A antagonista - Capítulo 4
O rebanho estava sendo colocado
no cercado. Os peões seguiam para os animais não se debandar.
Mais próximo da casa grande, uma
mulher vestindo calça de couro, blusa de mangas longas brancas e colete preto,
olhava tudo com descaso.
Ela batia o chicote impaciente
no couro marrom da bota.
-- O senhor Bernerd não permite que
esses camponeses fiquem por aqui... – o capataz retrucava.
A ruiva tinha sido despertada cedo devido
a um problema que ocorria no pátio. Havia alguns empregados que não aceitavam
suas ordens e isso a tinha deixado furiosa.
-- O Bamberg não manda em nada aqui,
seu estúpido, então já que não consegue seguir as minhas ordens, pegue suas
malditas coisas e saia das minhas vistas.
Todos tinham parado para acompanhar
a discussão. Sabiam que aquela bela mulher não temia nada nem ninguém, então
desafiá-la não era algo que poderia ser feito.
-- Por favor, senhora, me perdoe, só
agi assim porque seguia as ordens do seu marido.
Ela o encarou.
-- Saia daqui agora mesmo, não
trabalha mais para mim!
-- Eu tenho família, senhora... –
Implorava. – Tenha misericórdia...
A Del La Cruz respirou fundo,
enquanto olhava para os presentes, fulminando-os com sua raiva, assustando-os,
correndo rapidamente dali.
A patroa ignorou as súplicas.
Caminhou até os degraus da
escada que dava acesso à casa, sentando-se, retirou uma das botas. Algo parecia
machucar seu pé.
– Ana, o barão está morrendo…
Um sorriso frio enfeitou os
lábios cheios da ruiva.
Levantou os olhos e viu a
mesma mulher que há mais de cinco anos tinham ido ao hospital psiquiátrico
acompanhando o cruel empresário. Mesmo estando dopada, nunca esquecera o olhar
de pena que ela lhe direcionara e fora ele quem lhe dera coragem para sair
daquele terrível lugar.
– Pensei que tinha vindo aqui
me dizer que ele já estava morto… – Tirou o chapéu da cabeça. – Sabe bem que
não tenho nenhum tipo de interesse naquele velho miserável, que morra logo…será
um desgraçado a menos nesse mundo.
Branca era a administradora dos
bens do barão. Ela trabalhava para o italiano há muito tempo e sabia como
sempre fora cruel, ainda mais com a jovem esposa. Ele a humilhara das mais
diversas formas durante os longos anos de casamento, até que a doença o
prostrou sobre o leito. Vivia apenas vegetando há mais de dois anos, porém
agora parecia pronto para morrer.
– Baronesa, preciso das suas
ordens sobre como devo seguir com os preparativos para o velório. Seu marido é
um homem conhecido e poderoso, então deve pensar em algo para que todos possam
prestar as últimas homenagens.
– Por mim, jogaria sobre a terra
para os abutres comerem a carne podre, mas… – Fitou a outra. – Vou até lá vê-lo
definhar um pouco, quero ter esse prazer.
O quarto estava escuro, totalmente mergulhado
na penumbra. As cortinas de cetim jaziam cerradas como se fosse proibida a
presença da luz naquele lugar.
Lá fora ainda era dia, talvez
o sol estivesse brilhando no alto, em alguma parte um relógio badalava doze
batidas, era meio-dia então, mesmo que ali permanecesse noite.
A porta estava trancada e
ninguém ousaria bater lá, todos que viviam naquela casa conheciam muito bem a
sua dona, não haveria viva alma que ousasse arriscar-se a incomodar o ser que
ali tentava repousar.
A respiração que antes era
acelerada, agora parecia mais branda, sinal que a crise já apaziguava.
Ana di Pace tentou abrir os
olhos, mas eles pareciam tão pesados naquele momento que não tinha forças para
fazê-lo. Aliviou a pressão que fazia nos próprios punhos fechados, ferindo a
palma da mão diante do seu desespero. Sabia que precisava acalmar-se ou não
suportaria se acontecesse de novo e de novo e de novo…
Desde que deixara o hospital
psiquiátrico convivia com aquelas dificuldades em conseguir discernir a
realidade das lembranças passadas. Ficava presa, sem conseguir sair de toda
aquela agonia.
Cerrou os dentes com força.
Os olhos então se abriram. Aos
poucos, adaptavam-se à escuridão, não a temia, não como temia a luz…Perdera as
contas de quanto fora castigada pela claridade lhe cegando a própria alma para
lhe iluminar seus pecados.
Mordiscou a lateral do lábio
inferior, praticamente afundando os dentes na carne rosada.
Respirava devagar, era como um
bebê que tinha acabado de deixar a proteção do ventre da mãe e seus pulmões
ainda doíam com o oxigênio.
“ Eu não estou mais lá…eu não
estou presa nas quatro paredes daquele lugar…”
Ela repetia mentalmente essas
palavras, primeiro fazia baixinho, em um sussurro, porém logo o fez com mais
vigor.
