A víbora do mar - Penúltimo capítulo


 Naquela manhã, havia grande correria em toda a fazenda da víbora. O casamento da empresária com a tenente ocorreria às treze horas. Não foram convidadas tantas pessoas, apenas alguns conhecidos compareceriam ao evento que seria discreto. 

              Mel tinha seguido para suas terras e era lá que seguia se preparando para o grande momento que se tornara em alguns momentos da sua vida, um sonho impossível.

            Respirou fundo, inalando o delicioso cheiro do campo.

            Chegara a pensar que não conseguiria ficar naquele lugar de tantas recordações, pensara que sua dor seria tão intensa que não suportaria colocar os pés naquele lugar mais uma vez.

            Agachando, recolheu uma pedrinha de aparência transparente.

            Olhava-a como se fosse uma preciosa joia.

            Fechou os olhos e por longos segundos, pensara em quando sofrera o atentado no navio e for viver naquele lugar. Na sua luta para conseguir caminhar novamente, nas intermináveis sessões de fisioterapia e como os especialistas diziam que nada poderia ser feito, caso ela não lutasse para conseguir...

            Mesmo que fosse por motivos escusos, fora a imagem da Víbora que lhe tinha dado forças, fora sua vontade de vingança que a tirara daquela cadeira de rodas...

            Ouviu sons de crianças brincando.

            Esboçou um sorriso, enquanto levantava.

            Continuou sua caminhada, observava as melhorias que estavam sendo feitas em suas terras.

               Graças a Lacassangner, sua fazenda ainda funcionava, mesmo quando estavam separadas, Samantha tinha assumido a responsabilidade de manter os empregados para seguirem com as plantações.

              Caminhou até a grande árvore de goiabeira, retirando uma fruta e comendo.

             Viu os empregados entrarem no estábulo e logo saiam com uma jarra de leite.   Essa cena a fez lembrar quando era apenas uma menina e ficava olhando o avô desempenhar aquela função, enquanto ela se ocupava de arrumar a mesa no pátio.

            Observou o lugar que fora palco de tantas refeições.

            Novamente fechou os olhos e foi como se visse com seu vestido vermelhos de babados, cabelos trançados e segurando a mão da amada mãe para o almoço de domingo após chegarem da missa.

                 Todas as suas lembranças tinham sido restituídas e agora podia ver com mais clareza tudo o que tinha se passado. 

               O avô e o pai tinham sido tão cruéis que não conseguia acreditar que podia ter passado tão despercebido aquelas ações. Sir Arthur sempre mostrava seu status por onde andava. Respeitado e até temido. Conhecido como defensor ferrenho da família e dos bons costumes...

            E o duque?

            Prendeu o fôlego em se recordar do pai.

            Segurou a medalha que trazia junto ao peito e que havia uma foto sua com Marie.

              Olhou para o céu azul e sentiu uma emoção forte tomar conta de si, como se uma luz lhe afagasse e embalasse em um abraço delicado.

               – Mamãe, eu sei que você está em paz agora. – Sussurrou com os olhos fechados. – Esteja sempre comigo e ainda mais agora que estarei ao lado da Samantha…– Esboçou um sorriso, enquanto os olhos dourados brilhavam em lágrimas.

            Ouviu passos e ao se virar viu a amiga se aproximar.

            Cristina tinha despertado há pouco tempo e pela janela tinha visto a militar vestindo um roupão e olhando para o vazio com expressão misteriosa. Não podia negar que ficara preocupada, temendo que algo a tivesse perturbando, ainda mais naquele dia tão especial, temia que seus medos a levassem para longe mais uma vez e se isso ocorresse, sabia que a filha do Serpente não suportaria novamente.

             – Tudo bem, Mel? – Indagou hesitante.

             A Santorini mordeu um pedaço da fruta e depois respondeu:

             – Estava apenas revivendo algumas boas lembranças.

              Ambas sentaram-se sobre o tronco da árvore. Ficaram em silêncio durante alguns segundos e só depois a fisioterapeuta falou:

              – Deve sempre guardar as boas lembranças, pois elas farão muito bem em nossa caminhada… – Segurou-lhe a mão, beijando-a. – Mas nós sabemos que também haverá as más recordações e não podemos fugir o tempo todo delas.

