A antagonista - Capítulo 5
Branca estava na recepção do
hospital, tinha se oferecido para acompanhar Gabriele, Otávio também estava lá.
Ele não parecia ter ficado feliz com a presença da administradora, mas nada
comentou.
A Wasten lia uma revista, enquanto
esperava pela jovem. Se tudo estivesse certo, naquele mesmo dia a levaria para
a mansão. Não conseguira mais conversar com Ana, ela tinha seguido para sua
cabana na serra e lá não havia nenhum meio de comunicação, apenas o rádio que
ela não atendia se não desejasse. Pensara em ir até lá, mas sabia que ela
ficaria furiosa que se fosse ao seu encontro. Aquele lugar era seu esconderijo,
sua forma de ficar longe de tudo e de todos.
Ouviu o bip do celular e checou
as mensagens.
Seu marido lhe informara que
a pequena Luna já tinha recebido alta e deveria ser levada para casa. A menina
tinha apenas dois meses. Ela estava presente no carro onde seu pai e sua mãe
tinham morrido em um terrível acidente. A criança apenas quebrara o braço e
agora podia seguir para sua tutora. Antony Del La Cruz deixara a guarda da
menina para a meia-irmã, algo que deixara todos chocados, afinal, ele fizera
parte da armação para tirar a herdeira da vida do pai.
Respirou fundo.
Ana não se importava com a
menina, nem mesmo se importara quando a criança tinha sido levada para o
hospital, jamais perguntara sobre a saúde da garotinha. Só tinha interesse em
administrar as ações, sem pensar no bem-estar da bebê.
Viu a jovem se aproximando.
Levantou-se para ir até ela.
A herdeira de Bernard vestia
seu hábito e seu olhar demonstrava preocupação. Em sua mão trazia um envelope.
Sentia-se humilhada por ter sido submetida a esse tipo de tratamento. Nunca pensara
que pagaria um preço tão alto para livrar-se das paredes do convento. Pouco
dormira na noite passada. Sua mente estava cheia de suposições, temores,
afinal, não conhecia outra realidade que não fosse a do lugar religioso.
Um dia após a leitura do testamento,
falara com Trevan pelo telefone. O fotógrafo não gostara nada das imposições do
barão, ainda mais pelo fato da garota precisar morar na mansão com a baronesa.
Chegara a pedir que não aceitasse, mas ela decidira que não ficaria mais no lugar
sagrado. Seria errado, pois não tinha vocação para religiosa.
– E então? – Branca indagou com um
sorriso.
– Acho que está tudo bem… – a
moça disse corada.
– Então agora só falta sua
decisão. – Otávio intrometeu-se. – Mas não esqueça que você terá que conviver
com Ana di Pace, e essa sim é uma parte complicada da sua vida…digo-lhe que não
será fácil…essa mulher não tem princípios, nem se importará em tentar de todas
as formas te destruir. – Dizia sem se importar com a presença da
administradora. – Não estou aqui para tomar suas decisões, porém se estivesse
em seu lugar, permaneceria no convento.
– Ora, que lindo, o seu amor
incubado pela baronesa é comovente. – A Wasten falou em deboche. – Não se deixe
levar por essas bobagens, vamos para a mansão, tudo já está pronto.
– Gabriele, se eu fosse você não aceitaria…
A jovem temia o que se
passaria quando fosse morar com a viúva, mas não desejava mais viver em um
convento, queria ir embora.
– Irei contigo, senhora Branca.
– Disse por fim.
Não havia luzes acesas na
cabana. Já era noite e a escuridão apossava-se do lugar. A construção era de
pedra. Tinha dois andares e ficava no topo da serra. Não havia luxos ali,
apenas o básico.
Ana estava sentada em uma
cadeira, enquanto sua cadela, Pandora, estava sobre seus pés. O animal tinha
sido resgatado, depois do antigo dono a surrá-la e deixá-la quase morta quando
ainda era um filhote. Tinha o porte grande, os pelos negros. Era dócil, mas não
permitia que se aproximassem da sua dona, só quando a própria baronesa lhe
ordenava que deixasse.
A lareira tinha sido acesa e o fogo dançava
com sua sombra nas paredes.
O melodioso som do violino
começava a encher o ambiente. Era uma melodia triste, emotiva, de intensa
sensibilidade.
Nunca deixara a música. Quando
deixara o manicômio, fora nos acordes que conseguira se manter viva.
Não doía mais a traição de
Lorena, porém não época que ficara sabendo que a amada armara tudo para
conseguir tirar vantagens, sua vida perdera todo o sentido, aceitando seu fim
naquele terrível hospital psiquiátrico.
Pierre tinha feito seu último pedido
e trouxera consigo uma carta do próprio punho da loira. Lá ela confessava que
sua intenção em iniciar a relação era apenas tirar vantagem do dinheiro de
Antônio...
Se pudesse esquecer o passado...
Mas todos os dias sua tortura
reiniciava. Recordava-se de cada detalhe, de cada sofrimento que fora lhe
infringido. Parecia que continuava presa em todos aqueles momentos de
desespero.
Fora tola em acreditar e isso
nunca mais aconteceria…
Ouviu o som do trovão e o
choramingo da cadela, então, afagou-lhe o pescoço.
– Calma, menina, é apenas a
natureza…– Deixou o violino de lado, tendo o animal sentando em seu colo, mesmo
sendo tão grande.
Ficou assim, parada, apenas
ouvindo a chuva cair.
A manhã na mansão de Antônio Del
La Cruz era sempre bastante agitada, ainda mais quando ele estava na cidade. Os
empregados corriam de um lado para o outro para manter o espaço sempre
organizado, pois qualquer coisa fora do lugar era considerado falta de atenção
por parte deles. Francisca demitiria sem nem mesmo pensar duas vezes.
O senador estava em seu escritório.
O espaço era bastante luxuoso. Cada
móvel que fora colocado ali tinha sido projetado especialmente para isso. As
cadeiras de couro, as poltronas do mesmo material preto. Havia quadros de
pintores famosos nas paredes. Estantes com coleção de obras raras.
Antônio estava sentado diante da
tela do computador e observava o balanço da empresa. Os lucros estavam bons,
porém tinham decaído do último semestre. Precisava redobrar os cuidados, ainda
mais agora que Ana já contava com vinte por cento das ações e ela buscava mais,
porém o barão fora muito esperto em mantê-la afastada por enquanto, mas ela não
se conformaria por muito tempo.
Observou o envelope que estava
sobre a escrivaninha, pedira um relatório sobre a vida da neta de Bernard no
convento, precisava procurar algumas brechas e consegui-la trazer para seu lado
e no final ficaria com as ações. Falara com Lorena e também com Trevan, mas o
homem não parecia interessado, diferente da sua irmã que sabia que se Ana
colocasse as mãos em todo aquele poder dentro da corporação, seria destruída e
perderia tudo o que tinha conseguido durante todos aqueles anos.
A porta abriu-se com um empurrão.
– Exijo que consiga uma ordem para
que eu possa ver minha neta.
Antônio observou a esposa toda
descabelada.
– E de onde você tirou essa
vontade? – Ele indagou calmamente. – Você mesma tinha deixado claro o desprezo
que sentia pela mãe da menina ser uma empregada de loja.
Esse foi um dos motivos de Antony
ter preferido deixar a guarda da filha para Ana Valéria. Mesmo que ambos os
irmãos não tivessem tido nenhum contato, ele sabia que sua mãe seria pior para
a criança.
– Não me importa isso, só não vou
permitir que a sua maldita filha saia ganhando nessa história. – Gritava. – Ela
quem poderia ter morrido e não meu amado filho. – Colou as duas mãos sobre a
mesa. – Ela vai te destruir e vai me destruir por tudo o que fizemos, não tem
medo disso?
O senador olhava para a esposa.
Ela parecia bastante descontrolada
desde o acidente que tinha tirado a vida do filho. Agora mesmo, ela exibia os
cabelos em desalinhos com fios brancos, o roupão que usava estava sujo e fedia
a bebida, atividade que nos últimos dias ela se dedicava com mais afinco.
– Acho melhor você se recompor ou…
– Ou o quê? – Berrou alto. – Vai me
internar em um manicômio como fez com sua filha? Vai se livrar de mim do mesmo
jeito e arrumar outra esposa? – Apontou-lhe o dedo. – Sinto muito por você, Del
La Cruz, mas se tentar fazer algo assim, vai se arrepender por toda sua maldita
vida.
– Não seja estúpida! –
Repreendeu-a, levantando-se. – Esse seu comportamento não é adequado, ainda
mais se deseja destruir a Ana. – Passou a mão pelos escassos cabelos. –
Arrume-se, vamos a um evento religioso que vai me ajudar bastante, já comprei
algumas cestas básicas, quero que as fotos saiam perfeitas.
Francisca o encarava, mas não disse
mais nada, apenas fez um gesto afirmativo, deixando em seguida o escritório.
O aeroporto internacional estava
lotado de pessoas. As vozes das companhias aéreas divulgavam a toda hora os
próximos voos. O lugar era enorme, contando com famosos restaurantes,
cafeterias, livrarias e até um shopping.
Passavam das dezesseis horas do
horário local.
– Tem certeza que vai retornar,
Paloma?