Lentamente, sentou-se no leito,
tendo as pernas para fora. Estava encurvada, como se só conseguisse fitar os
próprios pés. Permaneceu ali, parecia paralisada, enfeitiçada com seu mantra.
Havia dores em sua alma que pareciam sangrar dia a dia, como o próprio Prometeu
suportara ter o fígado devorado todos os dias sem cessar, ou Cifisus que carregava
a rocha sempre morro acima sem ter um fim para seu suplício.
Mantendo-se de pé, seguiu
até o banheiro. Lá havia luz e isso a cegou por alguns segundos. Permaneceu de
olhos fechados até que conseguisse se adaptar a falta de escuridão.
Apoiou as mãos na lajota da pia,
precisava de algo que lhe sustentasse, ansiava por algo que a mantivesse de pé.
Logo, acostumava-se a iluminação e
parada diante do espelho via seu próprio reflexo.
Os cabelos afogueados estavam em
desalinhos. Os lábios cheios tinham perdido o carmim costumeiro, exceto por um
fio de sangue que se amostrava como mensageiro do seu desespero, agora
expressava a palidez que se espalhava por todo seu rosto. As olheiras
rodeava-lhe os olhos azuis.
Ana abriu a torneira e lavou a
face, enquanto permanecia no mesmo lugar, temendo deixar sua “caverna”.
Quanto ainda teria que viver para
livrar-se de todas aquelas lembranças terríveis.
“ Veja, Ana, enxergue o seu
pecado, aceite que não está bem, enlouqueceu, perdeu o juízo…”
Ela encostou as costas na parede
e aos poucos escorregou até o chão. Não chorou, pois há tempos tentava não o
fazer, há tempos buscava entender que as lágrimas eram apenas um sinal de
fraqueza para seus inimigos, o barão mesmo adorava feri-la, fazê-la cair em
desespero, regozijava-se com sua dor.
Havia uma dolorosa recordação de
quando engravidara do marido. Pensara que uma criança poderia ser algo bom em
sua vida, em suas feridas, mas bastou Bernard descobrir para fazê-la retirar a
pequena vida, tirando-lhe toda esperança de poder recomeçar sem seus suplícios.
Branca estava na cobertura.
Tinha dormido lá naquela noite para acompanhar a baronesa. Temia por suas
crises, pois sabia que ela não aceitava a presença de ninguém lá. Nutria um
carinho enorme pela mulher, tendo-a como uma filha que nunca pôde conceber.
Sempre tentara protegê-la das maldades do barão, mesmo assim falhara inúmeras
vezes e sentia-se culpada por isso. Culpada por ter permitido que ele fizesse
tanto mal quando o próprio Antônio a Ana Valéria.
Seguiu até a cozinha.
Sentou-se, enquanto sobre o balcão era colocado uma bandeja.
– Acha que devo levar? – A
empregada indagou relutante.
Lia era a responsável pela
cozinha. Trabalhava há muito tempo com o barão e agora servia a sua esposa. Já era
uma mulher dos seus cinquentas anos. Sempre agia com gentileza e se mostrava
pronta para ajudar.
A administradora bebeu um
pouco de suco.
– Eu não acho que deva…melhor
esperar…
Sim, ela sabia que isso era o
melhor a fazer.
– Deixe a comida aqui, se ela
descer, comerá…daqui a pouco irei até ela, vamos ver como esse encontro
acontecerá.
A porta da cozinha abriu-se e
a governanta entrou. Tereza era jovem, uma bela morena que cuidava de toda
administração da casa. Agia sempre como se fosse a dona do lugar.
– Lia, já mandei você ir até a
biblioteca e checar os detalhes, dentro de algumas horas o tabelião e os
advogados estarão aqui e não quero que nada irrite a baronesa.
Branca nada disse.
Não entendia o motivo de Ana
permitir que a empregada agisse daquela forma, porém não se intrometia, sabia
que havia situações que não deveria intervir.
No final daquela manhã o
testamento do barão seria aberto. Ainda não sabia o que seria revelado, pois
ele não permitira que tivesse acesso aos seus últimos desejos. Isso a
perturbava, temia que algo não fosse feito como Ana desejava, ainda mais depois
de ter sofrido durante tantos anos ao lado do terrível barão. Sabia como ela fora
molestada. Viu cada humilhação que ela fora submetida. Era como se a vida não
cansasse de destruir a Del La Cruz.
O convento estava um pouco
movimentado naquele dia. Gabriele fora chamada na sala da madre superiora.
A jovem bateu e ao entrar
encontrou o advogado que já tinha falado consigo no dia anterior.
– Já estou pronta! – Ela falou
baixo, enquanto analisava os dois.
A religiosa a olhava com
curiosidade. Via que ainda vestia o hábito, mas sabia que não demoraria para
que se livrasse da vestimenta. Em todos aqueles anos tinha visto como a jovem
de olhar doce, mas de personalidade forte deixara claro que aquele não era o
lugar onde desejava ficar. Em muitos
momentos compadeceu-se da criança que hoje já era uma mulher, mas nada pudera
fazer, ainda mais pelo fato de haver uma exigência do barão para que a neta
permanecesse lá. Quando a garota já estava crescida e conseguia entender melhor
a situação, o Bamberg estivera lá no convento e depois desse dia, Gabriele não
voltou a agir de forma a querer deixar o lugar. Nunca ela contara a ninguém o
que tinha acontecido e o que fora conversado.
