A antagonista - Capítulo 7


                    
                                    Naquele dia aconteceria um importante coquetel oferecido a um dos investidores da Del La Cruz. Não seria nada muito pomposo, apenas uma pequena comemoração, ainda mais pelo fato dele ter acabado de casar e tinha a esposa junto consigo. Os convidados ficariam hospedados no hotel, pois como era afastado da cidade, tudo fora organizado para que não prejudicasse o transporte dos presentes.

                    Branca tinha discutido com Ana Valéria para que ele comparecesse ao evento, mesmo que fosse rápido, afinal, ela nunca estava presente nesses lugares, agindo até com descaso diante das sociedades que tinha.

                    Depois de muita saliva gasta, a empresária aceitara ir até lá.

                    Estava mergulhada em sua hidro, enquanto banhava-se e ouvia a administradora. Não parecia preocupada, apenas tentando relaxar. Os dias estavam bastante corridos, sempre tinha algumas reuniões para estar presente.

                    -- Fico feliz que aceitou, acho que deve comparecer mais a esse tipo de compromisso, pode distrair sua cabeça.

                    A jovem passava uma esponja nos ombros, lavando-se lentamente, observava a espuma branca com delicioso aroma.

                Fitava a mulher de pé à sua frente. Branca era uma espécie de guardiã que lhe tirava do sério, ainda mais quando cismava com uma ideia.

                Pensou em Paloma, gostaria de vê-la, sentia falta de estar nos braços da modelo, do seu fogo e desejo intensos. Talvez quando retornasse dessa recepção pudesse marcar um almoço ou um jantar.

                Estendeu a mão e pegou umas uvas que estava sobre a banqueta. Tereza tinha levado para si, como sempre muito atenciosa. Levou uma das frutas à boca. Comia-a devagar, pensativa.

                    -- Mande sua protegida arrumar a Luna e se arrumar, irão comigo.

                    A administradora parecia perplexa com o que estava ouvindo.

                     Sabia da péssima relação que havia entre as duas mulheres e não acreditava que aquela ideia fosse algo bom. Gabriele já provara várias vezes que não baixava a cabeça para a baronesa e isso a deixava furiosa, então por qual razão levá-la consigo? Óbvio, apenas para maltratá-la ainda mais, mostrando que era quem mandava na situação.

                   Pegou um frasco de sais de banho, lendo as composições como se aquilo fosse interessante.

                   -- Rogério e eu estaremos lá, não há razões para levá-las, ainda mais a Luna, é muito pequena para comparecer a um lugar tão agitado.

                    A ruiva lavava o colo, seu olhar era de total indiferença.

                Pensava em como a freirinha ficaria chateada por ter que ir consigo àquele evento e isso lhe deixava bastante interessada. Queria que visse como é inadequada naquele mundo de sofisticação, de como não se adequaria se resolvesse ficar com as ações.

                    -- Ela irá junto com a pirralha e não aceito nenhuma negativa quanto a isso, então acho melhor que tente arrumá-la para não parecer um espantá-lo na frente de todos.

                A administradora fez um gesto negativo com a cabeça.

                     -- A última coisa que a neta do barão parece é um espantalho e não acredito que seja cega que não consiga enxergar isso.

                     Branca deixou o banheiro, enquanto Ana pensava no que a administradora falara. Realmente a irritante neta do barão era uma moça diferente das outras que já tinha visto. Ainda se recordava de como foi perturbador vê-la quase despida.

                    Massageou as têmporas, detestava-a e não podia negar que sentia bem em feri-la, pois assim era como se estivesse a ferir o próprio marido que agora não podia mais ser atingido. Não via a hora de conseguir as ações e afastá-la da sua vida para sempre.

 

 

 

                     -- Eu não quero ir, senhora Branca, por favor, não me obrigue.

                    A voz de Gabriele soava em súplica.

                    Tinha terminado de dar banho em Luna quando a administradora chegara e lhe dissera sobre o evento que a baronesa teria que comparecer e levaria a sobrinha. A criança estava sobre a cama, estava sendo secada e parecia muito feliz brincando com o frasco de loção.

                     -- Querida, eu estarei lá junto com o meu esposo, não vou permitir que a Del La Cruz te perturbe. – Tocou-lhe o braço. – Ela vai continuar insistindo ainda mais se você se negar, então apenas aceite e não lhe dê esse prazer.

                A jovem umedeceu o lábio superior, sentindo a aspereza da cicatriz.

                Cruzou os braços sobre o colo.