Duas mulheres ocupavam uma mesa na
cafeteria. Uma era uma famosa modelo internacionalmente conhecida. Alta,
cabelos cor de ouro e rosto tão bonito que parecia ter sido moldado por um bom
cirurgião plástico.
– Claro que sim, passei dois anos
aqui, já desejo voltar para casa.
A outra, Paula, era sua amiga e empresária.
Bebeu um pouco do suco que pedira.
– Acho que está voltando apenas
para ir atrás da Del La Cruz…
A modelo suspirou, enquanto
bebericava o cappuccino.
– E você acha que a tal da Ana vai
te assumir? Você e ela foram flagradas na cama por seu noivo, você terminou seu
compromisso e ela nem mesmo se importou.
– Ela estava casada com o barão. –
Retrucou impaciente.
– Todo mundo sabe que o casamento
acabara há muito tempo e que só havia o papel que os uniam…na verdade, eu me
pergunto se teve casamento…muita areia para aquela velho decrépito…
– Eu vim embora sem lhe dar uma
chance… – Olhava a porcelana decorada. – Eu sei que se tivesse ficado e
aceitado o que me dava tudo teria sido diferente, mas eu estava com meu orgulho
ferido e a abandonei…
A empresária da modelo parecia
perplexa com o que ouvia.
– O que a Del La Cruz tem que
nenhum dos seus amantes têm? – Indagou perplexa. – Você se relacionou com
homens e mulheres maravilhosos, mas nunca esqueceu esse caso.
– A baronesa tem algo que eu não
sei te explicar…É como se eu tivesse caminhando em um precipício ou se uma
droga muito forte tivesse sido aplicada em minhas veias. – Pegou o morango e
comeu. – Eu sei que ela exibe aquela frieza toda, mas por baixo daquelas
camadas há outra pessoa… o sexo com a Del La Cruz é o verdadeiro pecado
original…
– E você já encontrou essa outra
pessoa? – Ironizou.
Paloma fez um gesto negativo com a
cabeça.
– Eu estou retornando, mas isso
também não significa que irei rastejar pela Ana, voltarei porque tenho planos
para mim.
– Então não vai atrás dela?
– Não preciso ir até lá para que
fique sabendo do meu retorno. – Observou tudo ao redor. – Acha que as pessoas
ainda lembram do escândalo que foi o flagra que foi dado?
– Se você colocar em qualquer
buscador, nada mais encontrará.
– Sim, a baronesa usou seu poder
para que o escândalo não perdurasse…Só os íntimos sabem do ocorrido.
– Como se sentiu quando foi
flagrada no dia do seu casamento na cama com outra?
Paloma mordiscou a lateral do lábio
inferior.
– Fiquei puta da vida porque ele
chegou bem na hora que eu iria gozar deliciosamente com a língua da Del La Cruz
dentro de mim.
A gargalhada que ambas deram chamou
a atenção de algumas pessoas que estavam ao lado. Não demorou para o voo das
duas serem anunciadas e elas seguirem para o portão de embarque.
Branca estacionou o veículo na
frente da mansão. Trazia consigo a neta de Bernard. Não conseguira falar com
Ana, ela não usara o rádio para a comunicação. Claro que não recebera
autorização para trazê-la, porém também não fora proibida.
Abriu a porta, pegando a
pequena valise da moça. Estranhou que não havia quase nada para trazer. Nem
mesmo roupa tinha, só os hábitos. Teria que comprar algumas roupas para a
menina.
– Seja bem-vinda e não tenha
medo, tudo vai ficar bem.
A jovem olhou a fachada do
casarão. Era um lugar muito bonito. Apenas tinha visto um lugar assim em
algumas revistas. Pensava como uma pessoa só podia viver em uma residência tão
grande. Os jardins eram vastos, havia um jardim muito bonito e árvores
frutíferas.
Ainda conseguira falar com Trevan. O pai
adotivo não gostara do fato de ela ter que viver com a Del La Cruz. Falara para que tivesse cuidado e em nenhum
momento falasse sobre ele e Lorena, ficara curiosa, mas nada ele dissera para
justificar suas palavras.
Observou os próprios trajes
incomodada.
Não tivera tempo de trocar a roupa,
só depois o faria.
Olhou para todas as partes,
parecia apreensiva, temendo encontrar a baronesa.
– Vamos…
A voz de Branca lhe tirou dos
seus devaneios.
Fez um gesto afirmativo com a
cabeça, seguindo ao lado da administradora. Sentia as pernas trêmulas ao subir
os degraus que dava acesso à mansão.
Tereza e Lia estavam lá,
olhavam para a Gabriele de formas diferentes. Esta com gentileza e esboçando um
sorriso de simpatia, aquela com ar de superioridade e arrogância.
– Tereza a governanta e Lia a
cozinheira. A limpeza do lugar é feita por uma empresa terceirizada. – A administradora
apresentava.
– Muito prazer…
A ex-noviça estendeu a mão,
porém só a cozinheira aceitou o cumprimento.
A Wasten pensou em admoestar a
governanta, mas sabia que seria mais combustível para ela agir de forma
irritadiça com a neta do barão.
– Lia, por favor, leve-a para
o quarto que pedi que arrumasse.
– As ordens da senhora Del La
Cruz é para que ocupe um dos quartos dos empregados. – Tereza interviu.
Branca a fuzilou com o olhar.
– Então, andou falando com a
sua patroa? – Deu de ombros. – Leve-a para onde eu disse, Lia.
A cozinheira rapidamente pegou
a valise e pediu que a jovem a acompanhasse.
A governanta olhava tudo com ar
de irritação.
– Não esqueça que você também é
empregada aqui…e não deve achar que só porque fica massageando a Ana, isso muda
alguma coisa.
– Só estou cumprindo as ordens da
senhora baronesa. – Respondeu indignada.
– Com a senhora baronesa eu me
resolvo. – Esboçou um sorriso. – Onde está a Luna?
– No quarto com a babá, mas não
parou de chorar enquanto estava acordada. A senhora não vai gostar nada disso.
– Essa babá que você
arranjou não parece ter muito jeito, isso sim. – Subiu as escadas para ver como
a menina estava.
Naquela noite, a Bamberg não
conseguia dormir. Não estava se sentindo bem, ainda mais depois do encontro com
a tal governanta que agia como se fosse a dona da casa.
Tomou um banho e vestiu um
roupão que Lia tinha levado para si. Seguiu para o corredor e foi quando ouviu
o choro de uma criança. Mas não era um pranto normal, era desesperado. Ela
sabia, pois havia um orfanato no convento. Não eram bebês, mas era possível
perceber o tom.
Lentamente, seguiu até a
porta, batendo-a, mas ninguém respondia e o choro ficava cada vez mais alto.
Ela entrou. O lugar estava mergulhado na penumbra. Ela conseguiu acender as
luzes e logo viu um berço e um bebê deitado. O bracinho estava engessado. As
bochechas estavam tão rosadas de chorar. Os cabelos eram finos e escassos,
tinha uma coloração loira escuro.
Aproximou-se devagar, estava
com a face molhada de tanta lágrima.
Nunca tinha segurado um bebê tão
minúsculo, na verdade, nunca tinha tido contato com um recém-nascido, mas mesmo
assim, pegou-a com cuidado para não a machucar.
Aos poucos, o pranto ficava
menos, enquanto lhe balançava nos braços. Observou os olhos e viu que também
eram azuis, mas não do mesmo tom da dona da casa. Quem seria aquela criança? E
por que não havia ninguém cuidando dela?
Procurava por algo que
pudesse alimentar a menina, foi quando a porta abriu e a mulher que chamavam de
Lia entrou. Ela parecia surpresa ao encontrar a nova moradora da casa ali,
ainda mais sem usar o hábito.
– Eu…eu vim…porque…eu…ouvi
choro…– Explicava gaguejando.
– Sim, por isso eu vim. – Tirou
uma mamadeira do avental. – Desde que está aqui, ela chora à noite. – Olhava
tudo encantada. – Mas pelo visto ela gostou de você… – Aproximou-se tocando seu
cabelo fino. – Ela chora porque fica sozinha. Tereza contratou uma babá que
fica apenas durante o dia e a menina fica sozinha aqui.
– Mas, ela é muito novinha…e
está machucada. – Falou preocupada. – Quem é ela?
Lia tirou a mamadeira e entregou
para Gabi que já começava a dar para a bebê.
– Sobrinha da baronesa… –
Dizia, enquanto arrumava o berço. – O irmão morreu em um acidente há poucos
dias e ela fora escolhida como guardiã da menina. Tem a guarda da pequena Luna,
mas como tudo aqui, ninguém liga para ela.
– Luna… – A ex-noviça falou
baixinho. – Que nome lindo…Combina com ela...
– Luna Valéria…Valéria igual
a tia… – Suspirou. – Não deve ficar aqui, se Tereza te encontrar vai ter sérios
problemas.
– Não vou deixar essa criança
sozinha… -- Retrucou decidida. – Um absurdo isso, como podem ter esse
comportamento?
Lia exibiu um sorriso.
Percebia que a neta do Bernard tinha muita personalidade, apesar de agir sempre
com cautela.
– Então, saia antes das
oito, esse é o horário que a babá retorna, infelizmente não posso ficar, a Tereza
vai fazer fofoca para a senhora Ana.