            A aristocrata não respondeu de imediato, ficando em silêncio durante alguns segundos, falando em seguida:

             – Sim, eu sei…fugir nunca vai resolver nada…acho que aprendi essa lição… – Suspirou. – Eu tive tanto medo, Cris, quando retornei e imaginei que a Samantha tinha deixado de me amar.

             – Deixar de te amar? – Questionou incrédula.

             Mel aquiesceu. 

               – Eu fui cruel em partir, agi de forma errada quando sabia que a minha amada pirata desejava apenas estar ao meu lado.

             Cristina assentiu, mas completou.

             – Há muitos caminhos em nossa vida e no final, perceba que todos nos levarão ao mesmo lugar…alguns terão mais obstáculos, mais dores…porém no final, chegaremos ao mesmo lugar, tudo vai depender do caminho que vamos traçar…veja, o seu teve dores antes de chegar aos braços da sua amada, porém chegou, então apenas aproveite para ser feliz e deixar de lado todos esses arrependimentos. – Beijou-lhe a testa. – Acho que devemos tomar nosso desjejum e depois começar a nos arrumar, afinal, sua amada pirata vai chegar daqui a pouco.

            Um sorriso grande se desenhou nos lábios da tenente.

            – Liguei mais cedo e ela me falou que vai chegar às onze. – Falou com um suspiro. – Os empresários tiveram um problema com o voo e se atrasaram, por isso não vai chegar no horário combinado.

           – Bem, pelo menos ela não vai chegar depois que tudo estiver terminado. – Gracejou. – E depois vão poder ter muito tempo para ficar juntas e não terá problemas para matar a saudade… – Fez cócegas na amiga. – Não consegue aguentar mais uma hora sem os beijos da pirata…

            A Santorini gargalhou com as cócegas que recebia, depois se levantou, afastando-se.

            – Já chega, sua louca, vai me matar de rir.

          Um homem aproximou-se com um cavalo.

             – Já alimentei e selei a sua égua, senhorita, vai montá-la? 

              Ela fez um gesto afirmativo.

              – Sele um para Cristina. Vamos nos vestir e depois vamos cavalgar.

             O homem assentiu, afastando-se.

            – Lembrei o Matias…– A fisioterapeuta falou. – Esse foi outro que Samantha não perdoou, ele tinha se unido a sua cunhadinha para te fazer sofrer o acidente com o cavalo.

             – Não gosto de ter essas recordações, são horríveis e cruéis depois de tudo o que passamos. – Olhava tudo ao redor. – Preciso ver o que farei com essa fazenda, pois não viverei aqui.

            – Eu estava pensando em viver aqui com a Virgínia, afinal, vamos ter que morar na região…sei que não venderia, mas posso alugar.

            – Alugar? – Arqueou a sobrancelha em surpresa. – Pensei que não se acostumaria longe do glamour da cidade grande. – Debochou. – Com certeza que pode ficar vivendo na fazenda e não precisa me pagar nada, pois sei que tudo o que for produzido será usado na empresa que sua amada é sócia junto com a Sam.

              – Ah, não, Mel, jamais viveria aqui sem pagar nada, isso seria um absurdo.

            A Santorini levantou a mão como se desse por encerrado o assunto.

              – Depois falamos sobre isso, agora vamos nos vestir, pois quero cavalgar antes de começar a me arrumar.




             Samantha ouvia os empresários narrarem sua viagem e os problemas que enfrentaram antes de conseguirem chegar ao país. 

            A mulher apenas assentia, buscando iniciar o mais rápido possível a reunião.

              A porta foi aberta e não demorou para alguns atendentes trazerem bandejas com bebidas e alguns aperitivos. 

             Só queria encerrar tudo aquilo e seguir para a fazenda. Seu casamento ocorreria naquele dia e o que mais desejava era poder encontrar a esposa e ama-la por todo o sempre.

               Nem acreditava que naquele dia se uniram verdadeiramente, mesmo que sempre tenha se sentido ligado à bela jovem e também havia o fato de elas já serem casadas.

               Não pôde disfarçar um sorriso em recordar de como fora tumultuoso quando acordara e ficara sabendo que estava ligada à Santorini com laços tão perigosos.