                     -- Mas eu nunca estive em um evento assim, nem sei como agir ou o que vestir. – Dizia nervosa. – Já vejo mais motivos para ser alvo dos deboches...Essa mulher só faz isso para se divertir às minhas custas.

                     Branca não respondeu nada, seguindo vagarosamente até o closet. Olhava os modelos que tinha comprado. Fora muito bom ter adquiridos peças diversas, agora não teria problemas em buscar vestes para outras ocasiões.   Tinha comprado vários tipos de roupas, até mesmo alguns vestidos adequados a esses eventos.

                     Se Ana pensava que humilharia a Bamberg, estava muito enganado, pois ela se responsabilizaria por arrumar a garota.

                -- Deixe essa parte comigo, eu mesma cuidarei para que fique maravilhosa. – Deu uma piscada. – Você é linda e vai ficar ainda mais linda quando eu te arrumar.

 

 

 

 

 

                Os aposentos da baronesa era sempre muito organizado. Não havia nada fora do lugar, até mesmo no momento de arrumar-se prezava por tudo em seu lugar.

                Naquele momento, a ruiva estava diante do espelho. Maquiava-se com cuidado. O vestido escolhido para aquela noite estava sobre o leito. Tereza tinha providenciado para que estivesse pronto para ser vestido pela patroa.

                -- Precisa de mais alguma coisa, senhora? – A governanta indagava ansiosa.

                Ana não respondeu de imediato, arrumava-se com afinco. Gostava de estar com boa aparência.

                -- Como anda a babá? – Perguntou enquanto pintava os lábios. – Sabe que é responsável pela forma que ela se comporta aqui dentro e não quero que pense que algo aqui lhe pertence.

                -- Jamais que isso vai acontecer! – Negou, aproximando-se. – Dispensei até a empresa terceirizada para que ela faça todo o serviço. – Torceu a boca. – Lia é quem anda me desafiando, está sempre defendendo essa menina e isso acaba com a minha paciência.

                A ruiva levantou-se da banqueta. Usava um roupão preto, pois saíra do banho há pouco tempo.

                -- Por que não demite a cozinheira?

                A baronesa suspirou em impaciência.

                Não faria aquilo. Gostava da mulher, mesmo que não fosse típico demonstrar sentimentos, inúmeras vezes quando Bernard era vivo e buscava lhe castigar, a empregada sempre lhe ajudava.

                -- Não farei, porém depois conversarei com ela sobre suas intromissões.

                -- Se quiser posso falar. – Ofereceu-se entusiasmada. – Acho que se permitir consigo colocá-la na linha.

                A Del La Cruz a fitou durante longos segundos.

                -- Quero ver como vai se sair. – Apontou-lhe a porta. – Agora preciso me vestir. – Aproximou-se do vestido. – Tente descobrir onde está a Paloma, se está na cidade ou em alguma viagem.

                Tereza não gostou da incumbência, mesmo assim fez um gesto de assentimento. Não negaria uma ordem daquela mulher.

 

                      Já passava das seis e uma impaciente baronesa estava esperando em frente a porta. Ordenara a Lia que fosse atrás da babá, mas só Branca descia naquele momento. Já estava pronta para esbravejar quando viu a neta de Bernard aparecer com Luna nos braços.

                    Gabriele usava um vestido preto. A peça moldava ao seu corpo bonito. As alças eram finas, exibia um decote elegante, mostrando a curva dos seios redondos. Não era longo, chegava um pouco abaixo das coxas. Em seus delicados pés usava um sapato de salto baixo, em estilo social. Os cabelos estavam soltos, caindo sobre os ombros como uma cascata brilhante e encaracolada. Uma maquiagem discreta realçava os traços bonitos...

                      Seus olhos foram atraídos pela figura bonita e pelo sorriso que ela dava a filha de Antony.

                Sabia que o fato de a administradora ter decidido se arrumar na mansão era para que pudesse cuidar da aparência da freirinha. Ela sempre iria fazer tudo para não permitir que diminuísse a garota.

                      De repente, sentia os lábios secos, então umedeceu-os demoradamente.

                     -- Está linda, Gabi, parece uma daquelas moças que desfilam. – Lia comentava descendo ao lado da jovem. – Vai atrair muitos olhares.

                     -- Estamos prontas, Ana di Pace... O que acha da Luna e da Bamberg? – Provocou-a. – Não acredito que possa ver outra mais bonita que ela nessa recepção. – Branca provocava. –Seu dinheiro foi muito bem investido.