Gabriele viu a cozinheira
deixar o quarto e ficou indignada com o fato de praticamente abandonarem a
menina naquele lugar. Viu como parecia faminta, bebia o leite rapidamente.
Sentiu um cheiro ruim, decerto estava suja sob a fralda.
Não iria deixá-la sozinha
mesmo.
Passava das dez da manhã
quando o helicóptero pousava no heliporto particular Bamberg.
Ana deixou a aeronave junto
com a cadela, Pandora. Seguia para o
carro que estava estacionado ali perto. Abriu a porta e acomodou a companheira,
depois seguiu para ocupar a direção do veículo.
Retornava, mesmo sabendo que
aquela não era sua vontade, porém havia inúmeras ações a serem tomadas.
Assumiria as ações que eram da filha de Antony e arrumaria uma forma de se
livrar da garota. Não a queria por perto. Pensava em mandá-la para algum lugar
que fosse longe o suficiente para não precisar conviver com sua presença.
Quanto à freira, essa também não
teria uma boa vida ao seu lado, ainda mais por significar mais um atraso em sua
vingança.
Apertou o volante com força.
Branca ouvia os gritos de Tereza, enquanto
uma voz doce, porém firme parecia não baixar a cabeça.
Subiu as escadas, mesmo não
estando em boa forma, porém não podia se demorar.
Ao chegar à porta do quarto
onde Luna ocupava viu a governanta esbravejar, enquanto a ex-noviça segurava
nos braços a pequena criança.
A administradora ficou surpresa
ao ver a jovem sem seu traje religioso, agora vestia apenas um roupão. Os
cabelos pareciam um ébano. Brilhavam em cachos longos em suas pontas. Exibia uma
tez bonita. Não tinha a aparência do barão, parecia um anjo em sua expressão
mais plena.
– A senhora deixou essa criança
aqui sozinha, como pôde agir assim?
– Isso não é da sua conta, saia
daqui imediatamente.
– Ela não irá! – A Wasten
intrometeu-se. – E que história é essa que a Luna fica sozinha? Te disse para
conseguir outra babá para assumir o turno da noite, ordenei que fizesse isso o
mais rápido possível.
Tereza olhou-a com expressão
irada.
– Estou seguindo as ordens da
baronesa. – Falou com a cabeça arqueada. – Apenas ela decide o que deve ser
feito aqui.
– Senhora Branca, deixaram a Luna
aqui, não havia comida, ninguém para lhe cuidar…veja, como podem fazer algo
assim? Estava com a fralda suja...
–
E quem é você para se intrometer nas minhas ordens?
Todos os olhares voltaram-se para
a voz fria que as fitavam com expressão ameaçadora.
A Del La Cruz tinha chegado e ao
subir para o quarto viu o que se passava.
Seus olhos passearam pela
administradora, por sua governanta, pelo bebê, porém a imagem da mulher a lhe
encarar com ar de surpresa e desafio pareceu lhe prender a atenção.
Usava um roupão já gasto. Os cabelos
eram negros, com cachos entre o liso. Tinha uma expressão diferente da primeira
vez que a tinha visto. Os olhos eram bem desenhados, chegando a pensar que eram
pretos, porém havia uma cor diferente quando se olhava de perto.
A voz da moça lhe interrompeu a
análise.
– Não acho que é assim que se
trata uma criança… – Gabriele, mesmo temerosa, falou.
– Calada! – Ana disse por
entre os lábios de forma baixa. – Na minha casa, você só falará quando eu der
permissão, quando eu quiser ouvir sua voz, o que não é o caso nesse momento.
Tereza exibiu um sorriso
vitorioso.
– A neta do barão agi como se
tivesse direitos aqui… desafiou as suas ordens e quando tentei lhe falar, foi
arrogante…
Enquanto a governanta narrava fatos
que não eram verdadeiros, a viúva do barão examinava bem a garota que daquela
vez parecia sustentar o seu olhar.
– … e foi isso que aconteceu.
– Baronesa… – Branca tentava,
mas a patroa fez um sinal com a mão, calando-a.
– Saia desse quarto agora,
freirinha, e vá fazer os afazeres que Tereza lhe ordenou, afinal, ela quem dirá
o que você pode ou não fazer aqui... Quanto às minhas ordens, nunca mais ouse
contrariá-las.
A Bamberg pensou em retrucar, mas
não sabia se isso seria bom para a criança que estava em seus braços.
Devagar, seguiu até o berço e
lentamente depositou a menina lá. Rapidamente deixou o quarto, mas antes ouviu
o choro da pequena órfã.
Ana Valéria olhou para o bebê e
depois olhou para a governanta.
– Eu não quero ouvir nenhum escândalo
aqui, só desejo descansar, então faça algo para essa pirralha parar de fazer
escândalos.
Branca a viu deixar os
aposentos e foi ao seu encalço, entrando junto com ela em seu quarto.
– Você está sendo cruel, Ana!
– A empregada lhe acusou. – Ana di Pace está agindo sem misericórdia com um
bebê!
A baronesa começou a desabotoar
a blusa, não parecia se importar com a acusação.
– Agi como uma garota mimada
que está cega por uma vingança… por isso todos temem você...Mas você gosta,
gosta de amedrontar a todos com sua fúria.
– E você acha mesmo que isso
me importa? – desabotoava a calça. – Eu não me importo com nenhum deles e não
estou aqui para ser amada por ninguém.
– Às vezes, penso como pode
ser tão cruel…
Branca conhecia Ana há muito
tempo e não costumava se importar em dizer o que pensava dela, mas nunca fazia
aquilo na frente dos outros, apenas quando estavam sozinhas.
– Você ordenou a Tereza para
que a babá só cuidasse de Luna durante o dia, o resto do tempo a menina fica
sozinha… ela é um bebê, Meu Deus, como pôde?
– Não me venha falar nesse Deus
na minha presença. – Disse furiosa. – Faço o que quiser, não tenho que te dar
satisfações, então saia daqui e me deixe em paz, melhor, vá tentar fazer com
que o testamento do barão seja anulado e eu possa ter as ações que desejo há
tanto tempo...assim jogo na rua essa maldito freira.
– Sabe que seria uma tentativa
vã.
– Mas eu quero que faça! –
Ordenou. – Faça alguma tentativa, pois não vou aceitar essa garota na minha
casa.
A Wasten suspirou.
Sabia que não tinha o que fazer,
aquela mulher era irredutível.
-- E quanto à criança?
A baronesa apenas seguiu até a porta,
abrindo-a.
-- Deixe-me sozinha, nego-me a continuar
discutindo...
A administradora fitou-a por alguns
segundos, mostrando em seu olhar como estava triste com suas ações, depois saiu
dos aposentos.
Dois dias e nenhuma babá
aguentavam ficar cuidando de Luna. A menina chorava o tempo todo, não parecia
se importar de passar o dia gritando em plenos pulmões.
Gabi estava proibida de se
aproximar. Tereza a obrigava a limpar toda a casa, não parecia se importar que
era humanamente impossível para uma pessoa sozinha conseguir organizar tudo
aquilo. Até tinha dispensado a empresa terceirizada que era responsável por
esse trabalho. Sentia prazer em ver a jovem o dia todo ocupada.
Lia encontrou a moça no porão.
Levou um copo de suco para ela.
– Avise a senhora Branca o que
está acontecendo. – A jovem pedia. – Ouvi o choro da Luna durante todo o dia,
acho que ela não está bem.
– Eu já avisei, mandei
mensagens e acho que não vai demorar a chegar, porém não acredito que isso vá
ajudar em algo… a senhora baronesa parece o demônio em pessoa. – Fez o sinal da
cruz. – Ela estava até melhor, mas nos últimos dias vem superando a maldade.
A jovem mordiscou a lateral do
lábio inferior.
– Como o barão tinha alguém
assim como esposa...Ela parece aquelas bruxas das histórias...não na aparência,
mas no jeito de agir...Acho que meu avô deve ter sofrido bastante.
– Ele era pior que ela…-- Lia
cochichou.
– Era? – Bebeu mais um pouco do
suco. – Como alguém tão jovem se casou com um homem tão velho?
A cozinheira fez um gesto
afirmativo com a cabeça.
-- Quando se casaram era uma
menina, aceitara-o porque… – Cobriu os lábios com as mãos. – Preciso voltar
para os meus afazeres, se a Tereza descobrir que estou aqui vai fazer um
escândalo.
A moça ainda pensou em fazer
mais perguntas, porém a mais velha saiu apressadamente do lugar.
Sentou-se em uma cadeira,
enquanto observava os livros empoeirados que estavam naquele lugar.
Espirrou, espirrou e espirrou
várias vezes seguidas. A sujeira e a poeira daquela parte estavam fazendo sua
alergia manifestar-se.
Precisava fazer algo para ajudar
Luna. Pensou em fazer uma denúncia, talvez alguém pudesse fazer algo para
proteger essa criança. Agora entendia o que Trevan falara sobre a viúva de
Bernard.
Ana estava na sala de
exercícios. Aquilo fazia parte da sua rotina para tentar lidar com as crises
que vez ou outra lhe atacavam. Passar tantos anos em um manicômio tinha lhe
feito muito mal.
Corria na esteira, o suor já
banhava sua face do esforço demasiado.
Havia uma personal que lhe
acompanhava em suas atividades físicas. Ela lhe orientava em suas ações.