– Não esqueça, senhorita, de não
comentar nada sobre o senhor Trevan, essa também é uma das exigências que deve
seguir... Todas as instruções já foram dadas, recorda-se?
A jovem fez um gesto afirmativo com
a cabeça.
Estava apreensiva com aquele dia.
Não conseguira dormir nada durante toda a noite, ansiando para saber o que o
avô tinha designado para si. Não tivera permissão para ir ao velório do
empresário, apenas fizeram o que seu representante legal tinha ordenado.
Pensava se agora teria a oportunidade de deixar aquele lugar ou se teria que
passar o resto da sua vida ali.
Torcia as mãos em nervosismo,
então percebeu o olhar do advogado que parecia esperar sua confirmação.
– Certo! – Disse por fim. – Dos
meus lábios nada será dito.
Ele fez um gesto afirmativo com a
cabeça, levantando-se, abriu a porta para a herdeira passar.
A sala tinha sido arrumada com
afinco. Havia cadeiras enfileiradas diante da escrivaninha que já estava
ocupada pelo tabelião.
Branca estava de pé, observava
tudo com crescente curiosidade, pois pelas instruções do barão, quatro assentos
tinham sido disponibilizados, porém só havia ela, Ana e o advogado de Nerus…de
quem seria o outro lugar reservado?
Isso começava a lhe preocupar,
pois a última coisa que desejava era que houvesse surpresas, mas sabia que o
empresário não era tolo, sabia que havia algo que ele não lhe contara e logo
estaria a mostra para todos.
Viu Ana aproximar-se.
Os cabelos estavam presos como de
costume na nuca em totó. Não havia fios fora do lugar, apenas aquela forma
austera que se acostumara a usar. Os olhos inspecionavam tudo com atenção, mas
nenhum comentário fora feito.
Ela seguiu para o outro lado da
sala, concentrou-se na estante de livros. A Del La Cruz não se sentaria para
ouvir o testamento do marido. Sabia que não o faria de forma nenhuma.
Observou os pés que estavam
descalços. Usava uma calça de algodão folgada nas pernas, moldando seus quadris
como uma saia. A cor branca era a escolhida, até mesmo para a camiseta justa
que deixava a mostra os ombros bem-feitos dos exercícios de musculação. Não usara
preto pelo luto em nenhuma ocasião, tendo comparecido a uma boate no dia que
Nerus estava sendo enterrado.
Olhava-a e não parecia reconhecê-la
na figura esquelética que viu pela primeira vez no manicômio.
O tabelião pigarreou para
chamar a atenção das presentes para que ocupassem seus lugares.
Branca fê-lo, mas Ana continuou
no mesmo lugar, parecia totalmente impassível. Sabia da crise que ela tinha
tido na madrugada, não lhe falara naquele dia ainda, pois a mulher permanecia
trancada no interior da sua concha.
– Bem, senhoras, podem sentar-se,
logo iniciaremos a leitura do documento que traz as últimas vontade do barão de
Bamberg.
Ouviram batidas na porta e não
demorou para Otávio Cláudio, um dos advogados do falecido, aparecer. Mas o que
chamava a atenção naquele momento não era sua presença, mas a presença da
freira que o acompanhava.
O olhar da moça percorria o espaço,
parecia temerosa, perdida diante do que ali estavam.
Ana continuava inerte, nada
parecia afetá-la.
– Boa tarde, senhoras, senhor
tabelião, espero que não tenhamos chegado atrasados, mas o trânsito não estava
muito bom.
– Chegaram na hora certa, vamos
começar em alguns minutos. – O representante da lei disse, enquanto organizava
os documentos que seriam lidos em breve.
Gabriele sentou-se perto de
Branca. A garota cruzou os braços sobre o peito. Sentia-se assustada, olhava
tudo ao redor temerosa. Fitou a mulher mais velha e recebeu um sorriso gentil
de volta, sentiu-se aliviada com a gentileza. Então era ela a esposa do avô.
Parecia agradável, tinha uma expressão de gentileza, isso aliviou um pouco seu
coração.
Fitou o homem que presidiria a
leitura. Era alto, calvo e possivelmente tinha mais de cinquenta anos. O terno
ajustava-se bem ao corpo magro. Um bigode enfeitava os lábios finos que não
pareciam rir com frequência.
Seus olhos continuavam a
espreitar o lugar até focarem na figura parada perto de uma estante cheia de
livros. Não a via de frente, apenas o perfil. O nariz era fino e arrebitado, o
maxilar era bem desenhado, como se fosse esculpido…
-- Está ali Ana Valéria Del La
Cruz... – Otávio sussurrou em seu ouvido.
Os olhos negros da moça abriram-se
em total surpresa diante do que ouvia.
Era a esposa do seu avô…
Mas era tão jovem...
Trevan falara sobre ela, dissera
como se aproveitara da velhice do barão para mantê-lo em sua teia de sedução…mas
não pensara que fosse quase da sua idade.