                      Gabriele tinha chegado ao hall, perto suficiente da mulher que parecia adorar exibir aquele olhar desdenhoso em sua direção. Sentia a face corar diante do elogio da administradora, porém não podia negar que gostara muito da imagem que tinha visto refletir no espelho. Quase não se reconhecera.

                    -- Ficou sem palavras? – Continuava provocar a administradora. – Espero que agora enxergue direito.

                      A voz de Branca lhe tirara da sua admiração.

                      A ruiva voltou a observá-las, mas ficou em silêncio, saindo da casa em direção ao veículo.

 

 

                      O coquetel acontecia em um salão em um elegante hotel localizado fora da cidade. Os convidados dormiriam no lugar, pois no dia seguinte haveria um almoço para os presentes. Ana agia com gentileza, sendo bastante cordial com os presentes, mesmo que só ansiasse por sair dali. Aceitara estar presente por ter sido pressionada pela administradora, porém agora só ansiava por voltar para sua casa.

                Aceitou uma taça de champanhe que lhe fora ofertada, bebericando-a, enquanto respondia algumas perguntas sobre o vinhedo. Era uma ótima empresária, entendia muito dos negócios e esse era um dos motivos de ter triplicado a fortuna do marido em tão pouco tempo. Antônio sempre esteve certo em dizer que a filha teria um futuro brilhante, mesmo que ele não admitisse tal fato.

                     Luna era a sensação do evento, todos queriam pegá-la, achando-a muito bela. Alguns questionaram se a menina era filha da baronesa devido à semelhança.

                    Gabriele vez e outra olha de soslaio para a ruiva.

                     Temia que fosse vista observando-a já que parecia não gostar quando isso acontecia, porém era quase impossível não o fazer.

                     Ana Valéria era uma mulher muito bonita e naquela noite estava ainda mais com seu vestido vermelho moldado às suas curvas delicadas. Os cabelos estavam soltos e brilhavam como fogo. A boca bem desenhada estava pintada com um batom carmim, os olhos azuis desenhados com delineador.  Viu o decote generoso e pensou como eram bonitos o colo feminino.

                Sorriu para um dos empresários que lhe ofertara uma taça de vinho, mas gentilmente ela recusara. Não gostava de bebidas.

                Sentiu o olhar frio da esposa do avô sobre si e não entendeu o motivo.

                    O percurso até ali fora feito em um torturante silêncio, ainda mais pelo fato de Branca ter seguido no carro com o marido. A administradora insistira para que a Bamberg seguisse consigo, mas a baronesa falara um sonoro “não” e ninguém retrucara.

                Não entendia o motivo da mulher insistir para levá-la, afinal, ignorava-a totalmente, como se nem mesmo estivesse naquele lugar. Não saia do lado da empresária, tentava ao máximo não a irritar para que não começasse uma discussão, algo que era quase impossível.

                  Luna já se comportava bastante sociável. Exibia sua simpatia para todos com suas gengivas rosadas. Gostava de mexer nos cabelos da babá, enrolando-os em seus minúsculos dedinhos. Estava muito linda com seu vestido em babados e uma tiara em seus escassos cabelos.

                     O olhar de Ana dirigiu-se ao seu, parecendo perscrutar suas emoções, apenas olhava-a.

                     Branca dançava com Rogério, mas seu olhar não abandonava as duas mulheres, parecia preocupada que a Del La Cruz provocasse a garota e recebesse uma resposta que a tirasse do sério.

                     -- Acalme-se, amor, não vai acontecer nada. – O advogado dizia à esposa.

                     -- Não confio, Ana não a trouxe aqui por nada, quer irritá-la, provocá-la até que a garota seja petulante. – Ficou em silêncio por alguns segundos. – Vendo-as assim por um instante cheguei a pensar que poderiam ser uma família feliz.

                     -- Família? Em que sentido? – Encarou-a.

                      Ela fez um gesto negativo com a cabeça.

                      -- Estou ficando louca, bobagens da minha cabeça.

 

 

                     A Bamberg estava sentada com a filha de Antony em seus braços. Luna mostrava-se irritada naquele momento, sonolenta, queria pegar tudo que estava sobre a mesa e quando não deixava, fazia birra. Pensou em pedir para irem embora, porém não gostaria de ter problemas.

                    Ana estava ao seu lado e conversava com um empresário e sua esposa. Falava sobre o vinho que seria exportado com entusiasmo. Ela apenas ouvia e temia que a empresária se irritasse por ouvir a sobrinha chorar.

