A víbora do mar - Capítulo 39 - A verdade
Cristina
seguia pelos corredores do navio. Tentara questionar a namorada sobre o que
tinha acontecido, porém ela não tinha dado detalhes, apenas dissera para ir até
a sala do comandante sozinha e sem fazer alardes. A cada passo que dava, mais
nervosa ficava. Começava a se arrepender por ter deixado a amiga ter ido até a
embarcação.
A
fisioterapeuta praticamente corria e rapidamente chegou ao destino. Abrindo a
porta, iluminou o lugar com a lanterna e foi quando viu tudo derrubado e a
amiga desfalecida. Sentiu uma vertigem ao imaginar que algo de ruim poderia ter
se passado.
Agachou-se
diante dela, percebendo que respirava naturalmente.
Sentou-se,
colocando a cabeça da jovem sobre seu colo.
–
Mel! – Chamava baixinho. – Mel, o que houve? Mel...
Apalpava
a jovem em busca de alguma fratura, mas não encontrou nada. Já pensava em
chamar ajuda quando viu os olhos dourados abrindo-se. Sentiu um alívio ao vê-la
despertar que a abraçou.
A
Santorini sentia uma dor forte na cabeça. Tinha a impressão que fora golpeada
tão forte, ou pior, parecia que tinha tomado o maior porre da vida. Tentou
livrar-se do toque da fisioterapeuta, enquanto olhava tudo ao redor como se
buscasse algo.
Via
o rosto de Cristina e tentava a todo custo descobrir onde estava. Viu a
lanterna que pouco iluminava.
–
Está bem? Quer que chame o resgate?
A
tenente fez um gesto negativo com a cabeça, mas se arrependeu do ato, pois isso
só foi para lhe fazer sentir mais desconfortável.
–
O que aconteceu aqui? – Cris perguntava. – Foi atacada?
Não respondeu a pergunta, apenas massageava as têmporas,
enquanto recebia as imagens do que tinha se passado.
–
Ajude-me a levantar… – Pediu com voz fraca.
A
amiga fez o que fora pedido, ajudando e fazendo-a sentar na cadeira. Retirou
um cantil da cintura, fazendo-a beber um pouco.
Mel
passou a mão no corpo, parecia querer constatar que estava vestida. Sentindo-se
aliviada pelas roupas estarem em si.
–
Conte-me o que aconteceu… – A outra pediu curiosa. – Quer que uma ronda seja
feita? Temos que avisar sobre o ocorrido ao nosso superior.
A neta de Sir Arthur bebeu mais um pouco de água.
–
Como… como me encontrou aqui?
–
A Virgínia me mandou mensagem, disse para que viesse até te resgatar… mas eu
não entendi nada, como ela sabia que você estava aqui desmaiada?
A
jovem cerrou os dentes.
Fitava tudo ao redor em busca de alguma prova da presença
da pirata, mas ela não deixara nada para trás, apenas o cheiro que ainda estava
em seu corpo.
–
Porque a Víbora estava aqui e me deixara desacordada. – Bateu com o punho
fechado sobre o tampo da escrivaninha. – Devia ter ligado o alerta, devia ter
feito isso… – Inclinou a cabeça para trás e começou a massagear as têmporas
mais uma vez. – Invadira o navio, estava procurando algo que não sei o que era.
Cristina
olhava a bagunça ao redor perplexa.
–
Vocês brigaram? – Fitou a espada caída longe. – Está machucada. – Observou a
face bonita.
Mel
observava a bagunça, sabendo que não fora apenas da luta que tinham travado. Sentiu
a face corar. A Sheika transara miseravelmente e gostosamente consigo e depois
a fizeram desmaiar para continuar sua busca. Aquela mulher não tinha um pingo de
caráter. Sempre fazia o que queria sem se importar com os outros.
Fechou a mão fortemente ao lado do corpo.
Se a encontrasse naquele momento não se responsabilizaria
por seus atos.
–
Quando cheguei aqui encontrei uma figura toda vestida de preto e usando
máscara… usei a espada para intimidar, mas fui repelida grosseiramente, então
parti para cima, consegui lhe acertar algumas vezes, mas depois fui rendida…
então foi nesse momento que descobri se tratar da filha do Serpente.
Cristina
cobriu a boca com a mão.
–
Ela sabia que era você?
–
Acredito que não, como te disse estava muito escuro…Não tinha como saber...
–
Mas isso durou quanto tempo? Tem ideia de quantas horas estava desacordada? O
dia já está amanhecendo.
–
Eu não sei, apenas desfaleci… acho que usou algo em mim, espirrou no meu rosto
e fiquei paralisada…Depois dormi...
–
E por que ela fez isso? – Passou a mão nos cabelos. – Não estou entendendo
nada… O que ficaram fazendo todo esse tempo aqui? Brigando e depois te fez
desmaiar para fugir? – Olhava tudo ao redor com crescente curiosidade. – É
estranho que tenha simplesmente feito isso e depois indo embora.
Mel
massageou a nuca.
–
Arrume tudo, não podemos deixar nada fora do lugar…
–
Não vai denunciá-la pelo que fez? – Indagou interessada. – Pensei que essa
seria a primeira atitude que tomaria.
A tenente umedeceu os lábios demoradamente sob o olhar
curioso da outra militar.
–
Não posso, pelo menos não agora, posso ser acusada de cumplicidade…
–
Por quê?
A
Santorini levantou a cabeça de forma arrogante.
–
Porque eu estava terminando de transar com ela quando a maldita me fez desmaiar!
Os
olhos de Cristina quase se soltaram de órbitas. Levou a mão a boca, cobrindo-a.