O lugar era totalmente equipado
com o melhores equipamentos. Até uma piscina havia na área.
– Ana, pelo amor de Deus, deixe
que a Gabi cuide de Luna, pois quando a bebê estava com ela fora a única vez
que ficara em paz.
A ruiva não respondia. Usava fones e
apenas observava a administradora pelo reflexo do espelho que estava à sua
frente.
A voz de Branca não fez a
baronesa cessar sua corrida.
Aumentou a velocidade.
– Saiba que hoje recebi uma
ligação da vara da infância e não vai demorar para uma assistente social vir
aqui para checar as condições em que está vivendo a menina…vai perder a guarda
dela para Antônio se continuar agindo assim. – Apelou para o único assunto que
interessava à empresária. – Ficará sem as ações e não vai adiantar colocar a
culpa em mim!
A baronesa nada fez ou falou,
apenas continuou sua atividade física como se nada a importasse.
– Eu farei o que tem que ser
feito, não vou me importar se vai aceitar ou não.
Branca deixou o salão, sabia que
deveria ajudar a criança mesmo que fosse de encontro aos objetivos da sua
patroa.
Fazia uma semana que a herdeira do barão estava na mansão.
Ela não costumava deixar os
aposentos, ficando apenas com a menina lá. Graças a Wasten, ela tinha permissão
de cuidar da criança. As refeições, Lia levava escondido junto com as
mamadeiras, pois se apiedara da jovem que parecia cercada de inimigos,
principalmente Tereza, que parecia sempre pronta para arrumar algo e se queixar
com a Del La Cruz.
Era sábado e Ana estava em casa.
Tinha saído na noite anterior e só
retornara ao amanhecer. Dormira até as doze e agora tinha descido e ocupava a
mesa para almoçar. Vestia calça de algodão folgada, moldada em seus quadris e
uma camiseta colada ao corpo, delineando os seios moldados por um sutiã. Os
cabelos estavam presos de forma rígida no alto da cabeça e uma parte longa da
franja tinha sido colocada atrás da orelha.
Lia servia o almoço quando Tereza
descia as escadas furiosa.
– Não pense que vai levar comida
para aquele quarto novamente. – A governanta dizia. – Senhora baronesa, é um
absurdo o que está acontecendo aqui em sua casa. – Tomou fôlego. – Perdão por
desabafar na hora do seu almoço, mas eu já não aguento mais. – Dramatizava. –
Sabe que faço tudo para manter a ordem aqui e por isso tenho sua confiança, mas
desde que essa moça chegou tudo está saindo do meu controle.
A Del La Cruz fitou os pratos que
estavam sobre a mesa. Não sabia o que era ter um dia de paz desde que recebera
em sua casa algumas “hóspedes”. Tentava ignorar os acontecimentos e as queixas
da governanta, porém aquele dia não era um dos melhores para si, pois tinha a
impressão que seu controle mental não estava funcionando, ainda mais depois de
ter tido uma manhã terrível. Sua crise de ansiedade atacara, deixando-a
praticamente sem conseguir dormir, ainda mais pelo fato de recusa-se a tomar
medicamentos para lhe ajudar nos momentos que não consegue controlar as agonias.
– O que houve agora? – Questionou
impaciente, colocando os talheres ao lado do prato. – O que se passou agora?
Ana nem se recordava mais da neta
do barão que estava lá, tivera outras coisas que tomaram sua atenção nos
últimos dias, por isso nem mesmo buscara saber como a freirinha estava se
saindo ou nem mesmo se ocupara em anular as decisões que Branca tomara em
relação à Luna.
– Acontece que a babá se acha mais
importante que todos aqui nessa casa. – Colocou as mãos na cintura. – Ela não
deixa aquele quarto para fazer uma única refeição e Lia faz todo o trabalho com
o bebê.
– Isso é mentira! – A cozinheira
protestou.
– Cale-se! – A baronesa ordenou
furiosa. – Isso é típico de você assumir as responsabilidades dos outros. –
Levantou-se da cadeira. – Eu deixei claro que essa garota era apenas uma
empregada qualquer… Falei para não se intrometer em suas funções, porém
continua indo contra as minhas ordens.
– Ela é a neta do barão… – Lia
cobriu a boca depois de responder a patroa.
Os olhos azuis estreitaram-se.
– Está me desafiando? – Questionou
estupefata. – Ousa me desafiar, Lia?
Conhecia a cozinheira desde que
chegara para viver com Bernard e, mesmo não sendo abertas a carinhos, sentia
que a colaboradora tinha certa simpatia por si.
– Por favor, senhora, me deixe
explicar o que se passa, não é nada do que a Tereza está dizendo.
– Está me acusando de mentirosa? –
A governanta aprumou a cabeça arrogante. – Você vai negar que desde que essa
garota veio para cá anda fazendo coisas que sabe bem que são proibidas?
– Estou apenas dizendo que nada é
da forma que diz.
– Senhora Ana, se duvida de mim, vá
até lá e comprovará o que lhe digo.
A Del La Cruz ainda encarou a mais
velha por alguns segundos, depois olhou com desgosto para a própria refeição
que parecia deliciosa. Resignada, seguiu em direção ao andar superior.
Nos aposentos ocupados por Gabriele
e Luna tudo parecia calmo, exceto que a ex-noviça usava a banheira infantil
sobre o trocador para banhar o bebê e como a menina gostava de brincar com o
líquido, o assoalho estava molhado e a camiseta que a babá usava também. Não
tinha muitas roupas, aquela fora Lia quem tinha lhe dado e sempre a vestia na
hora do banho da criança.
Luna tinha uma expressão de alegria,
enquanto brincava com o patinho. Ela soltava gritinhos de felicidade, expondo
as gengivas rosadas.
Engraçado como a aparecia da
garotinha tinha mudado. O gesso já tinha sido retirado do pequeno bracinho e
agora ela já demonstrava mais segurança com a presença da babá. A jovem não
podia negar que se sentia bastante bem desde que se ocupara da menina. Evitava
atritos com a governanta que vez e outra arrumava uma desculpa para lhe arrumar
mais trabalhos. Lia sempre lhe ajudava quando isso acontecia, ainda mais se
fosse em momentos que tinha que dar total atenção para a sobrinha da
empresária. A senhora Branca sempre aparecia lá para saber como tudo estava,
era sempre muito gentil, até lhe trouxera algumas roupas, pois as que tinham
eram poucas. Não voltara a encontrar a baronesa e isso lhe deixava aliviada.
Pensara em alguns momentos que ela não estava na casa, mas a cozinheira
confirmara sua presença. Dizendo que passava parte do dia trancada na sala de
exercícios e no escritório.
Jogou um pouco de água na cabecinha
da menina. Os cabelos eram tão finos que pregavam-se à nuca como se nada
tivesse lá.
Riu quando cheirou o pescoço da
bebê e ela usou a mãozinha para tocar seu rosto.
A Bamberg sentia-se bem agora,
gostava da criança e seus dias pareciam muito mais felizes cuidando da pequena
que também parecia ter se apegado a ela.
– Você é muito fofinha. – Dizia,
enquanto passava shampoo nos cabelinhos escuros. – Não podemos demorar muito, pois estou com
fome e você também, afinal, está quase na hora do seu papa.
A criança não entendia o que era
dito, então apenas batia as minúsculas mãos na água, molhando tudo ao redor. Todo
dia era a mesma coisa e no final, limpava tudo, porém o que importava era que a
garotinha se mostrava cada vez mais saudável.
Ana subia as escadas furiosa, pois
quando aceitara o que Branca propusera, pensara que suas ordens tinham sido
seguidas e não que a maldita garota fosse se sentir como em um hotel de férias.
Não gostava da neta de Bernard, ainda mais pelo fato de ser a responsável por
adiar seus planos. Ainda lutava na justiça para anular o testamento do marido,
mas sabia que as chances eram mínimas. Agora precisava aceitar em sua casa
alguém que tinha o sangue podre do barão, alguém para lhe relembrar como o
miserável tinha sido terrível consigo. Muitas vezes, sentia que estava
mergulhado naquele pesadelo. Primeiro, porque pensara que deixar o manicômio e
viver com aquele homem poderia ser algo bom; segundo porque não demorara muito
para descobrir que estava em uma situação ainda pior. Na sua primeira noite
como esposa do Bamberg, ele fora tão cruel, nojento que ela acabara vomitando
todo o leito pelo asco que lhe acometeu. Nos dias seguintes, fora obrigada a
deitar-se com outros homens. Participando de orgias, aceitando o tratamento que
recebia em troca de não ser mais uma vez internada. Com o tempo, aprendera
anestesiar suas dores, deixara de sentir, de pensar e só permitira ser usada.
Olhou em direção ao corredor longo.
Parou ao ouvir o som dos risos. Por
alguns segundos, apenas ficou a escutar a melodia que parecia tão única.
Abriu a porta dos aposentos e
quando deu os primeiros passos no interior, escorregou, sofrendo uma queda.
A ex-noviça ficou estática ao ver o
acontecido, parecia não só surpresa, mas também perplexa.
Olhava a mulher deitada sobre o
chão molhado.
Até Luna parara de bater na água,
olhando para a tia que estava caída.
Soltando um gritinho, a menina ria como se fosse algo engraçado.
