A antagonista - Capítulo 15



            Na manhã seguinte, Ana Valéria deixou cedo à mansão. A administradora foi buscá-la para levá-la ao aeroporto. Tinha ocorrido um problema e fora preciso fretar uma aeronave para a viagem que faria.

            No percurso, a baronesa tinha o notebook sobre o colo e parecia concentrada em alguns documentos que estava lendo.

            Não conseguira dormir nada depois da interrupção de Lia. Seu corpo queimava em um desejo sem limites e controle. Pensara em ir até os aposentos da jovem, mas acabara desistindo, pois temia que não se controlasse, ainda mais ao comprovar que realmente havia a virgindade.

            -- Preciso que redobre o controle na Bamberg. – Disse sem se voltar para a administradora. – Descobri que ela tem laços parentais com Trevan e a Lorena.

            A Wasten arregalou os olhos em surpresa.

            -- Como assim?

            -- Não sei bem, não quis ouvir nada que ela falasse, apenas descobri, veja você do que se trata, porém não tenha tanta confiança nessa menina, também está unida a Antônio contra mim.

            -- Ana Valéria, tem certeza disso?

            A baronesa baixou a tela do computador portátil e logo encarava a mulher.

            -- Estou te dizendo a verdade...—Suspirou. – Precisei fazer algumas coisas para garantir as ações, talvez em breve fique sabendo.

            -- O que fez? – Indagou preocupada.

            -- Quando eu retornar conversaremos sobre o assunto, nesse momento o que desejo é que fique de olho em Gabriele, redobre sua atenção em relação a esse namoradinho estúpido.

            -- Por quê?

            A ruiva suspirou em impaciência.

            -- Faça apenas o que estou dizendo e deixe de fazer pergunta! – Respondeu aborrecida. – A neta do barão não é uma santinha como você imagina, agiu nas minhas costas e tramou contra mim, então apenas faça o que estou ordenando e deixe de questionamentos.

            -- Por que não me contou isso antes? Eu poderia ter falado com a Gabi, poderia ter conversado para saber toda a história.

            A Del La Cruz virou o rosto para a janela, parecia focar na paisagem urbana.

            -- O problema é que você, Ana, esquece que não sou adivinha e me dizer que a neta do barão tem ligação com Trevan e Lorena é algo preocupante, mas pelo o que estou vendo você está tranquila. – Deu uma pausa para respirar. – O que fez que te garante essas ações? Seduziu-a?

            Os olhos azuis encararam os da administradora em exasperação. Havia um brilho perigoso em sua íris.

            -- De que está falando? – Perguntou por entre os dentes. – De onde tirou isso?

            Branca a olhava com atenção, analisava em seu olhar algo que demonstrasse suas emoções.

            -- Não sei, seja honesta você comigo...Tem algo a mais entre vocês?

            Mais uma vez a empresária desviou o olhar. Não parecia interessada em responder as perguntas da funcionária, ainda mais quando estava relacionada à neta do marido.

            Não queria pensar em Gabriele dessa forma. Sentia uma ânsia crescer infinitamente em seu corpo só em se recordar do que tinha se passado na madrugada. Depois que a Bamberg deixara a escritório, permanecera lá, até mesmo tinha recolhido a calcinha que rasgara da moça.

            -- Vai me ignorar? – A Wasten insistia. – Pelo que percebo está calada porque não consegue admitir o que está acontecendo.

            -- Eu não quero falar sobre isso! – Bufou. – Faça o que estou mandando em relação a essa garota, não entende a gravidade da relação que ela tem com o Trevan e a Lorena?

            A administradora fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Contratarei um detetive, ficarei de olho na Gabi. – Disse por fim.

            Ana voltou a levantar a tela do computador portátil. Sua atenção parecia novamente presa lá.

            Estava indo viajar, mas ansiosa para que o juiz pudesse marcar rapidamente o dia que encontraria a mãe. Não se preocupava em ter ao seu lado a assistente social ou até guardas. Só desejava ver Clarice.

            De repente apareceu uma foto de Luna no descanso de ecrã.

