A antagonista - Capítulo 6

    

                          

          Passava das dez da manhã quando Ana saiu da casa.

           Montou em um dos cavalos e já se preparava para deixar a sede quando ouviu a voz de Tereza.

           – Posso ir com a senhora? – Ela foi logo perguntando. – Sei que vai ao rio e sempre quis me banhar nele.

            A baronesa olhou tudo ao redor e sua visão fitou em um dos quartos do primeiro andar. A janela estava aberta e era possível ver a neta do barão com a criança nos braços. Irritara-se mais cedo quando ficou sabendo que mais uma vez Gabi não fez suas obrigações de preparar o desjejum. Sempre usava a desculpa de que estava com Luna. Há dois dias não tinha contato com ela. Desde o incidente com sua crise.

            Estava disposta a transformar a vida da freirinha um inferno, fazendo-a arrepender-se do dia que pisara seus pés sujos em seu caminho.

            Bateu forte a chibata contra o sapato que usava.

            Perturbara-a bastante a presença da moça, não gostara que presenciasse suas fraquezas. Ordenara a governanta que duplicasse os afazeres da jovem, responsabilizando-a até mesmo de cuidar do lugar onde seu cavalo dormia. Havia um senhor que cuidava de tudo ali, porém ele só costumava aparecer no final da semana, então ela decidiu que a neta do marido faria tudo.

            Olhou para paisagem bonita do lugar. Sabia que praticamente ninguém gostava de ir até ali, sabiam que era isolado de tudo e de todos, essa era a razão que a fazia sempre seguir para aquela cabana.

                – E então? Posso ir?

                Ouviu a voz insistente da empregada.

                – Sim! – Estendeu a mão para ajudá-la a montar atrás de si.

               Não tinha interesse em levá-la consigo, mas não estava com paciência para discutir sua vontade de ficar sozinha, então simplesmente a levou.

            -- Fico feliz que tenha me permitido acompanhá-la, senhora, sei que tenho minhas responsabilidades, mas serei bem honesta, a neta do barão está agindo de forma a tirar minha paciência.

            -- É sua responsabilidade fazê-la desempenhar seus afazeres.

            -- Sim, porém ela se nega, sempre usa a desculpa da menina, acho que não deveria deixá-la cuidar da sua sobrinha.

            Ana esporeou o cavalo com mais força, fazendo-o seguir mais rápido, não parecia mais interessada em continuar a conversa.

               O rio não era longe dali. Pegaram uma trilha estreita e não demorou para as palmeiras aparecerem rodeando o lago de água cristalina.

              Ali era tão bonito que parecia a imagem retratada do paraíso de um famoso pintor. Havia árvores que circundavam toda água. A areia era branca e lembrava uma praia. Aquele fora o local que usara em todos os momentos das suas dores, seu refúgio. Inúmeras vezes fora até lá fugindo da obsessão do barão. Passava horas embaixo da mangueira com seu violino. Quando via, já era noite e tinha que retornar para casa.

            Não desceu logo do animal, ficou lá sentindo o vento frio contra seu rosto. Os cabelos estavam presos sob a chapéu de aba grande.

                 – É muito lindo! – Tereza exclamou. – Parece um paraíso.

                 Ana a fitou sobre o ombro, mas não disse nada. Desmontou e depois ajudou a empregada a fazer o mesmo. Sentiu o corpo feminino esfregar-se ao seu. Afastou-se.

               Branca vivia dizendo que a empregada estava tentando seduzi-la, porém tentava não acreditar, pois gostava de tê-la cuidando da sua casa, administrava muito bem e isso já era suficiente para si. Não podia negar que era uma mulher muito bonita e sensual, mas se realmente fizesse sexo com ela, teria que despedi-la. Não costumava envolver-se sexualmente e manter a pessoa perto, pois a última coisa que aceitaria seria cobranças, exceto Paloma. A ex-amante era diferente, mesmo que demonstrasse certa possessividade vez e outra.

            Ainda se recordava da expressão de Otávio quando os encontraram na cama.

            Regozijara-se, pois odiava o advogado e queria feri-lo, fora esse o motivo de ter iniciado o caso com a modelo, mas ainda não tinha destruído o suficiente o jurista, sabia como ele fora responsável por muitas das atrocidades que o barão fizera consigo.

            -- Vou tomar banho.

                – Aproveite, a água é ótima.

                – Não vai entrar? – A outra questionou livrando-se da roupa e ficando apenas de sutiã e calcinha.

                – Talvez eu entre depois. – Falou, enquanto cuidava do cavalo, acariciando-lhe a crina.

               Tereza parecia decepcionada, porém foi tomar banho sozinha.

 

 

 

 

                  A Bamberg andava de um lado para o outro no quarto. Olhava Luna sobre a cama. Só agora ela tinha conseguido dormir um pouco. Estava com febre e não parecia passar. Falou com Tereza, pediu que falasse com a baronesa, mas até agora não recebeu nenhuma resposta. Estalava os dedos freneticamente. Se pelo menos a senhora Branca estivesse ali, logo conseguiria sua ajuda.

            Seguiu até a janela.

            Tinha visto quando a Del La Cruz tinha saído acompanhado da governanta, porém antes fora fuzilada com um olhar frio e cruel vindo à sua direção.

            Será que já tinham chegado?

            Mordiscou a unha, respirando fundo, pois temia um embate novamente com a ruiva.

            Aproximou-se da cama, então lhe tocou a face. Estava com febre. A face estava corada, via as bochechas mais rosadas do que de costume.

                 Decidida, deixou o quarto indo até os aposentos da Del La Cruz.

               Olhou o corredor, estava vazio. Parou diante da porta, hesitando.

Bateu, mas não ouviu nenhuma resposta, fez novamente, porém não recebera nenhuma resposta. Encostou o ouvido à madeira para tentar ouvir algo que denunciasse que a esposa de Bernard estava lá dentro, mas estava tudo em silêncio.

Respirando fundo, entrou e para sua surpresa lá estava Ana, parada, olhava-lhe com expressão indiferente. Tinha retornado há algum tempo e fora direto tomar um refrescante banho de tina, buscando relaxar a mente.

                – Preciso falar com a senhora! – Gabi disse apressadamente.

                 Ana a olhava desdenhosamente ao observar as roupas desengonçadas, uma blusa de mangas que passavam do joelho sobre uma bermuda.

Encarou-lhe. Os cabelos estavam presos em um nó frouxo, pois os fios tinham soltados em sua maioria.

                – Eu não lhe dei permissão para entrar! – Retrucou calmamente. – Isso significa que deve sair, não gosto da sua presença, então saia logo.

                A moça cruzou os braços sobre os seios. Como alguém podia ser tão irritante? Viu os cabelos molhados e roupão branco. Com certeza tinha acabado de sair do banho. Sentia o aroma do perfume feminino, era delicado e forte.

                – Olhe, a Luna não está bem, está com muita febre e tudo o que come vomita.

            A ruiva caminhou até a mesa, olhava alguns títulos de livros que tinha trazido para leitura. Gostava de ler, passava horas fazendo isso.

            Fitou-a.

                – Está inventando isso para ir embora, freirinha, não gostou de estar aqui longe da sua defensora Lia e Branca…Infelizmente, só pode recorrer a mim agora...

                  – Como pode pensar isso?! – Questionou indignada. – Vá você mesma e veja com seus olhos… – Ajeitou o cabelo atrás da orelha. – Acha que quero ir embora e usaria um bebê para isso? Usaria a saúde dela? – Limpou os olhos, pois havia lágrimas neles. – Então, leve-a, não preciso ir junto, mas por favor, faça isso, senhora baronesa.

               Os olhos azuis estreitaram-se em total desconfiança. Tereza tinha falado consigo mais cedo e afirmara que a Bamberg estava usando a menina para voltar para a capital. Olhava-a e não acreditava nas lágrimas que lhe banhava a face e ela a todo custo tentava evitar. Não confiava em pessoas que usavam o pranto para tentarem conseguir seus objetivos.

                Segurando-a pelo pulso, praticamente saiu arrastando-a pelo corredor até o quarto da menina. Soltou-a bruscamente, depois se aproximou da cama e viu a garotinha com os olhos abertos. A face estava muito corada.

             Logo Luna começou a chorar e Gabriele correu para segurá-la, tentando acalmá-la.

                  A baronesa aproximou-se, mas não tocou na criança. Observava-a com atenção, herdara os mesmos olhos e os cabelos do pai, assim como ela mesma.