–
Está me dizendo que… que… que você foi seduzida?
A
jovem levantou-se, mas sentiu uma forte tontura, segurando-se na escrivaninha.
–
Sim, foi isso que aconteceu, ela fez tudo para conseguir terminar a busca que
tinha iniciado, sabia que eu não permitiria que seguisse com a exploração,
então precisou me tirar do caminho e fez perfeitamente.
–
Meu Deus, estou perplexa com tudo isso…– Entregou-lhe a espada. – O que ela
queria aqui?
–
Disse que procurava provas que o Tobias tinha deixado, que precisava
encontrá-las.
–
O homem que foi assassinado?
–
Sim, foi isso que ela me disse…Mas não sei se acredito.
–
Se você não tivesse vindo aqui ela teria saído sem ser vista… nada de anormal
foi identificado lá fora, eu estava lá o tempo todo e nem mesmo vi nenhuma
embarcação por perto.
–
Pelo traje que usava veio mergulhando até escalar a embarcação.
–
Nossa!
–
Sim, agora entendo o motivo de todos terem ficado doentes, com certeza ela tem
algo a ver com isso, deve ter sido a responsável para tirar tantos soldados do
caminho, apenas não imaginou que encontraria comigo. – Colocou a arma na cintura.
– Eu ainda gritei, teve um momento que pedi ajuda, mas você não ouviria. O
barulho das ondas batendo no casco do navio não permitiria.
–
Eu mesma não ouvi nada, também não acredito que os soldados tenham ouvido. Não
estranhei a sua demora, pensei que estava tão chateada que tinha decidido ficar
sozinha, essa foi a razão de não ter vindo aqui. Eu estava lá, então recebi as
mensagens da Virgínia. – Mostrou-lhe o celular. – Veja você mesma.
Mel
via o horário e percebia que demorara um pouco, tinha a noção de que depois de
ter ficado desacordada a outra com certeza saíra na sua busca e só depois foi
embora.
Arrumou
a roupa e os cabelos que estavam soltos do penteado.
–
Você não está nua!
A
Santorini não respondeu de imediato, colocando a camisa para dentro da calça e
arrumando o cinto.
–
Sim, claro, ela deve ter me vestido antes de sair.
–
Isso é um ponto positivo, imagina se tivesse te deixado do jeito que tinha
terminado a relação sexual.
Mel
não respondeu. Apenas terminou de se arrumar.
–
Vamos sair daqui, em breve virão buscar o navio e não quero ter que dar
explicações ao comandante sobre minha presença aqui dentro.
Cristina
estava louca para perguntar mais detalhes sobre o ocorrido, mas sabia que a
amiga estava muito irritada, então o melhor era não falar nada naquele momento.
Seguiram
para fora e realmente o sol já estava nascendo. Caminharam até o píer e ficaram
lá observando tudo ao redor, buscavam a embarcação que com certeza há tempos já
tinha saído da baía.
Samantha
saiu do banho vestindo um roupão atoalhado na cor branca. Miranda e Belinda
estavam lá. Ninguém tinha dormido ainda.
–
O que houve com a Mel? – A Maldonado foi logo perguntando quando a Sheika
sentou na poltrona.
–
Com certeza, agora já deve estar bem, deve ter despertado. – Usou o gelo para
massagear o queixo.
–
Vocês travaram uma briga?
–
Eu não sabia que quem estava lá era ela, da mesma forma que ela não sabia que
era eu, então estávamos tentando proteger nossos interesses…
–
Ela parece ter se saído bem melhor… Vamos ter que ir ao hospital, acho que você
quebrou algumas costelas.
A
Lacassangner assentiu. Tateando a pele.
Realmente
aconteceu, sentia muita dor e mesmo depois dos analgésicos, ainda lhe doía
muito.
--
A Virgínia deve estar chegando, pedi que buscasse um médico para cuidar das
suas fraturas –Suspirou. – Todo esse trabalho para não encontrar nada. Sem
falar que foi teimosa o suficiente para não ir direto ao hospital. E ainda tem
a Mel, basta que ela abra a boca para que você seja presa.
–
Não adianta se chatear dessa forma, nada seria tão fácil assim. – A morena
retrucou. – Acha que o maldito deixaria uma cruz sobre suas provas? –
Questionou irritada. – Ele era muito esperto, sabia que tudo aquilo era muito
importante.
-- Mesmo assim, deveria ter vindo embora imediatamente
quando foi surpreendida.
-- Eu tinha um objetivo e não sairia de lá sem tentar
cumpri-lo.
A
chefe do departamento parecia um pouco surpresa, encarando os olhos azuis.
–
Acho que seu encontro com a tenente não foi tão ruim…
Samantha
arqueou a sobrancelha em sarcasmo, depois deu de ombros, algo que acabou lhe
causando dor.
–
Bem, ontem à noite recebi a ligação da irmã da vítima que fora encontrada ao
lado de Tobias. – Acomodou-se. – Um homem esteve lá para falar com ela,
vestia-se muito bem, olhos castanhos, alto e muito elegante…
–
O duque arriscou-se a ir pessoalmente lá? – A pirata questionou perplexa. – Ele
deve estar muito desesperado para isso.
–
Mas ele foi esperto, não perguntou diretamente, inventou a história de ter ido
olhar uma propriedade ali perto e o dono acabou cancelando de última hora, sentou,
tomou uma cafezinho e comentou sobre o assassinato…
–
Ele sabe que há provas?
–
Sim, ele sabe, porém também não sabe onde está.
A
morena bocejou.