            Não tinha mais visto a sobrinha e mesmo que não admitisse, sentia falta da criança. Porém sua decisão de se manter longe da Bamberg lhe fazia abdicar de algumas situações.

            Suspirou e isso chamou a atenção da administradora que fitou seu perfil inflexível.

            Preocupava-se com a Del La Cruz. Sabia que ela não estava tão bem quanto tentava demonstrar. Tinha certeza de que sentia algo por Gabriele, mas ela nunca verbalizaria esse sentimento, pois não se permitiria, não confiaria na garota, ainda mais agora que sabia que havia certo parentesco com seus maiores inimigos.

            Ouviu o som do celular e viu o número de Paloma. Mostrou para Ana que fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Então eu atendo e digo que você não deseja lhe falar? – Provocou-a. – Ou deixo que ela ligue mil vezes até bloquear?

            -- Apenas ignore, ela deseja que eu a acompanhe em um desfile, já disse que estaria viajando, então não precisa dar explicações.

            Branca fez um gesto afirmativo com a cabeça e encerrou a ligação.

            -- Você poderia tê-la convidado para viajar contigo, seria melhor que não fosse sozinha. – Respirou fundo. – Estou preocupada contigo.

            -- Mas eu estou bem, Branca, nunca mais tive crises. – Segurou-lhe a mão em um raro gesto de carinho. – Apenas tenha paciência, logo retornarei... – Esboçou um sorriso. – Até parece que é a primeira vez que viajo sozinha para tão longe.

            -- Sim, Ana, eu sei, mesmo assim estou apreensiva com tudo isso, ainda mais depois que me contou esses fatos sobre Gabriele. – Beijou-lhe a testa. – Cuide-se, por favor, e qualquer coisa me ligue, não importa a hora, pego o primeiro voo e te encontro.

            -- Não se preocupe, eu mesma me certificarei de te deixar avisada.

            O restante do percurso fora feito em total silêncio. Não demoraram para chegar ao aeroporto particular.

           

 

 

            Naquela manhã, quando despertara, Gabriele não deixou imediatamente o quarto.

            Sentia-se envergonhada do que tinha acontecido no escritório. Pouco conseguira dormir ao se recordar de ter permitido que a baronesa lhe tocasse de forma tão íntima. Pensara em ir até ela, esbravejar e exigir que nunca mais ousasse fazer aquilo novamente, porém não tivera coragem. Nem sabia como olhá-la depois de tudo.

            Luna estava na cama, bebia sua vitamina, enquanto parecia distraída com as imagens que aparecia na TV.

            Viu o celular sobre o criado-mudo. A Del La Cruz já tinha devolvido o aparelho. Fitou a tela e viu algumas mensagens de Lorena.

            Praguejou em silêncio, mesmo que aquele ato não fosse seu costume.

            Como iria casar se já estava casada?

            Precisava contar a verdade para o Miguel, não tinha outro caminho para seguir, mesmo que Ana Valéria tivesse proibido que o fizesse.

            O que a irmã de Trevan pensaria de tudo aquilo? Será que ainda sentia algo pela ruiva ou fora apenas a questão de desejar usá-la para conseguir seus objetivos?

            Não entendia o porquê de saber que ambas tiveram um caso lhe perturbava tanto. Irritava-se ao imaginar a filha de Antônio apaixonada pela loira de forma tão desesperada a ponto de se entregar quando ainda tão jovem.

            Sentou-se na poltrona, enquanto massageava as têmporas.

            Precisava falar com alguém sobre tudo o que estava acontecendo consigo ou acabaria enlouquecendo. Sua mente fervilhava, parecia que havia um vulcão prestes a entrar em erupção.

            Poderia ter fugido dali quando tivera a oportunidade, porém ao ver o olhar inocente de Luna percebera que jamais agiria assim. Aceitara tudo o que fora proposto para não se afastar da menina.

            Ouviu batidas à porta e logo Lia aparecia trazendo uma bandeja com um rico desjejum.

            -- Olá, meninas, como estamos hoje? – A cozinheira perguntou com entusiasmo. – Estava pensando se não deseja inventar uma receita deliciosa...Tereza tirou folga e a baronesa não está, ou seja, não haverá problemas. – Piscou travessa.