                  -- O que há? – A Del La Cruz questionou, encarando-a, quando os empresários foram discursar. – Não consegue nem mesmo controlar uma garotinha?

                  Gabi mordeu a língua para não responder de forma ignorante, porém era o que desejava ao ver a expressão exasperada e provocativa da empresária. Observou os olhos azuis tão intensos e brilhantes. Observou os lábios que pareciam ainda mais cheios e lindos naquele momento.

                Viu o olhar de impaciência que a outra lhe dirigia.

                  -- Já passa do horário dela dormir, por isso está chateada, não está acostumada a virar a noite em festas como a senhora.

                Ana bebeu todo o conteúdo da taça de uma única vez. Sabendo que a última sentença da jovem foi para provocá-la.

 

                       O quarto que fora reservada à baronesa ficava no terceiro andar. Gabriele subiu com Luna, mas para sua surpresa Ana Valéria também a acompanhara, algo que fora totalmente desnecessário, até mesmo dissera que não precisava seguir junto a elas, mas o olhar frio da empresária lhe fizera ficar calada. Nunca podia dizer ou expressar qualquer tipo de opinião, era como se fosse tudo o que precisava para iniciar uma guerra.

               Seguiram pelo elevador em total silêncio. A criança já dormia com a cabeça encostada no ombro da babá. Branca tentara acompanhá-las, mas foi dispensada.

                 Ana digitou a senha e logo a porta era destrancada e entraram.

                – Preciso tirar-lhe a roupa, não pode dormir assim e está molhada.

                A baronesa não disse nada, apenas observando tudo em silêncio.

             Viu a neta do barão pegar a bolsa que tinha trazido, retirando a fralda de dentro e uma roupa. A menina choramingou, parecia não querer ser incomodada, mesmo assim a morena iniciou sua limpeza. Os olhinhos sonolentos abriram-se, mas não pareciam conseguir ficar despertos.

                -- A senhora pode me passar a mamadeira que está dentro da bolsa? – Pediu sobre os ombros.

                Ana fez o que fora dito, entregando-lhe a os dedos de ambas se roçaram. Gabi baixou os olhos, entregando a criança a mamadeira.

              A Del La Cruz acompanhava tudo com crescente curiosidade, apenas de braços cruzados, vendo a moça desempenhar sua função.

          Não negava que gostara de subir para o quarto, pois estava cansada de socializar e só não tinha ido embora logo porque sabia que precisava continuar lá.

              Começou a se despir, sem se importar de fazê-lo no meio do quarto. Foi livrando-se do vestido aos poucos e logo estava apenas usando as meias de seda que cobriam suas longas pernas.

               Gabriele ficou pasma ao vê-la totalmente nua, então desviou o olhar constrangida. 

             Tinha terminado de cuidar da menina e já a ajudava a se alimentar. Sentia as mãos tremerem, por isso temeu que a menina se engasgasse.

                Não entendi o motivo de se sentir tão mal ao ver a esposa do avô sem roupa. Isso não era algo incomum, afinal, eram mulheres, os corpos eram iguais. No convento havia outras noviças e não havia problemas de quando trocavam de roupa. A questão era que a baronesa era alguém totalmente diferente de todas que já tinha visto, totalmente distinta.

                Respirou fundo. 

               – Acho que agora ela vai poder dormir. – Disse ao levantar a cabeça e ver que a mulher já vestia um roupão. – Pensei que voltaria para a festa… – Disse nervosa.

               Ana não parecia preocupada em responder. Seguiu até o frigobar, pegando uma garrafa de água, abrindo-a, começou a beber.

           A Bamberg se mantinha quieta, os braços estavam cruzados, não sabia como se comportar. Era estranho está ali ao lado dela, vê-la sem outros por perto.

             – Vai dormir vestida? – A ruiva questionou depois de tomar o líquido.

              A jovem permaneceu calada, porém diante do olhar impaciente respondeu.

             – Vou…vou trocar…– Mordiscou a unha do indicador. – Posso usar o banheiro?

                – Ou pode se despir aqui mesmo, acredite, não me interessaria… – Seguiu até a poltrona, sentando-se.

                 Gabriele torceu a boca e depois seguiu em direção ao banheiro.



            – Branca, deite-se, vamos dormir, já está tarde.

                Rogério já estava acomodado no leito, tinham subido há pouco tempo e pareciam cansados.