                – Acha que uma menina de menos de seis meses está fingindo? Acha que eu a mandei fazer isso para ir embora? – Indagou emotiva. – Toque em sua face e veja como está quente.

             – Faça ela se calar! – Ordenou insensível. – Não estou com paciência para escândalos.

            Os olhos negros mostraram-se surpresos diante do que ouvia.

                 – E como faço isso? – Ironizou. – Colocando uma mordaça? Faça você e não eu, pois não sou ruim como a senhora.

            Ana aproximou-se a passos largos, sua expressão não era uma das melhores. Novamente era enfrentada pela neta de Bernarde, deixando-a furiosa.

              – Vou levá-la, mas você não vai comigo… – Olhou-a de cima a baixo. – Parece um espanta pássaro com essas roupas. – Foi até a porta. – Tereza! – Chamou a governanta aos gritos. – Tereza.

                 A mulher repetiu e não demorou para a empregada aparecer esbaforida. Estava usando roupão, então estava tomando banho também.

               – Arrume-se, vou chamar o helicóptero para irmos ao hospital.

                 A outra ainda abriu a boca para questionar, mas o gesto de mão a calou.

            -- E você, garota estúpida, não ouse mais me desafiar ou não sei do que sou capaz.

            Gabriele engoliu em seco, pensando que o melhor a ser feito era ficar em silêncio, mesmo diante das barbaridades que aquela mulher dizia.

               Ambas deixaram o quarto, enquanto Gabi permanecia com Luna nos braços, ninando-a, enquanto a pequena continuava chorar, mas agora fazia baixinho, talvez soubesse que isso não era algo que sua tia gostasse.

            

 

 

                  Passava das nove quando a aeronave aterrissou na cidade mais próxima.

              Luna continuava a chorar nos braços da governanta. Soluçava, enquanto a mulher repreendia-a.

              Ana observava a cena e pensava se teria paciência para os trinta minutos de voo com aquele chororô todo.

               – Faça ela parar! – Exigiu.

               – Mas como faço isso, baronesa? Isso tudo é manha que a tal Gabriele colocou na menina.

               A Del La Cruz olhou pela minúscula janela do avião. A única coisa que a fez aceitar aquela menina foram as ações que vieram juntas. Assim que estivesse mais velha, enviaria para um colégio interno, mantendo-a lá. Não desejava criar a herdeira de Antony, odiava-o e se não tivesse morrido, ela mesma teria se responsabilizado por sua morte. Já pensara em falar com algumas escolas fora do país, alguma que aceitasse a garota quando já tivesse um ano, seria a idade adequada para mandá-la para longe.

              Olhou-a e para sua surpresa a pequena também parecia interessada em lhe examinar. Chorava baixinho, enquanto seu olhar observava-a como se soubesse o que estava a pensar. Viu a cabecinha pendendo para o lado, pois Tereza não parecia muito adequado naquela função.

                – Preciso ir ao banheiro, senhora! – A governanta disse. – Acha que ela fica sozinha aqui? Posso deixá-la deitada. – Tentou fazê-lo, mas Luna começou a chorar mais alto, tanto que ficou muito vermelha.

            Ana suspirou impaciente, enquanto estendia os braços para segurar a menina. Nunca tinha feito isso, nem mesmo aproximara-se de um bebê, porém em algum momento da sua vida, quando estive grávida, imagina uma criança parecido consigo…

              Luna mexia-se diante da forma atrapalhada da tia lhe segurar. Remexeu-se até parecer achar a posição certa: com a cabeça encostada no pescoço da Del La Cruz. Ainda chorava, mas parecia sem forças para continuar fazendo.

                 Olhou-a e viu que tinha o polegar na boca. Viu os olhos idênticos aos seus marejados de lágrimas.

            Exalou o cheiro suave do perfume.

            Parecia um ursinho vestida daquele jeito.

            Tocou-lhe a face.

              Estava muito quente, a cabeça encostada em seu ombro lhe fazia sentir a temperatura.

              Sentia o líquido do pranto lhe molhar a pele. Por que chorava tanto?

                Estaria chorando não só por estar doente, mas também por ter sido separada da freirinha? Ainda parecia ver os olhos negros da neta do barão a lhe fitar de forma acusadora quando levara a menina até a aeronave. Pensara que pediria para ir junto, mas não o fez, demonstrando sua raiva em um olhar irado.

            -- Era uma petulante...

            Tentava não se mexer, pois temia que a menina fizesse escândalo, mas não foi isso que aconteceu.

              Observava a pequena mão brincar com seu cordão, parecia interessada no pingente.

            Respirou fundo e o aroma infantil encheu suas narinas mais uma vez.

            

 

 

                 O médico examinava a criança, enquanto Ana Valéria observava tudo distante. Tinha enviado Tereza para casa e agora Branca estava lá com ambas. Vez e outra a filha de Antônio via o olhar ressentido e acusador da administradora. Ela ficara indignada quando ficou sabendo que a menina tinha ficado doente e cruelmente a baronesa não tinha trazido a neta de Bernard para ficar com a garotinha. Horrorizava-se em pensar que ela tinha sido má o suficiente para deixá-la sozinha naquele lugar ermo.

               – O exame de sangue que mandei fazer confirma uma infecção bacteriana, temos que esperar os outros resultados para ter uma ideia mais específica do que está provocando os sintomas.

               A Del La Cruz permanecia calada. Luna ainda chorava, mas fazia baixinho, como se temesse irritar a tia.

             – Doutor, será que não pode ter a ver com a mudança de clima? – A Wasten questionou. – Ela estava na Serra e nessa época do ano lá é muito mais frio.

              O homem que devia ter uns cinquenta anos, exibia um semblante tranquilo e parecia ter bastante jeito com crianças.

               – Acredito que sim…mas prefiro esperar os resultados para termos certeza. – Fitou a empresária. – Ela está medicada. Passará a noite aqui no apartamento, assim a deixaremos em observação. – Limpou-lhe as lágrimas abundantes. – Parece muito triste, coitadinha.

                Luna balbuciava sem parar.

                – Não precisa chorar, pequenina, vai ficar boa logo e sua titia está aqui para lhe cuidar. – Segurou-lhe o dedinho. – Vou deixá-las, mas retorno assim que os exames estiverem prontos.

               Quando o médico deixou o apartamento, Branca foi logo dizendo:

             – Ela está chorando porque quer a Gabi, porém você a deixou naquele mato sem se importar com a menina.

              Ana parecia não ligar com as acusações. Olhava a pequena sobre o leito adaptado. Viu o soro que tinha sido colocado em seu minúsculo braço. Como tinha dito o cura, ela já começava a dormir devido à medicação.

            O quarto que tinha sido disponibilizado contava com uma cama para a paciente e duas poltronas. Em uma mesa tinha algumas revistas, um pequeno frigobar. A ruiva seguiu até ele pegando uma garrafa de água, bebendo-a devagar.

              – Como pode ser cruel como um bebê inocente?

             – Já chega, eu não quero ouvir mais nada. – Colocou as mãos nas orelhas. – Eu não quero essa menina, nunca a quis... Pedi para mandá-la para longe, que arrumasse alguém para cuidá-la longe de mim, porém você não o fez... O que custava ter feito isso?

             Branca parou diante dela.

              – Não, você só se interessa pelas ações que ela herdou, da mesma forma que só quer as ações da Bamberg, afinal, o único objetivo que você tem na vida é destruir…Vingar-se...Fico me perguntando o motivo do seu irmão ter achado que você seria melhor que Antônio e Francisca para cuidar desse ser inocente.

             Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente.

                 – Por que não trouxe a garota junto? – Branca insistia na indagação que ainda não tinha sido respondida. – Sabe que só ela consegue cuidar da Luna...

             – Porque eu não gosto dela, detesto aquela freirinha, parece um espantalho com aquelas roupas de saco que usa…-- Deu uma pausa. --Agiu com sarcasmo comigo e me desafiou!

             A expressão de Branca era de total surpresa diante das palavras que ouvia. Não  imaginava que as roupas da garota seria motivo para perturbar a baronesa. Claro que a ex-noviça se vestia de forma não tão boa, mas ela não tinha roupas, isso era justificável. Ninguém se importara em comprar algumas.

              – Ela vivia em um convento, Ana, passara a vida em um lugar daqueles, como pode achar que saberia sobre a última moda de Paris?

             – Isso não me importa, não gosto dela e não acredito que essa menina esteja sentindo falta de alguém que nem tanto tempo faz que está conosco.