–
Precisamos repensar onde procurar, mesmo não tendo olhado cada canto do víbora,
não acho que esteja lá…
–
E o Serpente? – Belinda falou pela primeira vez desde que se reuniram. – A
pista também poderia referir-se a ele.
A
Sheika ponderava.
–
O Eliah conta que o navio do meu pai estava assombrado…
–
Mas quem acreditaria nisso? – A loira questionou com ceticismo.
–
Os piratas são muito supersticiosos… – A Maldonado explicou. – Sempre foram
assim, acreditam em maldições, espíritos e isso os impedem de se aproximar de
determinados lugares…
–
Você também é assim? – A agente indagou olhando para a pirata. – Também crê
nessas coisas?
Ela
fez um gesto negativo com a cabeça, depois se levantou, mas acabou
arrependendo-se do gesto e por essa razão voltou a sentar.
Ouviram
passos e Virgínia apareceu acompanhada do médico de confiança de Miranda.
O
homem aproximou-se para começar a investigar o problema da jovem.
Miranda
seguiu até a varanda, observava o sol que já aparecia.
Teria
que ir até a tenente, precisava conversar e saber quais eram as pretensões da
jovem. Não acreditava que ela fosse entregar a esposa, se assim o fosse, já
teria feito, mas na altura daquela história tudo podia acontecer.
–
Falei com a Cristina, me disse que a Santorini está bem.
A
Maldonado viu a agente ao seu lado.
–
E perguntou se a militar pensava em falar ao superior?
–
Eu não questionei sobre isso, mas acho que aconteceu algo mais entre as duas
mulheres, além do confronto… -- Virgínia disse receosa. – Achei estranho a
forma como a pirata retornou...
–
Sexo? – Questionou arqueando a sobrancelha esquerda. – Acha que ficaram no
navio depois de quase se matarem em uma batalha?
–
Acredito que houve algo pelo que ouvi da Cris, só não sei se elas chegaram até
o fim…
–
A Samantha é muito corajosa… se realmente aconteceu algo e ela ainda usou o
spray…não acho que a tenente esteja muito alegre com isso…
–
Quem sabe, Miranda… Há coisas que vale a pena o sacrifício…
Mel
estava deitada. Depois de ter prestado o trabalho de forma
"excelente" fora liberada.
Dormira
grande parte do dia e agora assistia a um filme.
Comia
o lanche que Marina trouxe quando a porta abriu-se.
–
Falei com a Virgínia, acho que você bateu forte na Samantha, fraturou algumas
costelas. – Disse, sentando-se pesadamente. – Bem que ela mereceu, afinal, uma
péssima forma de terminar uma sessão de sexo...
A
tenente cruzou os braços sobre os seios.
Realmente
a chutara forte e ainda por cima a jogara contra a escrivaninha. Em parte,
sentia-se mal por tê-la machucado. Não teria feito se soubesse que era ela quem
estava lá.
–
E como ela está? – Indagou depois de alguns segundos.
Sorte miou, estava debaixo da coberta e pareceu não
gostar da interrupção do seu sono sagrado.
Mel a afagou, fazendo-a fechar os olhos de novo.
–
Está bem, tem que ficar em repouso e tomar o antibiótico para se recuperar
rapidamente.
–
Eu não sabia que era ela, pensei que fosse um atacante qualquer… então quando
ela partiu para cima, eu tive que me defender.
Cristina
deitou-se com as pernas para fora da cama.
–
A minha curiosidade é como fizeram sexo com a outra toda quebrada… foi
devagarinho né? – Perguntou, encarando a amiga.
Mel
sentiu a face corar só em pensar na forma que se entregaram ao desejo. Sempre
se achara fria em relação ao ato íntimo, mas depois que conheceu a pirata,
chegava a se desconhecer.
–
Não falarei sobre as minhas intimidades, então não insista, pois nada direi.
–
Hun… – Virou-se de bruços. – Eu sei que não fala, porém só queria saber sobre
isso, porque ela estava toda quebrada e mesmo assim conseguiu...
A
militar cobriu a cabeça com o travesseiro.
Então
começou a sentir as cócegas que a fisioterapeuta fazia em sua barriga. Tentava
livrar-se, mas a outra era muito insistente e a sensação lhe tirava as forças.
–
Para…
–
Só me diga se foi devagar… vamos ou vou te matar de rir…
A
tenente estava vermelha de tanto gargalhar, engasgando-se e por fim, rendeu-se.
–
Sim…eu conto… eu… conto…
Cristina
deu uma pausa, mas continuava preparada para retomar caso a outra não cumprisse
a palavra.
–
Não foi devagar… pronto, te disse o que queria saber, agora pare de falar sobre
isso… Ainda estou com dor de cabeça devido ao desmaio…
–
Mas valeu a pena…
–
Claro que não, Cristina! – Protestou. – Sabe muito bem que fui incoerente com a
marinha, ultrapassei todos os limites ao permitir que isso acontecesse, ainda
mais me entreguei a Samantha quando tinha que a ter detido… Estou muito
envergonhada…
–
Pense nisso como um pagamento que a marinha deve a Lacassangner e ao pai por
tudo o que fizeram a eles…e a você também…
Mel
umedecia os lábios.
-- Então eu sou a barganha?
-- Não, mas...
-- Sabe muito bem que Samantha não tem um pingo de
respeito por mim. Deixou bem claro que aceitaria o divórcio para me fazer sua
amante, deseja humilhar-me e ontem ela já começou a fazê-lo.
-- Ela diz isso porque está furiosa contigo, eu estaria
se fosse ela.
-- Não me importa isso...—Suspirou. – Sinto-me culpada
pelo meu comportamento com a marinha...Estou me sentindo uma traidora...