 

              A administradora andava de um lado para o outro no quarto que ocupava com o marido. Seguia até a varanda, olhava tudo e depois voltava para. Estava muito preocupada com o que estava ocorrendo nos aposentos de Ana Valéria. Passara toda a recepção de olho nas duas, sabendo que a qualquer momento poderia acontecer uma discussão. Não entendia o motivo da filha de Antônio ter desejado trazer a moça. Luna nem ao menos tinha idade para ficar em um ambiente como aquele e logo tiveram que subir para o quarto.

              – Ana não devia ter trazido a Gabi e a bebê, ela gosta de atormentar a garota, imagino que vai provocá-la até que a menina perca a paciência.

               – Querida, tenha calma, nada vai acontecer e pelo que me conta a neta do barão sabe muito bem se defender.

                – Sim, é verdade, porém esse é o problema, nossa amada Del La Cruz não gosta de quem retruca, de quem a enfrenta.

                 Rogério foi até a esposa, abraçando-a por trás, beijando-lhe o pescoço.

            – Tenha calma e venha comigo, vamos nos deitar, pois amanhã será um novo e belo dia.

              Ela aceitou os carinhos do marido, mesmo que em sua cabeça continuasse a passar histórias que começava a imaginar que poderia acontecer.

              

 

                Ana Valéria não conseguira dormir. Mexia-se na desconfortável poltrona, enquanto pensava em como tudo parecia cada vez mais complicado.

              Levantou-se, seguindo até a janela que estava aberta. Um vento frio soprava as cortinas. Fechou o roupão, depois caminhou até a cama. 

                Viu a criança dormindo. Parecia tão inocente, tão indefesa. Ainda não entendia os motivos que levaram Antony a lhe deixar a guarda da garotinha, ainda mais porque o odiava tanto quanto o próprio pai. Sabia que ele esteve envolvido com Lorena com toda a armação. Ele mesmo confessara.

             Seu olhar pousou em Gabriele.

             A jovem dormia, parecia muito tranquila. Observou os lábios entreabertos e a cicatriz sobre o superior. 

                Por que Bernard nunca falara sobre a neta? Sempre deixara claro que não queria transmitir seus genes para as próximas gerações.

                  Mil vezes maldito!

                  Acomodou-se na cama, mas não demonstrava estar com sono.

                 Fechou os olhos e como já era de costume, sua cabeça foi invadida por lembranças dolorosas.

               Anos antes...

             -- Eu estou grávida e pretendo ter essa criança...

             Em frações de segundos a jovem recebera uma bofetada, caindo sobre o carpete do escritório.

             -- Levante-a! – A voz do barão soava fria. – Não quero que o sangue manche minha relíquia.

              Otávio observava tudo, estava presente no dia que Ana contara ao marido. Ele regozijava-se com tudo que era feito a ruiva. Parecia sempre estar presente nos momentos em que era judiada pelo marido e nunca fazia nada para evitar.

              Os seguranças levantaram-na, segurando-a para não voasse sobre o esposo.

               -- Não vai ter criança nenhuma, ainda mais para deformar seu corpinho... – O velho aproximou-se, acariciando-lhe a face. – Sem falar que esse ser que está gerando pode ser de qualquer um dos homens com quem se deitou. – Pegou a bengala e bateu forte contra o ventre da esposa. – Vamos tentar tirá-lo daí antes que faça mais estragos.

                 Naquela mesma noite a baronesa fora levada a um hospital clandestino e fora retirado de dentro de si o pequeno feto em formação. Ela não podia ter mais filhos, pois tivera complicações sérias que a deixara estéril.

 

                 Dias atuais...

                Os alunos azuis abriram-se em susto, sentando-se abruptamente, derrubando alguém que parecia estar debruçada sobre si. Ouviu o som da queda e ficou perplexa.

                 A neta do barão tinha acordado ao ouvir os gemidos sofridos de Ana Valéria, então fora até ela, buscando despertá-la, algo que parecia quase impossível. Chamara-a por infinitas vezes, fazia baixinho para não despertar a criança, mas quando viu que não estava funcionando, sacudiu-a gentilmente e só assim os olhos penetrantes abriram-se. Em frações de segundos tinha sido arremessada.

                -- O que se passa? – A ruiva questionou irritada. – Que Diabos estava fazendo? – Observou a jovem caída, mas não fez menção em ajudá-la. – O que você pensa que estava fazendo. Está louca!

                A Bamberg apoiou-se nas mãos, depois conseguiu se levantar, sentindo o traseiro dolorido.

