A antagonista - Capítulo 8


                          O escritório do advogado que representava os interesses da Bamberg ficava no último andar de um prédio comercial bastante exclusivo. As paredes reluziam em seu azul metálico. O último andar era reservado para o defensor mais prestigiado da cidade. Ele trabalhara durante anos com o barão e também fora o noivo traído da Paloma. Tinha um desagrado crescente pela baronesa e não poupava ações para conseguir lhe frustrar todos os planos.

            Sua raiva pela ruiva não era algo recente. Desde que Bernard casara com a Del La Cruz começara a tentar frustrar suas ações e não faltaram ocasiões para se enfrentarem.

                Tirou o terno caro, acomodando-se na cadeira de couro.

                O telefone interno tocou:

               – Pode mandar que entrem! – A voz firme respondeu.

                 Ele já esperava a visita, tinha sido avisado por Antônio sobre a importância desse próximo passo. Unia-se com os maiores inimigos de Ana Valéria e não bombearia antes de tirar todas as chances da baronesa de conseguir as ações.

               Uma bela loira, alta e com olhos claros entrou no recinto. Tinha ao seu lado o já conhecido Trevan.

               Fez um gesto para que ambos acomodassem.

            Sabia da existência de ambos, ainda mais pelo fato de Bernard ter mencionado em muito momentos o caso que a esposa tinha tido com a empregada do pai.

                 – Imagino que seja a senhora Lorena… -- Disse com um sorriso. – Já ouvi falar muito sobre a senhora, mas nunca tive o prazer dos nossos caminhos se cruzarem.

                – Sim, sou ela mesma… – Cruzou as pernas. – Falei com o senhor pelo telefone algumas vezes e hoje viemos falar sobre a Gabriele.

              – Antônio me adiantou… há um rapaz na história…então era por essa razão que a mocinha não queria de forma alguma ser freira… -- Arrumou a gravata. – Interessante, acho que ninguém imaginaria um romance.

              – A minha filha nunca agiu de forma inadequada, o barão quem a obrigou a ficar em um lugar como aquele mesmo sabendo que ela não tinha vocação. – Trevan defendeu a jovem. – E se estou aqui para falar sobre a relação que ela teve com Miguel é porque sei que ela gostaria de reencontrar o sobrinho da madre.

              – Eu já falei com ele. – Lorena intrometeu-se ao ver o irmão alterado.  – Ele já está sabendo de tudo, deixei-o ciente da situação da neta do barão…o que precisamos é que o senhor o leve até a mansão...Contei também dos perigos que a Gabi corre estando no mesmo lugar que esposa do avô.

            Otávio tamborilava os dedos sobre a mesa.

                – E imagino que como Antônio falou, se ele se sair bem, a garota terá uma bela noite de paixão com o futuro marido e para o senador retornará as ações que tanto teme que chegue nas mãos de Ana Valéria.

               Trevan não pareceu gostar da forma que o advogado falara, mas diante do olhar irado da irmã, permaneceu em silêncio.

              – Se a garota perder a virgindade ela perderá as ações que retornarão para as mãos do seu real dono, mas apenas se ele tiver dinheiro para compra-las… – Esboçou um sorriso, enquanto examinava uma caneta de ouro que tinha nas mãos. – E o que vocês vão ganhar com tudo isso? – Questionou curioso.

                – Minha filha ficará livre da Del La Cruz, pois eu sei como aquela mulher deve estar sendo cruel com a minha menina.

                 Otávio fez um gesto afirmativo com a cabeça e depois encarou a bela loira que lhe olhava.

              – E a senhora? Qual é o seu ganho com tudo isso?

                Lorena apenas deu de ombros. Não poderia confessar ao advogado seu maior temor: Que Ana conseguisse chegar até ela. Durante os anos que a jovem permanecera trancada no manicômio tudo parecera tranquilo, porém desde que deixara o lugar a situação tornara-se quase insustentável. Era graças ao poder de Antônio que ainda não tinha sofrido a fúria da ex-namorada, por isso lutava para que ele não perdesse o controle das ações, se isso ocorresse, estaria perdida.

               – Apenas saiba que todos sairemos ganhando com a destruição de Ana Valéria. – Disse por fim.

 

 

 

            Lia ficara na cama durante dois dias. Tinha contraído um resfriado, mas os cuidados que a médica tivera já se mostrava recuperada. A baronesa deixara claro que a cozinheira podia ficar o tempo que precisasse para se recuperar. Gabriele sempre ia até lá na amiga e parecia surpresa ao saber que Ana Valéria tinha ido até lá.

            -- Ela não é tão ruim, filha. – A mais velha dizia.

            Ela estava sentada sobre a cama e tomava uma sopa.

            -- Sei que se comporta assim, porém não a acho injusta comigo. – Fitou-a. – Agora contigo acho ela terrível. Não entendo o motivo. – Observou-lhe as roupas sujas do trabalho. – Imagino que nem esteja se alimentando direito já que não estou na cozinha para guardar algo para ti.

            A verdade era que Tereza tinha proibido que comesse fora do horário e até mesmo estava trancando o lugar para que não se alimentasse, mas não iria arrumar problemas com isso.

            -- Está mais magra, filha, fale com a dona Branca, sei que ela vai poder fazer algo para te ajudar. – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Você não recebe salário, nem pode comer, isso é uma maldade.

            -- Não se preocupe com isso, apenas descanse e se recupere logo. – Beijou-lhe a face. – Luna está morrendo de saudades.

            A moça saiu, enquanto Lia ponderava sobre como deveria agir diante das injustiças.

           

 

 

                  Já passava das nove da noite. Gabi não tinha tido tempo de descer para jantar na cozinha e sabia que Tereza tinha proibido que comesse fora do horário, claro, tivera a anuência da patroa.

                A jovem estava encostada à porta. Ponderava se seria uma boa ideia arrumar briga só porque estava faminta. Fitou a cama e viu Luna deitada. Dormia tranquilamente. Teria que colocá-la no berço, pois já tinha recebido bronca da governanta só pelo fato da menina dormir consigo.

              Suspirou alto.

             Naquele lugar sempre havia razões para que lhe brigassem, principalmente a tal empregada que achava que era a senhora daquela casa. Lia tinha confidenciado que a tal mulher era apaixonada pela baronesa. Isso não lhe surpreendia. Já flagrara várias vezes o olhar faminto dela sobre a esposa do avô. A cozinheira também lhe falara sobre o caso da baronesa com a modelo que estivera lá mais cedo.

           Meneou a cabeça.

           Achava errado esse tipo de relação. No convento sempre diziam que a mulher tinha sido criada para unir-se ao homem e não a outra igual. Sabia que havia esse tipo de relação, não vivia isolada da realidade do mundo. Até mesmo lá onde morava tinha uma noviça que fora pega aos beijos com outra e isso tinha sido um escândalo que logo fora abafado pelo poder da família da jovem.

              Mordiscou a lateral do lábio inferior.

              Também passara por uma situação daquelas e sabia que fora devido a isso que o avô lhe colocara aquelas condições para deixar o convento.

              Olhou para os próprios pés descalços.

              Tinha tomado banho ainda pouco e ainda usava o roupão atoalhada preto.

              Decidida, abriu a porta para ir até a cozinha, iria ver se encontrava algo para comer.

                Devagar seguia pelo corredor. As luzes tinham sensores de movimento e por onde passava tudo ia se iluminando. Chegando ao final, viu um grande cachorro a lhe encarar.

              De quem era aquele animal?

               De repente recordou-se de Lia ter falado que a baronesa tinha uma cadela que vivia em uma fazenda. Mas se vivia lá o que estava fazendo ali?

                Estava parada, enquanto o bicho rosnava baixo a lhe ameaçar. Sabia que não podia mover-se, mas já estava ficando assustada com um possível ataque.

              Pensou em gritar por ajuda, porém não queria despertar a ira da baronesa.

                A cadela começou a aproximar-se perigosamente, então latiu e já avançava contra a jovem quando uma voz baixa e firme a parou:

               – Já chega, Pandora!

              A Bamberg tinha fechado os olhos de medo prevendo o ataque em sua carne, mas abriu ao ouvir o som.

               Sentia o corpo tremer, tanto que precisou encostar-se à parede para não cair. Observou a Del La Cruz. Ela sempre parecia uma deusa vingativa com aquele olhar desdenhoso e de superioridade.

              Observou a cadela aproximar-se da dona com ar de arrependimento, parecia assustada também naquele momento. Fitou os olhos azuis penetrantes. Desviou o olhar, não desejava encará-la, então baixou a vista e a minúscula camisola vermelha que ela  usava chamou a atenção. As pernas eram bonitas, havia músculos, mas nada exagerado, delicado até…o decote era generoso…

                 Não podia negar que a esposa do avô era uma das mulheres mais bonitas que tinha visto em toda sua vida. Entendia o desespero da tal modelo por tê-la ao seu lado.

              – O que estava fazendo aqui?

            A voz inquisitiva questionou.

           – Estava apenas indo até a cozinha, nada mais que isso…

            – O que ia fazer lá? Sabe muito bem que está proibida de ir até lá para comer fora das refeições. – Debochou.