De repente, a mulher que era
alvo da sua análise encarou-a com os olhos estreitados em uma mistura de
interrogação e ameaça.
Gabi baixou a cabeça intimidada.
Não tivera forças para sustentar o olhar. Nunca tinha visto uma expressão tão
forte e intimidadora…
Agora ponderava sobre o que
fora dito sobre a tal mulher usar de artimanhas para envolver o empresário
avelhantado… Não acreditava que ela precisara se esforçar muito. Era uma mulher
bonita…
Arrumou o hábito.
Acostumara-se a usar aqueles
trajes, eram confortáveis até, mas não se sentia bem vestindo-o, pois sabia que
não era fiel em seu coração em ser uma freira. Já pedira muito perdão a Deus,
até penitência já fizera para tentar livrar-se da sua falta de fé.
Agora estava ali, sonhando com a
liberdade que lhe fora tirada quando era uma criança.
A voz do tabelião tirou-lhe das
suas divagações. Fitou-o.
– … todos estão presentes, então
poderemos dar início à leitura. – Observou os envolvidos. – Peço que não
interrompam e esperem até o fim para que se possível, os esclarecimentos possam
ser feitos.
Branca mirou a baronesa. Pensou
se ela em algum momento não sentaria, mesmo diante do olhar inquisidor do
tabelião, mas ela não o fez, permanecia no mesmo lugar com sua postura de
rainha cruel e impiedosa que aprendera a exibir.
Lembrou-se de quando ela
aceitou a proposta do Bamberg. Fora a responsável por buscá-la no manicômio.
Ana não falara nada durante todo o percurso, apenas exibia aquele olhar frio,
enquanto observava a rua onde o veículo passava. Oferecera-lhe água, balas, mas
só recebera uma negativa de cabeça. Pensara em alertá-la para o erro que estava
cometendo ao aceitar ser esposa do barão. Conhecia-o bem para saber que não
seria um exemplo de marido e não demorou para suas previsões realizarem-se.
– Poderia sentar-se, senhora
baronesa?
A administradora prendeu o fôlego ao
ouvir o pedido do tabelião.
Ana não respondeu, apenas o
encarava com ar de total descaso, mostrando que não faria o que fora pedido.
O homem pigarreou, parecia
engasgado, então tomou um pouco de água e decidiu iniciar a leitura sem se
importar com a viúva arrogante.
Fez as introduções próprias da
sua representação e logo chegava às partes importantes.
– … eu, Bernad Nerus Bamberg de
Altser terceiro, no uso das minhas faculdades mentais, deixo aos interessados
minhas vontades, imperando que devem ser cumpridas em sua totalidade ou seus
beneficiários perderão os direitos…
A Del La Cruz ouvia o narrar de
como o barão ostentava suas caridades, como descrevera até a última esmola que
tinha dado. Ele sempre agira assim. Como se tivesse recebido uma predestinação
dos céus, como se fosse o próprio Jesus Cristo.
Sentia o estômago embrulhar,
enquanto continuava a ladainha.
Sabia que em nenhuma daquelas
frases haveria a confissão das barbaridades que tinha cometido com a própria
esposa. Quando aceitara a proposta do barão pensara que seu suplício chegaria
ao fim, porém tudo ficara ainda pior. Fora usada como moeda para inúmeras
negociações. Fora transformada em uma prostituta a participar das orgias regada
às drogas, tudo para que a fortuna de Bernard não tivesse fim.
Odiara-o tanto por todos aqueles anos
e só conseguirá respirar aliviada quando o miserável caíra prostrado sobre o
leito.
Voltou a ouvir a voz do
representante das vontades do marido…
– … todos devem seguir meus
desejos. – Frisou mais uma vez. – Minha esposa, Ana Valéria Di Pace Y Del la
Cruz de Bamberg, baronesa da casa de Bamberg, receberá por todos os anos de
dedicação deixo todos os bens… com algumas exceções…
A administradora fitou a mulher e
viu os olhos por alguns segundos demonstrar algum interesse…
Decidiu manifestar-se para que a sua
cliente não ficasse angustiada.
– Perdão – começou levantando-se.
– Sei que os questionamentos serão feitos no final, mas aproveitando a pausa
que foi dada, não entendi as ressalvas…Ana di Pace é única herdeira do barão.
Gabriele observava a mulher que
falava naquele momento. Alta, cabelos, quase brancos, tinha uma expressão
forte, mas havia gentileza em seu olhar.
Tentava controlar a vontade de
olhar para a lateral e ver a expressão da esposa do avô, mas para seu total
espanto, viu a mulher aproximar-se e sentar-se na cadeira ao lado da sua.
“Ana di Pace”... – Pensava que o
nome não parecia combinar nada com a dona.
– Já que a Branca decidiu
intrometer-se antes da hora, também tenho uma dúvida…
A voz baixa, controlada, soava
carregada de desdém.
Todos viraram para observá-la
que desde que tinha chegado à sala não tinha falado nada.