                -- Estava tentando te acordar. – Esfregou o bumbum dolorido. – Estava tendo pesadelos e fiquei com medo de que acordasse a Luna.

               Ana fitou a criança que ainda dormia, depois encarou a jovem.

              -- Machucou-se? – Indagou parecendo preocupada.

              -- Acho que a minha aterrissagem não foi muito boa, bati o bumbum... – Disse continuando a esfregar a parte machucada. – Mas não foi nada...

              A Del La Cruz a observava vestida com uma calça de moletom e camiseta. Os cabelos em desalinhos. Parecia buscar algo naquela imagem que lhe mostrasse quem realmente era aquela jovem.

               Aproximou-se ao vê-la esfregar a parte dolorida.

              -- Deixe que eu veja! – Ordenou.

               Antes que Gabriele pudesse falar algo, estava com as mãos apoiadas contra a porta, tendo a esposa do avô atrás de si. Sentia a respiração dela contra o seu pescoço e o calor do corpo feminino muito próximo ao seu.

                Franziu o cenho.

                -- O que vai fazer? – Perguntou temerosa.

                Ana não respondeu, enquanto lhe segurava a cintura, trouxe-a para mais perto de si, unindo seu quadril às nádegas femininas.

                A Bamberg já abria a boca para protestar quando a sentiu puxá-la e um estalo em seu corpo pôde ser ouvido e inacreditavelmente sua dor passou.

              -- Pronto, freirinha, não vai ter nada para reclamar com a Branca. – Disse em seu ouvido. – Porque eu já estava pensando no sermão que teria que ouvir logo cedo da Wasten.

            Gabi virou a cabeça para fitá-la, arrependendo-se imediatamente ao vê-la tão próxima de si, ainda colada em seu corpo.

                Era ainda mais linda iluminada pela luz noturna. Os olhos brilhavam como pedras preciosas.

                 -- Não iria contar a ninguém sobre o ocorrido, pois sei que não foi sua culpa... – Respirou fundo. – Estava tendo um pesadelo...Não acho que me jogaria no chão de propósito... – Disse demonstrando sinceridade.

                 Ana sentiu o delicioso cheiro que a moça exalava, fitando-lhe os olhos, depois os lábios bem desenhados. Em seguida, afastou-se.

                -- E acha que vou te agradecer por ter me despertado?! – Indagou em irritação. – Não gosto nem mesmo que se aproxime de mim. – Passou a mão pelos cabelos. – Então nem pense que vamos ser amiguinhas por isso.

                 -- Eu nunca imaginei o contrário, senhora, afinal, sei que não gosta de mim, sei muito bem disso. – Falou em frustração.

                  Ana colocou as mãos na cintura, enquanto exibia a expressão de sarcasmo.

                 -- E você deve gostar muito de mim não é? – Relanceou os olhos em deboche. – Sejamos pelo menos sinceras, eu sou, você não.

                 Gabriele aproximou-se.

                 -- Eu nunca disse que gostava da senhora, estaria mentindo se dissesse isso e não costumo mentir. – Mordiscou a lateral do lábio inferior. – Óbvio que não posso sair dizendo por aí o que acho da baronesa... Seria jogada para fora da sua casa se ousasse dizer o que penso do seu comportamento. – Voltou para a cama. – Acho que já está na hora de dormir.

                A ruiva não parecia ter gostado nada do tinha ouvido.

                  -- Não vai dormir na cama, vá para o sofá, não pretendo dividir o mesmo leito contigo.

                  A Bamberg suspirou, pegando um cobertor e um travesseiro. Seguindo para a poltrona sem falar nada.

 

 

                    Na manhã voltaram para a mansão, o trajeto todo feito em silêncio, apenas Luna parecia feliz naquela viagem, pois não parava de brincar e rir com a babá.

                Ana tinha a cabeça virada para a janela do carro e mesmo ocupando o banco traseiro ao lado das duas, não parecia interessada em nada que elas faziam. Mostrava-se distraída observando a estrada rural, focando sua atenção no verde que era a maioria da vegetação local. Gostava daquele ar campestre, sentia que isso lhe acalmava o turbilhão de emoções que pareciam sempre prontos para explodir em seu interior.

                Ouviu o bip de telefone e visualizou a mensagem.

                “ Não esqueça que hoje você tem terapia”.

                Doutor Flávio tinha enviado.