                Recordava-se de como a conhecera, quando ainda era uma adolescente, mas que mostrava muita coragem. Mas o que havia ficado gravado em suas lembranças fora quando a viu na recepção que tinha sido oferecida logo que retornara ao país. Havia algo tão perigoso em seus olhos que chegara a ansiar, mesmo que tão intimamente que jamais ousara confessar, encontrá-la mais vezes.

             A tenente trazia um magnetismo único e sua forma atrevida e impetuosa sempre foram riscos para seu bom senso.

          – E o que a senhora acha?

           A voz insistente do empresário lhe tirou dos seus pensamentos.

           Virgínia percebeu que a pirata não tinha prestado atenção a nada que fora dito, então foi ao seu socorro.

            – Sim, Lacassangner, a questão da taxação que vem ocorrendo sobre os produtos e que pode retirar o lucro se não houver um acordo com a taxa de câmbio.

             A filha do Serpente dirigiu um olhar de agradecimento para a sócia e logo respondeu a pergunta que tinha sido feita.

           Impaciente, olhou para o relógio que repousava em seu pulso. 

               Cerrou os dentes.

              Estava desejando que tudo aquilo acabasse o mais rápido possível, porém ainda nem tinha sido dado o início.

                Pediu licença, pegou o celular e discou para a fazenda. Falara com Eliah que disse que tudo estava quase pronto. Não demorou muito na chamada e depois discou para a tenente, mas não obteve resposta, por isso deixou um recado na rede social.

              Ouviu passos e viu Miranda aproximar-se.

                – Acabou a reunião? – A agente indagou.

              Samantha estava sentada na beirada da escrivaninha.

                – Não, ainda estão se alimentando. – Disse revirando os olhos. – O helicóptero está pronto?

               – Sim, assim que você terminar, podemos seguir para seu casamento. – Disse com um sorriso. – Nem parece que há algum tempo fez um escândalo quando se descobriu casada.

                – E o que você esperaria quando fui ludibriada? 

                – Mas pelo menos era com a mulher que você amava e não com outra qualquer.

                – Amava? – Questionou com um arquear de sobrancelha.

                – Você ama a Mel desde que a viu pela primeira vez, sabe bem disso e mesmo que negue, essa é a realidade, afinal, passou anos em celibato para enlouquecer logo pela filha do seu inimigo.

             Samantha parecia ponderar, ficando em silêncio por alguns segundos.

              – Não foi fácil me apaixonar pela tenente, mas realmente, não consigo nem pensar como seria não amar aquela mulher.

               – E para ela ainda mais complicado, ainda mais pelo fato de vocês serem praticamente inimigas…

             A empresária fez um gesto afirmativo com a cabeça e se recordou de quando fora duelar com a jovem militar, de como ela era impetuosa e como quase lhe ferira, sendo preciso desestrutura-la psicologicamente para sair vencedora.

              – Preciso voltar para a reunião ou vamos nos atrasar.

             – Eu não gostaria de estar em sua pele se isso chegasse a acontecer.





              Mel estava diante do espelho, observava o próprio reflexo. Via os cabelos que foram maravilhosamente trançados por Ana. O vestido delicado de alças finas, branco e com detalhes em dourados. Usava uma sandália sem salto enfeitado nos pés delicados por fios dourados.

              Segurou a medalha que trazia no pescoço em seu cordão e viu a imagem da própria mãe.

               Esboçou um sorriso.

               – Obrigada, mamãe, obrigada por tudo…por seu amor…– Falou com a voz embargada. – Por seu sorriso…

               

 

                Anos antes…

               Os estrondosos trovões pareciam que não deixariam ninguém dormir naquela noite em que a fúria dos deuses pareciam castigar a terra com muita água.

               Mel jazia deitada em sua cama, tendo a cabeça coberta.

              A garotinha de olhos dourados tinha apenas oito anos. Estava de férias e ficaria uma semana na casa dos pais e depois viajaria com o avô.

               Um relâmpago iluminou os aposentos e logo a luz apagou.

              Um grito escapou da garganta da pequena que logo cobria a boca com a mão.

            Não podia sentir medo, seu pai dizia isso o tempo todo e a repreendia quando demonstrava algum tipo de fraqueza.

            “ A filha de um duque não deve temer a nada, nem a ninguém... Os outros que devem temer diante do nosso sobrenome.”