            Gabriele tentou mostrar uma alegria que não parecia estar presente. Levantou-se e pegou uma maçã, comendo-a devagar.

            Olhou pela janela do quarto que dava para a frente da mansão. Viu o rapaz que cuidava das plantas no jardim. O carro com o motorista não estava mais lá.

            -- Então, a senhora já foi? – Questionou sem se voltar.

            -- Sim, Gabi, a senhora Branca veio aqui para acompanhá-la.

            Desejou que ela não tivesse partido, talvez, pudessem conversar, tentar entender tudo o que se passava consigo.

            -- E ela falou algo antes de partir? – Perguntou fitando a mulher.

            -- Como assim? – Questionou desconfiada. – O que ela podia ter dito?

            -- Sei lá, alguma nova tirania... – Bebeu um pouco de suco. – Ela sempre parece pronta para inventar algum castigo novo.

            Lia chegou mais perto, enquanto olhava para a garota.

            -- Gabi, gosto muito de você, então não quero que eu pareça intrometida... – Apontou a poltrona para a moça se sentar, depois fez o mesmo em uma cadeira. – Filha, você estava ontem com a baronesa no escritório?

            A face da Bamberg ficou tão corada que parecia que seu sangue saltaria por seus poros.

            Observava a expressão preocupada de Lia. Sabia que ela não era fofoqueira e que se estava falando consigo era porque estava verdadeiramente preocupada.

            Umedeceu os lábios demoradamente, depois assentiu com a cabeça.

            -- Eu a encontrei na cozinha, e ela me chamou para uma conversa...

            -- Querida, há dias que percebo que não está muito bem, ainda mais quando algo é relacionado à esposa do seu avô.

            -- Há tantas coisas... – Passou a mão pelos cabelos arrumando por trás da orelha. – Algo que está me sufocando... – Falou com a voz embargada. – Aquele tempo que estive fora...fui obrigada a me casar com Ana Valéria...

            Os olhos da empregada quase pularam de órbita.

            -- Ela descobriu dos planos do Miguel para o casamento e agiu primeiro...Agora estou presa...quando completar esse maldito ano estipulado pelo meu avô, ela me dará a liberdade, contanto que entregue as ações.

            -- Deus do céu! – Cobriu a boca com a mão. – E alguém mais sabe disso?

            Ela fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Apenas o senhor Rogério, Pierre...e as envolvidas...estou te contando agora por que estou sem saber o que fazer...Estou sendo pressionada para aceitar o casamento...

            -- Fale com ele, querida! – Segurou-lhe as mãos. – Conte o que se passa, você não tem culpa.

            -- Não é tão fácil assim... – Cerrou os dentes. – Lia, lembra da mulher que a Ana Valéria tivera um caso quando era adolescente?

            -- Sim, a tal Lorena.

            -- Pois bem...eu sou neta do barão, porém ele nunca se preocupou comigo, então eu tive alguém que cuidou de mim, alguém que agiu como pai, mesmo sem termos o mesmo sangue...e esse homem é nada mais que o irmão da Lorena.

            -- Jesus, Maria, José! – Exclamou estupefata. – Então...

            -- Então, Ana sabe de tudo isso...

            -- E ontem ela te chamou para brigarem?

            Gabi baixou os olhos, parecia envergonhada, nem mesmo sabia o que falar, mas sabia que precisava, pois estava sufocando com tanta coisa guardada em seu interior.

            -- Não...Lia, eu sinto algo pela Del La Cruz...eu não queria sentir, mas isso está além das minhas forças...

            -- Sente...—Esboçou um sorriso. – Eu sei, já vi a forma que você a olha e também a forma que ela te olha...

            A Bamberg levantou-se.

            -- Ela não sente nada por mim, só se for desejo... – Falou irritada. – Ela me beija e eu perco o juízo...é como se não existisse mais nada, só a carícia dela...Ontem se você não tivesse ido bater naquela porta eu nem sei o que teria acontecido...Estou fincando louca! – Disse sem conseguir mais segurar o pranto.