Os olhos da baronesa mostravam sua
fúria.
Gabriele
tirou a menina da água, colocando-a no berço, em seguida foi até a esposa de
Bernard, tentando ajudá-la, mas foi repelida.
– Solte-me, sua estúpida! – Ana
esbravejava. – Não ouse tocar em mim. – Falou quando tentava levantar-se – Eu
deveria te jogar na rua nesse exato momento. – Massageava o ombro direito que
doía. – Jogá-la na rua sem nenhuma consideração.
A neta do barão mordiscou a lateral
do lábio inferior, enquanto observava a cena, chegando até mesmo a sentir
vontade de rir do que tinha acontecido, porém não o fez, ficando quieta em seu
canto. Olhava os olhos azuis em chamas e pensava como podia ser tão irascível.
Observou-lhe as roupas que usava. O
short de malha era curto, deixando as pernas longas e torneadas de fora. Uma
camisa branca sem mangas, rendada e com um zíper da frente. Usava tênis. Os
cabelos estavam presos e o baque soltara alguns fios que se colava a sua face.
– Eu não tive culpa, senhora, se
tivesse batido, eu teria avisado para não entrar, pois aqui estava molhado.
– Eu não tenho que bater em nenhuma
porta na minha própria casa! –
Apontou-lhe o dedo indicador em riste. – Eu nem sei o que deveria fazer
contigo...
A baronesa olhava tudo ao redor.
Observou a bandeja de comida sobre
a mesa. A menina dentro do berço que agora não exibia mais seu riso e sim
parecia assustada com os gritos da tia. Ela parecia bastante interessada em
analisar tudo que se passava ali.
Ana a olhava com atenção e percebia
que parecia bem maior que antes e mais gordinha. Exibia algumas dobrinhas.
– Que bagunça é essa nesse lugar? –
Questionava baixinho. – Acha que está em uma vila?
Só
naquele momento, a empresária deu-se conta que não era apenas o piso que estava
molhado. A freirinha usava uma camiseta branca que não era justa, mas como
estava molhada, tinha pregado em sua pele e não expunha apenas o abdômen liso,
mas também os seios redondos e os biquinhos se saiam como botões de flores. Os
cabelos estavam presos em um rabo de cavalo.
Olhou-a com cuidado. Agora parecia
mais interessada em notar como a moça parecia diferente sem seu hábito. Notou a
cicatriz na lateral do lábio superior.
– Quem te deu permissão para fazer
essa bagunça toda? – Segurou-lhe o braço grosseiramente. – Está cega ou não viu
que há um banheiro montado para o banho da Luna?
Gabi respirou fundo.
Inicialmente, sentira-se culpada pelo
que tinha acontecido com a mulher, porém agora diante da forma ríspida e
arrogante que se portava, sentia-se exasperada.
– Não sou cega, apenas não quis
usá-lo. – Disse fitando o rosto frio e com olhar inflexível. – Não acredito que
seja preciso tudo isso por algo tão bobo que se passou.
Ana a apertou mais, enquanto fitava
os olhos escuros.
– Algo bobo? – Disse por entre os
dentes.
– E não foi, senhora?
Ana lhe encarou.
Quando a tinha visto a primeira vez
vestida de freira, pensara que ela tinha os olhos do maldito Bernard, mas agora
via que eles tinham cor de ametista, porém como eram escuros, pensava ser
pretos. Observou a cicatriz no lábio superior, como algo tão repugnante podia
se tornar bonito na face da jovem.
Luna começou a chorar, mas a baronesa
não a soltou.
– Você ainda não se deu conta de
com quem está lidando, freirinha, então lhe aconselho a baixar a cabeça quando
eu estiver falando contigo.
A jovem arqueou a sobrancelha em
desafio.
A porta voltou a abrir, Lia e
Branca entraram. A empregada trazia um pano e secava o chão rapidamente.
Já tinha avisado a jovem para banhar
a menina no banheiro, porém ela sempre dizia que achava melhor ali, em pleno
quarto.
– O que houve? – A administradora
parou perto das duas. – Solte-a, Del La Cruz, acho que podemos resolver tudo
sem isso. A Luna está assustada.
– A senhora baronesa di Pace disse
que eu era cega, mas ela parece ser surda por continuar esbravejando quando a
sobrinha chora assustada. – A ex-noviça provocou-a.
A Wasten olhou para as duas
mulheres, sentindo um arrepio na nuca. Ninguém falava daquele jeito com Ana
Valéria.
Luna chorou mais alto e foi nesse
momento que a viúva do Bamberg soltou a babá, deixando o quarto.
Branca foi atrás dela, enquanto a
neta do barão pegava a garotinha do berço, colocando-a nos braços.
Apertou-a forte, enquanto tentava
manter a calma, pois sentia o coração bater acelerado como se tivesse corrido
uma maratona.
– Menina, você não deveria ter
respondido à baronesa, ela ficou ainda mais furiosa. – Cobriu a boca com a mão.
– Jesus tenha misericórdia da sua alma. – Arrumava tudo ao redor. – Tereza foi
fazer fofocas e por isso ela veio aqui.
A jovem não respondeu nada, apenas
colocou a criança na cama e começou a secá-la.
Sentia as batidas do coração
aceleradas. Nunca se sentira tão irritada como quando fora confrontada de forma
grosseira por aquela mulher. Não costumava discutir, porém não era de ficar
calada quando se sentia injustiçada, nem mesmo diante da madre superiora
baixara a cabeça quando estava em sua razão, então não faria isso ali.
A administradora seguia Ana de
perto. Viu-a sentar na cama e massagear o ombro.
– Tudo sua culpa, Branca, você
começou a tratar essa freira com consideração e agora ela ousou me desafiar na
frente de todos.
– Vou chamar um médico para te
examinar, não vou entrar em discussão nesse momento.
Quando fora até a mansão naquele
dia não imaginara que encontraria algo assim, ainda mais porque pensara que
tudo estava bem, porém quando foi recebida por Lia, imediatamente foi até os
aposentos e presenciou tudo aquilo.
Ana não dissera uma única palavra,
enquanto foi para o banheiro e depois de alguns segundos voltava vestindo um
roupão.
– O que você quer aqui? Não me
venha falar nada, pois não estou com paciência para ouvir bobagens… –
Sentou-se.
A administradora soltou um longo
suspiro.
– Vim aqui apenas para saber se vai
comparecer ao coquetel que será realizado hoje pelo diplomata.
Pandora estava na varanda e logo
aparecia com seu porte enorme.
A baronesa não respondeu de
imediato, pois massageava o ombro que machucara quando sofreu a queda.
– Não sei, pois quando não presto
atenção no que acontece aqui, parece que tudo vira uma bagunça.
– Você sabe que a Tereza gosta de
fazer fofocas para que brigue com os outros empregados, na verdade, ela só
falta se jogar em sua cama, se não já se jogou não é?
– Isso não é problema seu! –
Arrumou o roupão. – Na verdade, não quero que se intrometa em nada da mansão,
deixe que eu resolvo tudo.
– Claro, você agora vai tornar a
vida da Gabi um inferno e não quer intromissões…tudo por ter escorregado e
caído. – Colocou as mãos na cintura. – Mas você só vê sua raiva, não percebe
como a presença da neta de Bernard faz bem a Luna, isso você nem olha.
– Se veio aqui só para perguntar se
irei à festa, poderia ter feito isso por telefone, afinal, não estamos na época
das cavernas.
A mais velha assentiu.
– Vim aqui para te perguntar sobre
o evento e para te dizer que fiquei sabendo que Paloma vai retornar.
Os olhos azuis aparentaram um
brilho diferente, perigoso.
– Espero que sua relação com ela já
tenha chegado ao fim.
– Não tem por que se preocupar com
isso. – Sentou-se na poltrona, cruzando as pernas. – Prepare o avião.
Pandora foi até a dona, pedindo carinho.
– Vai para onde?
– Para a Serra. – Acariciava a
cabeça do animal. – Faz perguntas de mais! – Reclamou aborrecida.
– Sabe que não deve ir para aquele
lugar sozinha, imagina se tiver uma das suas crises, pode morrer. – Disse
preocupada.
– Não irei sozinha…vou levar a
babá, a Luna, a Tereza…
Branca já percebia as intenções que
a outra tinha em castigar a jovem Bamberg longe do olhar de todos.
– Leve a Lia também já que é assim.
– Não sei se a levarei, apenas faça
o que mandei.
– Ana, por favor…
– Faça o que eu mandei! – Ordenou impaciente.
– Estou cansada de tantos protestos.
A administradora apenas fez um
gesto afirmativo com a cabeça, não teria o que fazer.
A pequena aeronave tinha
pousado no final da tarde.
O carro levava Gabi, Luna e
Tereza. A ex-noviça seguia atrás com a criança no colo. Fora informada por
Branca da viagem e aconselhada a manter total silêncio diante da empresária.
A jovem sabia que tinha passado
dos limites, porém ficara irritada quando viu a criança chorando e nenhuma
consideração da tia. Na verdade, já tinha percebido que a tal Del La Cruz não
se importava com a sobrinha, nem mesmo se preocupava em ir vê-la. Cada vez mais
percebia que todas as precauções que Trevan tinha lhe dado faziam sentido.