             – Talvez porque seja a única pessoa que lhe deu carinho, que se importou com ela…convenhamos, você deve estar vendo a Luna agora, acho que nunca a viu…

              O maxilar da baronesa enrijeceu, enquanto sua expressão parecia feita de mármore.

                 – Não esqueça que você trabalha para mim…

               – Então me demita! – Olhou para a criança. -- Vou buscar a Gabi e depois entrego minha carteira para o seu departamento pessoal.

                 Branca deixou o quarto sem nem mesmo se importar de deixar a baronesa sozinha com a bebê.

 

 

 

                 O dia tinha amanhecido há muito tempo. A Bamberg estava sentada na frente da casa, sentada no batente. Olhava para o nada, ouvia o canto dos pássaros.

                 Não dormira nada durante a noite. Assustava-se em pensar que a menina estava longe e com Ana Valéria e Tereza, nenhuma das duas se importavam com a criança.

                   Secou as lágrimas que insistiam em cair. O que poderia fazer? Olhava tudo ao redor. Não conhecia a região e parecia não ter nada ali por perto. Ficara sabendo que a única forma de deixar aquele lugar era na aeronave.

                 Apoiou os cotovelos nas pernas, enquanto pensava sobre a vida. Tudo parecia tão difícil desde o dia que caíra da árvore. Vivia tão feliz com Trevan, tinha-o como um verdadeiro pai. Levava-a para pescar, passeavam nos parques, iam à praia. Nem se importava em saber que era órfã, pois tinha alguém que lhe amava, mas o barão a jogou naquele convento, tirando a única família que conseguira.

                  Luna é um pouco parecida consigo. Perdera os pais e vivia com a tia que parecia não se importar com a menina. Às vezes, achava tão estranho a forma como a baronesa se comportava. Era como se não fosse um ser humano. Nunca tinha visto um sorriso no rosto bonito, nunca tinha ouvido algo que mostrasse que existisse algo que gostasse. Como alguém podia ser assim?

                 Recordou-se de quando entrará em seu quarto e a viu em total transe. Não era um pesadelo, era algo que ela vivera. Ouviu ela falar algumas palavras, mas não conseguira compreender de que se tratava.

                 Suspirou.

                  Levantou-se e viu um helicóptero aparecer no horizonte. Estranhou, pois foram ali de avião.

                  Entusiasmou-se, pensava que podia ser a baronesa com a menina.

               

 

 

                 Ana passara a noite ao lado de Luna. Pensara em contratar uma babá para ficar lá, mas acabou desistindo, pois precisaria falar com a Wasten para providenciar e isso seria mais motivos para dor de cabeça. A criança chorara todas as vezes que acordara, não parecia feliz em ver a pessoa que estava ao seu lado.

            Naquele exato momento ela estava lá, chorando baixinho após ter gritado a plenos pulmões.

             Aproximou-se do leito infantil. O bracinho estava machucado da injeção que tinha tomado.

              Viu-a estender os braços, parecia querer colo. A baronesa apenas olhava-a.

              Suspirou, passando a mão nos cabelos.

                Sentia-se grudenta, precisava de um banho. Acomodou-se na poltrona. Esperava o médico para examinar a criança.

               Pensava em ligar para Tereza ir até lá, mas sabia que ela tinha ainda menos jeito com bebês que ela mesma. Voltou a levantar e ir até onde estava a pequena, então a viu com o dedo polegar na boca. Era uma criança muito bonita. As bochechas rosadas, a boca pequenina.

               Estendeu a mão e acariciou-lhe os cabelos fininhos. Fê-lo com tanto temor que parecia temer que seu ato a ferisse. Os olhinhos se levantaram para vê-la, eram tão penetrantes e inocentes que pareciam querer enxergar sua alma.

 

 

                Na loja, havia várias vendedoras atendendo as duas mulheres. Gabi não parecia muito interessada naquilo. O lugar parecia saído daquelas revistas de modas. Espelhos por todos os lados. Manequins exibindo roupas sofisticadas e casuais. Havia sapatos, sandálias, acessórios como pulseira, brincos, lingeries.

               – Tem certeza de que é mesmo necessário? – A ex-noviça observava assustado os preços dos itens. – Eu não me importo em usar as roupas que tenho.

                Branca tinha ido até a Serra e buscara a jovem, porém não a levara ao hospital de imediato, levara-a a uma loja para comprar algumas roupas.

                – Com certeza não se importa porque sempre usou seus hábitos, mas olhe para cada item e me diga com sinceridade se não os acha bonitos.

                A Bamberg mordiscou a lateral do lábio inferior.

              – Sim, são lindas, porém são caras, como vou pagar?

               – Não se preocupe, a baronesa deve isso a você, então não vai fazer muita diferença na conta bancária dela.

               

 

 

 

                Passava do meio-dia e Ana estava lá no apartamento. Não tinha comido ainda. O médico passara lá mais cedo e até agora apenas medicava a menina.

               A porta abriu-se. A baronesa estava sentada na poltrona com uma revista, folheava o manual, mas levantou a cabeça e viu Branca e ao seu lado a Bamberg…

              A ex-noviça usava um vestido florido que circundavam sua cintura com um cinto, chegava próximo ao joelho. O decote era discreto, mostrava os ombros bem-feitos. Nos pés havia um par de sapatos de salto médio. Os cabelos estavam soltos e pareciam menores. O corte moderno a deixara ainda mais bonita.

              Gabi olhou para Ana por alguns segundos e depois seguiu até onde estava a menina, tomando-a nos braços, beijando-lhe a cabecinha.

              A Del La Cruz fitou a administradora.

             – Como ela está? – A Bamberg questionou.

             Ana já abria a boca para retrucar com brusquidão, mas foi o momento que o médico entrou com os resultados dos exames.

           – Olá, boa tarde! – Observou a todos. – Ora, vejo que alguém parece mais feliz hoje. – Falou ao observar Luna nos braços da babá. – A nossa pequena ruivinha está com uma infecção na garganta, está um pouco forte e eu prefiro que fiquem aqui até amanhã, assim a medicação será aplicada de forma adequada.

             – Mas ela está bem mesmo, doutor? – Gabriele perguntou temerosa. – Não é necessário fazer outros exames?

            – Faremos mais alguns, vou me certificar que ela está bem. – Respondeu simpático. – E quem é a senhorita? Vejo que fez muito bem a minha pequena Luna.

            A administradora apresentou a moça como sendo neta do barão Bamberg.

             Ana Valéria manteve-se calada, apenas ouvia tudo, mas não parecia nada feliz em ver a herdeira de Bernard tomando a frente de tudo como se fosse mais que uma simples empregada.

               Quando o médico saiu, Branca aproximou-se, abriu a bolsa e entregou a patroa a carteira de trabalho.

               – Aqui está, você mesma leve para o departamento pessoal. – Tirou uma nota fiscal. – Aqui está a conta das roupas que comprei para a menina, você nunca pagou a ela pelo trabalho que vem desempenhando na sua casa com Luna, então é o mínimo que pode fazer é quitar com algumas necessidades.

                 A baronesa olhou-a, mas não falou nada, apenas deixando o quarto ressentida.

 

 

 

             O carro esportivo vermelho adentrava os portões da mansão Bamberg. Seguia devagar até a entrada da casa, estacionando ao lado do canteiro de flores.

               O porteiro deixara Paloma entrar, afinal, ela sempre fora até ali, não havia nenhuma restrição à sua presença. Ela ficou por algum tempo dentro do veículo, mas depois saiu, ajeitando os óculos escuros, observou tudo ao redor, depois seguiu pelos degraus até a porta principal que se abriu. Lia, a cozinheira quem lhe atendeu.

             – Boa tarde! – A modelo cumprimentou. – Vim ver a baronesa, pode me anunciar?

              A empregada conhecia bem a mulher que estava parada ali. Sabia bem do escândalo que tinha envolvido sua patroa e depois fora abafado, ninguém mais falava sobre isso. Sabia que elas tinham rompido depois do ocorrido, mas agora via a jovem bela muito entusiasmada para ver a antiga amante.

                – A senhora não está. – Respondeu com um sorriso simpático. – Está viajando.

                – Viajando? – Questionou arqueando a sobrancelha. – Está na serra?

              Paloma conhecia o lugar, nunca gostara de ir até lá, mas fizeram alguns sacrifícios para estar ao lado da bela Ana.