A administradora a fitou e
observou a expressão gélida. Não podia impedi-la de fazer ou falar nada, nem
mesmo Bernard tivera esse poder, mesmo tentando de todas as formas possíveis
lhe dobrar o espírito.
– A presença da freira é para
destituir o senhor barão dos seus pecados? – Fitou a moça. – Ou essa é apenas
uma prostituta que vestiu essa fantasia ridícula como desejo do meu falecido
marido.
Gabriele não gostou do tom usado,
era satírico e arrogante de forma exagerada. Podia até não desejar fazer os
votos, mas tinha um grande respeito por todas as mulheres que tinham entregado
suas vidas ao convento.
Encarou a mulher que falava
desdenhosamente.
Vê-la de tão perto não fora
algo bom. Algo em seu semblante de “estátua de mármore” lhe incomodara.
– Ela não está aqui para rezar
pelo barão, senhora, nem é prostituta como outras que conheço… – Otávio
respondeu.
Ana o fitou.
– Ora…ora… tinha esquecido da sua
insignificante presença…Mas o fedor te denunciou...
Branca franziu o cenho. Ela sabia
muito bem que a viúva do empresário odiava o advogado que sempre fora cúmplice
das maldades do barão. Ele ainda mais, afinal, ela dormira com sua noiva
inúmeras vezes.
– Sim, senhora… – Ele falou
arrumando a gravata. – Sou o representante dos interesses do senhor Bamberg.
– Não trabalha mais para mim!
– Ela disse por entre os dentes.
Mais uma vez o homem parecia
desconfortável com o ataque, mas logo recobrou a pose.
Mais uma vez o tabelião
pigarreou para chamar a atenção de todos.
– Peço que esperem que eu termine
a leitura para depois fazerem as perguntas… – Voltou a fitar o documento. –
Como dizia: sei que a minha amada esposa deve estar se perguntando o motivo das
ressalvas, mas adianto que há razões para tudo o que estou fazendo, Deus é
testemunha de quanto precisei de sua orientação para as decisões que tomei.
Você será herdeira absoluta de tudo, menos das ações que sou o dono na
companhia de Antônio Del La Cruz, seu pai, meu sogro…
– Isso é absurdo! – Ana
interrompeu-o, levantando-se furiosa. – Não aceitarei essa palhaçada!
– Calma! – Branca pediu
baixinho, tentando tranquilizá-la. – Vamos ouvir.
Nada passava despercebido pelo
olhar atento da jovem vestida de freira. Ela observava a mulher mais jovem
respirar de forma pesada, enquanto deixava clara sua indignação. Conseguiu
vê-la melhor. Os olhos pareciam fogos naquele momento, porém aos poucos
tornavam-se distantes novamente.
De repente, Ana a fitou e
naquele momento ela sustentou o olhar, a noviça ficou lá, encarando-a como se
não temesse nada ou como se não houvesse outra coisa para fazer.
Observa a cor dos cabelos que
estavam presos, como a fronte era delicada e forte, como seus lábios pareciam
torcer em desprezo por tudo e todos.
– Peço que sente, senhora, espere
o momento para seus questionamentos. – Pediu o tabelião.
O maxilar da Del La Cruz
enrijeceu, ela ainda fitava a freira, depois arqueou a sobrancelha esquerda em
sarcasmo, voltando a acomodar-se.
– Aviso-os que se houver mais
interrupções terei que adiar a leitura.
– O senhor quem é para falar
assim? – Ana questionou por entre os dentes. – Cumpra logo o seu trabalho!
Branca olhou para o representante
da lei e imaginou se ele sabia com quem estava lidando. Jamais que o senhor de
ar tão formal venceria a baronesa, antes teria sua reputação e cargo arruinados
sem nem mesmo se dar conta disso.
A Del La Cruz fizera isso com o
psiquiatra que passara anos lhe torturando. Destruiu seu manicômio e sua
respeitada carreira, fazendo-o arrepender-se amargamente por ter participado
dos planos de Antônio. O próprio senador já vinha sofrendo com a vingança da filha.
Não conseguira sua tão sonhada reeleição e aos poucos vinham perdendo tudo o
que tinha construído.
– Continuando a leitura… a
porcentagem de vinte por cento na companhia será herdada pela minha única
descendente sanguínea, Gabriele Letícia de Bamberg…
A jovem vestida com seu hábito
fora alvo de olhares naquele momento. O da viúva era o mais incisivo.
– Peço a fala. – Otávio pediu e
fora lhe dada a permissão. – Apresento a todos, a senhorita Gabriele – Apontou
para garota – Ela é a neta de Bernard.
A noviça sentiu vontade de
naquele momento de afundar na cadeira que ocupava. Queria sumir daquele lugar,
pois o olhar de ódio que recebia da esposa do avô era palpável, sufocando-a,
pensou se seria agredida.
Branca pensava se Ana ainda
ficaria ali depois de tudo o que ouvia.
Sempre souberam que o barão tinha um segredo,
mas nunca conseguira descobrir do que se tratava, até mesmo fizera algumas
investigações, porém nada descobrira. Ele não entregaria de bandeja as ações,
sabia que aquilo seria o tiro de misericórdia no respeitado político. Mais uma
vez ele agia com crueldade, pois sempre usara a parte que tinha na empresa do Del
La Cruz para obrigar a ruiva a aceitar suas barbaridades sem se rebelar.