              – Ah, por favor, eu nem tive tempo de comer, tive que cuidar da Luna e depois sua governanta praticamente me obrigou a limpar todos os banheiros da mansão… – Disse chateada, enquanto mexia nervosamente nos cabelos. – Eu não tive tempo, senhora, então…

               Ana aproximou-se lentamente, mas Pandora permanecia quieta no mesmo lugar. Ao chegar bem próximo, olhou-a com atenção, focando seus olhos nos lábios, parecia interessada na cicatriz que ali estava. O corte que deixava a boca diferente de outras…

                – Estou com fome… – Gabi falou de supetão, nervosa.

                 – O que houve no seu lábio superior? – Indagou interessada. – É tão diferente.

               A neta do barão encolheu-se quando o polegar da Del La Cruz começou a passar pela cicatriz.

               Tentava respirar devagar, pois tinha a impressão que o ar não conseguia achar o caminho dos pulmões. Sentia-se perturbada com a forma da esposa do avô agir. Era sempre tão arisca, irritante, arrogante e agora parecia destituída das suas marcas. Observou-a melhor, viu os dentes alvos.

            Respirou fundo e sentiu o cheiro do perfume e da bebida que ela deveria ter ingerido. Ambos os aromas eram agradáveis.

              – O que te feriu dessa forma…tenho a impressão que uma lâmina passou por sua pele delicada…será que outros quiseram cortar sua língua ferina e erraram o corte...

              A Bamberg acompanhava o movimento do dedo.

               Fitou os olhos que pareciam estrelas brilhando naquele momento, eram tão brilhantes, misteriosos e em alguns momentos pareciam um verdadeiro iceberg.

                  – Eu fui sal…salvar… – gaguejou – salvar um gatinho e subi em uma árvore…e…quando pisei no galho, ele quebrou e caí…havia arames farpados e cortou meu lábio…

              Um sorriso desenhou-se na face misteriosa da baronesa. Era algo que geralmente ela não o fazia e quando fazia estava sempre com aquele ar irônico.

                 – É só uma garotinha tola e assustada. – Afastou-se. – Venha, Pandora.

               A cadela parecia feliz por ter sido chamada, apoiou-se nas patas traseiras e quase ficou do tamanho da sua dona. Ana acariciou sua cabeça em um cafuné.

               Gabi observava a cena, parecia encantada com a figura mulher/animal. Havia um carinho entre ambas, fazendo com que o bicho que parecia tão feroz se mostrasse dócil e esse pensamento não era só sobre a Pandora.

           – Vá, freirinha, vá comer…

           A jovem olhou-a mais uma vez e passou rapidamente em direção à cozinha.

 

 

 

              Era domingo, mas não parecia fazer muita diferença na mansão. Tudo ocorria do mesmo jeito, apenas alguns empregados tiravam o dia de folga. Lia tinha trocado a sua para permanecer naquele dia ali.

                Branca estava lá, tomava o desjejum na cozinha, parecia preocupada. Tinha chegado ali de madrugada, pois Ana tinha tido uma das duas costumeiras crises. Sentia-se preocupada com essa situação, ainda mais quando as crises eram mais fortes.

              Bebericava um pouco de café quando Gabi entrou no espaço com Luna nos braços.

            – Bom dia! – Cumprimentou a neta do barão com um sorriso. – Como essa menina está ficando mais linda a cada dia.

              A Bamberg parecia surpresa com a presença da mulher tão cedo, mas apenas esboçou um sorriso.

              – Sim, é verdade, cada dia mais ruivinha e sapeca.

              A criança brincava com uma mecha de cabelo da babá, enquanto falava em linguagem particular.

                  Lia colocou uma bandeja sobre a mesa.

              – Coma, querida, fiz tudo para vocês.

               A jovem colocou a bebê sobre o cadeirão, depois colocou um prato de plástico com algumas bolachas e uma mamadeira pequena com suco. Luna parecia interessada em beber sua bebida preferida, enquanto usava as mãozinhas gorduchas para esmagar a fatia de bolo.

             Lia beijou a cabecinha da criança, esboçando seu grande carinho pela menina.

                 Gabi acomodou-se para comer.

                   – Falei com o médico e esta semana terão que levar a criança para tomar algumas vacinas.

               A garota apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                 – Ana Valéria quem deverá ir contigo, preciso que ela tente mostrar mais afinidade com a ideia de ser mãe da Luna.

                – Mãe? – Indagou curiosa. – Não sei se ela consegue desempenhar esse papel, já que não consegue nem mesmo ser uma tia.

               A administradora não parecia ter gostado muito do comentário, ficou em silêncio por alguns segundos, sabia como a baronesa agia de forma cruel, mas também sabia tudo pelo que tinha passado.

               – Entendo sua opinião e sei que não está sendo fácil sua vida aqui junto com a Ana, mas… – Fitou a xícara de porcelana que tinha entre os dedos. – Ela não está bem, teve uma crise e precisou ser sedada para conseguir dormir.

             A expressão da ex-noviça mudou bruscamente. Agora era possível ver pesar, preocupação…

              – O que houve?

              – Ana passou por muita coisa, minha jovem, e isso lhe deixou muitas cicatrizes, marcas que parecem não desaparecer…Talvez um dia, você saiba a história…

             A ex-noviça mordiscou o lábio inferior e fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              – Se precisar que eu faça algo…

              Antes que Branca respondesse, uma das empregadas da casa entrou na cozinha.

            – Perdão por incomodar, porém o senhor Otávio está aqui.

              A administradora parecia surpresa com a visita. Nada tinha sido comunicado a si, o que seria correto.

                – Deseja ver a senhorita Bamberg…

               Gabi não esperava pelo advogado, mas imaginou se era sobre Trevan, então se levantou:

            – Lia, por favor, cuide da Luna, volto logo.

               Branca ponderava sobre a visita. Não havia nada para ser dito sobre o testamento, exceto se ainda havia mais coisas escusas.

         Sabia que o advogado odiava Ana e ele não pouparia esforços para destruir sua inimiga. Precisava ficar alerta para que nada acontecesse que prejudicasse os planos da baronesa.

 

 

               A Bamberg chegou ao hall e seus pés pareceram ficar presos no carpete ao ver o rapaz que a observava.

               Miguel era um homem alto, loiro e os cabelos finos exibiam um corte moderno que o deixava ainda mais charmoso com seu corpo atlético.

            Conheceu-o em uma visita que ele fizera a tia. Não sabia o que sentia, na verdade nem sabia explicar o arrepio que tinha sempre que o via até o dia que sentira os lábios másculos tomarem os seus. Desde essa ocasião, tivera certeza de que estava enamorada dele e até mesmo tentara fugir do convento ao lado do amado, mas o barão descobrira tudo e ameaçara jogar Trevan na prisão, assim, tomara a difícil decisão de terminar tudo.

               – Meu anjo…

               A voz doce e gentil do jovem a trouxe para a realidade e logo já tinha os braços masculinos a lhe abraçar.

              A garota retribuiu o gesto, enquanto suas lágrimas corriam livremente. Nem acreditava que ele estava ali.

                – Minha linda menina… – Ele falou com voz embargada, segurando o rosto delicado entre as mãos. – Está ainda mais linda…

             A moça nem teve tempo de dizer nada e seus lábios foram beijados da forma mais delicada que poderia existir.

              Ela fechou os olhos e pouco durou o momento de interlúdio, pois Miguel a observava com puro encantamento.

             Otávio observava a cena e percebia que os planos de Antônio não tardariam a se concretizar.

              – Pensei que…que tinha partido para sempre…sua tia me disse…

              – Seu avô foi muito bom em me manter afastado…eu não sabia que ele tinha morrido. – Entregou-lhe uma sacola de papelão de uma marca conhecida.

               – Trouxe algo para ti, sei que gostas…

              Ela viu chocolates, abriu um sorriso, pois ele sempre lhe presenteava assim.

               – Também trouxe algo para ti, senhorita. – O advogado entregou-lhe uma caixinha. – Um celular e já está configurado com todos os números e os aplicativos…Imagino que aqui não te deixem nem usar um telefone ou fazer comunicação com ninguém. – Disse com desprezo.

               – Ela não é proibida de fazer isso…

               A voz de Branca chamou a atenção de todos. A expressão da defensora da baronesa parecia ainda surpresa, pois ela tinha acompanhado todo o episódio do beijo. Olhava curiosa para o rapaz.

              – Não acredito que a baronesa tenha essa atenção…duvido até que pague algo para a menina, mas não vim aqui para isso. – Otávio retrucou. – Bem, agora temos que ir, o número do Miguel também está aí, qualquer coisa entre em contato.

              Novamente o rapaz depositou um beijo rápido nos lábios da jovem e com uma promessa de retorno saiu junto com o advogado.

            A Bamberg parecia perplexa com a rapidez dos acontecimentos. Fazia quase um ano que não sabia do rapaz por quem se apaixonara tão perdidamente. Sofrera dia a dia, sabendo que se não cumprisse o que tinha sido acordado com o avô, o pai adotivo seria preso e fora por esse motivo que se sacrificara. Depois que fora para a mansão acontecera tantas coisas que não pensara em buscar saber do sobrinho da madre superiora.

              Virou-se e viu o olhar interrogativo da administradora.

               – Acho que temos que conversar… – Branca falou, enquanto apontava para o escritório.

            Gabriele fez um gesto afirmativo com a cabeça, seguindo a mulher.

             Tereza também tinha visto tudo, ficara escondida e acompanhara cada ato ocorrido.