            A cozinheira a abraçou, tentava acalmá-la, acariciava-lhe os cabelos em gentileza.

            Há dias tinha percebido que algo havia entre ambas, mas nada dissera, só que naquela manhã a senhora Branca pedira que buscasse descobrir o que se passava entre as duas mulheres. Óbvio que não falaria nada, sabia que não podia trair a confiança que a garota lhe depositava.

            Gostaria de saber se Ana Valéria gostava da menina, porém agora com a história da Lorena, pensava que a neta de Bernard poderia ser apenas mais uma naquela sede de vingança.

            -- Querida, não fique assim... – Dizia. – A esposa do barão mesmo tendo aquele gênio do cão é muito bonita e sedutora, acho que não é algo incomum você ter se interessado.

            Os olhos chorosos a fitaram.

            -- Não, isso é uma loucura, eu amo o Miguel...eu amo o Miguel... – Repetia entre lágrimas como se precisasse se convencer daquele fato.

 

 

 

            Em um famoso restaurante na área central da cidade reuniam-se em um almoço Antônio, Lorena e Otávio.

            A mesa escolhida fora pedida em uma área reservada, pareciam não desejarem incômodos ou plateia.

            Um vinho tinha sido aberto e o advogado servia a todos.

            -- Hoje será um grande dia para a nossa vitória! – Otávio brindava. – Logo só haverá sombras dos problemas que enfrentamos em todos esses anos.

            -- E vamos encerrar essa celebração com o casamento... – O Del La Cruz dizia sorridente. – E acho que não será apenas um... – Piscou ousado para a loira.

            Lorena fez apenas um gesto afirmativo com a cabeça. Acomodou-se, enquanto ouvia o diálogo que se desenrolava entre os dois homens. Trevan já ligara várias vezes. Parecia preocupado, porém não atendera.

            Em breve, não haveria mais medos em seu caminho e conquistaria tudo o que sempre sonhara quando era apenas uma menina. Vendera sua relação com a jovem Ana Valéria apenas para ocupar o lugar que estava. Não era mais vista como uma simples empregada, era a diretora financeira de uma das maiores corporações do país e logo também seria a dona. Não que gostasse de Antônio, claro que não, era um velho irritante e cheio de arrogância, nem mesmo conseguia lhe satisfazer na cama, mas isso não era importante quando havia tanto dinheiro em jogo.

            Pouco se satisfazia quando o assunto era sexo. Nem mesmo seu marido era bom nesse quesito. Em seu interior havia um desejo secreto que costumava esconder de todos e até de si mesma: Voltar a tocar Ana Valéria Del La Cruz.

            Mesmo sendo ainda muito jovem quando tiveram relações íntimas, havia algo que ficara marcado dentro de si. O jeito delicado, doce e gentil que sentira quando a tivera nos braços pela primeira vez.

            Mesmo que a temesse, nas vezes que tinha encontrado a baronesa, ansiara por senti-la mais uma vez, por se entregar a intensidade da ruiva.

            Meneou a cabeça para espantar os pensamentos.

            -- Tudo bem, querida? – O senador indagou ao ver a expressão da amante.

            -- Em que pensa, senhora? – Otávio questionou curioso. – O que está passando em sua cabeça?

            Antes que Lorena pudesse responder, o garçom chegou com os pratos que foram pedidos para o almoço.

            Havia de tudo do melhor, não pareciam se preocupar com o preço que teriam que pagar pelas iguarias.

            Não era segredo no meio financeiro que a corporação do empresário não vivia momentos bons. Mesmo sendo uma das maiores do país, começava enfrentar uma alta pressão do mercado financeiro, perdendo seu espaço entre os novos negócios que iam surgindo. Nos últimos meses, muitas demissões tinham sido feitas, sem falar que não tinham quitado os impostos federais.

            -- Precisamos ter a Gabriele ao nosso lado. – Otávio dizia. – Agora ela terá um papel muito importante nos nossos planos.

            -- A única coisa que ela deseja é ficar com a Luna, então basta que Antônio permita isso.

            -- Não tenho nenhum interesse nessa pirralha, então ela pode ficar com a menina.

