suspiro de impaciência.

          – E a talzinha?

          Rubi arqueou a sobrancelha esquerda.

          – Graças a ela pagamos hoje.

          – Ela ficou muito chateada quando foi assinar o cheque e ficou mais brava porque queria colocar no seu nome…Insistia em saber.

           – Acho que depois de hoje não a veremos mais por lá…

            -- Eu não sei... – A produtora dizia. – Eu acho que ela acredita que você realmente é essa tal mulher que procura. – Parecia ponderar. – Já pensou se realmente for? Imaginou como será se você realmente for essa mulher que ela insiste?

            A dançarina voltou a sentar-se, parecia preocupada com aquela hipótese. Não podia negar que quando a via era como se já a conhecesse e quando tocara os lábios da chef de cozinha pela primeira vez foi como já tivesse sentido a suavidade daquela boca.

            -- Eu não desejo pensar nisso, prefiro que ela se mantenha longe.

            -- Tem certeza de que é isso que você quer?

            Rubi deu de ombros, tentando negar que a ideia de não ver mais a jovem seria algo bom, quando na verdade essa ideia lhe perturbava demasiadamente.

           

 

           A sala estava escura e apenas a luz da TV iluminava o lugar. Luna dormia sobre o colchão, enquanto Gabriele a olhava em contemplação. Pandora também estava deitada sobre o carpete.

             Passara o dia todo ali, comendo ao lado da filha e ficando apenas com ela e a cachorra que aprendera a amar depois que sua dona partira. 

           Viu o celular, havia ligações de Miguel. Não desejava falar com ele. Observou as mensagens de Hellen. Encontrou a amiga quando deixava a boate e tivera que ouvir suas indagações infinitas, nada respondeu, apenas dizendo que outra hora conversariam. Soube por Lia que Branca tinha ido até ali, mas para sua paz, a administradora não fora atrás de si, era outra pessoa que a pressionava bastante nos últimos dias.

                Fechou os olhos, apertando-os forte para tentar livrar-se da imagem da dançarina que não parava de perseguir seus pensamentos.

              Não queria ver mais aquela mulher, estava decidida a ficar longe dela. Estava cada vez mais enlouquecida. Desejou tanto tocar aqueles lábios mais uma vez, sentir a maciez…

            Quando a viu naquela manhã, pensara seriamente em abraçá-la, sentir seu perfume, acariciá-la.

            Fora uma loucura ir até a boate e ficar bêbada. De início não tivera a intenção de se aproximar de Rubi, queria apenas fugir dos seus problemas, tentar aliviar a cabeça depois de tantos aborrecimentos, porém sempre que via aqueles olhos azuis era como se perdesse a sanidade, como se não conseguisse discernir suas ações.

              Deus, estava ficando louca!

              Conversaria com Miguel e marcaria o noivado o mais rápido possível. Luna merecia uma família, alguém que cuidasse e a amasse. Talvez um irmão.

 

             

            No dia seguinte, houve algumas reuniões que contaram com a presença da Bamberg. Ela parecia bastante disposta a cumprir com suas obrigações. Aceitando que Branca intervisse em todas as suas decisões. Nem mesmo tivera tempo de almoçar e precisara pedir para que Clarice fosse buscar a filha na escola, pois não sobrara tempo para nada.

            Passava das dezessete horas. Ainda não podia seguir para a casa, tampouco para o restaurante porque a administradora viria mais tarde falar consigo, pois teriam que viajar para a fazenda, pois a época da festa da colheita já estava chegando.

            Caminhou até a janela panorâmica que tinha a vista para a avenida principal da cidade. Observava o grande fluxo de veículos, as pessoas que seguiam rapidamente de um lado para o outro.

            Quando acontecera o acidente com Ana Valéria e fora falado sobre seu casamento com a baronesa tudo pareceu mudar drasticamente em seu mundo. Depois de meses de buscas, fora considera a herdeira da ruiva, assumindo todos os seus negócios. Não queria nada daquilo, nunca desejara estar ali, porém o fizera, fê-lo porque sabia que isso seria necessário para manter consigo a filha. Luna era o único motivo para não desistir de nada daquilo. Sabia que Antônio nunca tentara tirar a criança de si, pois havia seus favores, seu dinheiro ajudando-o em sua empresa. Sim, ela também não gostava do Del La Cruz, mas fizera uma promessa para si mesma que se fosse necessário entregar tudo que herdara para ter a filha consigo, faria, mesmo que tivesse todos contra si. Sentia-se triste sempre que havia algum confronto com a Wasten. Tinha um carinho muito grande por aquela mulher que muitas ocasiões enfrentara a baronesa para lhe ajudar. Entendia a raiva de Branca, porém havia decisões que precisaria tomar sozinha, mesmo que isso custasse tão caro.