                Era acompanhada por um médico que tentava ajudá-la a superar tudo o que tinha vivido. Ele era professor universitário e quando Branca fora até ele e contara sobre o que a Del La Cruz tinha vivido, interessou-se pelo caso e desde então é de grande ajuda. Não conseguira fazê-la sair dos transes totalmente, porém agora não era tão frequente as crises e isso se devia ao trabalho que ele desempenhava.

                Simplesmente respondeu “OK”.

                A Wasten já devia ter contado a ele sobre os novos acontecimentos em sua vida e sobre sua última crise.

                Flávio estava viajando em um congresso universitário e por essa razão não o tinha visto mais, apenas trocavam mensagens e questionava sobre como ela estava.

                Guardou o aparelho móvel na bolsa, depois inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos.

               

 

                Já era sexta-feira, quando Gabriele tinha terminado de limpar os quartos do primeiro andar da casa. Estava exausta, nem mesmo tinha conseguido se alimentar decentemente, pois fora pressionada por Tereza para deixar tudo em ordem. Limpou o suor que escorria da testa, depois foi até Luna. A menina estava no berço, mas não dormia, já tinha acordado e parecia interessada em colocar o dedão do pé na boca.

                Pensou em tomar um banho, porém já estava na hora da comida da ruivinha.

                Estranhou Lia não ter ido até lá, ela sempre arrumava um tempo para ir ao seu encontro ou brincar um pouco com Luna.

                Naquele dia nem tinha visto o tempo passar com tanto serviço que tinha, por essa razão não fora até a cozinha.

                -- Bem, princesa, gostaria muito de um banho, mas sei que está faminta, então não quero reclamações do meu cheiro azedo viu. – Tocou-lhe o nariz com a ponta do dedo. – vamos logo comer que não quero ouvir seus gritos como sua tia quando fica uma fera. – Rugiu imitando um leão.

                A pequena Del La Cruz riu da brincadeira, estendendo os bracinhos para sua guardiã.

 

 

 

                -- Está fazendo corpo mole, isso sim! – Tereza repreendia a cozinheira. – O senhor Rogério e a dona Branca estão aí para jantar, então trate logo de terminar essa comida.

                A mais velha estava sentada em uma cadeira, tinha se queixado de muita dor no corpo, pedindo que a governanta a deixasse ir para os aposentos, mas não fora aceita.

                -- Levante-se logo antes que chame a senhora Ana Valéria para que te faça trabalhar rapidinho.

                -- O que se passa?

                Gabriele tinha entrado na cozinha com a criança nos braços. Viu a expressão enferma da amiga e foi logo indo até ela.

                -- Isso não é da sua conta, babá, então não se intrometa.

                -- O que você tem, Lia? – Indagou ignorando a outra. – Deus, você está pálida. – Segurou-lhe a mão. – Está suando frio.

                Os olhos da cozinheira estavam marejados.

                -- Vou terminar de fazer o jantar...

                -- Claro que não vai, está doente! – Colocou Luna na cadeirinha. – Vá para o seu quarto e tome alguma coisa, vou cuidar da menina e depois vejo como podemos fazer para ir até um hospital.

                Tereza caminhou até a moça, segurando-lhe o braço com brusquidão.

                -- Não se intrometa nas minhas ordens, sua petulante!

                A ex-noviça desvencilhou-se do toque, fitando-a.

                -- Me intrometo sim, me intrometerei quantas vezes forem necessárias se continuar a agir dessa forma. – Apontou para a cozinheira. – Está cega, não enxerga que essa mulher não está bem?

                -- Problema dela, quer ir para o quarto sem terminar os afazeres? Pois vá, mas saiba que descontarei do salário que recebe.

                Lia olhava de uma para outra, temendo que a baronesa ouvisse, pois estavam falando alto.

                -- Descontar do salário dela? – Gabi esbravejou. – Acha que não existe leis nesse mundo é? Tá achando que é capitão do mato e nós somos suas escravas? – Dizia furiosa. – Não sei quem é pior em tudo isso, você ou sua patroa que te permite agir como se fosse a dona de tudo.

                Ela tinha encerrado a frase quando olhou para a porta e viu Ana Valéria a lhe encarar com olhar aterrador.

                Sabia que tinha falado de mais, porém não consegue aceitar injustiças e era isso o que estava acontecendo ali.

                Baixou a cabeça sem conseguir sustentar o olhar que lhe era direcionado.

                Nem sabia que a baronesa estava na mansão. Ela parecia um fantasma e só aparecia quando era para flagrá-la em uma situação como aquela.

                -- Quem bom que a senhora presenciou tudo, senhora Del La Cruz. – Tereza iniciava. – Porque depois quando eu falo pode até pensar que estou inventando coisas.