            -- Esse é o nosso trunfo! – O advogado comia. – E Trevan? Ele não veio?

            -- Meu irmão não gosta de fazer parte de alguns planos, então prefiro deixá-lo de fora, pois teremos menos problemas assim. – Bebericou do vinho. – Sua maior preocupação é Gabi, tirando isso nada o interessa.

            -- Um homem sem ambição... – Antônio dizia pensativo. – Às vezes, penso se no futuro não poderá nos causar problemas.

            -- Não se preocupe com isso, eu mesma cuido do meu irmão. – A loira falou. – Ele é muito bom no que faz, afinal, fora ele quem jogara todas as notícias sobre Ana Valéria e não fomos descobertos.

            Antônio pegou um guardanapo para limpar os lábios.

            -- E como a Bamberg se comporta ao descobrir que você fora a mulher com quem Ana se envolvera na adolescência?

            -- Não gostou, mesmo assim não podia fazer nada, pois tinha a questão do Trevan, ela jamais faria algo para prejudicá-lo.

            -- Sim, eu sei, mesmo assim sinto uma resistência da jovem em aceitar o casamento com o Miguel. – Dizia o senador. – Pensei que ela era perdidamente apaixonada pelo rapaz.

            -- Também pensei que seria mais fácil convencê-la. – Otávio dizia. – Mas percebo que não parece muito interessada, desconversa e enrola para não decidir.

            -- Bem, talvez agora não precise mais que ela faça isso... – Lorena dizia pensativa. – Vamos esperar os resultados, talvez, possamos dispensar o matrimônio...

            -- Sim, mesmo assim, precisamos pensar com cuidado os passos que daremos, nada pode ser ligado no nosso plano.

            A conversa continuou por algumas horas e depois cada um seguira seus caminhos.

 

 

 

            Naquele dia, Branca participara de várias reuniões, mas pouco conseguira se concentrar, pois estava preocupada com o que ficara sabendo pela baronesa. O fato de Gabriele ter algum tipo de parentesco com Trevan e Lorena poderia demonstrar que a garota podia ser uma possível inimiga.

            Sentou-se pesadamente na cadeira.

            Estava em sua sala no escritório. Não iria embora ainda, precisava terminar de enviar os documentos para Ana Valéria.

            Pegou o telefone para ligar para a mansão, mas acabou não fazendo.

            Preferia conversar pessoalmente com a Bamberg, queria olhar em seus olhos para ter a certeza de que não mentiria.

            Suspirou.

            O barão tinha escondido muito bem toda aquela história. Ele sabia que Trevan era irmão de Lorena, sabia o que eles tinham feito, mesmo assim não falara uma única palavra sobre aquela terrível história.

            Ouviu o telefone pessoal tocar e imaginou se seria a baronesa, afinal, o avião já devia estar aterrissado no país.

            Viu o número, mas não o reconheceu, mesmo assim atendeu.

            -- Alô!

            -- Senhora Branca Wasten? – Uma voz feminina questionou.

            -- Sim, eu mesma...

            -- Estamos entrando em contato para que compareça a nossa central de aviação...

            -- Mas o que houve? – Perguntou levantando-se. – Aconteceu algo?

            -- Preferimos que venha até aqui...

            -- Olhe, fale logo o que se passa, pois já estou ficando preocupada, adiante o assunto e logo estarei indo até aí...

            Um silêncio fez-se no outro lado da linha, mas logo a voz de outra pessoa era ouvida, um homem agora.

            -- O avião que a senhora Ana Valéria Del La Cruz sumiu do radar há mais de uma hora e não sabemos o que pode ter acontecido...

 

 

            Quase dois anos tinham passado do acidente de avião que vitimara a baronesa Ana Valéria Del La Cruz. Mesmo que os corpos nunca tenham sido encontrados, os passageiros e tripulantes da aeronave foram dados por mortos.

            Umas das maiores surpresas fora quando Rogério tivera que contar a todos que Gabriele tinha se casado com a ruiva, sendo assim, como não havia testamento, ela era a única herdeira de todos os bens. A moça nada falara no momento, nem abrira a boca para dar nenhum tipo de explicação, nem mesmo quando pressionada pelo namorado e pela família. Sofrera tanto com tudo o que tinha acontecido que pensara que morreria de tanta tristeza, tendo apenas suas forças na pequena Luna, fora assim que conseguira se reerguer.