            Colocou a mão nos bolsos da calça e permaneceu lá, apenas pensando em tudo que teria que fazer ainda antes de poder voltar para casa.

            Ouviu o som do telefone interno. Caminhou até lá, apertando o botão.

            -- Sim, Patrícia, algum problema? – Perguntou à secretária.

            -- A senhora Lorena está aqui e pediu para lhe falar.

            Gabriele respirou fundo.

            Não queria falar com a irmã de Trevan, porém sabia que se negasse, ela continuaria a insistir, então o melhor seria resolver logo seja lá o que fosse que ela queria.

            -- Pode deixá-la entrar. – Falou, enquanto seguia para se acomodar em sua cadeira de couro.

            A loira adentrou o espaço exibindo um sorriso grande e entusiasmado.

            -- Olá, Gabi! – Sentou-se diante da jovem. – Que bom que pode me atender, estive aqui antes, porém você estava trancada com a Wasten.

            A Bamberg a fitava, enquanto digitava algo no computador.

            -- Estávamos resolvendo alguns problemas, não podia parar. – Encarou-a. – mas me fale o que deseja.

            -- Preciso que veja a questão da fusão das empresas, sei que é um estudo demorado, mesmo assim, acredito que possa antecipar.

            -- Não é tão fácil assim, pedi para a Branca ficar responsável por isso e até agora nada está pronto.

            -- Claro que não está! – Exclamou irritada. – Você sabe muito bem que essa mulher não vai facilitar nada para o Antônio, sabe que o odeia por causa da sua baronesa. – Bufou. – Deixe que eu mesma me responsabilize por isso, eu sei que farei mais rápido.

            A Bamberg pegou uma caneta, parecia analisá-la como se fosse a primeira vez que a via.

            -- Lorena, seja sincera, nunca sentiu nada pela Ana Valéria? – Perguntou mostrando curiosidade. – Às vezes, fico pensando nesse terrível plano que você armou, penso como tudo poderia ter sido diferente se não tivesse pensado apenas no dinheiro.

            -- O que isso importa agora? – Indagou corada. – Não interessa o que houve, a Del La Cruz está morta.

            Gabriele a observava com cuidado, parecia prestar atenção ao mínimo detalhe das suas reações.

            -- E se ela não estivesse? O que faria?

            A loira não parecia gostar do rumo daquela conversa, respondendo bruscamente.

            -- Não vim aqui para falar sobre Ana Valéria, não tenho interesse e o que houve entre a gente foi apenas armação...diferente de você, afinal, casou-se com ela. – Fitou-a. – Paloma estava comentando sobre isso, insinua que vocês tinham um caso e que até estiveram juntas na fazenda.

            A neta do barão esboçou um sorriso, não parecia ter se irritado com as insinuações.

            -- Realmente, a modelo tem razão, eu estive sim com a Del La Cruz...algumas vezes...—Falou pausadamente. – Não vou negar...

            Foi possível ver raiva passando pelos olhos da irmã de Trevan, mas ela tentava disfarçar.

            -- Prefiro que falemos sobre a fusão das empresas...

            Gabi fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas antes de continuar a conversa ouviu o telefone portátil tocar, pegou-o, examinando o número, mas não o reconheceu, mesmo assim acabou atendendo.

            -- Alô!

            -- Olá, senhorita Bamberg.

            A voz com sotaque francês fez-se ouvir.

            -- Espero não estar incomodando, porém desejava lhe falar.

            Gabriele fitou Lorena que parecia interessada, desejando saber com quem estava falando. O olhar dela não abandonava seu rosto.

            -- Algum problema? – Perguntou tentando não demonstrar suas emoções.

            -- Não, apenas queria ouvir sua voz...é ainda mais bonita no telefone...

            Havia uma indagação no olhar da loira.

            -- Espera um pouco, estou em uma reunião, te retorno...eu retorno assim que conseguir terminar aqui.

            -- Está bem, esperarei.

            Gabriele desligou.

            -- Quem era? – Lorena indagou interessada.

            A Bamberg digitava no computador, tentava não aparentar nervosismo, mesmo sentindo as mãos suadas diante da ligação que recebera. O que será que ela queria? Gostaria de estar sozinha, pois assim poderia teria perguntado o que desejava. Devia ter pegado o número com Tatiana, pois deixara para caso tivesse algum problema na hora de descontar o cheque.