-- Essas coisas acontecem, ainda mais quando você ama
aquela mulher...
Mel fez um gesto negativo.
–
Estou pensando seriamente em deixar meu trabalho… Sabe que sinto que tudo o que
vivi lá foi uma ilusão, uma mentira…
A
fisioterapeuta sentou-se e colocou a amiga para deitar a cabeça sobre seu colo.
–
Eu imagino que muita coisa mudou depois que ficou sabendo toda a verdade sobre
a Víbora…– Acariciava-lhe os cabelos. – Será que não deve tentar conversar com
ela para colocar um fim no divórcio?
Os
olhos dourados fitaram a face da amiga.
–
Ela deveria fazer não?
–
Mas foi você quem começou com tudo isso… acho que você quem deve colocar um fim
nessa história…
Mel
nada disse, apenas fechou os olhos, estava cansada, queria dormir e dormir por
muitas horas.
–
Acha que sou uma desavergonhada?
Cristina
ficou surpresa com a pergunta, pois imaginou que ela já dormia, mas então viu
os olhos lhe fitarem.
–
Sabe, Cris, eu acho que sou uma devassa porque quanto mais tenho raiva da
Samantha, mais eu desejo ficar com ela…é como se um fogo me queimasse por
dentro e eu não conseguisse controlar… é como se eu precisasse me queimar
nessas chamas…por outro lado, eu quero abracá-la forte e vê-la sorrir para mim,
porém não com provocações, ou também provocações… podia passar horas olhando
para a Víbora e ainda assim não mataria a minha vontade…
–
Você a ama… ama-a tão intensamente… eu acho que nunca a sua mãe nem a Iraçabeth
imaginariam que vocês cruzaram os caminhos e viveriam isso…Às vezes penso que o
seu pai temia esse desfecho, afinal, ele te fez odiar a Lacassangner a vida
toda, parecia que temia que existisse amor…e existiu…
Ouviu
a respiração baixa e agora sim a amiga tinha mergulhado em um sono tranquilo.
Naquela
tarde caía uma chuva fina. A temperatura estava baixa. Poucas pessoas eram
vistas nas ruas.
Eliah
seguia com uma bandeja até o escritório. Samantha estava lá, mesmo que soubesse
que devia ficar em total repouso, não conseguia ficar deitada por muito tempo.
Também contraíra um resfriado e depois de dois dias fungava e espirrava menos.
Deixara os aposentos sem nem mesmo tirar o pijama de seda preta composto por
calça, blusa e um robe. Os cabelos estavam presos em um coque e tinha os óculos
na ponta do nariz.
–
A dona Miranda ligou e não gostou de saber que estava fora da cama.
Sam
apenas deu de ombros. Parecia muito mais interessada em rabiscar um caderno.
O
velho homem acomodou-se na outra cadeira. Olhava a filha de Otávio com atenção,
parecia ponderar, como se desejasse dizer algo, mas nada dizia, apenas
permanecia lá olhando-a.
–
O que houve? – Ela questionou em determinado momento. – Fica aí com essa cara… O
que se passa? – Fitou-o, depois pegou um biscoito. – Fale!
O
pirata pigarreou, parecia constrangido, mas depois começou:
–
Há uma companhia de teatro na cidade, eu já tinha visto a peça há muitos anos
e, bem, estou pensando em ir… tem algum problema?
–
Claro que não! – Bebeu a vitamina. – Sabe que não é um prisioneiro, pode sair
quando quiser, só tome cuidado.
Ele
assentiu, mas não foi embora, parecia que ainda tinha mais coisas para dizer.
–
Tem algum problema se eu convidar a senhora Marina?
A
Sheika até engasgou com o líquido e depois de uns segundos melhorou.
–
A babá da Mel?
–
Sim, nós conversamos sempre sobre novas receitas, jardinagem, até lhe dei
algumas sementes para que plante na fazenda…
A
morena comeu um pouco de doce.
–
Bem, pode sim, não há problemas para mim, amigo, vou ficar aqui torcendo para
que troquem muito mais receitas hoje.
Eliah
esboçou um sorriso, levantando-se.
–
A senhora Ester está aqui, disse que lhe deseja falar…não disse antes para que
não ficasse chateada quando pedisse para sair.
Samantha
suspirou.
Miranda
tinha dito para continuar tratando a irmã de Juan normalmente, pois ainda não
havia provas concretas para acusá-la, poderia ser apenas uma coincidência, sem
falar que ela ainda continuava sendo sua secretária.
–
Deixe que entre!
O
pirata assentiu, depois deixou o escritório e algum tempo se passou até que a
Ester aparecesse. Vestia-se com suas elegantes e sensuais roupas. Não cansava
de exibir-se.
–
Soube que está doente.
A
Lacassangner a viu dar a volta na mesa e ir direto até onde ela estava,
tocando-lhe a face.
–
Por que não me avisou?
–
Não foi nada sério, apenas um resfriado para quebrar a rotina.
–
Tem certeza?
–
Sim, claro! – Desvencilhou-se do toque. – Acho melhor se acomodar. – Apontou a
cadeira. – Não quero lhe transmitir meu mal estar.
-- Sabe que não me importo... – Tocou-lhe a face. – O que
houve em seu lábio?
O corte na boca fora resultado do embate que travara com
a Santorini.
Não deixara de pensar na esposa um minuto do seu tempo.
Recordava-se de como se amaram no navio e como gostaria de ter ficado ao lado
de ela, mas precisara tomar a decisão mais certa, não podia se deixar levar por
suas emoções. Por que a queria tanto, mesmo depois de tudo o que tinha se
passado?