A baronesa permanecia em
silêncio. Mais uma vez sentia ser retirada das mãos a forma de destruir
totalmente o pai. Em seu interior havia uma revolta, mas no olhar apenas trazia
seu total desprezo pela jovem que ali estava.
– … Gabriele será a herdeira das
ações, mas algumas condições deverão ser seguidas. – O tabelião prosseguia. – Como
sempre tive como maior desejo que minha neta se tornasse freira, entreguei-a as
irmãs do convento de Santa Ana, porém sempre estive informado da revolta que
acometia a minha descendente, devido a isso haverá que ser cumprida a obrigação
da minha esposa de recebe-la aos seus cuidados, empregando-a para que possa se
manter fora do convento; outra condição será que Gabriele se mantenha casta por
um ano…isso não e impede de contrair matrimônio, mas impede que seja concebido...
Ana fez um gesto negativo com
a cabeça.
– Ora, um devasso pregando a
virgindade e pureza… – Disse torcendo os lábios em escárnio. – E se nada disso
for cumprido? – Indagou com a cabeça erguida orgulhosamente. – E se essa garota
não cumprir o que fora dito?
Gabi baixou os olhos, pois não
suportava mais a raiva que era destilada pelo olhar da mulher.
– Se não for cumprida as
condições, as ações serão entregues às mãos de uma corretora para serem leiloadas,
caso Antônio não consiga retomá-las, porém se ele conseguir pagá-las, voltarão
para suas mãos.
Dessa vez, a baronesa não conteve
a fúria. Levantou-se de forma tão impetuosa que a cadeira que estava sentada
caiu.
– Um absurdo…Uma palhaçada! –
Esbravejava. – Entrarei com um pedido de anulação, afinal, o barão era um velho
decrépito que nem mesmo sabia o que fazia. Nego-me a aceitar toda essa
baboseira.
– Sua raiva não tem
justificativa, senhora Bamberg, recebeu todos os bens… – Otávio ousou desafiá-la.
– Gabriele só recebeu as ações, ações que não poderá usufruir, enquanto não
terminar o prazo de um ano…caberá a senhora cuidar para que a jovem tenha onde
morar e o que comer, pois nada mais lhe fora dado.
– Por mim, ela e você podem ir
para o inferno. – Falou silabicamente. – Danem-se os dois!
– Então a senhora também não
terá as ações…
Branca levantou-se,
posicionando-se entre a empresária e o advogado, temendo que algo acontecesse.
– Baronesa, vamos terminar de
ouvir… – A administradora pediu, na verdade implorava com o olhar. – Há mais
coisas a serem ditas.
Gabriele permanecia calada.
Sabia que não seria fácil
livrar-se das amarras que o avô tinha atado a sua vida. Uma carta lhe fora
deixada pelo velho e algumas orientações já tinham sido dadas em segredo. Se
ela não aceitasse as condições deveria voltar ao convento e se caso decidisse
abandonar o lugar, todas as provas contra Trevan seria exposta e ele seria
preso.
Ouviram batidas na porta e logo
uma mulher entrou trazendo uma bandeja com sucos, cafés, bolos.
Ana passou por ela com todo
ódio de sua alma, derrubando todo o conteúdo sobre o caro carpete.
Lia ficou parada, vendo a sujeira
que teria que arrumar.
– Sua cliente não parece muito
bem… – Otávio alfinetou. – O tempo que ficou trancada em um manicômio não
parece ter sido suficiente.
Branca ainda pensou em
esbofetear a cara do homem, mas sabia que isso não ajudaria em nada.
– Bem, as condições foram dadas,
caberá as duas partes aceitar ou as ações serão devolvidas ao dono original ou
a uma corretora. – O tabelião dizia, enquanto começava a guardar os documentos.
– Se a senhorita Bamberg aceitar as condições, dentro de uma semana deverá
comparecer a uma clínica para que faça exames que ateste sua pureza.
A neta de Bernard sentia a face
corar diante de tanta humilhação imposta. Mas o que poderia fazer? Aquela era
sua oportunidade de deixar o convento, sua única saída, mesmo que tivesse que
viver com aquela mulher que se mostrara tão odiosa.
– A minha cliente irá ponderar e
assim que tomar a decisão, eu mesmo informarei. – Otávio disse.
– Então, não há mais nada para
ser feito aqui. – Pegou a maleta de couro. – Grato pela atenção.
A administradora observava o
advogado a falar com a jovem neta do empresário. Sabia que não podia permitir
que ela deixasse a mansão daquela forma. Teria que convencê-la a aceitar o
acordo ou todos os planos de Ana estariam perdidos. No final de um ano,
poderiam comprar as ações da jovem, pois a baronesa teria preferência.
Respirando fundo, foi até os
dois.
– Gostaria de ter uma palavra
com a senhorita. – A administradora estendeu a mão. – Sou Branca Wasten.