    

 

 

                 Na mansão de Antônio tudo parecia tranquilo. O empresário estava na sala e recebia no almoço Lorena e seu esposo, seu braço direito nos negócios e na política.

                 – Então a freirinha tinha um amor. – O senador bebia um pouco de Martini, enquanto bebericava. – Então, se tudo sair bem, não vai demorar para as ações retornarem para minhas mãos. – Levantou-se. – Está fazendo um ótimo trabalho.

                  A loira cruzou as pernas, sentindo a mão possessiva do marido sobre sua coxa. O marido era um homem poderoso, mas nada atraente. Bem mais velho que a mulher, sem falar que lhe faltavam alguns atributos físicos que ela apreciava. Era alto, os cabelos ralos recebiam implantes para não ficar careca precocemente. Não parecia interessado em forma física, então ostentava um corpo comum. A única coisa que interessara a esposa fora o poder e o dinheiro, mas vivia buscando aventuras.

               – Pelo que sei, Miguel e Gabi tiveram um relacionamento bastante intenso, até fugiram do convento.

                – E como ela permaneceu virgem?

                – Bem, isso é algo que não sei explicar. – A mulher disse com um sorriso enigmático. – Mas o importante é que agora temos uma arma poderosa.

                 – Também tem a Luna, preciso tira-lo dela, não permitirei que fique com uma única ação que me pertence e depois vou tirar tudo que o barão lhe deixou… – Apertou o copo. –Vai se arrepender de ter saído daquele manicômio.

               A loira nada disse, enquanto observava o líquido da taça. Ainda não tinha sido atingida por Ana diretamente, mas sentia um arrepio só em pensar que a bela mulher lhe odiava. Não iria negar que se tivesse a chance, deitar-se-ia com a ex-namorada. Ainda ansiava por senti-la novamente e mesmo depois de tudo o que sofrido, tornara-se ainda mais linda e sensual. Talvez, ousasse  algum momento tentar seduzi-la mais uma vez.

 

 

 

              Durante todo o domingo, a baronesa permanecera dormindo, já era tarde da noite quando tinha despertado tendo ao seu lado Pandora e Branca sentada em uma cadeira, velando seu sono. Em alguns momentos as crises que Ana tinha eram tão fortes que se fazia necessário uma sedação e fora isso que tinha acontecido na madrugada do sábado. Ela ainda conseguira pedir ajuda para a Wasten antes de ser entorpecida pelo profundo delírio de estar presa nas paredes do manicômio. Imediatamente, Branca fora até lá com a médica que acompanhava seu caso e percebendo não haver nada a ser feito, decidiram sedá-la. Flávio tinha sido avisado e fora ele quem decidira com a médica sobre a sedação.

               A penumbra dominava o espaço o espaço.

                A cadela estava acomodada com a cabeça sobre o abdômen da dona.

              – Como se sente? 

              Ana não respondeu de imediato. Acariciava a cabeça do animal, olhando para o olhar que acompanhava o seu.

              – Acho que estou melhor…mas muito enjoada...

              – Então, melhor tomar um banho. – Disse levantando-se. – Vou preparar algo para que coma...o enjoo vem do medicamento que foi aplicado.

               – Não, Branca, vá embora, já ficou muito tempo aqui… Eu consigo me virar…

               – A Pandora também precisa comer, não deixou a cama ainda. – Levantou-se. – Vou preparar tudo e trarei, vá tomar banho…A Tereza não está, então se precisar vai ter que ser ajudada por mim a se despir.

              Ana fez um gesto de assentimento, enquanto via a porta fechar e permanecer sozinha. As luzes acenderam e a jovem precisou fechar os olhos diante da claridade. Aos poucos, acostumava-se com a iluminação e pôde ver os arranhões nas mãos. Abrindo-as, viu as marcas de unhas nas suas palmas. Há tempos não tinha tido uma crise tão forte como aquela, só enquanto o barão estava vivo e quando ainda tinha poder de feri-la. O braço estava dolorido, fitando-o, viu o furo do sedativo.

              Devagar, sentou-se, tudo estava girando ao seu redor, teria que esperar para depois conseguir se banhar.

                  Pandora olhava tudo com atenção, parecia pronta para ajudar a dona se ela precisasse.

                Conseguindo levantar-se, concentrou-se em tentar abrir o robe de seda, mas as mãos tremiam tanto que não conseguia fazê-lo. Ficou lá, olhando-as como se fosse estranhas a si.

              Ouviu a porta abrir-se, mas não se virou.

              – Branca, ajude… – Pediu.

              Os passos lentos e resolutos aproximaram-se, mas ao chegar a sua frente viu não se tratar da administradora, mas da neta do barão.

             Gabi tinha acabado de tomar banho quando ouviu batidas na porta, ficou surpresa em ver a Wasten, não sabia que ela ainda estava lá na mansão. A administradora pedira para que fosse até os aposentos da baronesa e lhe auxiliasse. Pensara em negar-se, mas acabara cedendo e vendo-a agora, via como parecia fragilizada.

                 Fitou os olhos claros e viu como pareciam assustados, tão distintos dos irritadiços e frios costumeiros. Os cabelos desalinhados davam uma aparência mais humana. Estava um pouco pálida, os lábios entreabertos…

               Baixou os olhos e viu as mãos machucadas.

             – O que houve? – Perguntou preocupada.

                 – Não é da sua conta! – Falou baixo. – Apenas me ajude e saia…

            Gabi suspirou, enquanto mordiscava o lábio inferior. Segurou as amarras e logo soltou-os.

                   Ana usava apenas uma pequena calcinha. Os seios redondos estavam expostos. Os mamilos eriçados, pareciam estar gélidos.

                 A pele estava arrepiada.

                 A ex-noviça baixou os olhos, vendo o abdômen liso e o minúsculo tecido que tampava seu sexo.

               – Está com frio?

              Antes que a baronesa respondesse, a ex-noviça cobriu os seios com as mãos, como se quisesse protegê-los.

                 Os olhos azuis da Del La Cruz abriram-se em surpresa e logo a jovem afastou-se, parecia que sentira um choque ao tocar a pele da outra. Sua face estava tão corada que parecia que todo o sangue tinha ficado em seu rosto. Seus próprios olhos mostravam perplexidade.

                – Pre…prec…prec…– Gaguejava sem conseguir completar a frase.

                – Saia daqui, saia logo! – Gritou furiosa.

              Pandora viu o desagrado da dona e já começava a rosnar para a visitante de forma ameaçadora. A Bamberg saiu imediatamente do quarto, deixando uma Ana Valéria atônita e estranhamente agoniada com as reações do corpo.

 

 

 

             Na manhã seguinte, a Bamberg despertara e fora banhar Luna. Como de costume, arrumou a banheira sobre a mesa. A menina adorava ficar ali e brincar com seus brinquedos.

                Não tivera um boa noite de sono. Pensara em Miguel e no seu retorno. Recebera algumas mensagens do amado e conversara durante algumas horas depois que retornara dos aposentos da baronesa. Sentiu um arrepio na nuca ao se recordar da sensação que teve ao tocar nos seios da esposa do avô. Por que tinha se sentido tão afetada com algo tão banal? Estava tocando os seios porque os tinha visto arrepiados e agiu para aquecê-los, mas algo a perturbou.

              Despertou das suas ponderações por uma jorrada de água que a garotinha lhe jogou.

 

 

 

               Ana já estava vestida. Usava calça preta justa, blusa na mesma cor com botões frontais no tecido de seda e uma jaqueta de couro vermelha.

                – Gostou da massagem? Ajudou? – Tereza questionava, enquanto admirava a beleza feminina.

               – Sim, foi ótimo! – Respondeu secamente, enquanto ajeitava a trança que caia na lateral do pescoço. Arrumou a franja que enfeitava a tez.

               – Avisou a babá para se arrumar? Não tenho tempo para perder esperando para levar ao pediatra. – Dizia aborrecida, enquanto colocava o relógio. – Pediu ao motorista para deixar o carro pronto?

                – Fiz tudo o que mandou, senhora… – Deus uma pausa, depois completou. – Agora não sei se a empregada vai se arrumar…desde que o namoradinho dela esteve aqui ontem e lhe deu um celular…

            Os olhos azuis estreitaram-se.

            – Que namoradinho? De que está falando?

             – A senhora Branca não contou? A senhora não sabia?

              – Fale logo de que se trata! – Ordenou aborrecida.

                 – Ontem de manhã o advogado veio e trouxe um rapaz muito bonito…eu fiquei perplexa quando vi a talzinha beijando os lábios do jovem…ela não era uma freira?

                A baronesa não respondeu, deixando os aposentos pisando duro em direção ao quarto da criança, entrou sem bater à porta e viu a Bamberg brincando com a garotinha que se banhava na banheira.

                 – Que história é essa de namorado?

                Gabi ficou assustada com o mau humor matutino. Viu-a lhe segurar o braço com força e tentou se livrar do toque brusco.

                – Então era por isso que o seu avô exigiu sua prova de virgindade…tinha um namoradinho dentro do convento… – Apertou-a mais. – Fique sabendo que não vou permitir.

              A ex-noviça livrou-se da mão que a prendia.

               – A senhora não pode me impedir de nada, sabe muito bem disso, também tem que seguir as regras se deseja essas malditas ações.

               Ana a segurou de novo.