 

 

            Já era tarde naquela sexta-feira. Gabriele ainda estava em seu restaurante. Havia muitos clientes.

            Tinha terminado a comida e agora estava em seu escritório, sentada em sua cadeira de couro. Sabia que tinha que voltar para casa, mas não deseja fazê-lo, mesmo que Luna estivesse lá a lhe esperar.

            Há algum tempo tinha ligado para a mansão avisando que demoraria um pouco mais naquela noite.

            Girava na cadeira lentamente. Mantinha os olhos fechados, tendo seus pensamentos invadidos por imagens pretéritas.

            Ainda sentia o desespero de quando ficara sabendo sobre a tragédia que tinha ceifado a vida da esposa do barão Bernard. Aquele dia fora um pesadelo. Branca estivera na mansão de madrugada avisando que teria que seguir até o local onde o avião devia ter pousado. Nada tinha sido dito claramente, nem mesmo imaginara que a aeronave tinha caído, pensara de início que fora apenas um problema que seria solucionado rapidamente. Após longas horas de espera, Rogério estivera lá e fora ele quem tinha dado a fatídica notícia.

            Ao ouvir tudo, ficara apenas quieta, calada, enquanto seu pranto se manifestava. Não conseguia acreditar que não iria mais ver Ana Valéria, que ela simplesmente tinha deixado de existir em frações de segundos.

            Abriu a gaveta e de lá retirou um quadro. A imagem era da ruiva com Luna nos braços. Branca quem fora responsável por tirar aquela foto quando estavam na festa da fazenda.

            Passou os dedos pela moldura como se pudesse tocar a pele da mulher. Ali seu sorriso não era debochado, era doce e gentil...

            Fechou os olhos e era como se estive vendo o olhar arrogante e provocador da Del La Cruz.

            Uma solitária lágrima molhou sua face.

            Aquele era o lugar que ficava para poder deixar sua dor sangrar, pois diante dos outros sempre precisava fingir que tudo estava bem, que não havia nada a importunar.

            Como viúva da baronesa, tivera que assumir seus negócios, suas responsabilidades, sem falar que conseguira ficar com a guarda de Luna, essa era a única parte que parecia ter lhe feito bem em tudo que herdara.

            Soltou um longo e sofrido suspiro.

            Ouviu batidas na porta.

            – Entre!

            Uma jovem loira, baixa e com um sorriso gentil apareceu. Hellen fora a amiga que encontrara no curso de gastronomia e juntas abriram aquele restaurante. Gostava muito da moça, tornara-se um grande apoio naquele tempo de dor. Tiveram também o apoio de Pierre que vez e outra aparecia ali para orientá-las e ajudá-las em seus estudos.

            – Não deveria voltar para casa? – Indagou sentando-se. – Está tarde...

            – Irei, estava apenas deixando tudo em ordem antes de seguir.

            A moça a olhava de forma desconfiada, sabia que ela tinha chorado, porém não comentou nada, decidindo abordar outro tema.

            – No sábado vai ser a despedida de solteiro da Bela, vamos montar tudo aqui, que tal participar?

             Todos sabiam que Gabi era sempre muito fechada, não costumava sair a não ser para o trabalho, sempre estava com a Luna nas horas livres.

            Levantou-se.

            – Não garanto nada, não faz muito meu estilo, mas cuidarei para que tudo seja um sucesso. – Pegou as chaves do carro. – Nos encontramos amanhã.



           Depois da reunião da diretoria, Branca trancou-se com a Bamberg no escritório. Era possível ver a expressão furiosa da Wasten.

             – Se a Ana Valéria estivesse aqui seria capaz de te matar por ter permitido esse empréstimo a Antônio.

             A jovem estava sentada na cadeira, olhava a tela do computador e mexia numa tecla impacientemente. Sabia que a baronesa não aceitaria, porém tudo o que fazia era para tentar manter a paz, pois não desejava mais guerras naquela história.