Nunca em sua vida sentira nada tão forte por alguém, nada
se comparava ao anseio do seu coração de ter a tenente ao seu lado.
A boca de Ester aproximava-se da sua, então desviou o
rosto e recebeu a carícia na face.
–
Às vezes eu não entendo o motivo de agir assim… O que eu preciso fazer para que
perceba que estou totalmente arrependida do que fiz te entregando a Arthur… --
A outra choramingou.
–
Eu entendi, acredite, nem mesmo penso mais nisso há muito tempo…
–
Se fosse assim me daria uma chance…
Samantha
voltou a desviar do beijo.
Ester
afastou-se irritada.
–
Eu não sinto nada por ti, isso é fato, acho que nosso tempo já passou.
–
Mas da Mel você adora… quanto mais ela te despreza e pisa em ti, mas parece
gostar…Não entende que essa estúpida não é para ti?
O
maxilar da pirata enrijeceu.
–
Você não entende, Sam, a filha do duque é uma mimada e boba… – Exibiu um sorriso. – Você não sabe o
motivo de ela ter te deixado né…Mas eu sei…O Juan me contou, acho que você deve
ter percebido que andam muito unidos…Jantam juntos, saem para passear...Estou
até pensando em reatar a relação...
A
Lacassangner levantou-se.
-- Não tenho nenhum interesse em saber da vida da
Santorini! – Retrucou furiosa.
-- Nem mesmo deseja saber o motivo de ter sido enxotada
como se faz com um lixo? – Provocou-a.
Os olhos azuis estreitaram-se de forma ameaçadora.
–
Por que ela me deixou?
Um
sorriso cruel surgiu na face de Ester.
–
Porque a respeitada e arrogante tenente é sua tia… Ela é filha do almirante,
seu avô…Isso significa que vocês não podem e não devem se relacionar...Você é
sobrinha da militarzinha.
A
herdeira de Otávio cerrou os dentes. Dando a volta na mesa, segurou-a outra
pelo braço firmemente.
–
Está mentindo! – Afirmou tentando manter o controle.
–
Não, eu não estou, vim aqui para fazer o que a insensível da Santorini não fez,
te contar a verdade…Ela ficou sabendo na noite que deixou a cobertura…foi
embora e não te falou… percebe que não podem ter nada, ela é sua tia…Irmã da
sua mãe…
A
Sheika engoliu em seco.
Aquilo
era mentira!
Mel
não teria transado no navio se isso fosse verdade…
Soltou
Ester. Passou a mão pelos cabelos. Estava agoniada, confusa.
Rapidamente
deixou o escritório, nem mesmo despedindo-se da indesejável visitante.
Mel
tinha acabado de voltar do hospital. Sentou-se pesadamente na poltrona tendo
Juan ao seu lado. O ex tinha ido até lá encontrá-la e seguiram juntos até a
casa.
–
Amanhã vai assinar o divórcio?
A
Santorini fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Nada
tinha mudado, nem mesmo recebera um único telefonema da esposa, sinal que ela
levaria até o fim a separação. Samantha agia de forma miserável. Às vezes,
pensava que devia tê-la denunciado, contado ao comandante sobre o ataque que
tinha sofrido, mas não teve coragem para isso.
–
Você vai se sentir melhor quando isso acontecer.
O
empresário deu a volta e começou a massagear os ombros da militar.
–
Acho até que a pirata decidiu voltar a se relacionar com a Ester…Ela está
hospedada na cobertura, parece que estar cuidando da amante…Parece que estar
adoentada...Acho que estão dividindo a mesma cama.
Mel soltou um suspiro exasperado, depois se levantou.
–
Fico feliz por ela, correu tanto atrás e se humilhou né…– Relanceou os olhos em
tédio. – Espero que agora tenha o pagamento que merece… – Cruzou os braços. –
Agradeço por sua companhia, Juan, mas preciso tomar um banho e descansar
depois.
O
empresário apressou-se em balançar a cabeça afirmativamente.
–
Se precisar de algo, basta me ligar, estarei a sua disposição.
A
empregada apressou-se de fora da casa, aproximando-se.
–
O que houve, Sandra? – Mel indagou ao vê-la nervosa.
–
A senhora pirata está lá fora, exige que a receba…
A
tenente cerrou os dentes.
Samantha
não tinha autorização para entrar ali e por isso nunca deixava que passassem do
portão.
–
Não deve receber essa mulher aqui, não esqueça que seu avô jamais aceitaria a
presença dessa Víbora na casa dele. – Juan falou irritado.
–
Não esqueça que ela é a neta verdadeira dele e tem direito de estar aqui. –
Fitou a empregada. – Diga ao porteiro que deixe que ela entre.
O
empresário não pareceu gostar da decisão da ex-noiva. Sua expressão não era uma
das melhores.
A
militar sentou-se. Esperava a chegada da esposa e o motivo de ter ido até ali.
Sabia que se proibisse seria pior, sabia que ela não iria embora tão
facilmente.
A
porta abriu-se e lá estava a bela Lacassagner.
Observou-a
cuidadosamente.
Com
quem ela aprendeu a se vestir daquele jeito?
A
calça de couro marrom era amarrada na cintura por cordões cruzados. Botas de
cano curto, camisa de gola alta e uma sobretudo que chegava até as canelas.
–
Quero falar contigo a sós! – Foi a primeira frase que foi dita, enquanto
fuzilava o homem com o olhar. – Dispense o seu amigo.
–
Você não manda aqui, pirata! – O empresário retrucou irritado. – Só irei se for
a vontade da Mel.
A
militar cruzou as pernas.