              – As ações serão minhas e você vai manter essas pernas fechadas…

              A Bamberg sentiu tanta raiva diante da forma promíscua que ela falou que algo dentro do seu interior revoltou-se. Sem conseguir segurar a fúria, agindo por puro instinto, ela levantou a mão para esbofetear a esposa do avô, mas a Del La Cruz foi bem rápida, segurando-lhe o braço, conseguindo não ser atingida.

           Ambas encararam-se e era possível ver na expressão da ruiva sua raiva que agora aparecia fria.

              – Você não sabe quem sou eu, então te aconselho a nunca mais levantar sua delicada mãozinha contra mim, pois vou quebrar cada um dos seus dedos. – Empurrou-a. – Não precisa se arrumar, não vou a lugar nenhum contigo. – Olhou para a criança que olhava tudo com atenção. – A partir de agora não vai mais cuidar da Luna, então comece a cuidar dos serviços da casa.

             – E quem vai cuidar? A senhora?—Questionou furiosa. --Porque nem mesmo faz um papel de tia, como pode ser a mãe?

                Ana parecia ainda mais irritada, mas apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                – Você não cuida mais dessa menina!

              Tereza entrou no quarto com um sorriso triunfante.

                 – O carro está pronto!

                  – Não vamos sair…diga ao pediatra para vir até aqui e dar as vacinas. – Fitou Gabi. – Ligue para uma agência e peça uma babá imediatamente.

                 A baronesa deixou os aposentos, enquanto a governanta olhava para a neta do barão com uma expressão vitoriosa.

                – Acho que você vai ter que limpar apenas os banheiros…

                A mulher saiu, enquanto a Bamberg ficou lá quieta, apenas olhando para a criança que parecia tão alheia a tudo que acontecia ao seu redor.

                Pegou a toalha, tirou a pequena da banheira sob protestos, mas aconchegou a garotinha em seu peito, desejando protegê-la de tudo aquilo que acontecia.

              

              

                  Tinha acabado o horário de oração no convento. A madre se dirigia para a cozinha para inspecionar a dispensa quando uma freira veio praticamente correndo para lhe falar.

              – O que houve, irmã?

              – A senhora baronesa Del La Cruz está aqui e exige falar com a senhora… acho melhor que vá até lá.

                A chefe religiosa ficou apreensiva, pois temia que a mulher do barão lhe tirasse aquele lugar, afinal, ela era herdeira de tudo.

               Seguiu rapidamente pelos corredores, caminhando em direção ao escritório e ao entrar encontrou a viúva lá de pé com um olhar perscrutador.

                  – Boa tarde, senhora! – Cumprimentou. – O que devo a sua visita?

                Ana olhava tudo ao redor, depois falou:

             – No seu convento é comum que as noviças tenham namoradinhos?

                 – De que fala? – Questionou preocupada. – Somos uma instituição séria. —Afirmou ofendida.

                – Séria? – Questionou arqueando a sobrancelha esquerda. – A sua freirinha Gabriele Bamberg tinha um romance com o seu sobrinho debaixo do seu nariz…

                  A cor desapareceu da face da mais velha.

                  – A senhorita Bamberg não tinha feito nenhum voto…

                  – Ah, sim, então isso pode acontecer aqui dentro?

                 Uma Ana furiosa tinha ido até a empresa mais cedo e questionara Branca sobre o ocorrido e a administradora contara tudo o que sabia.

                  – Sente-se e conte-me toda essa história, madre superiora, ou agora mesmo vou acionar meus advogados e colocar a senhora e suas freiras na rua.

                   A mulher fez um gesto afirmativo com a cabeça, não podia fazer mais nada a não ser contar tudo. Conhecia bem a fama da baronesa e temia que ela cumprisse suas ameaças.

 

 

 

 

                 Luna não parava de chorar. A menina balbuciava em sua língua indecifrável, chamava pela jovem Bamberg.

               Branca tinha ido até lá, pois Lia chamara explicando o que tinha acontecido. A administradora não tinha jeito com a criança e estava quase ficando louca pelo choro incontrolável.

                 Pegou-a nos braços, enquanto a babá que fora contratada olhava tudo apreensiva.

                  A bebê chorava tanto que começou a vomitar.

             Lia estava lá e parecia também preocupada.

                   – Onde está a Gabi?

                   – Trancada no quarto… Tereza a trancou.

                    – E quem deu essa ordem?

                    A porta abriu-se.

                   – Eu quem dei a ordem, afinal, eu sou a dona de tudo aqui e posso fazer o que tiver vontade. – Fitou Lia. – E você como sempre indo fazer fofocas com a Branca.

                  A Wasten nem precisava falar para mostrar seu desagrado.

                  Luna deu uma pausa, parecia olhar para a tia e pensar se era seguro ou não continuar a chorar. Depois voltou a fazê-lo, porém dessa vez fazia baixinho, colocando o polegar na boca e deitando a cabeça no travesseiro.

                  – Essa menina não tem vontade nenhuma, tem que aceitar o que ordeno e pronto. – Fitou Lia. – Volte para a cozinha e você – apontou para a babá – faça o seu trabalho e cuide dessa pirralha mimada.

               A baronesa deixou o quarto e foi para o próprio aposento.

               Livrou-se da jaqueta e já abria a blusa quando Branca entrou.

                 – Você acha mesmo que isso é preciso?

                  – Preciso? Você não me contou sobre o caso da freirinha… – Passou a mão pelos cabelos. – Fui ao convento e a madre me contou tudo…sabia que a santinha do pau oco escondeu o namoradinho no próprio dormitório? Queria saber que virgindade foi comprovada.

               – E o que isso importa agora? Ela está aqui, ela é dona das ações, porém se você continuar agindo assim vai acabar perdendo tudo. – Impacientou-se. – Ana, a Gabi está sendo escravizada, trabalha o tempo todo, você nem lhe paga um salário e ainda vem agir desse jeito?

                  – Perdendo? – Ana desabotoava os punhos da blusa. – Não sabe que se ela se deitar com esse maldito, as ações passarão imediatamente para o meu pai? Não percebe que se permitir que esse namoro aconteça, eu perderei tudo.

                  – Ou você pode permitir que o namoro aconteça sob suas ordens e garantir que no final tudo vai acabar de forma que não perca nada…mas se continuar agir assim, vai instigar a raiva da jovem e não seria surpresa que ela fugisse com o namorado para ser feliz... Quem iria ficar aqui?

               A baronesa suspirou, enquanto seguia até a janela, observava o dia quase escurecendo. Havia uma fúria incontrolável dentro de si, ainda mais quando pensava no mancebo tocando a garota. Quando Tereza falara sobre a relação chegara a sentir uma indignação sem tamanho.

              – Deixe que a Bamberg continue cuidando da Luna, você sabe como a menina a ama…e como a própria Gabi também a ama, assim, será sua garantia de tê-la por perto.

                Ana a fitou.

               – Você está agindo como uma garota mimada…acho que a Luna tem a quem puxar…

             Antes que a baronesa respondesse, Branca deixou os aposentos.

 

 

 

               A Bamberg tentara várias vezes abrir a porta, mas suas tentativas foram todas vãs. Sabia que Luna não estava bem, Lia tinha lhe mandado mensagem e contara o que se passava lá fora.

                 Batia com os punhos contra a madeira, mas ninguém a deixava sair.

                 Olhou para o celular. Podia ligar para Otávio e contar o que estava acontecendo, porém isso só causaria mais problemas. Ouviu o bip de mensagem, era notificação de Miguel, mas não desejava falar com ele naquele momento.

                 Seguiu até a janela e começou a calcular a altura do lugar. Estava no primeiro andar, havia uma árvore perto, podia usá-la para deixar aquele lugar.

                  Respirou fundo, decidida começou a escalar.

                 Já era noite, então precisava tomar cuidado para não pisar em falso. Estava pendurado no batente e quando foi pisar no galho, ele não a sustentou e desabou em um baque seco sobre a grama.

 

  

 

                   A administradora não tinha ido embora, ainda estava na mansão. Naquele momento estava na mesa de jantar, Ana estava sentada, jantando.

              – Vai permitir que Lia leve o jantar para a menina? – Questionou aborrecida. – Se não permitir, eu mesma irei lá e levarei, não a deixarei morrer de fome como parece ser o seu plano.

               – Desde que essa garota estúpida veio para cá, a única coisa que você faz é me desafiar. – A baronesa falou levantando-se. – Não vou admitir mais isso…

               Ouviram um burburinho no hall e seguiram para lá.

                O segurança entrou com Gabi nos braços, a jovem estava desmaiada.

             – Eu estava fazendo ronda e vi quando a senhorita caiu do primeiro andar. – Ele explicou.

                – Leve-a para o quarto. – Branca ordenou. – Vou chamar o médico.

              Lia foi com o rapaz, parecia desesperada ao ver a jovem desacordada.

               – Isso tudo é sua culpa! – Branca apontou-lhe o dedo. – Deus queira que nada de ruim tenha acontecido, mas se acontecer, prepare-se para ter esse peso nas costas.

                Ana estreitou os olhos ameaçadoramente, mas não argumentou, seguindo em direção ao escritório.

 

 

 

                – Doutor, tem certeza de que ela está bem? – A administradora questionava.

               A Bamberg já tinha despertado. Não tinha se ferido seriamente, apenas machucara a mão esquerda que agora usava uma órtese para imobilizar os dedos.