                 Lia sabia que não podia dar informações sobre a patroa, mas o que deveria dizer?

              Sabia que ela estava na cidade vizinha com Luna em um hospital, pois a menina ficou doente, porém não sabia onde era o lugar.

            – Eu não sei…Pode ligar para a senhora Branca, eu acho que ela vai poder lhe informar melhor.

               Paloma olhou tudo ao redor. Não tinha ido lá para humilhar-se à baronesa, fora para conversar sobre alguns assuntos de negócios, pelo menos, essa era a desculpa que usava para não se sentir tão humilhada em rastejar atrás da amada.

 

 

 

              Já era noite.

             Luna parecia bem melhor, até o médico tinha elogiado sua evolução positiva após a chegada da babá. Na manhã seguinte poderiam seguir para a casa.

              A ex-noviça estava no sofá. Tinha a garotinha em seus braços. Ela brincava com seus dedos como se quisesse colocar na boca como fazia com os seus. Não tiveram mais notícia de Ana Valéria, nem mesmo Branca voltara lá para informar sobre o ocorrido. Não sabia se retornariam para a Serra ou para a capital. Não trocara uma única palavra com a baronesa, mas conseguiu ver em seu olhar aquela expressão desconfiada e irritada. Percebia que ela examinava suas atitudes, como se não confiasse em suas reações.

              Ouvia o som infantil e sorriu.

               – Você já está muito bem não é, princesinha? – Virou-a para si, segurando-a de frente. – Já está até com carinha de sapeca de novo.

             Luna ouvia a voz da única pessoa que lhe dava carinho e amor depois da morte dos pais.

             Encostou a cabeça no colo da jovem e ficou lá, parecia querer ouvir o coração da sua amada babá.

            Ouviu a porta abrir e imaginou que deveria ser a copeira que trazia o jantar, mas ao observar a pessoa que tinha chegado, viu a baronesa.

              Observou-lhe as elegantes roupas. Vestia-se muito bem e ficava ainda mais bela quando vestia os terninhos sobre a calça jeans justa.

            Os cabelos estavam presos em um coque na nuca, até a franja tinha sido colocada para trás.

             – Por que me olha? – Ana indagou. – Algo lhe agrada? – Arqueou a sobrancelha e deboche.

               Gabi não respondeu, sabia que era tudo o que ela queria para começar sua guerra íntima.

              – Vamos para um hotel aqui perto. Então organize tudo.

                  – Mas o médico disse…

                – Sim, eu sei, mas falei com ele e liberou para que ficássemos lá, pois é mais confortável. Amanhã cedo a gente volta para a menina ser examinada e liberada para seguirmos de volta.

              – Eu não me importo de passar a noite aqui.

                –  Eu acho que às vezes você esquece os papéis que devemos desempenhar.

              A jovem fez um gesto afirmativo com a cabeça. Não havia o que discutir.

         

 

 

 

                      O hotel não era tão luxuoso como os que Ana Valéria estava acostumada a frequentar, porém era confortável para hospedar uma família pequena. O quarto tinha uma cama de casal e um berço que fora providenciado para Luna. Havia uma varanda onde tinha uma mesa para as refeições. Uma hidromassagem. Um closet para as roupas, uma TV panorâmica que tomava quase toda a parede do quarto, uma poltrona, um frigobar e um micro-ondas.

              Gabi tinha ligado a televisão e Luna parecia bastante interessada em um desenho animado. Estavam ambas na cama, deitadas. A criança parecia fascinada com as imagens que apareciam e vez e outra ria alto das figuras.

               Sentiu um delicioso cheiro e ao levantar a cabeça viu a baronesa aproximar-se. Vestia um roupão e os cabelos estavam molhados. Não havia dúvida da beleza daquela mulher. Não trocaram uma única palavra no percurso até aquele lugar. Apenas ficaram em silêncio no banco traseiro do veículo. Até mesmo Luna não se mostrará interessada, talvez o medicamento a tenha deixado assim, porém agora parecia ter recuperado todas as energias que lhe faltavam.

             Observou a esposa do avô sem ser percebida. Na sua cabeça era estranho alguém tão jovem e bela casar-se com um velho que deveria ter muito mais que o quádruplo da sua idade. Trevan falara que a Del La Cruz só tinha interesse na fortuna do barão.

                A campanhia tocou e Ana abriu. Foi possível ver um dos empregados do hotel lhe entregar uma caixa redonda e uma garrafa.

             Ela colocou tudo sobre a mesa e depois se voltou para a neta do marido.

                 – Acabou de fazer sua análise? – Questionou com um arquear de sobrancelha. – Qual o motivo de ficar me olhando, freirinha? O que pensa? Acha que sou um monstro?

            Gabi mordiscou a lateral do lábio inferior, enquanto ponderava que o melhor era não bater de frente com a intratável e arrogante mulher. Isso de nada lhe serviria, apenas seria mais estresse para a sua cabeça que já não estava muito boa. Via os olhos lhe fitarem desdenhosamente, encarou-os durante longos segundos, mas depois voltou sua atenção para a bebê.

                Ana aproximou-se da cama, seus passos eram firmes e vagarosos, não desviava o olhar da babá, da mesma forma que um tigre visava sua presa.

              – Não perca seu tempo me analisando, eu não gosto dos seus olhares…não suporto que o faça, então pare.

                 A jovem apenas permaneceu quieta, enquanto a via seguir em direção a varanda com a garrafa nas mãos.

             

 

 

                Rogério estava sentado no balcão da cozinha, enquanto ouvia a esposa falar, expor sua indignação. O homem alto, cabelo mesclado entre o loiro e o grisalho era esposo da administradora de Ana. Ele também era dono de uma empresa de advocacia, essa que prestava serviços para a baronesa. Casado com Branca há mais de vinte anos, ambos não tinham filhos, pois a mulher era estérea. Até tinha pensado em adotar, mas tudo ficou em planos, mesmo que ele tivesse a ideia de que ambos tinham adotado Ana Valéria como filha.

            – Como ela pode se comportar assim? – Branca continuava, enquanto batia os ovos. – Deixou a garota naquele fim de mundo e ainda alegando que as roupas e a forma que a Gabi se vestia não era adequada. – Deixou a panela de lado, enquanto colocava as mãos na cintura. – Às vezes, eu penso que Ana perdeu totalmente a sanidade…ou sei lá, que há uma pedra dentro dela, no lugar do coração…

            – E você pediu demissão por isso? – Ele bebeu um pouco de café. – Já vi ela fazer coisas piores e isso não te afetar dessa forma…– Disse calmamente.

             – A questão é que a forma que ela se comportou com a Luna e com a Bamberg me irritaram bastante… não acho que essa moça mereça esse tratamento. Só Deus sabe o que ela também viveu nas mãos do barão…ela foi obrigada a ficar em um convento, coitada, nunca tinha vivido entre pessoas como a gente, então achei terrível a ridicularização que a baronesa fez com suas roupas. – Deus um sorriso. – Mas também levei a garota na loja mais cara da cidade e lhe comprei inúmeras roupas, lingeries, sapatos…tudo será entregue na mansão e Ana quem vai pagar.

             Rogério riu, depois foi até a esposa, abraçando-a pelos ombros.

           – Eu entendo a sua indignação, porém você conhece a baronesa há muito tempo para saber que ela não aceitaria de boa vontade a neta do Bamberg. – Desenhou os lábios rosados com o polegar. – Pelo que estou percebendo, o que acontece aqui é que você está adotando a Luna e a Gabriele também, mas vai ter que lidar com uma forte antagonista, a filha que você mais ama.

               Branca permanecia em silêncio, parecia acompanhar o raciocínio do marido.

                 – Não acho que ela precise ser tão cruel com pessoas que nada lhe fizeram. – Disse por fim. – O que a jovem fez para a Del La Cruz?

               – Ela tirou a chance de Ana acabar com Antônio de uma vez por todas e isso ela não vai perdoar tão facilmente…Nós sabemos que só há um motivo para a baronesa não ter sucumbido depois de tanto sofrimento e tanta dor, e esse motivo é a sua sede de vingança.

               Era possível ver a tristeza nos olhos claros da mulher.

               – E no final, ela vai se destruir e destruir a todos…está cega…

 

 

                Já passava da meia noite. O céu estava nublado, nem era possível ver as estrelas.