–
Não se preocupe, Juan, pode ir, a Víbora do mar não é uma selvagem, parece, mas
não é…não vai me fazer nada... – Exibiu um sorriso debochado. -- Pode ir.
O
empresário assentiu. Caminhou até a jovem e sob o olhar irado da Sheika,
depositou um beijo em sua face.
–
Amanhã te acompanho para assinar o divórcio... Depois seguiremos para
comemorar, até já reservei uma mesa em um dos restaurantes mais caros e
elegantes da cidade.
A Lacassangner apenas olhava a cena sem mexer um músculo
da face.
O
homem saiu deixando as duas sozinhas.
–
E então, pirata, o que deseja?
Samantha
seguiu até ela, segurando-a pelo cotovelo, levantando-a do sofá.
–
Está louca! – Mel tentou soltar-se, mas não conseguiu. – O que você tem?
–
Que história é essa de que é minha tia?
Os
olhos dourados abriram-se em perplexidade.
–
Quê?
A
morena a apertou ainda mais forte.
–
Conte-me essa história. – Exigiu. – Quero ouvir detalhe por detalhe dessa
loucura.
Mel
livrou-se do toque, massageando a parte do braço que foi apertada.
–
Não há nada para contar!
–
Ah, tem sim, porque você saiu da minha casa, pediu o divórcio e nunca me deu
uma explicação… então agora você vai me contar tudo… – Estreitou os olhos. –
Com certeza deve ter sido mais uma mentira do seu pai que você acreditou, não
acredito que tenha transado comigo no navio se isso fosse verdade. – Chegou mais
perto. – Abra essa sua maldita boca e fale tudo de uma vez!
–
Quem te contou isso?
–
A Ester!
–
Ah, a sua amante te contou e como ela ficou sabendo hein?
–
Então é verdade! – Passou a mão pelos cabelos. – Você acreditou nessa história
estúpida! – Esboçou um sorriso sarcástico. – Tola! – Apontou-lhe o dedo em
riste. – Mais uma vez o duque conseguiu te manipular.
–
Ele é meu pai, não tinha como imaginar que inventaria algo tão cruel assim. –
Protestou. – Não entende que pela gravidade da história, não me passou pela
cabeça que era mentira, ele me mostrou um exame de DNA…
–
Como se fosse algo difícil forjar esse tipo de prova. – Meneou a cabeça. – Por
que não me contou?
–
Porque eu tive vergonha e depois quando descobri a verdade tive medo… medo da
sua reação em relação ao meu pai, não quero que continue essa guerra.
Samantha
deu alguns passos até a jovem.
–
Mesmo quando soube a verdade não anulou o pedido de divórcio…
A
tenente cruzou os braços sobre os seios.
–
Eu nem mesmo confrontei meu pai por sua mentira, pensei que seria melhor, que
você estaria mais segura se ele continuasse a acreditar que eu estava longe de
ti, que tinha desistido de continuar contigo, já que supostamente eu sou sua
tia. – Umedeceu os lábios demoradamente. – Sem falar que você também tinha
mostrado querer esse divórcio… pensei que seria o melhor a fazer.
–
Pois fique ciente e depois avise ao seu novinho idiota que eu não irei assinar
nada! – Esbravejou, voltando a lhe
segurar pelo braço. – Vai continuar casada comigo até que eu decida que não
desejo mais ser sua esposa. – Olhou para a escada. – Arrume suas coisas, vai
voltar comigo agora mesmo para a cobertura.
Os olhos dourados enfrentavam os azuis com o mesmo
orgulho e arrogância.
–
Não irei, não vou dividir a casa com suas amantes!
– Ah, você vai, ou agora mesmo vou até
o comandante e contarei tudo o que se passou no navio...De como a renomada
tenente da marinha real transou dentro do navio que deveria estar protegendo
com a própria vida... Agindo como uma vagabunda!
Mel desvencilhou-se da mão que a prendia e logo
esbofeteava tão forte a pirata que a viu cambalear.
-- Vagabunda é você, maldita Víbora! – Gritou. –
Arrependo-me de não ter te denunciado, de não ter gritado mais forte para que
todos vissem o que estava acontecendo.
-- Arrume as suas malditas coisas agora mesmo ou irei até
o seu comandante. – Ordenou por entre os dentes.
–
Não seria capaz!
–
Nunca duvide de mim, tenente, não é algo inteligente a se fazer.
Sim, a Santorini sabia que aquela mulher era capaz de
tudo. Via isso em seus olhos, percebia como era destemida e determinada. Mas se
ela fosse até seu superior também estaria confessando seu próprio crime.
Respirou fundo.
–
Se eu for contigo, papai vai saber que descobri a verdade…
–
E você acha que me importo? – Sentou-se pacientemente. – Estou esperando que
arrume suas coisas... – Fitou o relógio que trazia no pulso. – Tem dez minutos começando
de agora.
–
Por que quer que eu volte? – Indagou com as mãos na cintura. – Para continuar
em guerra?
–
Você é minha mulher e vai voltar comigo.
–
E suas amantes?
–
Não tenho amantes!
–
A Belinda, a Ester…
–
Arrume-se e vamos embora! – Levantou-se impaciente. – Sabe de uma coisa, não
vai se arrumar coisa nenhuma, vamos embora, depois mande alguém buscar suas coisas.
– Tomou-lhe a mão. – Não posso ficar muito tempo fora de casa, ainda estou me
recuperando das costelas que você quebrou, então não me faça fazer movimentos
bruscos.
–
Não irei a lugar nenhum contigo!
–
Tem certeza?
Samantha
seguia para a porta, mas Mel apressou-se, detendo-a pelo braço. Viu nos olhos
azuis brilhar o cinismo.