            -- E então? – A irmã de Trevan insistia. – Quem te ligou?

            -- Uma fornecedora do restaurante... – Levantou-se. – Bem, acho que terminamos por aqui, falarei com a Branca para que veja a questão da fusão, então não se preocupe, tudo vai acontecer no tempo certo.

            A loira fez um gesto afirmativo, mas não parecia com muita pressa para sair.

            -- Estive com o Miguel, acho que você não está cuidando o suficiente desse rapaz.

            -- Ora, eu não sabia que era babá dele! – Respondeu com rispidez. – Também não gosto dessas intromissões no meu relacionamento, ainda mais sabendo que não somos mais crianças.

            -- Sim, eu entendo, porém sabe muito bem que ele te ama e até agora nem o noivado você aceitou marcar.

            -- Marcarei quando me sentir pronta para isso.

            -- E ainda não está? – Lorena continuava seu interrogatório. – Estão juntos há tempos e mesmo assim reluta.

            A Bamberg respirou fundo, não parecia ter nenhuma paciência para continuar aquele diálogo.

            -- Falei com Antônio, ele sugeriu fazer uma grande festa de noivado de vocês, sabe que ele deseja ser o padrinho do casamento.

            A chef de cozinha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Sim, eu sei, mesmo assim não pretendo pensar nisso agora. – Apontou a porta. – Preciso resolver um problema com a fornecedora, então se não for pedir muito, pode me deixar sozinha?

            Lorena fez um gesto afirmativo com a cabeça, parecia desconfiada, mesmo assim levantou-se e deixou a sala.

            Gabriele soprou, parecia que estava com o ar todo preso em seu interior.

            Voltou a se sentar, enquanto olhava para o celular. Não devia nem pensar em retornar aquela ligação, porém havia um imã que a atraia para aquela mulher de um jeito que chegava a se assustar. O que faria com essa atração que sentia pela dançarina?

            Passou a mão pelos cabelos, depois seguiu até o frigobar, pegou uma garrafa de água, bebendo-a devagar, enquanto tentava acalmar as palpitações do seu coração. Teria que dar um fim naquela história. Estava decidida a não ver mais aquela mulher. Bebeu mais um pouco do líquido, depois voltou para sua cadeira, sentando-se. Olhava para a tela do computador, tinha que ler alguns relatórios, mas não conseguia se concentrar nas palavras.

            Cobriu o rosto com as mãos, parecia desesperada. Olhava o celular, pegou-o e ficou observando o número que aparecia da última chamada. Tatiana tinha lhe dado o número da dançarina, mas ela rasgara, agora ele estava ali e ela não sabia como se comportar.

            Decidida, fez a rediscagem. Chamou durante alguns segundos e já estava desistindo quando ouviu a voz baixa e rouca do outro lado da linha.

            -- Desculpe demorar, estava tomando banho, pensei que não ligaria mais.

            A Bamberg sentiu um arrepio na nuca só em pensar no corpo nu sob o líquido cristalino. A cena parecia povoar sua mente naquele momento. Nunca tivera desejo por outra mulher que não fosse Ana Valéria e de repente aparecia aquela estranha em sua vida que mudava tudo. Sexualmente, não tinha nenhuma experiência. Contava nos dedos as vezes que fora para a cama com o namorado e nenhuma das vezes tivera uma boa experiência, mesmo tentando, diferente de quando fora tocada pela baronesa, ainda conseguia sentir as sensações tão poderosas.

            -- Está aí ainda? – A voz de Rubi questionou.

            -- Sim, estou... – Mexia no porta-lápis. -- E por que ligou? – Perguntou, tentando livrar-se das imagens que criara em sua cabeça.

            -- Porque a senhorita esqueceu um cordão aqui...na minha cama, não deixou apenas seu delicioso cheiro, também há essa joia.

            Gabriele passou a mão no pescoço e percebeu que não estava com a corrente que sempre usava com um pingente de coração que trazia a foto de Luna. Estava tão distraída desde que retornara para casa que nem percebera que tinha perdido.

            -- Pedirei que um motoboy passe aí e pegue.

            Houve um silêncio do outro lado da linha, depois Rubi falou:

            -- Pensei que viria pessoalmente, afinal, não acredito que queira que as pessoas com quem convivem saiba que anda frequentando um lugar como esse aqui.

            Sim, isso era verdade, se pedisse que um motoboy da empresa fosse até lá poderia correr o risco de ter seu nome envolvido em fofocas.