Trabalhei para o seu avô durante muitos anos e agora sou responsável pelos
negócios herdados pela baronesa.
– Não acho que seja uma boa
ideia, afinal, sua patroa já assustou demais a minha cliente. – Otávio
intrometeu-se.
– Por favor, senhorita… – Pediu
ignorando o homem. – Peço que me escute por alguns segundos.
Gabriela apertou a mão da mulher
relutantemente. Depois fez um gesto afirmativo com a cabeça.
– Obrigada! – Branca disse com
um sorriso. – Deixe-nos a sós, advogado. – Ordenou, fitando o desafeto. – Não será
preciso sua presença.
– Não irei a lugar nenhum,
represento os interesses da minha cliente…
A noviça fez um gesto afirmativo
com a cabeça.
– Espere lá fora, não me
demorarei…
Branca ouviu a voz baixa, mas
firme da moça e isso lhe agradou.
– Está bem, mas tome cuidado,
aqui não há pessoas que se possa confiar…
Otávio deixou o escritório com
expressão furiosa.
A Bamberg ficou lá esperando,
mas Branca também deixou a sala, pedindo que esperasse.
A moça ficou lá, quieta, apenas
olhando tudo ao redor. Havia grandes estantes com livros de capas de couro.
Curiosa, seguiu para ler os títulos. Havia clássicos da literatura
greco-romana, inglesa…portuguesa…
Ficou encantada.
Amava ler e escrever…era uma
paixão que podia alimentar, mesmo no convento. Criava histórias infantis e lia
para os pequenos.
Agora tudo parecia ter chegado ao
fim. Não teria mais que frequentar as orações ou se sentir culpada todas as
vezes que sentia que aquele não era seu lugar. Baixou os olhos para as mãos.
Tremiam.
Estava assustada com a forma como a
esposa do avô se comportava. Não imaginara que a mulher era tão jovem e tão
bonita.
Ouviu passos e logo viu a
administradora retornar com outra bandeja de lanches.
– Coma algo, enquanto
conversamos. – Apontou-lhe a poltrona, depois arrumou a comida próximo da
ambas. – Imagino que esteja um pouco assustada com tudo isso, mas gostaria que
entendesse que aqui não há inimigos para você. – Entregou-lhe um copo de suco.
– Sei que Ana Valéria tem um comportamento um pouco estranho, mas não se leve
pelas aparências, nem escute tudo o que dizem dela.
Gabriele bebeu um pouco do
líquido e comia uma fatia de bolo. Não podia negar que estava faminta. Pouco
comera no convento, pois estava tão nervosa que ficara enjoada.
– Aceitará os termos que o seu
avô propôs…ou deseja ser freira?
A moça fez um gesto negativo com
a cabeça.
– Não, mas eu não sei se posso
aceitar viver com a senhora baronesa…acha que ela vai aceitar me acolher em sua
casa? – Suspirou. – Vi o olhar de raiva que me dirigiu. – Mordiscava a lateral
do lábio inferior. – É como se eu estivesse a ponto de pular de um precipício.
Branca sentiu pena da jovem por
ter sido colocada em uma situação tão complicada. Não podia dizer que Ana seria
um amor de pessoa, nem mesmo acreditava que ela aceitaria tê-la sob seu teto,
mas não podia deixar a oportunidade de conseguir as ações de Antônio passar.
– Aceite e eu mesma me
responsabilizo por tudo.
O dia já estava chegando ao
fim.
Na capela, as noviças
reuniam-se ao lado das freiras para as orações.
Gabriele estava ajoelhada,
mas não conseguia concentrar-se no que era dito. Sua mente fervia diante de
tantas informações recebidas naquele dia. Sabia o que esperar, pois Otávio já
tinha lhe adiantado algumas das decisões do avô.
Em algum momento da sua
ingênua trajetória pensara que estaria livre do compromisso de estar naquele
lugar. Desde que fora levada para lá, sempre sonhara com o momento de poder ter
a liberdade para ir embora, porém agora tudo parecia ainda mais complicado.
Apertou mais forte os dedos
entrelaçados.
Implorava a Deus para que lhe
ajudasse a tomar uma decisão. Se ficasse ali não haveria riscos para Trevan,
mas se saísse e não cumprisse as condições, o homem que cuidara de si como um
verdadeiro pai passaria o resto da vida em uma prisão.
Lágrimas cobriam-lhe a face e
o desespero parecia querer tomar conta de si.
Estava claro que não seria
bem-vinda se fosse viver com a viúva do barão, via nos olhos azulados que não
lhe queria lá. Mas o que iria fazer? Passar o resto da sua vida naquele
convento?
O jantar tinha sido posto.
Tereza tinha subido para
avisar a baronesa que já podia descer para jantar.
Bateu devagar, sabendo que não
deveria lhe perturbar.
Não ouviu nada, então decidiu
entrar.
Encontrou-a sentada em seu
leito. Vestia o roupão preto e os cabelos estavam molhados.
– Perdão, senhora, vim aqui para
avisar que seu jantar está pronto.
A governanta aproximou-se,
massageando-lhe os ombros.
Ana nada disse, apenas
aceitando o toque delicado da empregada.