              Ouviu passos e não demorou para a porta do seu quarto ser aberta e Marie entrou.

              A luz voltou.

               Os olhos dourados fitaram a mãe envergonhada.

               Sabia que estava tendo um jantar muito importante naquela noite e seus pais eram os anfitriões.

                 – O que houve, minha princesa?

                A voz doce da filha adotada de Sir Arthur parecia uma delicada melodia feita para acalmar os corações dos mais temerosos.

                Envergonhada, a garota fez um gesto negativo com a cabeça, mesmo assim, a esposa do duque se acomodou na cama e fez com que a menina acomodasse a cabeça em seu peito.

                – Mel, minha doce Mel, quantas vezes eu preciso te dizer que ter medo é algo normal e que faz parte da nossa construção de humano.

               Os lindos olhos fitaram a face da bela mulher.

               – Vovô e papai não sentem medo.

              Marie sorriu.

              – Claro que sentem, querida, eles são tão humanos quanto qualquer outro ser.

               A jovem herdeira do duque parecia confusa.

               – Mas eles são tão poderosos, mamãe, todos falam como são corajosos e como conseguem destruir todos os piratas que cruzam seus caminhos. – Fez um gesto com a mão. – Quero ser corajosa como eles, desejo que falem de mim assim, que digam que sou corajosa e que os piratas tremam quando ouvirem meu nome.

                – Não, criança, não deve falar assim… – Segurou-lhe a mão, beijando-a. – Não quero que minha filha seja motivo de temor, você é um anjo, meu bem, deve ser motivo de amor, de alegria…de encanto. – Acariciou-lhe os cabelos. – Não se deixe conduzir por caminhos tão escurecidos...

               – Os piratas não terão medo de mim se eu tiver aparência de um anjo. – Protestou exasperada.

                – Os piratas não são seus inimigos... – Falou pensativa. – Às vezes, as primeiras impressões são sempre enganosas...

                 – Mas e o Serpente e a víbora? Há uma víbora, papai me falou, contou que existe uma inimiga ainda maior e…

                  – E que nada, Mel! – Repreendeu-a. – Não deve se deixar levar por essas histórias…Não há vilões nessa história…e você não deve se deixar levar pelas bobagens que ouve por aí. – Tocou-lhe o nariz carinhosamente. – Sempre ouça os dois lados da história, pequena, e se tiver três, escute também.

                 – Por que, mamãe? – Questionou em sua inocência.

                 Marie parecia pensativa e depois aconchegou-se mais à criança.

                 – Porque as aparências enganam…meu amor…lembra a história do Patinho feio que te contei?

                 – Sim, lembro.

                – Pois é… então deve se recordar de que o patinho era julgado por todos os outros patos…mas que na verdade ele era um cisne?

              Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                – A vida também é assim…do mesmo jeito…

                  – Então há patos que são cisnes no jantar lá embaixo?

                  Marie gargalhou.

                  – Acho que só vi alguns coiotes…

                  Mel não entendeu, mas não perguntou, apenas se aconchegou mais nos braços da mãe.

                – Mamãe… conta uma história…

                A duquesa sabia que devia descer para a recepção dada pelo marido, mas jamais negaria a um pedido da filha. 

                  Beijou-lhe a testa e ficou lá abraçada a ela.

                – Era uma vez…uma garotinha muito linda...era tão linda que todos diziam: Como pode ser tão linda essa criança...Mas ela era muito infeliz, pois não tinha conhecido sua mãe que morrera quando nascera e fora criada apenas por seu pai...um homem corajoso que tinha sido traído por todos...

              

 

                Dias atuais…

               – Vai borrar sua maquiagem essas lágrimas.

               Mel viu a babá atrás de si e esboçou um sorriso.

                 – Estava lembrando da minha mãe…minhas memórias parecem cada vez mais vivas…

                Seguiu até a cama, sentando-se.

                – Você acha, babá, que minha mãe estaria feliz se estivesse aqui?

                – Claro que sim, filha, você mesma sabe disso, você mesma sente isso…

                 – Sim, babá, eu sinto. – Levou a mão ao peito. – Eu sinto todo o amor que minha mãe tem por mim…eu a sinto presente…

              Marina arrumou-lhe os cabelos.