                 – Tenho sim. – Falou com um sorriso. – O anjo da guarda dessa moça estava bem atento. Graças a Deus havia muitas folhas no lugar da queda e amorteceu o impacto. – Escrevia em uma folha. – Compre esses medicamentos, vai ajudar com as dores.

               – Obrigada, doutor! – A moça agradeceu.

                – Tenham um boa noite e se cuide, qualquer coisa é só me ligar.

                 Quando o médico deixou o quarto, Branca aproximou-se.

                 – Foi uma loucura tentar sair do quarto dessa forma…

               – Eu estava desesperada… sabia que a Luna precisava de mim…– Dizia em lágrimas. – Eu só queria ir até ela. – Limpou os olhos. – Essa baronesa é um demônio…

              A administradora nem sabia o que dizer, pois Ana só agia de forma a confirmar aquelas palavras.

             – Confesso que a Del La Cruz exagerou, mas o que queria? Ela ficou furiosa quando ficou sabendo do seu romance clandestino…

                – Eu nem sabia que o Miguel apareceria aqui, também fui pega de surpresa…e se não contei sobre isso foi porque não achei que era necessário… Eu juro que nunca me deitei com ele, senhora, só trocamos alguns beijos e abraços… – Tentou levantar-se, mas foi detida por Branca. – Eu quero ver a Luna.

                 – É melhor que descanse, acabou de sofrer um acidente.

               – Eu só desejo ver a Luna…por favorzinho.

                 Branca sabia que Ana não tinha permitido isso, então seria outro problema.

                 

 

               Os aposentos de Ana já estavam na penumbra, apenas a luz da cabeceira estava acesa. A baronesa tinha um livro entre as mãos, parecia concentrada em seu exemplar quando a porta abriu.

                 – Ora, está aí, parece tão relaxada…– A administradora comentava. – Não parece muito preocupada com a neta do seu marido.

                  A Del La Cruz arrumou os óculos de leitura na face.

            – Se tivesse acontecido algo com a garota tola você não entraria aqui com toda essa educação, decerto iria esbravejar até o inferno ouvir suas reclamações. – Deixou a brochura de lado. – O que você quer?

                Branca a olhava com o cenho franzido.

               – Chama a garota de tola só porque ela tentou escapar para ir até a Luna, ela estava ouvindo a menina gritando, chorando e não podia fazer nada porque você ordenou que a trancassem…Ela arriscou a vida para ir até a menina…mas para você foi apenas tolice…

                – Eu tenho duas pirralhas birrentas na mansão, apenas isso. – Levantou-se. – O que você quer? Não veio aqui apenas para narrar as aventuras do querubim sem asas. – Colocou as mãos na cintura. – Me fale logo e deixe de enrolar. – Ordenou impaciente.

                Branca suspirou.

                – Quero que deixe a Luna e a Gabi ficarem juntas…ambas estão sofrendo muito…por Deus, Ana Valéria di Pace, não é possível que não tenha sobrado nada bom dentro de você. Tente agir de forma diferente, essa moça não é sua inimiga.

                 – Deus? – Praticamente cuspiu a palavra. – Onde estava esse seu Deus quando me destruíram? Quando me jogaram em um manicômio? Quando fui violentada por um velho miserável dia após dia e como se não fosse pouco, ainda servia aos seus amigos.

              Os olhos de Ana brilhavam em lágrimas.

               A Wasten condoeu-se, tentou aproximar-se para consolá-la, porém foi detida pela mão da filha de Antônio.

                 – Vá para sua casa e deixei que aqui eu decida como tudo acontecerá.

                 Branca sabia que não poderia fazer mais nada, que a mulher parada a sua frente tinha se fechado totalmente em sua armadura. Se continuasse a insistir seria pior. Fez um gesto afirmativo com a cabeça e deixou os aposentos.

            A Del La Cruz ficou lá, apenas parada, sentindo a agonia de relembrar o passado lhe tirar do seu controle.

              O maxilar enrijecido, os olhos estreitados mostravam a fúria que estava presa em seu interior.

               Caminhou até a janela, apoiando-se com as duas mãos no batente, olhava a escuridão que se desenrolava naquela noite.

              Respirou fundo, enquanto sua mente voltava a ter o controle dos seus atos. Não podia sucumbir ou teria outra crise.

 

 

                A Bamberg viu que a porta tinha sido fechada mais uma vez.

              Estava furiosa com a arrogância de Ana Valéria. Branca tinha ido até ali e confirmado que não conseguira nada com a conversa que teve.

                Que mulher tão cruel era aquela? Não pensava nem mesmo em Luna.

                  – Deus, não permita que meu coração seja tomado pela raiva, não me deixe odiá-la. – Repetia com as mãos unidas em oração. – Porque é isso que estou sentindo, sinto ódio da maldade dessa maldita mulher...

              Fitou o pulso machucado, o que poderia fazer agora? Nem mesmo podia falar com o advogado e obrigar a baronesa a lhe devolver o trabalho de babá. Não acreditava que nenhuma pessoa pudesse obrigar a esposa do avô fazer algo.

                    Caminhou até a janela. Sabia que tinha sido um milagre não ter se machucado sério. Poderia ter acontecido algo mais grave e assim teria que ficar longe da menina por tempo indeterminado. Agira da mesma forma que fizera quando tentara salvar o gatinho preso na árvore isso custou muito da sua vida.

               – Está pensando em pular novamente? Acha que tem asas? Acredita que é um anjo é?

                 A voz arrastada, fria e baixa fez a garota voltar-se e viu a mulher mais terrível que tinha conhecido.

                 Observou a calça de moletom preta, era folgada, mas se adequava ao corpo feminino como se tivesse sido feito para ele. Prendia nas canelas. Viu que usava apenas meias brancas. Vestia uma camiseta colada ao corpo. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, usava óculos e eles a deixava com ar ainda mais sério. Observou a expressão desdenhosa no arquear da sobrancelha.

             – Não iria pular… – Foi a única coisa que disse.

              Ana observou-a. Usava um roupão atoalhado preto e o punho usava um suporte. Os cabelos soltos a deixava ainda com aparência mais juvenil. Havia algo naquela menina que a perturbava e desafiava ao extremo. Nunca em sua vida sentira tanta indignação e irritação diante de alguém como sentia por ela.

               – O que pensava quando fez essa loucura? Não me diga que pensou que estava resgatando um gatinho… – Chegou mais perto. – Pelo menos dessa vez não machucou sua boca… -- Fitou o lábio superior. – Uma pena não ter uns arames...

            Os olhos negros demonstravam sua exasperação diante das provocações.

                – O que quer, baronesa? Por que veio aqui? Quer me humilhar ainda mais ou veio apenas se vangloriar do seu poder mesquinho?

               – Ora, mas você não era uma freirinha? – Mordiscou a lateral do lábio inferior. – Ah, esqueci das suas aventuras amorosas…

               – Pelo menos não me deito com mulheres… – Deu alguns passos até ela. – O que quer? Não quero brigar, estou cansada e com dor de cabeça, então se não for pedir muito, me deixe em paz.

                Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente.

                – E acha que só porque namora um homem é melhor que eu? – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Pelo menos eu não sou freira…ou finjo ser...

               Gabriele passou a mão pelos cabelos. Não se reconhecia, não sabia o motivo de agir daquela forma, não era da sua natureza se comportar de forma tão incisiva.

            – Eu não quero brigar com a senhora, baronesa… – Disse tentando manter a calma. – Me perdoe pelo que falei, não tenho nada a ver com a sua vida ou com quem se deita…Por favor, eu só quero voltar a cuidar da Luna…

             Ana a olhava, parecia surpresa com a mudança na forma de falar, parecia mais contida.

             – Deixarei que cuide da Luna, porém com a condição de não permitir que esse seu namoradinho ouse tocar de forma íntima em você…– Segurou-lhe o braço. – Eu quero essas ações e você vai entregá-las para mim no final de tudo…Vai me vendê-las, então não faça nada que possa atrapalhar meus planos.

               A face da ex-noviça estava corada diante da forma que a outra falava.

               – Prometa, jure por seu Deus e eu deixarei que continue cuidando da Luna.

               Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                – Eu juro…

               Ana esboçou um sorriso.

              – Siga até o quarto adjacente ao meu, pedi que mudasse as coisas da menina para lá.

               Gabi não pareceu gostar da ideia. Os olhos abriram-se em espanto. A última coisa que queria era ter apenas uma porta para lhe separar da baronesa.

              – Por quê?

              – Porque quero a criança mais perto… – Olhou tudo ao redor. – Arrume suas coisas e vá para lá.

             A Bamberg apenas assentiu, enquanto via a mulher seguir para fora.

 

 

 

                No apartamento de Paloma, Ana está acomodada sobre a cama com a amante sob seu corpo.

            – Eu já paguei o que estou te devendo? – Indagou com olhar sensual.

              – Como pode ser tão boa sexualmente e não valer nada? – A modelo questionou em um gemido sofrido. – Por que veio aqui? – Questionou segurando o rosto com as mãos.

              – Porque eu não gosto de dever nada a ninguém. – Levantou-se.

                As janelas estavam abertas e um vento sacudia as cortinas de seda. A lua iluminava o ambiente e o corpo nu da baronesa que não parecia se importar em expor sua nudez.