                Branca aproximou-se, parando ao lado da empresária. Olhava tudo com ar surpreso.

                Luna tinha conseguido pegar uma colher de pau que estava sobre a mesa e parecia achar divertido fica batendo-a sobre a madeira.

                Gabriele foi até ela, pegando o objeto.

                Os olhos azuis acompanhavam tudo com crescente interesse, não perdendo nenhum movimento da neta do marido. Não a via com frequência, sabia que a administradora tinha pedido para que ela não fizesse muito presente quando soubesse que estava em casa, assim evitaria confrontos como o que parecia pronto para ocorrer.

                -- O que houve? – A Wasten questionou diante do silêncio que perdurava.

                -- O que houve é que Lia está fazendo corpo-mole e não quer cumprir com suas obrigações. – A governanta dizia em maldade. – Tudo isso porque está seguindo a rebeldia da Bamberg.

                -- Não é verdade...

                -- Calada, freirinha! – Ana ordenou. – Já ouvi muito da sua voz por hoje, então não ouse abrir essa sua boca na minha presença.

                Gabi cerrou os dentes, enquanto encarava a esposa do avô sem desejar esconder sua indignação.

                A ruiva usava uma das suas calças de moletom preta e camiseta na mesma cor. Estava descalças como era de costume.

                -- Você está bem, Lia? – Branca adiantou-se ao ver a palidez da mulher. – Deus do céu, está muito quente. – Falou, enquanto lhe tocava a face. – Ana, ela está mal.

                -- Sim, senhora Branca, ela está e Tereza queria obrigá-la a trabalhar... – Gabriele explicou diante do olhar irado da baronesa.

                -- Cale-se! – Voltou a mandar. – Já disse que não queria ouvir sua voz.

                A Bamberg levantou a cabeça em desafio. Sabia que não deveria, mas naquele momento não conseguira ficar em silêncio.

                -- Não estou falando com a senhora e sim com a dona Branca e se não gosta de ouvir, tape seus ouvidos.

                A administradora e a cozinheira prenderam a respiração diante da resposta que a moça tinha dado a Ana Valéria, temiam por uma explosão. Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente.

                -- Acho melhor chamarmos um médico, baronesa... – Branca apelava para distraí-la do que se passava. – Pode pedir a doutora Karla para vir e examiná-la, está muito quente...—Segurou-lhe a mão. – Melhor levá-la para o quarto.

                A Del La Cruz soltou um longo suspiro e depois de alguns segundos falou:

                -- Vá descansar, Lia, chamarei a médica para te examinar.

                -- Não é necessário, senhora, acho que quando tomar um analgésico e me deitar vou ficar bem. – A cozinheira adiantava-se.

                -- Vai discutir comigo também? – Indagou arqueando a sobrancelha.

                A mais velha fez um gesto negativo com a cabeça.

                -- Farei como a senhora diz... – Fitou Gabi por alguns segundos, depois deixou a cozinha.

                -- Tereza, ligue para a médica vir aqui. – Ana mandou. – E da próxima vez que Lia falar que não está bem, deixe-a descansar e não fique batendo boca ou fazendo insinuações inverídicas.

                A governanta assentiu com a cabeça.

                -- Peço que me perdoe, senhora, mas perdi a paciência quando a Gabriele se intrometeu. – Umedeceu os lábios. – Não vai mais acontecer, eu prometo. – Pediu licença e deixou o espaço.

                -- Branca, peça comida oriental para o jantar. – Apontou a porta para ela sair.

                A Wasten não escondia sua expressão de assustada, pois sabia que a filha de Antônio desejava ficar a sós com a garota para discutir. Olhou para a moça e pensou em como era corajosa para enfrentar a esposa do avô.

                -- Ana, não acho que a Gabi te respondeu por mal. – Arriscou. – Creio que estava preocupada com a Lia.

                -- E você acha que isso justifica? – Fitou os olhos negros da jovem. – Da próxima vez que me responder corto sua língua fora.

                Ana saiu pisando duro sem nem olhar para trás.

                Branca não conseguiu segurar o riso.

                -- Por Deus, menina, já te falei para não desafiar essa mulher, deixe que ela esbraveje sozinha. – Abriu a geladeira pegou uma jarra com água. – Do jeito que ela fica brava eu não duvidaria que ela cortaria sua língua fora. – Colocou o líquido no copo. – Melhor se manter no seu canto, assim evita ficar muda. – Gargalhou.

 

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