               Ana continuava no mesmo lugar, lá, parada, bebendo mais uma taça de vinho. Na verdade, a metade do cristal, pois não havia mais líquido na garrafa. Mesmo com todo o álcool que tinha ingerido, ainda não foram suficientes para anestesiar seus sentidos. Sua mente estava tão agoniada que chegava a doer sua cabeça. Sentia o corpo sendo dominado aos poucos por sua conhecida agonia. Por que não conseguia se libertar? Por que revivia todos os dias a mesma dor, a mesma sensação de estar presa naquele lugar, o mesmo suplício de não poder gritar, de não ter ninguém para confiar e lhe tirar dali. Era como se estivesse mergulhada em uma areia movediça que não lhe permitia sair…

 

 

 

                Gabi abriu os olhos ao ouvir um barulho de vidro quebrando. Não conseguira dormir ainda. Ficava rolando de um lado para o outro no leito. Luna dormia tranquilamente, não parecia se importar com o que se passava externamente.

             O quarto estava mergulhado na penumbra.

               Sabia que Ana continuava na varanda, pois ficara esperando a hora que ela voltaria para os aposentos e lhe expulsaria da cama, porém isso não acontecera.

              Devagar, levantou-se e caminhou até o lugar que a empresária ocupava. Viu a mulher lá parada, olhava para a própria mão. Como estava escuro, não consegui ver do que se tratava. Aos poucos seus olhos acostumaram-se com a falta de luminosidade, então viu algumas gotas no chão e ao observar o que ela olhava percebeu o líquido cobrindo a palma delicada.

                Rapidamente, acendeu a iluminação e foi quando viu o sangue pelo chão.

               – Deus do céu! – Exclamou, aproximando-se. – O que houve?

               Ana parecia tão absorta que só percebeu a presença da jovem ao senti-la lhe tocar a pele. Os olhos azuis a fitaram.

                A Bamberg via o líquido escarlate jorrar, olhando ao redor em busca de algo para estancar sem ver nada que pudesse usar. Então, com toda força que tinha, rasgou parte de baixo da própria camisola, usando-a para parar o sangramento.

                 – O que houve, baronesa?

         Ela não respondeu, apenas ficou lá, olhava tudo como se nada lhe interessasse. Tentou livrar-se do toque, mas a moça não permitiu.

               – Por favor, senhora, deixe que lhe ajude. – Pediu.

               A Del La Cruz não respondeu, mas também não tentou sair. Permaneceu lá, sentindo a delicadeza da garota, o aroma doce do suave perfume que usava. Fitou-lhe os olhos escuros que olhavam o ferimento de forma concentrada.

                Observou o decote da camisola preta. Viu os seios redondos moldados pela delicada peça.

                Branca comprara aquele tipo de roupa para aquela freira? Onde estava com a cabeça para ter feito isso?

                – Venha comigo, no banheiro tem uma caixa de primeiros socorros.

                A empresária não respondeu, apenas se deixou conduzir, sendo levada pela mão até o quarto, acomodando-se na beira da cama.

             Viu a neta do marido seguir rapidamente até o banheiro e não demorou nada para retornar.

                Observou-a a ajoelhar diante de si, segurando a mão mais uma vez, retirando o tecido que lhe prendia.

                 O corte tomava quase toda a palma de forma diagonal. Ainda jorrava sangue, mas em pouca quantidade.

                  – Vai doer um pouco…

                A voz baixa lhe avisou, mas Ana nada disse até sentir o ardor doloroso. Tentou puxar a mão, mas foi detida.

                  – Respire fundo, não vai doer para sempre, logo vai passar o desconforto.

                A Del La Cruz fitou os olhos escuros que lhe analisavam mais uma vez.

               – Por que me olha? – Indagou aborrecida.

                   Gabi continuou cuidando do ferimento, depois voltou a olhar para sua face.

                  – Não é normal olhar para as pessoas? – Questionou sem dar uma resposta.

               – É falta de educação encarar as pessoas…e eu não gosto que olhe para mim.

                – Ninguém olha para a senhora além de mim ou só o meu olhar te incomoda?

              Ana não respondeu, mordiscou a lateral do lábio inferior, depois observou a pizza intacta sobre a mesa.

               – Não comeu? – Indagou aborrecida. – Depois vai sair falando com a Branca que estou te matando de fome também como falou das roupas?

                 – Achei que a senhora tivesse falado sobre as roupas e não eu…

                 A Del La Cruz tentou levantar-se, mas a Bamberg a deteve.

                 – Deixe que eu termine, senhora, só quero lhe ajudar.

                 – Por quê?

                 – Porque eu quero lhe ajudar…só isso…

                 A baronesa voltou a ficar em silêncio, mas não saiu, permanecendo lá, sentindo a delicadeza do toque em sua mão.

                Ouviu o som infantil e viu a criança de olhos abertos, parecia interessada no que acontecia.

             A ex-noviça fez o curativo e depois se afastou.

            – Pronto, basta que limpe, não vai infeccionar.

             A empresária não disse nada, viu ela levar o material para o banheiro e logo voltar e foi quando viu que ela tinha rasgado boa parte da camisola frontal, deixando exposto boa parte das coxas. Não eram malhadas como as suas, eram delicadas...firmes...bonitas...

              Viu-a pegar a garotinha nos braços e isso fez com que o tecido subisse ainda mais.

                Desviou o olhar, levantando-se. Seguiu até a pizza, cortando, colocou nos pratos, depois foi até o micro-ondas, esquentando, depois colocou sobre a mesa.

               – Coma!

               Gabriele sentou-se com a criança nos braços. Não iria continuar a protestar ou poderia ter mais problemas com a bela baronesa. Viu-a sentar-se ao seu lado e pegar a fatia com a mão boa e comer sem cerimônia.

               Luna viu e tentou fazer o mesmo, parecia interessada no alimento. Nem deu tempo da jovem detê-la, pois a garotinha pegou com as mãos diminutas e gorduchas a pizza, sujando-se toda.

               – Bem, pelo menos a menina quer comer. – Ana disse, enquanto devorava o próprio pedaço.

                A Bamberg riu da agonia da garotinha, então cortou pequenos pedaços para lhe dar.

             A baronesa observava a bebê lambuzando a babá com as mãos sujas.

              – Acho que você vai precisar de um banho…ou vai ter que dormir no chão.

              A neta de Bernanrd não respondeu.

               Ana levantou-se e em seguida foi ao banheiro, parecia ter colocado um fim naquela noite.

 

 

             No fim da tarde, elas já retornavam para a capital. Ao chegarem à mansão, encontrou Lia eufórica, demonstrando sua preocupação e sua felicidade em ver as duas.

                Tereza foi até Ana que passou direto por ela sem falar nada.

                 – Fico tão feliz que estejam de volta, mesmo com o mal humor da baronesa.

               – Como ousa falar mal da Del La Cruz? – A governanta indagou furiosa.

                   – Apenas foi um comentário. – Gabi retrucou, enquanto seguia para o interior da cozinha ao lado da cozinheira.

 

 

            Passava das sete da noite quando Branca chegou à mansão. Tinha sido chamada pela Del La Cruz. Pensara em não ir até lá, mas acabara fazendo o que fora pedido.

                  Seguiu até o escritório, bateu e entrou.

                Ana estava sentada em sua cadeira. Vestia-se como se estivesse pronta para sair. Vestido longo e preto. Os cabelos estavam trançados e caiam na lateral do ombro. A franja estava bem aparada.

            A mão continuava com o curativo, por essa razão ela optara por usar luvas.

              – Boa noite, senhora. – A Wasten cumprimentou.

               A baronesa exibiu um sorriso. Depois colocou sobre a mesa uma nota fiscal.

             – Não acha que exagerou muito nessas roupas?

             – Comprei tudo o que era necessário…Precisava vestir a menina de forma mais digna…acho que já estava cansativo suas humilhações.

                 – Você vai protegê-la até mesmo contra mim? Vai me abandonar só por causa dessa garota estúpida? – Indagou por entre os dentes. – Sabe que ela está em meu caminho, que é um empecilho para os meus planos.

                – E acha que a culpa é dela? – Apoiou as mãos no encosto da cadeira. – Eu não acho que alguém goste de ficar perto de alguém tão cruel…

              Ana amassou o papel e o jogou fora.

               – Não aceito sua demissão, então trate de reassumir seu cargo. – Ordenou levantando-se.

               – E você fala como se fosse a dona e senhora de tudo? – Olhou-a de cima a baixo. – Vai sair para caçar?

               – Digamos que eu precise de algo que me relaxe. – Tirou o cartão de crédito da gaveta. – Vou descontar cada centavo dessa freirinha.