               Olhava tudo ao redor. O bairro de classe alta tinha pouco movimento naquele horário da madrugada. Havia prédios de arquiteturas exóticas e algumas mansões. A área residencial era o endereço dos milionários que gostavam de ostentar. Tinha ido para lá depois que tinha falado com a neta do marido. Não conseguiria dormir naquela noite, então foi até a amante, pois sabia que sexualmente não seria rejeitada.

               Sentiu os lábios posarem em seu pescoço, enquanto as mãos cobriam os seios femininos, descendo pela barrida e pousando em seu sexo.

                – Eu devia ter falado para o porteiro não te deixar subir…

                – E o que você ganharia com isso? – Questionou sem se voltar. – Por que simplesmente não aproveita o que temos? Por que precisa cobrar tanto?

                  – Porque acho que só veio até mim porque sabe que tenho dez por cento das ações que você tanto deseja.

                A Del La Cruz virou-se para encarar a amante, encarando-a.

                 – Eu terei todas as ações, querida, cedo ou tarde terei…se você detém algumas, isso é ótimo, porém não vou rastejar por elas, mas irei consegui-las, isso você pode ter certeza.

               – Acha que vou te dá-las?

            -- Não sei, porém eu sei de outra coisa que você está louca para me dá.

            -- Você é uma safada...Como posso te aceitar aqui?

               Um sorriso misterioso desenhou-se nos lábios rosados, mas ela não respondeu, apenas beijou a boca de Paloma, levando-a mais uma vez ao mundo de prazeres infinitos.

 

 

 

                 Era segunda-feira, na cozinha da mansão, Lia começava a preparar o almoço. O lugar era bastante moderno. Havia equipamentos de última tecnologia. Uma mesa composta de oito cadeiras que estava posicionada no centro do grande espaço. As janelas panorâmicas davam para uma área arborizada e com gramado bem aparado. Aquela construção tinha sido feita especialmente para a esposa do barão. Ele nunca gostara de estar ali, nem mesmo ficava para dormir, pois preferia morar em uma cobertura na área mais nobre da cidade.

               Ana usava aquele lugar para fugir do marido e do seu crescente assédio.

               – A Tereza parece que está mordida, toda vez que me encontra destila seu veneno. – Gabi comentava, enquanto colocava Luna sobre a cadeirinha para almoçar. – Me fez arrumar cada uma das obras da biblioteca. – Sentou-se. – O que houve com ela?

             Lia estava descascando alguns legumes.

               – Está assim porque a senhora Ana Valéria está com a amante há dois dias.

              A Bamberg arqueou a sobrancelha.

              – Com aquela bela modelo? Hun…– Pensava. – Como podem se relacionar uma mulher com outra mulher?

                – Eu não sei, menina, e você também não deve se preocupar com isso, afinal, não é da nossa conta…cada um com seus gostos… – Parou de cortar. – Mas convenhamos, a senhora baronesa é tão bonita que já vi mulheres que nunca se deitaram com outras, babarem por ela. – Comeu um pedaço de cenoura. – Você não acha a esposa do seu avô bonita?

               Gabi não respondeu, algo a incomodava bastante na tal mulher. Não gostava nem mesmo de saber que ela estava no quarto ao lado. Vez e outra recordava-se de ter tocado nos seios redondos da Del La Cruz e ainda não conseguia entender o motivo de ter se sentido estranha com aquilo.

                    Por fim, deu de ombros.

                 A cozinheira a olhou com desconfiança.

                – E seu namorado?

                – Falou comigo ainda mais cedo, acho que ficou chateado porque eu disse que não poderia vê-lo. – Arrumou os cabelos de Luna. – Queria me levar ao cinema e para almoçar no domingo, mas não posso, quem vai ficar com essa bebê fofa? – Beijou-lhe a cabeça.

           – E como vai ser esse namoro sem o contato entre vocês? – Perguntou com as mãos na cintura. – Fale com a senhora Branca, ela pode arrumar um jeito para que consiga sair. – Observou que a jovem não usava mais o suporte na mão. – Já está bem?

              – Estou melhor, não incomoda mais tanto assim. – Pegou uma maçã. – Não posso sair porque a Luna está super abusada depois que tomou as vacinas, está chorona, não vai querer ficar com ninguém.

                  Lia descascou uma banana e deu para a bebê.

              Luna apertava a fruta, lambuzando-se.

               – Eu acho que essa pequena gosta da titia baronesa…

               – Como assim? – A Bamberg indagou perplexa. – Claro que não gosta, como poderia gostar de alguém que nem mesmo está presente em sua vida.

             – Eu não sei, mas eu percebi que no dia na piscina ela ficou louca para ficar ao lado da tia.

               Gabi mordiscou a lateral do lábio inferior, mas não respondeu nada.

             

              

                 Naquela noite, Tereza fez a neta do barão trabalhar ainda mais. Não bastara colocá-la mais uma vez para limpar a biblioteca alegando que a limpeza não tinha sido suficiente, depois a obrigou a limpar os quartos do andar superior.

             A jovem colocou Luna para dormir e quando conseguiu fazê-lo, seguiu para os aposentos da baronesa. Era o único que faltava para arrumar. As luzes estavam acesas, a cama arrumada, não parecia precisar de uma limpeza. Não tinha visto a cadela Pandora mais por ali, deveria ter ido com a dona para a casa da namorada.

               Por que se sentia incomodada com a ideia da esposa do avô ter relacionamentos lésbicos?

            Suspirou, enquanto limpava o suor da face.

             Olhava tudo ao redor, não havia fotografias, não havia nada que mostrasse de quem pertencia aquele lugar. A decoração era muito impessoal, como se não tivesse sido feita para alguém. Observou as cortinas, estavam fechadas. Havia uma porta de vidro que dava para a varanda e também outra que ligava o quarto ao de Luna.

               Ouviu passos e foi quando viu a bela mulher saindo do banheiro. Ela vestia um roupão atoalhado branco e os cabelos estavam úmidos.

               Ficou surpresa, pois não imaginou que a baronesa já tinha retornado.

               – Por isso gosto de colocar a Pandora aqui, essa é uma forma de evitar curiosos.

                – Estou aqui para limpar e não porque tenho interesse em bisbilhotar…

               Ana observava a jovem a lhe encarar de forma desafiadora. Observou a camiseta fina e branca, como de costume não havia sutiã, era possível ver a sombra dos mamilos. Fitou a calça folgada que moldava os quadris.

             Segurou-a pelo braço diante do olhar surpreso da garota, levando-a para diante do espelho.

             – O que está fazendo? – Gabi perguntou surpresa.

                – Olhe para o espelho e veja…acha que deve sair por aí sem sutiã? Olhe como seus seios marcam a blusa…Como fica andando por aí desse jeito hein? No convento não usava? – Dizia indomodada.

               A Bamberg livrou-se do braço que a prendia.

             – E a senhora parece que nunca viu peitos… – Respondeu irritada. – Estou limpando a casa, fazendo faxina, quando tiver que sair para algum lugar, prometo que usarei está bem, minha senhora?

                 – Nem parece que foi criada em um convento! – Disse exasperada. – Sabe que se o seu namoradinho a ver assim...

               A Bamberg arrumou uma mecha de cabelo rebelde, arrumando-a por trás da orelha.

              – A senhora não sabe da minha vida, nem de tudo o que passei naquele lugar, então não fale do que não sabe.

               Ana a segurou mais uma vez.

               – E você, sua garotinha estúpida, quem te deu permissão para falar comigo assim?

               Os olhos azuis encararam os negros, pareciam prontos para fulminá-la.

                – Acha que engoli essa história de namoradinho? – Empurrou contra a porta, prendendo-se contra a madeira, subjugando-a com seu corpo.

                   – A senhora está com medo que eu me entregue aos prazeres da carne como a senhora faz?

                 – E você sabe o que são prazeres carnais? – Questionou em deboche. – Sabe o que é sentir desejo?

                A face da Bamberg corou diante do que ouvia.

              – Se preocupa tanto com o fato de eu ter vivido em um convento e não usar um mísero sutiã, mas não parece se preocupar com o fato de deitar-se com uma mulher.

              Ana apertou-a mais.

              – Ah, sim, você tem preconceito sobre isso… – Riu. – Saia daqui antes que eu perca a minha paciência.

              – E a senhora tem?

              A baronesa suspirou, enquanto se afastava.

              – Saia daqui! – Ordenou por entre os dentes. – Saia!

              – Não terminei de limpar…

              Ana estreitou os olhos ameaçadoramente.

                – Não quero que volte a entrar aqui, então saia antes que eu te tire à força!

                A ex-noviça baixou a cabeça, não queria discutir, então decidiu sair dos aposentos para não continuar entrando no jogo de guerra que aquela mulher jogava naturalmente.

 

 

 

               Na manhã seguinte, houve uma reunião no escritório que administrava os negócios da baronesa. Ela, como presidente da corporação, ocupara a cadeira principal, tinha sua fiel administradora ao seu lado e também Rogério, esposo de Branca e quem cuidava da área jurídica.

                  Ana ouvia tudo, mas não parecia estar ali, parecia absorta em seus pensamentos que não pareciam ter algum tipo de limites. Estava chateada, via-se bem em sua expressão que parecia mais fechada que de costume.

              – Não acredito que tenha prestado atenção em algo que fora dito. – Branca disse ao final de tudo quando já estavam sozinhas e apenas seu marido continuava a ocupar seu lugar. – O que houve?