               – Mas ela não está! – Disse irritada. – Não entende que essa raiva toda que a baronesa carregava consigo não vai nos fazer bem…eu consegui ter a senhora Clarice na minha casa porque me uni ao inimigo, consegui a guarda da Luna por ter cedido muita coisa e não me arrependo disso.

              Branca apoiou as mãos sobre a mesa, encarando-a.

             – Esse homem destruiu a vida da Ana, não só ele, mas seus parentes, Trevan e a desgraçada da Lorena, e você vem falar em fazer união?

            A neta de Bernard também sentia raiva de tudo o que tinha acontecido. Não podia negar que nem mesmo gostava de encontrar com a irmã do fotógrafo, mesmo assim não podia se permitir viver com todo aquele sentimento negativo.

          – Lorena era apenas uma adolescente, várias vezes deixara claro que tinha se arrependido do que fez…– Levantou-se. – Eu entendo a sua revolta, mas, Branca, o que isso vai nos trazer de bom? – Respirou fundo. – Não quero que a Luna viva no meio dessa guerra, não desejo que passe a vida rodeada de tanta maldade. – Passou a mão nos cabelos. – Por que não podemos esquecer tudo e vivermos em paz?

             – Claro e para isso você precisa pagar a Antônio não é? – Desafiou-a. – Se a Ana Valéria estivesse viva, sabe bem que você seria mais uma a ser destruída por ela.

              – E ela não o fez suficiente? – Esbravejou furiosa. – Ou acha que não? Você sabe que ela esteve comigo naquela noite... Sabe que me obrigou a aceitar um casamento? – Respirou fundo. – Usou-me como se eu fosse uma qualquer, depois saiu desfilando com a amante sem nem mesmo lembrar que eu existia. – Limpou uma lágrima. – Não me venha dizer que ela me destruiria, porque isso ela já fez.

             – Sabe que não foi bem assim que tudo aconteceu...Ela não tinha muitas escolhas – Sentou-se. – Gabriele, eu te entendo, porém isso não te dá o direito de agir dessa forma. Antônio fez tudo o que podia para destruir a filha e você se une a ele… – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Mesmo que todos digam que a Ana está morta, eu não acredito, nunca encontraram o corpo, diferente do piloto, mas e o dela? Onde está?

              – A própria equipe de busca disse que não tinha mais o que fazer, era uma mata fechada, nem mesmo puderam ir além… – Acomodou-se também. – Aceite o que houve, é melhor para você.

          A Wasten encarou-a.

          – Eu irei até lá, contratei alguns especialistas, farei isso o mais rápido possível.

             A Bamberg não disse nada, ficando apenas em silêncio, enquanto via a administradora deixar a sala.

          Umedeceu o lábio superior demoradamente, parecia ponderar sobre o que tinha ouvido.

              Seria possível que Ana Valéria estivesse viva? Mas se isso fosse verdade, por que não retornara?

                Ainda sentia a dor que sentira no dia que fora avisada sobre o desaparecimento da aeronave. De como sua raiva perdera o sentido, dando espaço ao desespero. Quantas vezes chorara durante aqueles quase dois anos, como não conseguira retirar da cabeça a cena da sua entrega à baronesa.

             Ouviu o som do telefone interno e ao atender a secretária avisou sobre a presença de Lorena.

            Pensou em não a atender, mas acabou permitindo a entrada.

             A loira entrou sorridente com um dos seus vestidos provocantes, acomodando-se na cadeira.

              – Fiquei muito feliz por ter permitido o empréstimo ao Antônio. – Disse sorridente. – Queria que soubesse que estamos nos divorciando e não vai demorar para nos casarmos.

             – Vai se casar com o Del La Cruz? – Indagou surpresa. – Pelo visto essa família tem algo que te agrada muito...

            A mais velha fez-se de desentendida.

             – Claro, estamos juntos, estamos apaixonados…

              A Bamberg abriu a caixa de correio eletrônico. Checava alguns e-mails. Viu o convite para a despedida de solteiro de Bela e achou engraçado que fora mandado formalmente para seu endereço.

                – E veio aqui só para isso? 