Vez em quando via o olhar
acusador de Tereza. Percebia como a governanta não fazia questão de esconder
seu desagrado. Não sabia a razão de sua raiva, nunca fizera nada para que não
gostasse de si.
Às vezes, queria ir embora, voltar
para a tranquilidade do convento, porém quando pensava em Luna, tudo isso
passava. Gostava tanto da garotinha e a via como si mesma fora um dia. Não
tinha pais e se não fosse o amor do seu pai de criação, nunca teria sabido o
que era esse sentimento.
O veículo estacionou próximo à
aeronave e logo a porta foi aberta pelo motorista.
Tereza saiu sem nem mesmo olhar
para si, depois fez o mesmo, carregando
nos braços a garotinha.
Devagar, subiu os degraus para
o interior do veículo aéreo. Nunca tinha estado em uma daquelas e ficou um
pouco assustada.
Entrou e viu baronesa sentada
com um computador portátil sobre o colo. Parecia bastante concentrada em algo
que estava fazendo, pois nem mesmo levantara a cabeça para fitá-las.
Luna pareceu reconhecer a parente
de sangue, pois começou a balbuciar. Ana a olhou e a jovem viu a frieza em seu
olhar. Observou que usava uma tipoia no braço, decerto fora da queda.
Ouviu a voz do piloto, então
acomodou-se no banco que ficava de frente para a viúva do avô. Tereza pareceu
não gostar, pois tivera que sentar do lado oposto.
Ana parecia bastante
compenetrada em sua leitura. Recebera alguns relatórios sobre a corporação
fundada por seu pai. Via que a situação financeira, apesar de não ser crítica,
também não era tão boa como já fora antes. As ações que seu marido tinha, foram
parte de dívidas de empréstimos contraídas por Antônio e não estranharia se
houvesse outros empréstimos. Mandara que Branca fizesse uma minuciosa
investigação. Precisava saber de todos os passos do senador.
Ouviu o som infantil e ao
levantar a cabeça viu a filha de Antony nos braços da freirinha.
Não perdeu tempo olhando-as, já
perdera muito naquele dia com ambas e isso lhe resultou em um ombro deslocado.
Não conseguiu não observar as roupas que a babá usava. Não eram só antiquadas,
mas eram bem piores que o traje religioso. Como o orgulhoso Bamberg podia ser
avô daquele ser tão desajeitado? Ele deveria estar se revirando no túmulo ao
ver a forma como a talzinha era tratada.
Fechou os olhos, queria dormir
um pouco, mas sua cabeça estava fervendo.
Recordou-se de Branca ter lhe
dito sobre o retorno da Paloma.
Seu caso com a modelo fora o
mais profundo que poderia ter experimentado depois da Lorena…
Recordar-se da antiga namorada
fazia seu sangue ferver. Ainda não conseguira destrui-la. Antônio cercara a
mulher com suas defesas, deixando-a quase inalcançável. Mas isso mudaria assim
que tivesse as ações da Gabriele.
Moveu-se no banco inquieta. Mais
uma vez tinha seu destino nas mãos de outra pessoa e isso não era algo que
pudesse suportar mais uma vez.
Sentiu a aeronave deixar o
chão. Ouvia a voz do piloto avisando sobre o tempo e o horário que pousariam na
serra. Não era longe, porém era totalmente inacessível de carro. Menos de uma hora estariam lá.
Em um dos restaurantes mais
chiques da cidade, Paloma tinha ido almoçar com uma das suas grandes amigas,
Samires. Ambas ocupavam uma das mesas que ficavam na cobertura. Apreciavam a
bela vista da cidade do alto.
A modelo bebia um coquetel,
enquanto olhava tudo ao redor.
– A administradora da Del La
Cruz está aqui. – Sussurrou para a amiga. – Será que veremos a viúva também?
– Acho que não…sabemos que
raramente ela deixa os mortais vê-la. – Debochou. – Não sei como ainda vive
correndo atrás daquela mulher… sabe muito bem que ela só sabe usar as pessoas.
– Eu não disse que desejo me
relacionar mais uma vez com ela, apenas falei se ela estaria aqui também. –
Bebeu mais um gole. – A baronesa não é um monstro…talvez, insensível, porém não
acho que seja tão má…
– Bem, não é isso que escutamos
por aí…veja, o escândalo de vocês duas foi apagado do planeta e o jornalista
que esteve envolvido na investigação perdeu tudo. Uma investigação sobre sua
vida, jogou-o dentro de uma prisão…
Antes que Paloma pudesse dizer
algo, Branca caminhou até sua mesa. Ambas levantaram e se cumprimentaram com um
aperto de mão.
– Como vai? Imagino que os bons
ventos te trouxeram para cumprir agenda no país. – A administradora falava com
ar inocente. – Li sobre sua carreira, vi que está muito bem lá fora.
– Sim, tudo está às mil
maravilhas. – A modelo respondeu com um sorriso. – Estou aqui tirando umas
férias, acho que todo mortal precisa disso. – Olhava tudo ao redor. – E já está
indo embora? Por que não senta aqui e toma algo com a gente?
– Adoraria, querida, mas o
dever me chama…tive uma reunião com uns empresários e logo precisarei
participar de outra. – Disse fitando o relógio no pulso.
– E a Del La Cruz não está
contigo? – Questionou tentando mostrar indiferença, porém havia muito mais
emoção em sua voz.
– Não! A baronesa não está na
cidade. – Sorriu. – Agora preciso ir. Tenham um ótimo fim de dia.
Paloma fez um gesto de
assentimento, enquanto voltava a sentar-se. Era possível ver em seu rosto a
expressão de irritação.
– Onde será que ela está…
A chegada à serra tinha acontecido
meia hora antes. O sol já estava se escondendo, mas havia resquício da luz do
dia.
Gabi nem sabia como expressar sua
gratidão ao sentir que estava no solo novamente. Passara toda a viagem
apreensiva, porém fora agraciada por Luna ter pegado no sono imediatamente,
assim não teria que ver seu medo. Todo percurso fora feito em silêncio. Tentara
evitar a todo custo olhar para a viúva que estava na poltrona a sua frente.
Tivera que presenciar a dedicação
de Tereza a todo momento. Mesmo que a Del La Cruz tivesse recusado sucos,
lanches, cafés, chás…ela não deixara de oferecer, parando apenas quando
percebera que a patroa tinha cochilado e fora naquele momento que a ex-noviça
caiu na tentação de inspecionar a mulher que parecia mais fria que um iceberg.
A face era uma mistura de força e
delicadeza. O nariz era empinado, pequeno e era possível ver algumas sardas. Os
lábios eram cheios, lembravam o desenho de um coração, porém grande e muito,
muito rosado mesmo.
Os cabelos tinham um tom mais
alaranjado que vermelho…Era uma cor muito bonita.
Observou a roupa que ela usava. Uma
blusa em cetim na cor preta. As mangas eram longas, porém estavam dobradas até
os cotovelos. Alguns botões estavam abertos e lá viu um cordão pendendo do
pescoço. Também podia ver a curva dos seios. Calça jeans e botas completavam os
trajes. Também havia a tipoia que estava sendo usada no ombro que machucara
após a queda.
Os olhos azuis abriram-se e lhe
fitaram.
A neta de Bernard engoliu em seco,
porém não desviou do olhar forte. Eram tão brilhantes, mesmo que exibisse
apenas sarcasmos.
– Perdeu alguma coisa?
A voz fria lhe questionou.
A jovem seguiu o conselho que
fora dado por Branca e simplesmente baixou a cabeça, escondendo a face corada.
Ana olhou pela janela e já via a
paisagem que conhecia muito bem. Usara aquele lugar para tentar fugir do barão.
Fora lá que permanecera depois de ter sofrido o aborto provocado pelo marido.
Ele a arrastara até uma clínica, tirando a criança que gerava há três meses.
Ele tinha deixado claro que não aceitaria que a esposa perfeita trouxesse
criança ao mundo para não danificar o corpo desejado.
Odiou-o tanto naquele dia, odiou
tanto ao acordar e descobrir que não havia mais filho. Até chegara a pensar que
aquele bebê poderia lhe libertar das chagas da sua alma, mas isso nunca
aconteceu.
Como ainda sentia o ódio queimar
em seu âmago.
Observou a mulher sentada a sua
frente. Viu-a acariciar os cabelos finos da filha de Antony.
Se soubesse que o barão tinha uma
neta teria massacrado-a, enquanto ainda ele estava vivo. Adoraria destruí-la
diante do olhar do maldito.
O avião aterrissou e Ana foi a
primeira a deixar a aeronave. Tereza saiu imediatamente ao seu encalço,
enquanto Maitê esperava a dormência nas pernas pararem para seguir.
Os aposentos que seriam ocupados pela
neta de Bernard e Luna não tinham luxo. Uma cama de casal deveria servir para
as duas, pois não havia berço. Havia uma mesa redonda de madeira com duas
cadeiras e um baú que servia para colocar as roupas. Havia uma porta que dava
acesso a um banheiro e ficou surpresa ao ver uma tina de madeira, além do
chuveiro. A água era tão gelada que parecia ter algum tipo de resfriamento.
Luna dormia. Ela pegara no sono
desde que chegara à casa. A jovem sabia que precisava procurar onde ficava a
cozinha, pois tinha que preparar a mamadeira da criança. E o pior é que teria
que falar com Tereza para receber as orientações, assim não arrumaria problemas
estando tão longe de Branca e Lia.