          

 

              A boate estava cheia. Era um lugar que tinha som alto e pouca luz.

             O carro estacionou diante do lugar, Ana desceu e caminhou para a entrada. Não costumava sair muito, mas naquela noite sentira uma necessidade de ir ali, dançar e tentar não pensar em tantos problemas.

                Caminhou pelo lugar e foi recebida pela gerente, porém a Del La Cruz não se importou muito com o bajulamento.

                 A pista de dança estava cheia, mulheres e homens pareciam se divertir. Ela não quis ir até lá, então escolheu uma mesa no fundo do bar.

              Um garçom prontamente aproximou-se com uma bandeja cheia de taças e serviu uma a baronesa. Ela tomou um pouco do líquido e pareceu satisfeita por ter sido servida por um martini que era o seu preferido.

               Olhava tudo ao redor, depois distraiu-se com o celular que colocou sobre a mesa. Viu as últimas chamadas, lá estava a do médico que tinha atendido a Luna. Viu algumas fotos da menina e por algum momento algo a fez sorrir.

               – Ora…ora… se não é a poderosa baronesa…

             A Del La Cruz levantou a cabeça e viu a modelo.

             A mulher que estivera consigo durante longos meses. Chegara mesmo em sentir falta da amante, mesmo sabendo que não havia nada de futuro naquela relação, havia algo que lhe fazia gostar de estar com a jovem.

               – Pensei que estivesse se escondendo de mim. – Puxou uma cadeira, sentando junto a ela. – Desde que retornei ao país não ouvi falar de você…

                Ana bebeu mais um pouco do líquido.

               – Você está linda como sempre…

               – E você acha mesmo que esse sorriso em seu rosto vai me fazer cair em sua teia de sedução?

               – Sedução? – A baronesa cruzou as pernas e viu o olhar da ex-amante brilhar. – Só fiz um elogio.

                – Eu sei bem, conheço essa sua falsa classe… – Meneou a cabeça. – Não sei nem por que vim aqui, você não se importa com nada, nem com ninguém…Eu não deveria ter vindo falar contigo.

               – Então se não posso dizer que você é linda, vou ficar aqui apreciando a música… – Desviou o olhar para os casais dançando.

               Paloma mordiscou a lateral do lábio inferior.

               Não tinha ido até ali por saber que encontraria a empresária, na verdade fora por querer distrair sua mente, estava acompanhada de alguns amigos na parte superior e foi quando viu a solitária e bela mulher entrar. Não conseguira controlar a vontade de ir até lá e agora observava que fora um erro, pois sempre havia a indiferença naquele olhar. Nada mudara naquele tempo que estiveram fora.

              Observava o perfil bonito, o desenho dos lábios, o nariz forte e orgulhoso.

             – Não sentiu minha falta né? – Indagou decepcionada. – O que houve com a sua mão?

            Ana usava a atadura, porém não deu explicações sobre o ferimento.

              – Senti… – Estendeu a mão, segurando a da outra, inclinou a cabeça e depositou os lábios em sua palma. – Tenha um boa noite, linda senhorita.

                A baronesa levantou-se.

                Perdera o interesse de estar naquele lugar. Achara que seria bom para distrair a mente, porém começava a sentir uma leve dor de cabeça.

               Bebeu o resto do martini. Fez um sinal e o garçom aproximou-se.

               – Cobre da senhora Branca Wasten lá na empresa.

              O empregado assentiu. Era comum a conta sempre ser cobrada dessa forma.

                Ana esboçou um sorriso, depois seguiu pela pista de dança. Caminhava devagar, então sentiu alguém segurar sua mão. Voltou-se e viu a modelo a lhe fitar bem próximo.

              – Você está me devendo! – Ela falou com olhar sedutor. – Você não me fez gozar naquele dia que meu noivo chegou… – Sussurrou em seu ouvido. – Ele interrompeu quando sua língua estava deliciosamente dentro da minha…

                A baronesa a segurou pelos ombros, empurrando-a contra uma das paredes.

              Os lábios uniram-se em um beijo exigente. A viúva do barão segurou-lhe os cabelos na nuca, fazendo isso de forma firme, mantendo-a ali, cativa.

               Paloma sentiu a língua invadir sua boca e sentiu um frenesi passando por toda a espinha.

             Passou as mãos pelas costas expostas, descendo até as nádegas arredondadas e bem-feitas.

                  Gemeu quando sentiu os lábios passeando por seu pescoço e depois o sussurro em seu ouvido.

                – Para o nosso bem, melhor, para o seu bem, encerramos aqui…

                Antes que Paloma pudesse recuperar-se do arroubo apaixonado, Ana afastou-se com seu andar elegante e arrogante, deixando a modelo fervendo de desejo e raiva.

 

 

 

 

                Duas semanas havia se passado após o retorno à capital. Luna parecia bastante recuperada e estava cada dia mais ativa. Gabi dividia seu tempo em cuidar da limpeza da casa e da menina, pois Tereza não parecia se importar com o trabalho extra para a neta do barão.

                Naquele final de tarde, a babá seguia para a cozinha acompanhada da criança. Era um sábado de sol e tudo parecia tranquilo.

               – Menina, você não sabe fazer bolo, deixa isso para lá. – Lia dizia.

                – Mas são quatro meses da Luna, vamos fazer algo para comemorar. – Dizia entusiasmada. – E quem disse que não sei fazer? Lá no convento tive aula de culinária...

                 A criança estava sentada sobre a cadeirinha, estava toda suja, não muito diferente da própria neta do barão.

                 A ex-noviça tinha feito uma grande bagunça em toda a cozinha. Havia farinha no chão e uma enorme desordem. A cozinheira estava de folga, mas ao ver o que se passava pensou em ajudar.

                – Se a dona baronesa ver tudo isso, Deus do céu! – Lia comentou apreensiva olhando para a porta. – Por que inventou isso logo hoje? A senhora Ana está em casa. – Sussurrou. – E como sabe, não está muito bem-humorada.

              – Mas ela nunca vem aqui na cozinha, então não corremos riscos e também a Tereza saiu. – Quebrou um ovo para a massa e foi nesse momento que Luna vendo curiosa, fez o mesmo, sujando-se.

              – Não está vendo que isso é uma loucura! – Lia foi limpar a menina e a pequena jogou-lhe farinha. – Jesus, Gabi, faça essa menina parar.

               Em pouco tempo tudo virou uma bagunça ainda maior. O propósito de fazer um bolo ficou em segundo plano, pois a sobrinha da Del La Cruz estava mais interessada em jogar os materiais do bolo e gargalhava diante disso.

 

 

 

                Os aposentos da baronesa estavam mergulhados na penumbra extrema. Ela tentara descansar um pouco, pois passara a noite com suas costumeiras crises de ansiedade e nada dormira. Passara o dia todo trancada e depois de várias tentativas vãs, decidiu levantar-se para comer algo.

                Vestiu o roupão de seda sobre a camisola, prendeu os cabelos no alto da nuca e deixou o quarto. Iria até a cozinha vê se tinha algo pronto.

                 Desceu as escadas devagar, então ao aproximar-se da enorme porta ouviu gargalhadas. Chegou a pensar em não ir até lá, talvez fosse melhor chamar Tereza, mas se recordou de que a governanta tinha tirado o final de semana de folga, pois precisava visitar os pais.

                 Abriu a porta e foi quando sentiu o impacto de algo voando pegajoso em sua direção. Nem teve tempo de reagir ou se desviar do ataque.

                O silêncio reinou no ambiente, até mesmo Luna parecia perceber que tinha passado dos limites.

             Gabi viu os olhos claros focarem nos seus e sentiu um temor passar por si. Desde que tinham retornado, não a tinha visto mais, pensara até que estava viajando, foi a própria Lia quem dissera que ela estava em casa. Certa noite passara na frente do quarto que ela ocupava e ouviu o som de um lacônico violino. Ficara alguns minutos lá, ouvindo, era uma melodia tão delicada e doce…

              – Imagino que seja você a responsável por isso!

              A voz baixa e controlada da baronesa não escondia sua fúria.

              A neta do barão mordiscou a lateral do lábio inferior porque teve vontade de rir ao ver como a orgulhosa Del La Cruz parecia mais interessante toda suja de mistura de bolo. Os cabelos e a face pareciam prontos para irem ao forno.

              A jovem não respondeu. Apenas aproximou-se de Luna, como um gesto de defesa.