                – Não! – Cruzou as pernas. – Quero me dê um cargo aqui, sabe que sou muito boa na área administrativa, por isso vim te pedir.

            – Aqui? – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Sabe bem que seria fora da ordem algo assim, ainda mais pelo fato de que havia todo o problema com a baronesa.

            – A baronesa está morta, querida, então tudo ficou para ti, você é a única herdeira do seu avô agora, então pode fazer o que quiser...Afinal, você é a viúva... – Disse a última frase com tom malicioso. – Às vezes fico pensando nesse seu casamento e acho estranho que nada tenha acontecido entre vocês...

            Gabriele via a provocação no olhar da outra.

            -- Acho que você parece muito interessada... – Falou com desdém. – Mas não é da sua conta...

            A loira exibiu um sorriso.

            -- A Paloma andou comentando que em uma festa que aconteceu na fazenda a Ana Valéria sumiu durante uma noite...ela insinuou que vocês estavam juntas... – Esboçou um sorriso. – Acho que o Miguel não gostaria de saber disso...

            A Bamberg ficou em silêncio. Em todas as ocasiões que tinha encontrado com a modelo sentira sua raiva, mas nada comentara.

            -- Então, me arrume um emprego aqui, quero fazer parte da sua empresa...você não vai se arrepender.

             – Preciso falar com a Branca primeiro…– Disse depois de alguns segundos.

            – Eu não sei o motivo de ainda manter essa mulher administrando os negócios, sabe que eu poderia fazer isso muito bem.

              – Independente da sua competência, manterei a Wasten cuidando de tudo e não aceito intromissão quanto a isso.

             Lorena não parece ter gostado da forma que a outra falara, mas apenas fez um gesto de assentimento.

             – E quanto ao Miguel? Já repensou marcar esse casamento o mais breve possível?

              A relação com o advogado continuava, mesmo depois do ocorrido com a Ana Valéria, porém relutava em ir mais fundo, nem mesmo conseguira ter relações com o noivo.

               – Outro ponto que é apenas problema meu e dele. – Levantou-se. – Preciso ir, tenho que buscar a Luna na escola.

                A loira não disse nada, apenas acompanhando a jovem para fora da sala.

 

             A escola era bem organizada. Havia carros estacionados, esperando os filhos. 

           Gabriele estacionou o veículo e seguiu pela calçada para busca a menina. Fora em Luna que depositara todo seu amor e sua atenção. Sobrevivera a tudo aquilo graças a pequena ruiva de olhos verdes.

             Viu-a aproximar-se de mãos dadas com a professora. Estava com quase três anos. Era muito doce, gentil e inteligente. Raramente fazia birra e estava sempre querendo brincar ou ouvir alguém contar histórias.

            – Mamãe…

            A voz infantil gritou em euforia.

            A jovem agachou para receber o abraço forte de pequenina.

            Sua vida só tinha sentido devido àquele pequeno anjo ruivo. Observou os cabelos presos em “marinha chiquinhas”. Clarice sempre fazia aquilo quando a arrumava para a escola.

             – E como essa princesa se comportou hoje?

            – Muito bem, até aprendeu a fazer o nome sem olhar.

              – Que menina inteligente. – Beijou-lhe a face. – Isso merece um prêmio…

              – “O te”, mamãe?

              A Bamberg a colocou nos braços.

             – Vamos ao cinema ver o filme que você tanto queria…só precisamos pegar a vovó em casa e vamos rapidinho.

              Luna bateu palminha em felicidade.

             Clarice vivia na mansão junto com elas. A neta da barão fez isso logo depois do acidente que vitimou a Del La Cruz. Tivera que ceder muito a Antônio, mas não estava arrependida, ainda mais pelo fato de ter a boa mulher ao seu lado. 

            Despediram-se da professora e já seguiam para o carro. 

             Colocou a filha da cadeirinha e ocupou o lugar do motorista.

             – Vamos buscar a vovó e depois partimos para o cinema.

                 – “ Pitota”!

                – Primeiro almoçamos e depois a sua “Pitota”. – Disse rindo. – Vamos passar um dia maravilhoso.


 

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