–
Eu irei! – Disse por fim sabendo que não tinha escolhas. – Deixe que pegue pelo
menos a Sorte, não quero que fique sem mim.
A
cabana onde Tobias vivia continuava intacta. Depois de terminar as
investigações tudo fora devolvido.
Fernando
entrou no casebre. Olhava tudo.
Ainda
havia marcas de sangue no chão batido.
Revirava
os escassos móveis.
Furioso
por não encontrar nada, jogou uma cadeira gasta contra as paredes e foi quando
algo caiu de um buraco que foi feito no local atingido.
O
duque aproximou-se com um sorriso. Pegando o embrulho que estava enrolado em
vários sacos pretos.
Abriu-o
e viu o diário do bandido. Sabia que ele escrevia em um caderninho e tinha
certeza de que estava em algum lugar ali. Folheava as páginas ansioso.
Sabia
que ali estava tudo o que o maldito pirata fazia, ele costumava anotar cada
passo importante ali. Agora seria mais fácil descobrir onde estava as provas.
Satisfeito,
deixou a cabana.
O
caminho até a cobertura estava sendo feito em total silêncio.
O
motorista quem dirigia o veículo, enquanto Samantha permanecia no banco de trás
com a cabeça inclinada e os olhos fechados. Talvez estivesse sentindo dor. Mel
vez e outra a olhava. Tinha enviado mensagens para Cristina e para a babá
avisando para onde estava indo. Olhava pela janela e via o tempo ainda nublado.
Havia trânsito naquele horário, por isso estivessem demorando mais que o
suficiente para chegar ao destino. Avisara a empregada da casa do avô que se
houvesse alguma ligação do hospital que fosse avisado do novo número. No dia
seguinte iria até o centro de saúde para ver como estava o avô. Esperava que
ele se recuperasse logo e voltasse para sua vida.
Sorte seguia em seu colo. Estava muito tranquila
recebendo seu carinho nos pelos brilhantes.
No rádio do carro tocava uma canção que sempre ouvia
quando era criança. Falava de um amor que enfrentava todas as batalhas e no
final saia vencedor.
Suspirou e isso chamou a atenção da pirata que lhe fitou
de soslaio.
Olhou-a e viu a marca vermelha que estava estampada em
sua face. Não se arrependia de tê-la esbofeteado. Fora ofendida e não
permitiria que algo assim acontecesse.
Sim, sabia que tinha sido tola em acreditar em tudo o que
o pai tinha falado, mas nunca passara por sua cabeça que Fernando agiria de
modo tão cruel, chegando até mesmo a forjar um exame falso de DNA. Só ela sabia
o que tinha sofrido durantes aqueles meses, como precisara lutar contra o
desejo de ir até a esposa e lhe confessar tudo, mas temia que algo pior pudesse
ocorrer.
Samantha olhava a jovem tenente e se sentia culpada por
tê-la desrespeitado, mas estava tão furiosa que não medira as palavras, agindo
de forma desgraçada.
O duque não poupara esforços com suas artimanhas. Seguia
fazendo tudo o que estava em suas mãos para separa-las.
O carro seguiu até o estacionamento. Mel nem mesmo espero
que o motorista lhe abrisse a porta, saindo imediatamente com a felina nos
braços.
Quando
chegaram à cobertura encontraram Miranda sentada na poltrona, parecia perplexa
ao ver as duas mulheres.
Mel
trazia o gato nos braços e Samantha tinha uma expressão séria.
–
O que se passa? – A chefe do departamento questionou. – Você não deveria estar
em repouso, Lacassangner?
–
Surgiu um problema e precisei sair, mas voltarei a ficar em repouso. –
Acomodou-se.
A
Santorini subiu as escadas sem falar nada, levando consigo a gatinha.
A
Maldonado olhava para a militar que logo sumia e depois fitou a outra.
–
Por que a Mel está aqui? Que eu saiba amanhã vão assinar o divórcio.
A
pirata massageava as têmporas.
–
O duque inventou a maior mentira de todas… fez a tola acreditar que ela era
filha do Arthur, ou seja, sendo assim era minha tia… – Meneou a cabeça.
A
chefe do departamento estava boquiaberta.
–
Imaginei que seria algo terrível, porém nunca pensei que Fernando se superaria.
– Sentou-se perto da Víbora. – E o que pensa em fazer?
–
Não vai haver divórcio por enquanto, vou exibir a filha dele para todos verem e
ele perceber que perdeu mais uma vez…
–
Acha que isso é algo bom?
–
Não me importa saber se é bom ou não, apenas quero que a Santorini deixe de ser
boba…
–
A Santorini é apenas crédula… como ela poderia duvidar do pai? Entenda que não
é fácil acreditar que um pai possa inventar uma história dessas.
Sim,
Samantha sabia disso, começava a pensar em como a tenente fora mais uma vez ferida.
–
Não quero que ela saia machucada em tudo isso. – Maldonado falou em uma
súplica. – Apenas entenda que não está sendo fácil o que a militar está
passando.
A
chefe do departamento deixou a cobertura, rezando para que as coisas pudessem
se resolver, pelo menos entre as duas mulheres.
Mel
tinha tomado um banho e usara uma roupa que tinha ficado lá. Uma camiseta e um
short, a empregada tinha levado lingeries novas.
Viu
Sorte deitada sobre a cama e foi até ela lhe fazer carinho na barriga peluda.
Tinha pedido para que mandassem alguém comprar alguns alimentos para a bichana
e ela já tinha comido e estava dormindo muito à vontade, nem parecia que tinha
deixado a mansão do avô.