                Os olhos de Ana passeavam pela bagunça daquele lugar. Observava como todas estavam sujas e a sobrinha parecia um fantasma com a cara de farinha de trigo.

                   – Cuide da menina, Lia, enquanto eu tenho um serviço para a freirinha já que ela parece adorar ter trabalho.

               A Bamberg suspirou, fitou a cozinheira por alguns segundos, depois caminhou atrás da mulher. Nenhuma palavra fora dita durante o percurso. Apenas o silêncio reinava entre elas.

               Entraram nos aposentos e Ana disparou:

             – Você não cansa de arrumar motivos para me irritar? Veio aqui apenas para isso?

               – Acha mesmo que eu tenho tempo suficiente para pesquisar ações que possam tirar do sério a poderosa baronesa? – Ironizou. – Devo fazer isso quando troco a fralda da Luna ou quando a menina está dormindo e eu tenho que fazer a faxina da sua minúscula casa.

                 A Del La Cruz não parecia ter gostado do tom da jovem, então a segurou pelo braço.

                 – Como ousa me responder dessa forma? – Puxou-a para mais perto de forma brusca. – Acha mesmo que vou aceitar sua prepotência?

               A Bamberg não desviou os olhos dos outros tão furiosos. Achava que aquela mulher era demasiada exagerada em suas emoções. Não precisava ficar chateada com uma brincadeira, ainda mais pelo fato de ter sido apenas um pequeno incidente. Fazia tempo que não via a esposa do avô, tinha até esquecido como ela era irritante.

                 – Acha mesmo que está aqui passando férias, freirinha?

                    – Me trouxe até aqui para esbravejar discretamente? Não sabia que precisava fazer isso entre quatro paredes, vejo que a senhora anda evoluindo…

                Ana a segurou mais forte ainda, arrastando-a praticamente até o banheiro. Abriu o box e adentrou com a outra.

            – Ah, sim, tinha esquecido que a senhora precisa que lhe dê banho…como a Luna...

               A Del La Cruz estreitou os olhos e disse por entre os dentes:

               – Você também precisa de um banho…

                Antes que Gabi pudesse entender o que ela tinha falado, sentiu a água fria sobre si e quando tentou se afastar, foi abraçada e obrigada a ficar sob a ducha fria.

                  Ana mantinha a mulher cativa, segurando-a pela cintura para não a deixar sair. Os rostos estavam próximos e era possível ver a expressão assustada da neta de Bernard, enquanto continuava a protestar contra sua carrasca. Emitia grunhidos, como uma gata selvagem tentando livrar-se do seu caçador.

            -- Solte-me...Solte-me...

               — Agora você também estar se lavando…assim nós duas ficaremos limpas juntas… – Disse na sua orelha. – Não gosta da água fria? Talvez congele sua língua ferina...Isso seria maravilhoso, não ouvir nunca mais a sua voz irritante.

                 A neta do barão conseguiu se virar para ela e logo foi empurrada contra a parede do banheiro com força.

              – Vou tirar essa massa de você…Imagina, seu avô ficaria horrorizado com isso, ele sempre dizia que devemos nos mantes limpos para ficarmos mais perto de Deus...

            Gabi sentia-a pressioná-la mais e mais, tirando-lhe o fôlego.

              Ana tirou a blusa da jovem e ficou surpresa ao vê-la sem sutiã. Viu os seios redondos e isso a assustou. Afastando-se imediatamente, como se tivesse levado um choque.

            Mirou-a com mais raiva, parecia pronta para matá-la.

            A água continuava jorrar na e a babá continuava lá parada.

                  A Bamberg estava lá, toda molhada, não parecia ter nenhuma reação, apenas olhava para a baronesa que tinha algo diferente em seu olhar. Não conseguia decifrar, porém era algo que a deixou inquieta.

                  A empresária pegou a toalha.

                  – Vista-se e saia daqui! – Gritou. – Suma da minha frente, suma da minha vida, sua estúpida.

                  A ex-noviça sentia-se tremer, mas ainda ousou falar.

                  – Pensei que eu fosse lhe dar um banho…já que não tem os braços para se limpar sozinha…e a senhora parece muito mais suja que o recheio do bolo...

                  Ana cerrou os dentes, porém não disse mais nada, deixando o banheiro.

               

 

 

               A empresa herdada por Ana Valéria era do setor de produção de vinhos. Ela era dono de vinhedos e fabricava as melhores e premiadas bebidas.

               A baronesa não costumava ir até lá, porém vez e outra aparecia para reunião com a corporação. Herdeira de totalidade das ações, era a mandatária de tudo. Os acionistas minoritários deixaram a sala de reunião, então Branca aproveitou para falar com a empresária.

               – O serviço social vai fazer algumas visitas para ver a situação de Luna, fiquei sabendo mais cedo.

              Ana estava diante da tela do computador portátil, parecia interessada na leitura, enquanto apertava uma bola na mão.

              – E o que você acha que eu devo fazer? – Questionou sem parecer se importar.

              – Seu pai entrou na justiça, está lutando para tomar essa menina de ti, então comece a repensar suas ações. – Sentou-se diante dela. – Fiquei sabendo por Lia sobre o ocorrido no sábado…acho que não precisa ficar tão furiosa diante de algumas coisas bobas.

               A Del La Cruz mordiscou a lateral do lábio inferior e por alguns segundos recordou-se da bela visão dos seios da neta do barão. Aquela imagem a perturbou bastante. Não entendia essa tolice, afinal, não eram os primeiros seios que tinha visto na vida.

               – A Pandora já foi levada para casa? – Questionou mudando de assunto.

              – Vai mesmo levar a Pandora para a mansão? Sabe muito bem que ela não é muito adaptável a estranhos.

               – Não vou deixá-la sozinha na fazenda, vai ficar lá comigo.

                 – Então tome cuidado porque agora você tem a Luna e a Gabi…

                 – Você gastou tanto dinheiro com roupas para aquela freirinha…não comprou sutiãs?

               A administradora arqueou a sobrancelha em indagação.

                   – De que fala?

                  – Falo de nada! – Levantou-se. – E o que devo fazer para continuar com a garotinha babona e chorona? Não posso perder as ações…não agora que em breve terei as da freirinha.

          

               

               O carro esportivo passou pelos portões frontais da mansão do barão.

                   Paloma estacionou o veículo na entrada da casa. Saiu rapidamente do automóvel, subiu as escadas que dava acesso à porta.

               – Boa tarde! – Cumprimentou Lia. – Preciso falar com a baronesa.

                 Gabi vinha com Luna nos braços.

                – Ora, essa é a sobrinha da Ana Valéria? – Aproximou-se da menina que estava nos braços da babá. – E você é a neta do barão? – Questionou, enquanto examinava a jovem. – Não sabia que era tão bonita…

              A Bamberg corou diante do elogio.

              – A senhora está na piscina… – Lia falou.

              – Vou até lá, preciso falar com ela. – Disse com um sorriso.

               A cozinheira fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                – Quem é ela? – Questionou curiosa. – Parece aquelas mulheres dos filmes…

             Lia torceu a boca.

             – É uma famosa modelo, amante da senhora.

              – Amante? – Questionou baixinho. – Quando estava casada com o meu avô ela tinha um caso? Um caso com uma mulher?

               A empregada suspirou impaciente.

               – Isso não é conversa para você, é uma menina inocente, apenas saiba que havia muita coisa envolvida.

                A Bamberg não pareceu gostar de ouvir aquilo, não achava certo que alguém que tinha um compromisso sério agir com traição.

                

 

                  Ana emergiu da piscina e viu Paloma parada a lhe observar.

                – O que a trouxe aqui?

                – Queria te dar uma notícia em primeira mão. – Agachou. – Meu pai me escolheu como administradora dos dez por cento das ações da empresa do seu paizinho. – Falou com um sorriso. – Tenho um pouco das ações que você tanto almeja…

               Os olhos azuis brilharam.

                – Mas você nunca vai tocar em nenhuma delas…vou lutar com todas as minhas forças para que nunca chegue perto daquela empresa… – Sorriu. – Agora eu sou sua inimiga também? – Provocou-a.

                Ana a viu deixar a parte da piscina com seu andar de passarela. Sabia que ela não lhe entregaria nada, sabia que sua revolta era grande depois do caso terminado de forma mal resolvida. Se conseguisse as ações que agora ela tinha seria mais um passo na sua vingança contra o pai.