Não queria deixar a bebê sozinha,
mas sabia que ela não costumava despertar logo do cochilo da tarde, ainda mais
depois dessa viagem.
Pelo que percebia, não havia
energia elétrica, pelo menos tentara ligar o interruptor, mas nada iluminou.
Enquanto pensava o que fazer, a
porta abriu e lá estava a esposa do seu avô. Ela não tinha trocado de roupa,
ainda se vestia do mesmo jeito.
Gabriele tentou não a encarar,
porém era algo quase impossível, pois havia um magnetismo naquele olhar que
chegava a ficar assustada.
Observou que ela trazia algo nas
mãos.
– Isso é uma luz solar, use-a
para não deixar o quarto no escuro. – Entregou-lhe.
As mãos de ambas se tocaram
rapidamente, o que parece não ter agradado a baronesa.
– Espero que saiba cozinhar,
pois será você a responsável por isso…
– Sei apenas o básico…
– Bem, você será a responsável
pela alimentação… – Olhava tudo ao redor. – Acredito que Tereza também vai te
fazer limpar algumas partes. Está tudo muito sujo. – Fitou a menina. – A
cozinha fica no térreo, basta seguir reto no corredor.
A jovem fez um gesto afirmativo
com a cabeça.
Ana continuou olhando-a.
Examinava cuidadosamente os trajes que a jovem usava. Não parecia interessada
em esconder seu desdém.
– Seus hábitos eram bem mais
elegantes… Tenho a impressão que você veste sacos…um mendigo se veste bem
melhor.
A ex-noviça viu o sorriso
debochado se desenhar na boca que parecia gostar de agir com crueldade.
Pensou em responder, mas apenas
mordeu a língua e permaneceu quieta diante da forma que fora tratada.
A baronesa olhou-a mais uma vez e
depois deixou o quarto com aquele ar de superioridade.
Gabi suspirou, enquanto olhava
para as próprias roupas. Não tinha nada, apenas algumas peças íntimas. Tudo o
que conseguira para vestir foram doações e por esse motivo eram bem maiores que
seus corpo magro.
A cobertura bem decorada fora
uma das conquistas que Lorena tivera com o romance que teve com Ana Valéria.
Agora, ela ocupava um cargo de
direção nas corporações de Antônio. Era bastante competente e fazia jus ao seu
generoso salário.
Ao entrar no apartamento,
encontrou Trevan sentado na poltrona.
– O que houve agora? – Ela
questionou impaciente, enquanto deixava a valise sobre o sofá. – Não me venha
aqui choramingar mais uma vez pelo destino da sua amada Gabi.
– Você não se importa nem um
pouco com ela… – Falou em tom de decepção. – Sabe que ela está vivendo com a
Del La Cruz, sabe melhor que ninguém como aquela mulher é um monstro.
Lorena olhava para as próprias
unhas bem-feitas.
Estive no mesmo lugar com a antiga
namorada algumas vezes. Não podia negar que sentirá vontade de toca-la mais uma
vez. Tornara-se uma mulher muito mais linda que a adolescente que fizera
mulher. Nas ocasiões que estiveram no mesmo lugar, a baronesa nem mesmo lhe
olhara. Sabia que ela estava preparando sua vingança com muito cuidado e se não
fizesse algo para evitar, seria totalmente destruída.
– Seria melhor que ela tivesse
ficado no convento. As ações retornariam para Antônio e Ana não teria como
fazer nada.
– Ninguém tem o direito de
obriga-la a ficar naquele lugar, por isso não insisti.
– Agora precisamos ser muito
espertos. Vou falar com Otávio, ele vai poder nos ajudar a orientar a boba da sua
filhinha.
A neta de Bernard tinha conseguido
achar a cozinha. Fez a mamadeira de Luna e depois viu o que poderia fazer para
o jantar. Havia alguns alimentos que poderiam ser usados, mas optou por algo
mais fácil.
Apesar do cômodo também não exibir
luxo como o resto da casa, podia ver um fogão, armário, uma geladeira, uma mesa
com quatro cadeiras e uma pia. Não era grande, mas se mostrava aconchegante.
Pegou legumes e verduras para
preparar a salada. Lavou-as e foi quando viu Tereza entrando na cozinha. A
governanta comportava-se como se fosse a própria dona da casa.
– Cuide logo com isso que o
jantar será servido às sete.
Gabi a olhou.
– Eu sinto muito, mas não estou
tão apressada assim, sem falar que vou ter que parar aqui para ver a Luna.
– Está me desafiando? – A voz da
empregada mostrou-se alterada. – Está achando que é quem aqui?
– Eu apenas disse…
– Você é uma empregada aqui e vai
fazer o que eu mandar!
– Eu nunca disse que não faria. –
Falou tranquilamente. – Apenas acho que como estou sozinha cuidando de tudo
será necessário um pouco mais de tolerância com os horários.
– Tolerância com os horários?
A voz da baronesa soou baixo e
foi possível ver o sorriso de alegria no rosto da governanta. Por isso,
aumentou o tom de voz.
– Trate de terminar o que está
fazendo, pois você quem causou meu acidente, então você vai me ajudar a tomar
banho.
– Eu posso ajudá-la, senhora. –
A governanta intrometeu-se entusiasmada. – Essa aí é capaz de te machucar ainda
mais, isso sim.
Ana não tirava os olhos da neta
do falecido marido. Observava o temor e a revolta que ela conseguia segurar.
Imaginava se uma freira perdia a cabeça ou era totalmente resignada diante das
adversidades. Viu-a lhe encarar durante longos segundos, depois baixou os olhos
e balbuciou.
– Posso fazer isso agora, pois
depois a Luna vai acordar…
A baronesa fez um gesto
afirmativo com a cabeça.
– Então vamos logo.
A Bamberg seguia um pouco atrás de
Ana Valéria. Mesmo que quisesse ter se negado a fazer o que ela exigia, fê-lo
para não ter mais problemas, por outro lado também se sentia culpada por ter
provocado indiretamente o acidente que a tinha machucado. Teria algum tempo
antes que Luna acordasse, então faria o que a outra exigira para irrita-la.
Sim, sabia que era essa a intenção. A soberana Del La Cruz a levara até ali
para levá-la ao limite.
Suspirou e isso chamou a atenção
da empresária que lhe olhou sobre os ombros, mas nada disse.
Entraram nos aposentos.
Lá também não havia muito luxo.
Só a cama de casal que era bem mais larga. Também percebia que havia cortinas
pesadas nas janelas e estavam fechadas. Havia uma luminária pálida que estava
acesa evitando a escuridão total.
Observou a penteadeira. O espelho
estava trincado como se alguém tivesse jogado algo contra ele. Sobre a mesa de
madeira estava o computador portátil e alguns livros.
– Ajude-me a tirar a calça! –
A voz baixa e fria ordenou.
Gabi aproximou-se. Eram
praticamente do mesmo tamanho, ou talvez fosse uns dois centímetros mais alta
que a esposa do avô.
Tentava não a encarar, então
apenas mantinha sempre os olhos baixos, enquanto segurava a braguilha da vestimenta,
primeiro desabotoava e logo baixava o zíper. Lentamente, fê-la baixar aos
poucos. Seus dedos roçaram nas coxas torneadas pelos exercícios e isso não
pareceu lhe agradar. Tentou não encostar na mulher.
Levantou-se.
– Ajude-me com a blusa!
Ana não parecia muito
interessada em sua imposta humilhação. Ainda mais pelo fato da jovem parecer
bastante submissa diante das suas exigências.
Observou o semblante que estava
um pouco próximo. Viu os dedos delicados, finos e longos abrindo-lhe os botões
da blusa.
Mais uma vez observou o lábio
superior.
– O que houve com a sua boca?
Os olhos de ametista
levantaram-se e fitaram os azuis.
Observou-a por alguns segundos.
Mordiscou a lateral do lábio inferior como sempre fazia quando estava a
ponderar. Não sabia se podia dizer o que tinha ocorrido. Trevan deixara claro
para não falar nada sobre sua vida fora do convento, mas o que essa informação
poderia lhe prejudicar?
Ana suspirou exasperada.
– Não me interessa saber! –
Conseguiu livrar-se da blusa.
Gabriele a viu abrir o fecho
frontal do sutiã cuidadosamente e logo via os seios expostos.
Mesmo com pouca iluminação, era
possível ver o colo redondo…
Era uma mulher muito bonita e
sempre se perguntava como fora casar com um homem tão velho como seu avô.
Caminhou junto com ela até a
porta que dava acesso ao banheiro. Lá também havia iluminação, mas agora eram
velas. Observou-a livrar-se da calcinha e não soube explicar por qual razão
aquilo a perturbar, pois desviou o olhar.
Viu-a entrar na tina que tinha uma
água com aroma delicado.
– Pegue a esponja e me ajude a
esfregar…
A Bamberg fez o que foi dito.
Agachou ao lado da banheira.
Ana fez um coque no alto da
cabeça, assim evitaria molhar os cabelos. Inclinou a cabeça para trás, fechou
os olhos, enquanto sentia o toque nos ombros.
Irritada, segurou-lhe a mão.
– Tem mãos de marinheiro! –
Acusou-a. – Não sabe ser delicada? Quer me arrancar o couro?