              – Ela está contigo o tempo todo…sempre estará contigo… – Beijou-lhe a testa. – Acho que a sua Samantha já chegou, pois ainda pouco um helicóptero estava sobrevoando para aquelas bandas.

              Os olhos dourados brilhavam em felicidade.

                  – Ela ligou?

                  – Não, mas a senhorita Virgínia sim, quando estavam saindo da capital, pelo que a Cris comentou, a Lacassangner tentou falar contigo, mas não conseguiu.

                  – Ah…! – Exclamou com um suspiro de desgosto.

                 Marina riu.

                – Filha, ela já está aqui, logo terão um casamento de verdade e poderá desfrutar da sua pirata.

                 – Minha pirata… -- Repetiu baixinho.

                Antes que pudesse falar algo, a porta abriu-se.

                – Borrou a maquiagem!? – A fisioterapeuta rosnava horrorizada. – Agora vai chegar atrasada no seu casamento. – Dizia indo buscar a maleta e voltar parando diante dela. – Eu disse para não se emocionar.

               – Acha que a Samantha vai se importar por um lápis borrado?

                  – Ela não, mas eu sim, afinal, não quero a minha amiga toda borrada nas páginas dos principais jornais do país…e nas redes sociais…

                  

 

               Samantha estava saindo do banheiro quando viu Miranda já pronta para seguir para o pátio.

             A pirata arrumou o cordão do roupão.

              – Sua esposa ligou perguntando se você já estava pronta. – Esboçou um sorriso. – Devo contar a ela que você ainda está de roupão?

              A empresária seguiu até o espelho, pegando o secador começou tirar a umidade dos cabelos. Sabia que ainda estava cedo e daria tempo de se arrumar.

              Ficara tão agoniada com a demora dos investidores que pareciam mais interessados em comer e beber que em fechar logo o negócio de bilhões.

                Ouviu passou e logo a chefe do departamento se posicionava atrás de si, colocando uma chave sobre o móvel.

                    Samantha a fitou.

                  – Brenda mandou te entregar… abre aspas " quando enjoar da sua tenente, procure-me, pirata, sei que poderei te fazer muito mais feliz na cama que a sua esposa. Essa é a chave do meu apartamento, te esperarei." Fecha aspas.

              A Lacassangner sorriu, enquanto meneava a cabeça.

              – Achei melhor decorar o bilhete, pois fiquei imaginando se por um descuido a sua esposa encontrasse…

               – É apenas brincadeira…

               – Brincadeira? – Miranda indagou com um arquear de sobrancelha. – Vocês duas tiveram algo?

                  A morena apenas deu de ombros e voltou a secar as madeixas.

               Não tinha cabeça para pensar em ninguém naquele momento, apenas ansiava pelo momento de reencontrar a filha de Fernando e não se separar mais.

             Não se arrependia de tê-la aceitado em sua vida, porque a amava tanto e sabia que também era amada. Em parte, entendia o que tinha acontecido com a tenente, de como fora difícil para ela descobrir as barbaridades que o duque tinha cometido.

               Às vezes, tinha a impressão que aquele homem ainda existia e que ainda poderia fazer mal a Mel.

               Viu a caixinha sobre o móvel.

                Mesmo que já estivessem casadas no papel, aquele ato seria ainda mais importante, pois veria a expressão da Santorini em aceitar realmente ser sua mulher.



              O carro estacionou diante da casa grande e Mel deixou o veículo ao lado de Cristina e Marina.

               Observou o lugar que fora arrumado para que casassem simbolicamente.

               O gramado bem aparado, havia algumas cadeiras, não foram convidado tanta gente, apenas poucos conhecidos e as pessoas mais íntimas de ambas.

              Uma tenda tinha sido colocada bem no centro, tendo um pouco atrás o lago que cortava sua própria terra. 

                 Sentiu a mão de Marina segurando a sua, apertando-a.

                Um sorriso abriu-se nos lábios da tenente ao vir sua amada lá, esperando-a.

                Uma emoção tão forte tomou conta de si ao fitar os olhos azuis que pareciam brilharem ainda mais.

                 Simplesmente seguiu ao lado da sua amada babá, andando sobre o carpete vermelho, havia arranjos de flores por todas as passadas.

               Sua esposa estava ainda mais bela. 