                A jovem mordiscou a lateral do lábio inferior, parecia ponderar, depois disse:

                – Quero que tente cancelar mais uma vez o testamento do barão, faça isso,  não suporto mais esperar para ter essas ações.

                 O homem trocou olhares com a esposa antes de falar calmamente. A voz era baixa e controlada, olhava de forma paternal para a mulher que lhe fitava em agonia. Conhecia-a bem e sabia o que a movia, porém juridicamente pouco conseguira fazer.

                – Ana di Pace, eu já tentei, você sabe disso muito bem, porém não há nada que possa fazer nesse momento…

                 A baronesa apertava a caneta que tinha na mão. Rogério a chamava assim, do mesmo jeito que a mãe gostava de lhe chamar.

              – Nunca conseguem fazer nada que peço…

            – Sabe muito bem que já tentei inúmeras vezes e continua sendo complicado…Antônio usa de provas criadas e muito bem criadas para você não…

               – Já chega! – Ana levantou-se furiosa. – Estou cansada de tudo isso… O que me adianta todo o poder que tenho se não consigo ter o que mais desejo? Aquela menina estúpida herdou as ações que deviam ser minhas.

               – E você está fazendo tudo para perdê-las, suas ações estão te deixando longe do seu propósito. – Branca afirmou firmemente. – Não percebe como és tola? Não entende que a forma que está se comportando vai te deixar sem as ações.

               Os olhos estreitaram-se em fúria. Não era segredo para ninguém que a herdeira de Antônio não aceitava ser repreendida.

               Rogério vendo os nervos aflorados, intrometeu-se.

             – Ana, a Branca só está querendo te dizer que você deve agir com mais simpatia com a Bamberg, afinal, ela pode sim não desejar te vender as ações quando o tempo encerrar. Se continuar nessa guerra, você quem vai sair perdendo. – Explicou calmamente. – Eu sei que não é da sua natureza, porém pode usar o sentimento que a Gabriele sente por Luna, pode até serem amigas…

              – Amigas?! – Praticamente cuspiu a palavra. – Acha que posso fazer isso? Não a suporto.

            – Isso é terrível para os seus planos, perceba como está agindo de forma não inteligente. – Branca a repreendia. – Você está fazendo tudo para que a garota se transforme em sua inimiga. Mude sua tática, mude seu jeito de agir e vai conseguir o que tanto almeja.

               Ana se sentou, porém não disse nada, quedou-se lá, sentia-se injustiçada e ansiosa para vingar-se de todos que estiveram em seu caminho, não se importava quem teria que ser tirado daquele jogo.

            

 

 

                Luna tentava colocar o dedão do pé na boca, enquanto Gabi se vestia. A criança não parecia interessada em dormir tão cedo já que passara a tarde dormindo. Já era tarde e não mostrava nenhum sinal de estar sonolenta.

              Na TV gigante do quarto passava uma animação que já devia ser a décima vez que era passada. A menina parecia vidrada nas imagens coloridas dos animais.

              A Bamberg suspirou, sabia que teria trabalho.

           Prendeu os cabelos e depois foi para a cama, deitou-se com a cabeça perto da bebê que imediatamente focou sua atenção nos cabelos longos da babá.

             – Tem certeza que não vai dormir? – Indagava com um sorriso. – Vou contar uma história…deve ser a quinta que vou narrar, talvez agora surta efeito.

                A sobrinha da baronesa gargalhou e uma covinha apareceu na bochecha rosada. Um dentinho já rasgava a carne.

                 – Se você dormir, eu te faço um bolo de chocolate… – Negociava, mas a menina apenas ria.

           

 

                 Na escuridão dos aposentos de Ana Valéria, ela debatia-se sobre o leito. Mais uma vez sua mente estava mergulhada em seu pretérito sofrido. Voltava a sentir a agonia de estar presa em um quarto com as luzes acesas, sem poder mexer os braços, imóvel…

               A imagem era tão forte que sentia o gosto ruim dos comprimidos sendo enfiados em sua goela, quase sufocando-a.

                Chorou baixinho, implorando para ser deixada em paz. Implorava por misericórdia, mas via o riso odioso do psiquiatra e do próprio pai.

               Ela tentava levantar, porém estava cada vez mais imersa naquele pesadelo que parecia real.

               Fechou as mãos firmemente e foi quando ouviu uma voz doce e suave:

              – Calma, baronesa…é apenas um sonho ruim…tente acordar…

                 O som a chamava, parecia acariciar suas feridas, cuidar do seu desespero. Embalou-se nos braços que a tocava, segurando-se a ela como um náufrago segurando-se a sua última esperança.

                   Os carinhos em seus cabelos eram tão reconfortantes, tão hipnotizantes…

                 Gabi tinha acabado de deitar-se para dormir depois de uma luta para conseguir fazer a Luna adormecer quando começou a ouvir gemidos no quarto da esposa do avô. Tentou ignorar, mas quando ouviu o choro descontrolado, acabou entrando nos aposentos. Ficou surpresa com a escuridão que imperava no lugar. Acendeu a luminária da cabeceira e foi quando viu a semblante transtornado. Tentou detê-la para que não se machucasse e acabou sendo arranhada nos braços.

               Depois de uma luta, conseguiu abraçá-la e agora a tinha sobre seu peito. Sentia o aroma delicioso do corpo feminino. O perfume que parecia suave e forte ao mesmo tempo.

               Aos poucos os olhos azuis abriram-se devagar, pareciam surpresos, perdidos em um mundo que não era real. Havia tantas lágrimas. A face estava rosada. A respiração estava muito acelerada, parecia que tinha corrido uma maratona.

                 Encararam-se por infinitos momentos, perdidas em seus olhares.

                – Acabou, baronesa… – Acariciou-lhe a face com o polegar. – Está tudo bem agora. Nada vai lhe machucar.

                Ana fitou os dedos delicados e foi quando viu as marcas de arranhões em sua mão. Observou-a por alguns segundos, parecia ser a primeira vez que visualizava a moça.

                – Eu te machuquei…

                – Não foi nada…

            A Del La Cruz a olhava e sentia o conforto de estar nos braços da jovem, sentia-se segura, cuidada, protegida. Observou a face tão próxima da sua, os lábios entreabertos....

                Devagar levantou-se e logo as luzes estavam acesas. Viu Gabi levantar-se, então viu o moletom que ela usava. A calça folgada moldava-se aos quadris delicados, também vestia uma camiseta branca, justa ao corpo.

                 Passou a língua pelo lábio superior, umedecendo-o, estavam secos.

               Observou os arranhões que tinha feito nos braços da jovem. Aproximou-se, tocando-a.

                – Deixe-me cuidar disso. – Pediu constrangida.

               Antes que a Bamberg pudesse responder, Ana retornou com uma maleta. Fez a garota sentar-se, retirou alguns frascos e iniciou a limpeza do machucado.

              A moça cerrou os dentes para não gemer e o ato chamou a atenção da esposa do barão.

            Olhava a forma cuidadosa e gentil que limpava os arranhões. As mãos eram delicadas, os dedos longos e finos...

                – Só arde um pouco, tá… – Consolou-a.

                  – Um pouco muito… – Disse mordiscando o lábio inferior.

                Ana olhava cada gesto com profunda atenção. Apressou o que estava fazendo, depois se afastou.

               – Acho que já está bom! – Disse com um sorriso. – Não vai ter uma infecção.

              Naquele momento percebeu que havia uma covinha também na bochecha da Del La Cruz, igual a da sobrinha. Deixa-a ainda mais linda.

                 – Então já que está bem, vou voltar para o quarto da Luna antes que ela acorde.

                – Pode ficar aqui?

              A pergunta feita de supetão pegou ambas de surpresa.

                A filha de Antônio temia se perder mais uma vez no mundo de agonia que acontecera mais cedo. Não desejava ser sedada como acontecera tantas vezes. Era apavorante quando se perdia em suas lembranças.

              – Tem…tem a Luna… – Respondeu hesitante.

                – Minha cama é grande suficiente para nós três, Freirinha…

                Gabriele sentiu um arrepio na nuca só em pensar em dividir a cama com aquela mulher, mas podia ver o temor em seu olhar, então acabou fazendo um gesto afirmativo com a cabeça.

               Foi até o quarto e não demorou para retornar com a pequena ruivinha. Deitou-a no meio de ambas, parecia precisar de uma barreira.

             Todas acomodaram-se no leito. Apenas a luz da luminária manteve-se acesa.

               – Não vai incomodar se a menina acordar de madrugada, ela sempre faz isso e está um pouco enjoada porque está nascendo um dente.

              – Um dente? – Ana virou-se de lado para fitar as duas visitantes. – Ela não está muito fofinha? – Observou a roupa de ursinho que usava.

              Gabi riu.

              – Ela é fofinha, baronesa, se olhar muito vai sentir vontade de apertar…eu mesma tenho essa vontade todos os dias.

               – Não acho que ela goste muito disso…A Pandora quando era bebê era muito fofinha também.

               – E onde está ela?

               – Deixei com Rogério, marido da Branca, tinha que levá-la ao veterinário amanhã e não terei tempo.

              – Não imagino aquela cadela enorme sendo pequenina…

              – Pois acredite, acho que tem fotos dela no celular da Wasten.

               A Bamberg bocejou.

               – Está com sono? – Ana indagou.