                Não parecia ter ficado assustada com as palavras da ex-amante. Era como estivesse segura de que conseguiria sair mais uma vez vitoriosa em relação à Paloma. Não parecia preocupada, talvez porque soubesse que seria fácil reatar o caso e conseguir o apoio da bela modelo.

            Mordiscou o lábio inferior de forma ousada.

             Lia aproximou-se com uma bandeja com sucos e frutas.

               – Fale para sua protegida vestir uma roupa de banho e vestir a Luna, quero ambas aqui na piscina comigo. – Ordenou.

              A cozinheira fez um gesto de assentimento. Jamais que iria contrariar ou responder a uma ordem da baronesa, ainda mais depois da confusão que acontecera na cozinha.

               – Também, vá até o meu quarto e veja se Pandora já despertou e comeu.

                A empregada dessa vez protestou.

              – Senhora, sabe que aquele bicho não gosta de mim…

             Os olhos azuis estreitaram-se.

             – Deixe que eu peça a Tereza para fazer isso, por favor… – Implorou a mulher.

              Ana apenas deu de ombros, voltando a mergulhar.

 

 

 

 

             – Eu não vou vestir isso!

             Lia estava sentada na poltrona, enquanto via Gabi desfilar com um minúsculo biquíni.

              – Menina, deixe de ser boba, é uma mulher linda, e também não vive mais em um convento para esconder sua beleza.

               A moça parou diante do espelho. Luna estava bem à vontade com seu maiô com um desenho de peixinho rosa. Estava deitada na cama e brincava com um ursinho.

             – Isso não importa, não está vendo como estou praticamente nua? – Falava horrorizada. – Não posso usar isso… – Sentou-se pesadamente na cadeira. – Diga que não vou…nem nadar eu sei. – Falou com desgosto.

            – Não provoque mais a baronesa, menina, você sabe muito bem que ela ainda está furiosa pela história do bolo.

              A Bamberg sentiu um arrepio na nuca ao se recordar da cena de ter os seios expostos. Aquilo a perturbara de um jeito que não gostara.

                 – Vá, coloque uma saída de praia, mas vá logo antes que a senhora venha até aqui te buscar pessoalmente pelos cabelos.

                A jovem levantou-se, ouvia o balbuciar da menina enquanto ela estendia os braços para ser pega.

              – Eu não entendo para que essa mulher quer que eu vá lá, provável que vai me humilhar por alguma bobagem…debochar do meu corpo… Eu tento não me levar para o lado cruel, mas há momentos que eu não gosto dessa baronesa. – Arrumou os cabelos que estavam presos. – Eu vou lá, sei que se não for, ela vai vir aqui e arrumará uma boa briga e eu não estou com paciência para isso.

                

 

 

              Ana Valéria bebia um pouco de suco. Estava de pé, olhava tudo ao redor. Ponderava sobre como agir com Paloma.

               Tereza aproximava-se. Era claro para todos que viam a cena que ela não conseguia esconder a admiração e o desejo pela patroa que exibia o corpo atlético em um minúsculo biquíni.

            – Me chamou, senhora? – Questionou entusiasmada. – Deseja uma massagem para relaxar? – Indagou sorridente.

              – Não, não, talvez mais tarde. – Colocou o copo sobre a mesa. – Escolha o mais lindo buquê de flores e envie para Paloma, mas não assine, apenas escreva assim: “Minha língua ainda está em dívida com você…” – Cruzou os braços. – Faça isso agora mesmo, preciso de respostas rápidas.

              A governanta não parecia contente em saber que o presente era para a modelo. Não se mostrava feliz em saber que restariam o caso.

               – Certo, senhora, farei agora mesmo. – Disse disfarçando o desagrado.

             A Del La Cruz sentia-se entusiasmada em saber que poderia conseguir mais algumas ações, enquanto ainda não tinha as da neta do marido.

             Em breve teria tudo o que ambicionava.

               Ouviu o som estridente da sobrinha e ao fitar na direção, viu a pequena nos braços da babá.

             Ajeitou os óculos de sol nos olhos, enquanto examinava a ex-noviça com atenção. Era uma mulher bonita, agora parecia uma verdadeira mulher… Ainda se sentia incomodada quando recordava dos seios redondos expostos. Sentiu uma ânsia de tocá-la, de senti-la...

                 Desviou o olhar, fitando a água cristalina da piscina.

           Em breve teria que retornar a rotina normal de reassumir sua função nos negócios.

             – Boa tarde, senhora, estamos aqui como ordenou.

             A voz de Gabriele era relutante, temerosa.

              Ana a fitou.

              – Claro que não te chamei para ficar olhando para sua carinha. – Disse aborrecida. – Leve a menina para tomar banho, há boias para ela. – Apontou para uma em forma de cachorrinho.

              A Bamberg olhou para a água. Sentia temerosa só em pensar em entrar ali. Quando era criança e vivia com Trevan quase morrera afogada. Não sabia nadar e ficava apavorada diante de água assim.

               – Eu não sei nadar! – Disse de supetão. – Então me assusta entrar com a Luna sozinha.

             A baronesa arqueou a sobrancelha surpresa.

            – O que se esperaria de uma freirinha…-- Desdenhou.

              A moça não respondeu, apenas ficou lá parada, enquanto via a esposa do avô seguir pela borda e entrar na água.

              Como uma mulher tão bonita casara com um homem tão idoso? Nunca tinha visto alguém como ela...

              Às vezes, quando não era percebida, ficava olhando-a, examinando cada parte que exibia, mas não tivera coragem de olhar o corpo no traje de banho tão minúsculo. Sentia-se incomodada.

             – Venha, sente aqui na escada. – Ana mandou.

             Gabi caminhou devagar até lá, depois sentiu os pés na água. Luna entrou em desespero querendo se jogar logo.

             A ex-noviça sentou-se com a criança nos braços, mas isso não foi suficiente para satisfazê-la. Batia os bracinhos e as perninhas querendo ir para perto da tia.

               Ana observava tudo em silêncio, enquanto olhava para a menina. Estava bem gordinha, os cabelos ruivinhos estavam presos no alto, lembrava uma pequena palmeira. Observava o maiô pequenino. Estava muito engraçada realmente.

             Estendeu os braços e ela jogou-se para si.

             – Vem, babona! – Pegou-a e a colocou na boia. – Aqui  não é fundo, pode entrar, freirinha. – Disse com um sorriso. – Venha cuidar da sua menina porque não vou cuidar.

           – Mas eu não sei nadar, baronesa…

           – Já disse que aqui não é fundo, então deixe de drama e venha logo ou pensa que vou te afogar?

             A Bamberg devagar foi entrando aos poucos, temia perder o contato com o chão, mas conseguiu chegar perto da menina. Realmente a água chegava a sua cintura.

            – Lá no convento não tinha piscina? – Ana questionou chegando perto.

              – Não… – Respondeu desviando o olhar das lentes escuras.

               – O seu avozinho queria que você fosse uma santa…como foi viver como uma por tanto tempo? – Provocou-a.

               – Não sou santa…

               – Mas vai ter que se manter pura até o dia que receberá as ações…Eu quem irei comprar, então cuidado para não fazer nada que macule sua virgindade…

               Gabi sentiu o rosto corar diante do que fora dito. Desviou o olhar. Não tinha interesse em falar sobre aquele assunto com aquela mulher que parecia sentir prazer em irritá-la.

               – Estou curiosa…Diga-me, freirinha, mesmo naquele convento não tinha nenhuma relação escondida?

               A neta do Bernard olhou para os lados, respirou fundo, tentava não ser grosseira, mas era impossível diante do olhar debochado daquela mulher.

              Suspirando falou:

               – Isso não é da sua conta!

              A Del La Cruz a deteve pelo braço, sua expressão não era uma das melhores.

              – Não me responda assim! – Disse por entre os dentes. – Acha mesmo que pode se expressar assim comigo?

               Gabi encarou os olhos cintilantes.

                 Como alguém podia ser tão bonita e cruel ao mesmo tempo? Sempre tivera a falsa ilusão que pessoas que tinham aquela imagem quase angelical deveriam ser gentis e agradáveis, porém aquela mulher era totalmente o contrário.

                 – A senhora agi o tempo todo em provocação, gosta de me humilhar, parece que sente prazer com isso… – Falou em desabafo emocionado. – Então me diga se fosse eu a agir assim, qual seria a sua reação?

                   A baronesa apertou mais sua carne, sustentando o olhar que daquela vez não parecia temer, depois de alguns segundos, soltou-a e deixou a piscina.


 

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