            -- Não irei, não tenho intenção de ir até aí, realmente não é um lugar para mim, também sempre que vou, me cobra muito caro, acho que até para respirar vocês me tiram dinheiro.

            O som do riso rouco a fez suspirar, do mesmo jeito que esboçava um sorriso, pois era como se estivesse vendo a dançarina lhe provocar.

            -- Não entendo o motivo de ter ficado tão brava, teve o melhor tratamento...e dormiu na minha cama, com minhas cobertas, meu travesseiro...deveria pagar também para serem lavados, pois seu perfume não parece sair dos tecidos.

            Gabriele girava devagar na cadeira.

            -- Eu tenho um ótimo cheiro! – Afirmou. – Não tem do que reclamar.

            -- Realmente, você é muito cheirosa...não é só bonita...

            -- Bonita? – Parou seu balanço. – Acha que sou bonita?

            Um silêncio caiu entre ambas, porém depois obteve sua resposta.

            -- Sim, muito bonita...

            A Bamberg ouvia a respiração pesada e isso a estava deixando ainda mais ansiosa.

            -- Bem, pedirei que Hellen passe aí para o buscar a corrente.

            -- Então não vou te ver mais?

            Gabi umedeceu os lábios demoradamente.

            -- E por que deseja me ver? Pensei que não gostasse da minha presença.

            -- Realmente não gosto, porém não posso dizer o mesmo da sua boca...dela eu gosto muito e beijá-la foi das minhas melhores experiências dos últimos anos.

            A neta de Bernard sentia a face corar diante daquelas palavras, enquanto seu corpo parecia reagir a cada uma das frases que ouvia.

            -- O que tem de especial nela? – Indagou timidamente.

            -- Eu não sei, senhorita, porém já imaginei várias vezes algumas coisas que gostaria de vê-la fazendo...

            Gabriele levou o polegar aos lábios, mordiscava-o, pensativa. Por que se sentira tão bem ao receber o elogio daquela mulher? Sentia o corpo em chamas só em ouvi-la. Sim, estava excitada, nem conseguia controlar o desejo que parecia queimar de forma incontrolável.

            Sabia que não deveria continuar com aquela conversa, mas não tinha forças para encerrar, então ousada, questionou:

            -- O que imaginou minha boca fazendo?

            A respiração do outro lado da linha parecia um pouco mais acelerada naquele momento.

            -- Imaginei sua linda boca beijando meus seios...passando sua língua nos biquinhos...

            Automaticamente a Bamberg desceu a mão até a calça.

            -- Está me deixando...—Não completou a frase.

            -- Excitada? – Rubi questionou. – Sua voz me deixou assim...não imagina quanto...acho que isso acontece porque fiquei com vontade de ficar contigo na última noite...

            -- Ficou? – Perguntava desejosa. – E por que não dormiu lá?

            -- Teria aceitado a minha presença ao seu lado? Não acho que poderia ser bom, afinal, você estava bêbada e eu muito desejosa...

            Gabriele agora mordiscava o dedo indicador. Lembrava o beijo, lembrava de querer tocá-la, de achá-la ainda mais linda naquela noite.

            -- Quanto desejosa está agora? – Perguntou atrevida. – Me fala quanto você está...

            Novamente só a respiração da artista era ouvida e parecia cada vez mais pesada.

            -- Estou muito molhada...escorregadia... – Disse por fim.

            A Bamberg não conseguiu controlar o gemido rouco que saiu dos seus lábios. Não acreditava que estava tendo aquele tipo de ligação e que isso a estava deixando cheia de tesão.

            -- E por que sabe disso? – Questionou rouca. – Como sabe que está molhada? – Perguntou baixinho.

            -- Porque eu estou tocando...

            Gabriele fechou os olhos e sua imaginação parecia visualizar a bela dançarina nessa deliciosa cena. Desejou com todas as suas forças poder se transportar para a boate naquele momento. Nada mais importaria a não ser o desejo que a sufocava. Poderia ficar lá olhando-a, vendo-a se tocar, regozijando só em imaginar que era ela a causa de todo aquela libido.

            Mexeu-se desconfortável na cadeira. Seu corpo doía como só acontecera quando estivera com a baronesa.

            O som do telefone interno pareceu lhe tirar do transe.

            Passou a mão pelos cabelos, enquanto pensava se deveria apertar o botão e atender a secretária. Decerto Branca tinha chegado. Nem percebera o tempo passar enquanto conversava com a dançarina.

            -- Está trabalhando, senhorita?

            A voz baixa lhe questionou.

            -- Sim, infelizmente, estou na empresa e logo terei uma reunião.