– Relaxe…
A voz doce sussurrou em seu
ouvido.
Era acostumada a massagear a
patroa e também tinha o desejo secreto de tê-la em seus braços.
Tereza era uma mulher bonita.
Alta, morena e educada. Ela era filha de um antigo colaborador do barão e mesmo
que não precisasse daquele salário para sobreviver, tinha decidido ser a
administradora da casa daquela mulher.
– Está muito tensa, senhora…
– Voltou a lhe falar. – Precisa relaxar…
A viúva fechou os olhos,
enquanto aproveitava a forma delicada que era tocada.
Desde que deixara o
escritório tinha se trancado em seu quarto. Estava tão irritada com tudo o que
tinha se passado. Bernard fora mais uma vez muito esperto com essa última
jogada. Sempre soube que ele não deixaria tudo em suas mãos, que agiria para
impedi-la de destruir Antônio.
A porta abriu-se e abrindo os
olhos viu a administradora a lhe olhar com expressão curiosa.
– Espero não estar
interrompendo nada… – Disse, enquanto ocupava uma poltrona diante da
empresária. – Imagino que agora que está recebendo os carinhos da governanta
esteja se sentindo muito bem.
Os olhos azuis estreitaram-se
ameaçadoramente. Segurou as mãos que lhe massageavam.
– Saia, Tereza, preciso resolver
algumas coisas com a senhora Wasten.
A governanta fez um gesto
afirmativo com a cabeça e logo deixava os aposentos.
– Como ousa fazer insinuações
em relação à governanta?
– Sabemos muito bem o que ela
deseja… – Olhou as próprias unhas. – Bem, não me interessa isso, quero que me
ouça…
– Ouvir o quê? – Cruzou os
braços em posição de defesa. – Você deixou que o barão me tirasse as ações. –
Apontou-lhe o dedo em acusação.
– Você sabe muito bem,
baronesa di Pace, que ele não confiava mais em mim há muito tempo, desde que
tomei seu partido. – Respirou fundo. – Ana, entenda que não pode agir assim,
precisa ponderar…se tivesse esperado o fim da leitura do testamento teria
ouvido que a neta do barão ao final de um ano poderá vender as ações e você é a
primeira opção nessa lista.
A Del La Cruz levantou-se.
– Um ano? – Repetiu entre os
dentes. – Um ano para esperar por minha vingança… – Passou a mão nos cabelos
úmidos. – Aguentei as humilhações do Bamberg durante tanto tempo e agora me
pede para esperar?
Branca foi até ela,
segurando-lhe os ombros.
– Você já tem dez por cento das
ações, você foi escolhida como guardiã da filha do seu irmão…
– Não é quase nada! –
Retrucou com rispidez, afastando-se das mãos que lhe seguravam. – O que pensa
que devo fazer? Acolher essa maldita neta aqui em minha casa? Não basta ter que
cuidar dessa pirralha do Antony ainda terei que ter essa garota com o sangue
podre do Nerus?
A administradora fez um
gesto negativo com a cabeça.
– Às vezes, penso que você
não tem mais alma… – Falou tristemente.
– Não pense…apenas aceite
que eu não tenho…a única coisa que anseio é destruir o meu pai, destrui-lo bem
devagar por cada dia que me fez viver naquele lugar…e eu não me importo quem
terei que destruir para tirar do meu caminho.
– Sim, eu sei, está cega pelo
ódio… – Suspirou. – Bem, então vai aceitar as condições?
– Não esqueça que a tal freira
precisa ter um atestado de virgindade…Um avô devasso, que vivia em orgias
exigindo castidade da netinha… Acha que ela é virgem?
– Ela é uma noviça, Ana, como
poderia não ser…
– Religiões enganam…eu sei bem
disso…
A administradora deu de ombros.
– Bem, se tudo estiver certo,
vai aceita-la aqui?
– O que devo fazer? Ah, sim,
arrumar um trabalho para ela… – Ponderava. – acho que precisamos de uma nova
empregada para ajudar a Lia que já está velha…Lavar os banheiros...fazer faxina
em toda a mansão...
– Pensei em algo mais leve…--
Comentou horrorizada.
– Nada aqui será fácil para a
neta do velho desgraçado…
Branca suspirou, enquanto passava a
mão pelos cabelos.
-- Não precisa ser assim...
-- E como deseja que seja? –
Massageou as têmporas. – Odeio o barão e espero que queime no inferno!
A
administradora permaneceu calada, sabia que nada que dissesse iria ajudar
naquele momento. Sabia que as chagas que Ana carregava não tinham cicatrizados
e não seriam curadas tão facilmente, talvez nunca sarasse.
-- Estarei lá embaixo...se precisar
me chame.
A baronesa não disse nada. Ficou no
mesmo lugar, enquanto olhava para as próprias mãos. Mais uma vez, seus planos
não seriam concretizados, novamente fora frustrada em seu maior anseio.
Suportara todas as humilhações, todos os toques nojentos pela promessa de que
um dia receberia as ações e agora surge essa garota e fica com tudo.
Esmurrou a cama com seu punho
fechado.
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