               Os cabelos estavam trançados desde a raiz. Havia um arco que circundava sua tez. Usava um vestido também branco, mas havia um cinto de couro em formato de espatilho na cor marrom que combinava com as botas de cano alto.

               Sua pirata!

               Observou os lábios carnudos e vermelhos iguais a uma maçã suculenta. Não usava os costumeiros óculos de aros dourados.

              Samantha sentia as batidas em seu peito acelerarem. Era como se estivesse vendo a jovem herdeira do duque pela primeira vez. 

             Estava tão linda eu seu vestido branco de alças finas. Observou o corpo delicado em suas vestes que pareciam ter sido feitas para deixá-la com impressão de estar vendo um anjo.

              Não escondeu uma lágrima que vertia em sua delicada face.

                Nem mesmo esperou que a amada se aproximasse, indo até ela, tomou-lhe a mão, beijando-a delicadamente.

               De mãos dadas, seguiram até o lugar que estava a juíza.

                Quando pararam diante da autoridade de direito, a pirata sussurrou em seu ouvido:

              – Eu já disse que te amo e que estava morrendo de saudades…

              Os olhos de ambas se cruzaram.

              Mel corou diante da intensidade do olhar.

             – Podemos começar? – A juíza perguntou.

               Ambas fizeram um gesto afirmativo com a cabeça.

             Miranda sorriu ao presenciar a emoção que estava estampada na face das duas mulheres.

             Nem acreditava que tudo tinha se resolvido e que agora ambas poderiam desfrutar todo o amor sem as ameaças do duque.

             Olhou para o céu e ficou a lembrar de Otávio. Não pudera ajudá-lo, porém conseguira cuidar da sua filha e lhe ajudar a conseguir ficar ao lado da amada. Talvez agora, o pirata esteja ao lado do seu único e verdadeiro amor, Iraçabeth. Podiam estar olhando com alegria o desenrolar de toda aquela história que caminhava para um final feliz.

               Não se sentia mais em dívida com o amigo, mas mesmo assim continuaria por perto para ficar sempre de olho em alguma ameaça contra a vida da Lacassangner. Não tivera filhos e aprendera a amar aquela pirata como se fizesse parte do seu próprio sangue.

               Retirou um lenço para limpar as lágrimas.

                – Não acredito que a minha chefe está a se desmanchar em lágrimas.

              A chefe do departamento inclinou a cabeça e viu Belinda.

                  – Pensei que não estaria presente…– A Maldonado falou abraçando a agente.

                 – Também pensei em não vir, porém recebi o convite da tenente e não quis fazer desfeita. – Disse com um piscar de olho. – Também vim com o sonho da pirata mudar de ideia, até deixei o carro ligado, pronto para nossa fuga igual a séria da Arlequina.

            Miranda colocou a mão nos lábios para conter o riso.

               – E você é uma mulher madura a ponto de entender que esse jogo já tinha dois participantes.

              A loira apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

             Não demorou para que se ouvisse a voz de Samantha a fazer seus votos para a esposa:

               – Fiquei pensando o que devia falar…– Esboçou um sorriso, enquanto segurava a mão da jovem. – Pensei em dizer que te amo, mas acho que ficaria tão repetitiva que iria enjoar…Talvez, eu deva dizer que estarei para sempre ao seu lado...Que o meu amor é maior que o infinito e que mesmo com nossas arestas...Passarei a eternidade em gratidão ao universo por ter me dado tamanho presente. – Deu uma pausa, enquanto buscava controlar as emoções, depois continuou. – Minha bela Santorini, dê-me o prazer de ser minha esposa...minha mulher e que possa seguir comigo nessa caminhada...

               Mel umedeceu os lábios. Tinha a impressão que havia algo preso em sua garganta.

            Cristina agradecia aos céus naquele momento por ter usado um lápis à prova d´água na segunda vez que refez a maquiagem da amiga, pois se não fosse assim, estria horrível a face bonita da tenente que se desmanchava em pranto.

            A própria fisioterapeuta não conseguia conter as emoções.

            A tenente abraçou a amada e ficou por alguns segundos naquele aconchego e só depois de alguns segundos, voltou a ouvir a voz da filha do Serpente.