– Pensei que gostasse de
grosseria…
Os olhos abriram-se em
surpresa, mas logo recuperaram a irritação.
– Saia daqui! – Expulsou-a
baixinho. – Saia antes que te tire eu mesma.
– Mas, senhora, está
impossibilitada de se lavar, estou aqui para lhe ajudar… – Retrucou com falsa
inocência. – Deixe que termine de esfregar suas costas, baronesa, farei com
mais gentileza.
Ana sentia a força que estava
sendo aplicada a sua pele.
Segurou-lhe o pulso,
obrigando-a a parar. Trazendo-a para mais para perto de si, tendo a face
praticamente colada a sua. Sentiu o cheiro dela com uma mistura de colônia infantil
e suor pelo trabalho que estava desempenhando.
– Está me desafiando?! – Indagou
em constatação.
– Não, minha senhora, estou aqui
para lhe servir como uma escrava…
Os olhares digladiam-se.
Gabi sabia que não deveria ter
agido assim, porém estava se sentindo muito mal pela forma que estava sendo
tratada. Desde que chegara para ficar na mansão estava sendo massacrada sem
nenhum tipo de justificativa. Passara muito tempo em um convento e lá não
conseguia baixar a cabeça. Perdera as contas de quantas vezes fora mandada para
cumprir penitências, porém mesmo assim não baixava a cabeça.
– Saia daqui antes que eu perca a
paciência! – Ordenou.
A ex-noviça saiu rapidamente dos
aposentos antes que a outra lhe batesse com sua raiva.
Já era noite, a jovem
cuidava de Luna. Tinha preparado um sanduíche para si, pois não conseguira
voltar para fazer nada, pois a menina tinha acordado e monopolizara todo seu
tempo.
Estava com ela nos braços,
enquanto olhava pela janela. Apesar de noite, a lua iluminava lá fora, banhando
de luz. Cheirou o cabelo da criança. Ela não parecia muito acessível, desde que
acordou estava muito quieta, nem comeu toda a mamadeira. Devia estar
estranhando o ambiente.
Agasalhou-a, pois estava muito frio.
Ainda não entendia o motivo da
tia não se aproximar da sobrinha. Nunca perguntava sobre ela, nem mesmo ia até
os aposentos para vê-la. Seria pior do que Trevan disse a baronesa?
Mordiscou o lábio inferior
pensativa. Tinha o costume de fazer isso quando estava ponderando ou nervosa.
Recebera uma carta de Lorena
pelo advogado e na missiva havia total rigor para que a moça não citasse o nome
de nenhum deles. Por quê? Qual seria a relação que eles tinham com a Ana
Valéria? Seria apenas raiva? Pensou em perguntar, quem sabe quando pudesse
vê-los.
Ouviu o som de reclamação dos
lábios da pequena por ter cessado o balançar.
Sorriu, beijando-lhe o topo da
cabeça.
Nunca pensara em cuidar de uma
criança tão pequena, porém sua experiência estava sendo muito boa. Imagina que
quando deixasse o convento iria estudar, fazer um curso, mas seus planos seriam
adiados por dois anos.
Ana ainda não tinha conseguido
dormir. Subira para o quarto, mas não conseguira adormecer. Aos poucos olhava
para a escuridão dos aposentos e sentia como se estivesse novamente em seu
enclausuramento no hospício. Tentava controlar a respiração, tentava focar na
realidade, mas aos poucos sentia que estava mergulhando em uma areia movediça
sem poder sair.
Sentia os espasmos começarem.
Tremia, mesmo estando suando. Fechou os olhos fortemente, apertando-os com toda
força.
Não era a primeira vez que tinha
aquelas crises. Tornara-se bastante comum em sua vida, mas sempre era uma
experiência terrível.
Na sua mente, era como se seu
cérebro ficasse entorpecido, como se não soubesse mais distinguir a realidade.
Deitou-se em posição fetal,
enquanto gemia baixinho. Tentou pedir ajuda, mas estava presa em uma névoa.
Ouvia a voz do psiquiatra, era como se estivessem abrindo-lhe a boca e
colocando comprimidos nela. Cerrava os dentes de forma a evitar os remédios. Sentia
o maxilar doer.
De repente, estava lá novamente. O
quarto estava sujo e o cheiro podre do ambiente que nunca era limpo lhe
sufocava a respiração. Doía em todo seu ser. A angústia de não ter ninguém para
lhe ajudar, a dor de não existir ninguém que pudesse lhe tirar dali.
Em seus devaneios chamava pela
mãe, implorava para vê-la. Ouvia o riso de todos, então conseguiu gritar.
Gabi deixou Luna dormindo,
enquanto tinha ido até a cozinha. Tomara banho, mas nem se trocara, apenas
estava com a toalha enrolada em seu corpo. Conseguiu achar pão e queijo. Fez um
sanduíche e seguiu para o quarto. Passava pelo corredor quando ouviu o som baixo
como um gemido de dor.
Encostou o ouvido à porta.
Bateu devagar.
– Tudo bem aí? – Perguntou
preocupada.
Não houve respostas, mas um
grito assustou-lhe, então ela abriu a porta e entrou. Tudo estava no mais
profundo escuro, porém a lua fazia sombras e iluminava o lugar.
Viu sobre a cama a baronesa. Ela
parecia dormindo, mergulhada em um pesadelo sem fim.
Colocou a lamparina que usava
sobre o criado-mudo junto com o sanduíche. Então aproximou-se, sentando-se no
leito. Tocou devagar na face que exibia pingos de suor, mas o corpo tremia como
se estivesse dentro de um freezer.
– Baronesa… – Chamou baixinho.
– Baronesa. – Repetiu, mas não recebeu resposta.
De repente foi agarrada
violentamente e jogada sobre a cama.
Perdeu o fôlego com a força do ataque.
A Del La Cruz estava sobre ela,
prendendo-a sob o corpo. Apertava-lhe os ombros fortemente, enterrando as unhas
em sua pele sensível. Estava totalmente imersa no seu mundo de dor pretérito.
Ainda era como se estivesse naquele lugar, como se ainda tivesse que lutar
contra os enfermeiros que a obrigavam a se medicar, dopando-a dia após dia,
tirando-lhe a oportunidade de defesa.
– Acorde, você está em um
pesadelo. – Gabi implorou.
A jovem não conseguia livrar-se da
bela mulher, tentando manter a calma, mesmo sentido dores pelas agressões que
era infringida.
Percebia que os olhos estavam
abertos, havia um brilho diferente neles. O rosto bonito parecia desfigurado de
tanta fúria.
Tentava soltar as mãos que
estavam presas entre os corpos, sendo esmagadas. Logrando êxito, tocou a face
da viúva e falou baixinho.
– Ana Valéria, ninguém vai te
fazer mal…está tudo bem…
Ela continuava repetir e acariciar
o rosto da empresária. Falava como se estivesse a lidar com uma criança
assustada. Como fazia quando acalmava Luna dos seus excessos de raiva.
Aos poucos sentia as unhas em
sua carne afrouxarem, percebia que o tremor do corpo feminino estava passando e
logo via os olhos parecerem retomar a vida.
Ana sentia a respiração
acalmar-se aos poucos. Como se tivesse corrido uma maratona, seu coração
pulsava tão aceleradamente e ela lutava para sair da crise. Mas tudo parecia
tão escuro, como se estivesse em um buraco profundo, porém uma voz tão doce a
chamava que teve a impressão de um anjo a estar conduzindo pela mão para fora
daquele túnel sem fim. Finalmente, conseguiu despertar e foi quando pela luz
que iluminava o quarto viu a face da neta do marido ali fitando-a.
Permaneceu alguns segundos
encarando-a. Sentiu o aroma do hálito que lembrava um suco de maracujá gelado.
Observou os lábios entreabertos, eram tão bonitos, mesmo tendo a cicatriz…
Meneou a cabeça, e usando todas as
forças que ainda tinha, levantou-se, parando no meio do quarto. As batidas do
seu coração ainda estavam aceleradas, rápidas como um maratonista em uma pista
de corrida. Sentia o sabor do sangue, pois mordera os lábios em seu excesso de
fúria.
Passou a mão pelos cabelos que
tinham se soltado do elástico.
Então viu a toalha caída ao
lado da cama e o corpo feminino nu.
Virou-se de costas, tentando
manter a calma.
Gabi levantou e cobriu-se
novamente.
– O que faz aqui? – A pergunta
soava aborrecida. – Quem te deu permissão para vir aqui? – Perguntou,
fitando-lhe o rosto, como se temesse vê-la despida novamente. – Acha que pode
entrar em qualquer lugar como se fosse a dona de algo?
A moça suspirou ao ver a
expressão irritada.
Não sabia que arrumaria um problema,
apenas pensara que algo estivesse acontecendo e por essa razão fora ajudar.
– Eu estava passando e…
– Cale-se! – A outra
interrompeu levantando a mão. – Irrita-me suas frases enroladas, não sabe
responder algo sem narrar todo o contexto.
– Então por que perguntou? – A
Bamberg questionou exasperada. – Se não deseja ouvir, não pergunte!
Antes que Ana falasse algo, a
ex-noviça saiu apressadamente dos aposentos sem nem mesmo lembrar da luminária
e do sanduíche.
Que história envolvente!
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