              – Sim…hoje o dia foi muito corrido e a Luna quase não conseguiu dormir…

              – Durma então…Já está tarde.

              – Obrigada, senhora…

 

                 

             Na manhã seguinte, quando o sol começava a reinar no céu, mesmo que ainda um pouco tímido, já trazia mais calor para todos.

              Ana despertou bem cedo, não fora mais atacada por seus antigos demônios. Acordara duas vezes durante a noite, pois foi quando a neta do barão despertara porque Luna choramingava. Observou as duas que dormiam tranquilamente. A pequena ruiva aninhava-se nos braços da jovem como se tratasse da própria mãe. Mesmo na penumbra era possível observar a serenidade no rosto da moça. Os cabelos estavam em desalinhos e caiam sobre a face. Os lábios entreabertos…

            Por que tê-la ali lhe dava uma sensação de tranquilidade?

            Usou o indicador e devagar tocou a cicatriz que tinha sobre o lábio superior.

                Assustada com as sensações que estava sentindo, seguiu em direção ao banheiro.

 

 

 

                Lia bateu à porta. Passava das nove e como Gabi ainda não tinha descido, foi até os aposentos como ordenara a baronesa.

              Ao abrir a porta, Luna estava sobre a cama da tia e a Bamberg arrumava os cabelos, percebia-se que tinha acabado de acordar.

               – A senhora mandou que trouxesse o desjejum… – A cozinheira disse com uma piscadela. – Dormiu aqui? – Indagou baixinho em um cochicho deixando a bandeja sobre a escrivaninha.

                – Sim… – A garota respondeu incomodada.

              Não sabia agora o motivo de se sentir tão preocupada com a ideia de que a empregada pudesse pensar que algo…

               Meneou a cabeça e falou rapidamente.

              – A Del La Cruz teve uma daquelas crises ontem e eu cheguei…ela parecia em desespero…então…então me pediu para ficar…mas não pense nada, por favor…

                Lia deu um sorriso.

               – Calma, menina, eu sei o que houve, a própria senhora me disse, e também eu jamais pensaria algo assim de você, não parece o tipo de mulher que interessa a baronesa, nem você se interessaria por ela. – Pegou Luna nos braços. – E como essa moleca se comportou?

              Gabi esboçou um sorriso tímido. Parecia ponderar sobre o que a cozinheira tinha dito.

              Suspirou.

              – Dormiu bem… – Olhou tudo ao redor. – Que horas são?

              – Quase dez!

              – Meu Deus! – Cobriu a boca surpresa. – A Tereza vai me matar, pois disse que devia acordar cedo e limpar a ala oeste.

            – Ela vai ficar querendo, pois a própria baronesa ordenou que ninguém acordasse ou incomodasse vocês… – Cheirou o pescoço da pequena. – Queria que tivesse visto a cara da governanta quando ouviu as ordens.

            Gabi começou a arrumar a cama, organizar tudo e viu sobre o leito uma delicada camisola, pegou-a e foi como se tivesse o cheiro da esposa do avô invadindo seus sentidos. Largou-a no mesmo lugar. Sentiu o rosto corar, então foi até a janela, abrindo as cortinas. O dia estava nublado, não demoraria a chover.

                – E a baronesa está em casa? – Questionou curiosa sem se voltar.

               – Não, acordou cedo, exercitou-se e depois saiu, não falou para onde iria, mas suspeito que vai ao encontro da amante.

              – Que bom! – Virou-se. – Assim terá alguém para cuidar nas crises.

         

             

               Naquele dia, Miguel fora até a mansão na companhia do advogado. Branca fora a responsável por convidar ambos. Parecia que estava conseguindo convencer a baronesa que aquela era a melhor forma de agir. O representante legal da neta do barão não parecia ter gostado, mas permanecera quieto, enquanto Miguel se derretia pela ex-noviça.

             Em determinado momento, os enamorados foram até o jardim, ficaram lá sozinhos, sentados na grama.

              O rapaz não perdia tempo e beijava a amada com entusiasmo.

               – Fiquei tão feliz por ter conseguido vir aqui. – Ele dizia a fitá-la. – Achei estranho o convite, por isso chamei o seu advogado para vir comigo, ele mesmo falou que não devemos confiar na baronesa.

             – Ela não está aqui! – Disse incomodada ao ouvir a menção à mulher.

             – Sim, foi o que fiquei sabendo, está viajando com a tal amante… – Segurou-lhe a mão. – Gabi, você não gostaria de sair desse lugar, de ir embora?

              Aquela ideia pareceu perturbar a jovem.

               – Eu não deixaria a Luna…ela precisa de mim.

              – Mas essa menina não é nada sua, não pode pensar primeiro nela…imagine se saísse daqui, se pudéssemos ficar juntos sempre…falei com o senhor Trevan sobre isso, sobre nosso casamento.

              A Bamberg afastou-se, levantando-se.

             – Eu não posso fazer isso, há uma cláusula que diz que tenho que me manter aqui para receber minha herança…

             – Não precisa desse dinheiro, eu posso cuidar de você. – Segurou-lhe as mãos. – Essas ações voltariam para as mãos do verdadeiro dono e eu acho que ele ficaria tão feliz que seria capaz até de te dar algo.

                – Não quero falar sobre isso agora, vou continuar com o plano original e agora que a baronesa permitiu que venha me visitar tudo será melhor.

             Foi possível ver a frustração no olhar de Miguel, mas ele não insistiu.

             – Dentro de um mês será meu aniversário, vai ter um jantar na casa dos meus pais e quero muito que vá.

               – Não sei se poderei…

               – Falarei com a senhora Branca, se a sua “vovó” permitiu que te encontre aqui, não vai negar isso. 

              – “Vovó” ? – Praticamente cuspiu a palavra. – Você não a conhece mesmo, ela jamais poderia ser a minha avó, é tão jovem quanto eu…

              – Então se casou com um homem que tinha idade para ser avô dela? Que vagabunda!

              A Bamberg cerrou os dentes.

             Não sabia o motivo de não ter gostado da forma que o namorado falara da baronesa, porém não falou nada, apenas ficou calada.

             O dia logo terminaria, então depois de horas no jardim, seguiram para o interior da residência.

     

 

 

                Trevan estava em seu pequeno apartamento. Terminava de preparar o jantar quando ouviu a campanhia.

              Caminhou até lá, abrindo a porta e viu a irmã.

              – O que houve? – Ele questionou curioso.

              A loira não respondeu nada, apenas entrou. Vestia-se com um elegante vestido preto, o tecido era colado ao corpo. Os cabelos sedosos estavam soltos, a maquiagem a deixava ainda mais bonita.

             – Falei com o Miguel, ele esteve na mansão. – Sentou-se na poltrona. – Acredita que a Branca Wasten entrou em contato com ele e o convidou até lá.

              – A baronesa deixou? – Questionou estupefato. – Como assim?

              – Ana Del La Cruz é fria e calculista, deve ter um plano…preciso que converse com a boba da Gabriele, não quero que ela fique naquela casa.

             – Miguel falou algo?

             Lorena levantou-se.

             – Que falou sobre a possibilidade de deixar a mansão, mas a boboca da sua filhinha não quer, fala direto sobre a tal menina, a Luna.

             – Ela é muito apegada à garotinha e cada vez mais isso está acontecendo.

             – Você sabia que ela caiu do primeiro andar?

             – Caiu? – Questionou preocupado. – Como assim?

             – Tenho meus informantes e foi o que houve…mas ela não disse nada ao namorado.

             – Está machucada?

             Lorena deu de ombros.

             – Isso não interessa, o que quero é que possamos acabar de uma vez com esse plano da Ana, não entende que se as ações passarem para Antônio ela não vai poder fazer mais nada.

               Trevan não parecia ter gostado do fato da irmã não se importar com a Bamberg, apenas focada em seus próprios interesses.

            – Deve ser difícil dormir sabendo que Ana Del La Cruz é a predadora que planeja cada detalhe para te destruir…

             Lorena engoliu em seco.

             – E você? Sabe muito bem que ela não vai te poupar e se ela descobrir que a jovem freirinha é na verdade sua filhinha de criação…imagina o que vai fazer com a sua garotinha? Acho até que vai esquecer de mim e centrar só nela.

             O homem temia por isso. Escondia-se de Ana Valéria, sabia que o barão não deixou nada mãos dela as provas para coloca-lo na prisão, pois se assim fosse, não estaria mais ali. Ele também estava na lista da vingança da baronesa, mas Antônio sempre os protegia e isso era o que a mantinha distante.

             – Fale com o senador, veja a possibilidade dele tirar a Luna da baronesa, se ele conseguisse e a guarda ficasse com ele, talvez a gente consiga convencer a Gabi a deixar a mansão e casar com o Miguel.

              Lorena fez um gesto afirmativo com a cabeça.

             – Preciso falar com ela, pedirei a Miguel para convidá-la para almoçar, precisamos resolver algumas coisas.

             – Se conseguir, me avise, quero ir junto.

             – Está bem! – Olhou o apartamento com desprezo. – Se tudo der certo, você também conseguira um lugar melhor para morar.

           O homem não falou nada, apenas observou a irmã deixar o pequeno apartamento.

               Sabia que Lorena não se importava com a neta do barão, tinha certeza de que ela não se importaria em deixar a jovem à mercê da baronesa, porém não permitiria, protegeria a filha de tudo e de todos.

 

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