               – Eu só quero que saiba, meu amor, que quero viver ao seu lado por toda a eternidade…que amo cada gesto seu…a forma como enfrenta tudo por saber que está certa…amo quando sorri para mim…Seu sorriso iluminou as trevas que havia em meu interior – Cerrou os dentes. – saiba que estarei sempre ao seu lado e que sempre poderá contar comigo…seja na alegria…na tristeza…ah, minha doce Mel, eu te amo maior que todo esse infinito…

              A Santorini já não conseguia segurar as lágrimas que corria em sua face.

               Abraçou a esposa pelo pescoço e permaneceu lá durante alguns segundos, depois se afastou alguns centímetros.

                 – Eu também não sei o que dizer, minha linda pirata, apenas que desde a primeira vez que te vi descobri que havia algo que nos uniria…acho que passei todos os anos esperando para te reencontrar…talvez por motivos errôneos, mas eu sabia que te queria, sabia que a tinha em meu coração, em minha alma… – Levou a mão da esposa ao seu peito. – Perdoe-me pela dor que lhe causei…passarei todos os meus dias compensando-a… – riu – E mesmo que você saiba que eu tenho um temperamento um pouco forte…saiba que tentarei sempre conversar e tentaremos nos entender…Eu te amo, meu amor, te amo para sempre…

               Aplausos coroaram as declarações das noivas e logo o matrimônio estava concluído com as alianças.



            Arthur estava em sua cela, tinha um livro que o amigo levou, mas não conseguia se concentrar em folhear. Sabia que hoje seria realizado o casamento de Mel e não podia negar que estava triste por não estar presente, por não poder entrar ao lado da amada neta. Sempre pensara que faria o percurso pela nave da igreja acompanhando a filha de Marie. Até mesmo pensara que isso aconteceria com o Juan, mas com o tempo percebera que ele não era digno da jovem e quando ficara sabendo que ele tentara mata-la, ficara possesso, sendo capaz de destruí-lo com suas próprias mãos. 

                Agora entendia que sempre soubera o motivo de ter tanto medo de sua neta se encontrar com a Lacassangner. Desde que descobrira que a garota tinha acolhido a pirata em seus aposentos e cuidara de suas chagas, algo dentro de si ficara incomodado e por essa razão fizera de tudo para que ambas não voltassem a se encontrar, por isso aceitara as mentiras que Fernando contara, pensando que se houvesse ódio não haveria chance de ter amor. Como se enganara. Fora como se tudo já estivesse traçado em linhas tortas em algum grande livro.

              Cobriu o rosto com as mãos.

              Iraçabeth e Otávio saíram vencedor, mesmo diante de todas as armações que o duque e ele mesmo fizera.



            Mel estava encostada a uma árvore, distante dos convidados. Tinha se afastado um pouco, pois ficara curiosa ao ver os cisnes no lago. Caminhou até lá e ficou observando a paisagem.

             Sentiu mãos lhes enlaçarem pela cintura.

              Inclinou a cabeça e recebeu um beijo rápido nos lábios.

             – Está fugindo da festa sem mim? – Indagou lhe acariciando os cabelos.

              – Estava vendo os belos cisnes…

             Samantha sentou, encostando-se ao tronco da árvore e acolheu a amada entre as pernas, abraçando-a.

              – Foi presente da Miranda…

             – A Miranda foi maravilhosa… – Virou-se para fita-la. – Ela é maravilhosa…acho que se não fosse por ela, estaríamos longe… – Beijou a ponta do nariz da amada. – Minha pirata linda…eu poderia passar minha vida toda só te olhando e admirando sua beleza…

              – Só olhando? – Provocou-a com um olhar saliente.

                Mel mordiscou a lateral do lábio inferior.

            – Sabe muito bem que não só isso… – Disse corada. – Mas não sei se é hora para falarmos disso…

             – E quem falou em falar…prefiro que façamos…

             As duas gargalharam.

            – Podemos ir embora? – Mel questionou. – Iniciar nossa lua de mel?

            -- Não acho que sentiriam nossa falta... – Samantha comentava com ar inocente. – Exceto a sua amiga Cris que faria um drama por você não ter dado de presente o buquê...A Marina que não te deu todas as bênçãos do universo...O Eliah e suas crendices...A Sorte que acha que vai viajar com a gente...

            A ex-militar suspirou.