            Novamente o som do riso.

            -- Então vou lhe deixar, preciso terminar algo que comecei...

            -- Pode continuar pensando na minha boca...talvez imaginar que ela possa substituir suas delicadas mãos...

            -- Com certeza o farei...Tenha uma ótima noite e um beijo nesses seus lindos lábios.

            Gabriele suspirou quando ouviu o som de encerramento da chamada.

            Não acreditava que uma simples ligação lhe deixara em puro fogo. Poderia ir até lá, usar a desculpa de buscar o cordão, vê-la.

            Deus, o que estava acontecendo consigo?

            Talvez se fosse para a cama com Rubi toda aquela vontade acabasse, assim poderia viver em paz novamente.

            Ouviu o som insistente do telefone interno.

            Apertou o botão para falar com a secretária.

            -- O que houve?

            -- A senhora Branca está aqui.

            A Bamberg mordiscou a lateral do lábio inferior. A última coisa que desejava naquele momento era falar de negócios, mas não podia se negar.

            -- Ok, ela pode entrar.

            Não demorou nada para a administradora adentrar o espaço. Parecia curiosa ao fitar a jovem.

            -- Está bem?

            A herdeira do barão engoliu em seco.

            -- Sim...sim...por...quê? – Gaguejou nervosa.

            -- Está corada...parece que está com febre. – Sentou-se. – Aconteceu algo?

            A Bamberg cobriu o rosto com as mãos, parecia tentar voltar ao normal, depois falou:

            -- Acho que estou com calor...

            -- Mas a sua sala está tão geladinha, o ar-condicionado está no quinze...

            Gabriele suspirou.

            -- Mas me fale, quais são as novidades? – Questionou mudando de assunto. – Como foi as reuniões?

            A Wasten abriu a basta, entregando-lhe alguns papéis.

            -- Aqui estão os contratos para a exportação de vinho, quero que leia tudo com calma e depois disso, se estiver de acordo, pode assinar. – Analisava-a com interesse. – Já conseguiu terminar os outros relatórios?

            A jovem  observava os papéis, fez um gesto negativo com a cabeça, parecia distraída, então depois de um tempo falou:

            -- Branca, eu sei que estamos tendo inúmeros problemas nos últimos dias, sei que estou agindo de forma que reprova, mesmo assim, eu gosto muito de você...Foi você quem me protegeu da fúria da baronesa durante aqueles meses...enfrentou-a várias vezes para me defender...eu juro que queria fazer tudo como você ordena, mas...

            -- Não vamos falar sobre isso agora!

            -- Por favor, não se demita, sabe que eu não entendo de nada aqui...se não fosse você, eu estaria perdida...eu não sou como Ana Valéria que conseguia lidar com tudo sem pestanejar...

            A administradora olhava a jovem ali a lhe fitar. Sabia que ela estava sendo sincera, conhecia-a bem e mesmo que não concordasse com suas decisões, entendia os seus medos. Claro que não aceitava Antônio, Lorena, tampouco Trevam, mesmo assim, talvez se estivesse no lugar jovem acabasse fazendo o mesmo. Não podia lhe tirar os méritos. Conseguira tirar Clarice da casa de apoio, cuidava de Luna como uma verdadeira mãe.

            -- Não o farei, porém saiba que não concordo...

            Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois esboçou um sorriso.

            -- Me sinto aliviada, mesmo sabendo que vamos brigar um pouco mais.

            Branca fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois comentou:

            -- O gerente do banco me ligou, falou de um cheque que foi descontado por uma mulher chamada Tatiana Mendonça.

            A cor pareceu fugir da face da Bamberg. Se não tivessem cobrado tão caro, não precisaria ter usado o talão da empresa. Sentia raiva quando pensava que tivera que fazer tal coisa devido à ambição da dançarina.

            -- Eu...eu precisei...precisei do dinheiro...

            -- Não estou questionando isso, sabe que o dinheiro é seu, não entendo o motivo de não o usar, porém achei estranho, pois liguei para a contadora do restaurante e ela não reconheceu o nome...eu fiquei preocupada, pensei que podia ter perdido o talão de cheque.

            -- Foi uma despesa com...com a despedida de solteiro de Bela. – Falou rapidamente. – Paguei aos artistas, foi um presente.

            -- Ah, então não tem problema, ligarei para o seu gerente e falarei que está tudo bem.

            Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Eu estou indo para a casa, quer uma carona? – A administradora ofereceu. – Ou vai para o restaurante?

            -- Vou para casa e aceito sim sua carona.


 

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