            -- Realmente, é melhor que fiquemos até o final, não pretendo ouvir mais dramas nessa história toda... – Voltou a observar o lago.

            -- Bem, isso não significa que devamos ficar o tempo todo na presença de todos... – Sussurrou bem perto da sua orelha. – Que tal subirmos para trocar de roupa...um banho...

            -- Vá na frente e em alguns minutos te encontro! –Levantou-se.

            Samantha afastou-se, enquanto a jovem continuava no mesmo lugar a observar o lago.

            Ouviu passos e ao se virar, viu Belinda.

            Tinha convidado a agente, pois mesmo sentindo o ciúme sempre queimar em seu interior, sabia que a loira fora de grande ajuda em toda aquela história.

            -- Fico feliz que tenha vindo! – Disse com um sorriso.

            -- Eu agradeço por sua gentileza...—Belinda falou. – Acho que estou mudando minha opinião em relação a sua pessoa... – Sorriu. – Quero que saiba que nunca houve nada entre sua pirata e a minha pessoa... Não porque eu não tenha desejado, mas porque desde que ela te viu, só teve olhos para ti...

            -- Imagino que isso foi decepcionante...

            -- Claro, tenente, eu a queria...— Comprimiu os lábios. – Faça-a a feliz e seja feliz também, acho que todos estamos esperando por esse momento...

            Mel fez um gesto afirmativo com a cabeça, estendendo a mão para a outra que aceitou o cumprimento e depois se afastou.

            -- Vejo que tudo está sendo resolvido em paz...

            A voz de Miranda lhe chamou atenção. Sem esperar ou falar qualquer coisa, abraçou a Maldonado.

            A chefe do departamento quedou-se ali, sentindo a emoção da filha de Fernando. Acariciou-lhe os cabelos, depois a fitou.

            -- Seja feliz...vocês merecem depois de todos esses anos de dores...

 

 

            A luz do luar iluminava os corpos nus sobre o leito.

            Ainda se ouvia a música da festa e o som da alegria que os presentes demonstravam.

            Passava da meia noite e as noivas não seguiram para a viagem, deixando para o dia seguinte.

            Mel segurava o rosto bonito entre as mãos, beijando os lábios de forma delicada. A aliança reluzia...

            Pausou o ato, fitando a bela mulher que a olhava com paixão. Os olhos azuis estavam escurecidos pelo desejo.

            -- Amo você, pirata... – Desceu a mão pelos ombros, seguindo pelos seios. – Sinta todo o meu amor...

            Samantha apoiou-se nos cotovelos para observar a amada deslizar os lábios por sua pele.

            A boca pousou em seus seios de forma delicada, lenta, desenhando suas formas com cuidado...

            -- Passarei toda a minha vida a demonstrar como me sinto maravilhada em tocá-la... – Disse ao parar em seu abdômen. – Como a desejo dia após dia...

            A jovem amante continuou seu percurso sem pressa, sem temores, apenas querendo retirar o máximo de prazer de cada carícia.

            A Lacassangner inclinou a perna, abrindo-se, acolhendo a esposa em seu mais íntimo ser.

            Trêmula, voltou a acomodar a cabeça sobre o travesseiro.

            Mel deslizou para seu interior com cuidado, tocando-a com calma, esperando pacientemente para leva-la ao mais alto grau do prazer.

            Ouviu-a chamar por seu nome, ouviu o som acelerado da sua respiração, regozijou-se.

            Naquela noite, amou-a tantas vezes e de inúmeras formas, apenas por sentir o prazer que lhe dominava ao ver a bela Samantha se entregar de forma tão apaixonada.

            Ninguém fora até lá para saber o motivo de não terem seguido viagem, afinal, todos sabiam que não importava onde elas estavam, contanto que estivessem juntas, isso sempre seria o mais importante para as duas mulheres.

 

Comentários

  1. Mulher até q enfim voltaste rs, estou maratonando todas os seus contos. Já reli: A Dama Selvagem, A Condessa Bastarda, Anjo Caído, e ainda faltam fiz na esperança q atualizasse a Víbora do Mar e deu certo é prazer ler d novo suas histórias lindas porém n nos deixem tanto tempo moça pfv e está d PARABÉNS pelo esse talento q tens pra escrever e nos envolver na sua escrita OBRIGADA!

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