Já
tinha ligado para o médico, avisando sobre o novo endereço. Também entrara em
contato com o almirante Ernesto. Precisava muito vê-lo.
Sabia
que o pai não reagiria bem ao seu retorno à cobertura. Descobriria que ela já
sabia toda a verdade.
Ouviu
o som do celular e lá estava Juan ligando. Não atendeu, ficou quieta até a
chamada ser encerrada. A notificação de mensagem não demorou a chegar.
A
porta abriu-se e depois de quase três horas, a Lacassangner tinha aparecido.
Usava um roupão de seda azul. Os cabelos estavam úmidos, devia ter tomado banho
em um dos outros aposentos.
Desviou
o olhar dos intensos que pareciam penetrar os seus. Focou-se no animal mais uma
vez.
–
Vejo que nossa cama ficará um pouco apertada… – A voz rouca comentou.
Mel
nada falou, permanecia quieta, não querendo começar uma nova discussão.
–
Espero que já tenha ligado para os advogados e encerrar esse ridículo divórcio.
– Acomodou-se na poltrona devagar.
–
E por que terei que fazer isso? Não era sua vontade?
–
Porque não aceitarei que o duque consiga tirar vantagem da sua tolice!
A
militar levantou-se e parou diante de ela.
–
É só por isso né? Não se importa com mais nada a não ser ficar nessa guerra com
meu pai.
Os
olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente, mas a pirata suspirou e tentou
manter a calma.
–
Saí daquela prisão porque temi que o Eliah morresse dentro daqueles muros…
aceitei o que a Miranda propôs, mas acredite, tentei e tento ao máximo me
afastar da ideia de vingança… eu só quero a justiça, que seja feita a justiça e
depois nada disso mais vai me interessar.
–
Então eu sou um meio para que consiga a sua “justiça”? – Ironizou a última
palavra.
Samantha
levantou-se e foi até a jovem, segurando-a pelos ombros delicadamente.
–
Prefiro que fique ao meu lado, pois depois que o duque inventou tamanha
mentira, não sei se é seguro que fique perto dele… Eu não desejo que nada de
mal te aconteça, eu sou capaz de enlouquecer se isso se passasse.
Mel
observava os lábios tão próximos dos seus e por essa razão decidiu se afastar,
não queria ceder a vontade de senti-la.
–
Ficarei aqui, mas não aceitarei ser humilhada com seus casos! – Disse cruzando
os braços sobre os seios. – O primeiro escândalo e você terá sérios problemas.
–
Está me ameaçando?
–
Estou te avisando, Lacassangner! Não aceitarei ser manchete em jornais, saber
que anda com suas mulheres, agindo para colocar ainda mais meu nome na lama.
A
morena fitou os olhos dourados, olhava-a com curiosidade.
–
Não haverá nada que a escandalize, senhora minha esposa, exceto o que nós duas
faremos nesse quarto.
A
face da Santorini tingiu-se de vermelho.
–
Mas não será agora, infelizmente, ainda não estou bem das costelas que me
quebrou.
–
Eu não sabia que era você lá… – Voltou a deitar-se. – Se soubesse teria batido
na tua cabeça dura, quem sabe assim não teria um pouco mais de juízo.
A
morena esboçou um sorriso, depois deixou o quarto, tinha algumas ligações para
fazer antes de dormir.
Na
manhã seguinte…
Mel
seguiu cedo até o hospital, recebera a notícia que o avô tinha despertado e até
mesmo perguntara por ela.
Seguiu
até o quarto e o viu deitado, os olhos estavam abertos. Estava bem magro, muito
mais velho depois de todos aqueles dias.
Caminhando
até ele, beijou-lhe a face.
–
Filha…
A
voz baixa sussurrou.
–
Não pode se cansar, vovô, o médico disse para se manter em repouso.
Ele
fez um gesto negativo com a cabeça.
–
Eu sei o que é melhor pra mim.
A
voz debilitada estava carregada da teimosia costumeira.
–
Não fale assim, sabe que não passou por uma situação boa. – Puxou a cadeira e
sentou-se. – Tem que tomar mais cuidado, ainda mais depois desse infarto, foi
preciso colocar um marcapasso para ajudar o seu coração.
Sir
Arthur olhava o quarto branco e os aparelhos que já tinha sido retirados em
parte do seu corpo.
–
Dê-me sua mão. – Ele pediu.
Mel
obedeceu prontamente.
–
Eu acho que o único medo que tive quando estava para morrer é nunca mais poder
ver esse seu lindo sorriso… Você é a luz da minha vida, Mel, e não há nada que
eu deseje mais nesse mundo que a sua felicidade…
A
porta abriu-se e o médico entrou.
–
Eu disse que não devia deixar seu avô se esforçar, tenente! – O homem a
reprendeu. – Vou precisar fazer alguma testes e deve ficar lá fora.
Ela
assentiu e logo deixava o quarto.
A
Santorini chegou ao comando da marinha e protocolava o pedido de afastamento
quando viu o almirante Ernesto no corredor.
–
Tem um minuto, tenente?
Ela
assentiu e seguiu ao lado do homem para o escritório. Acomodou-se e logo o
militar fez o mesmo.
–
Confesso que estou bastante triste pela sua decisão de abandonar a carreira
militar. – O amigo do avô dizia. – Gostaria que me dissesse o que te levou a
tomar essa decisão.
Mel
fez um gesto de assentimento com a cabeça.
--
Acredito que tinha propósitos diferentes quando entrei aqui…
--
Imagino que esteja falando da Samantha…
A
militar mexeu-se em seu assento incomodada.
Não
gostava de pensar e tampouco falar sobre a esposa. Na noite anterior ela não
dormira nos aposentos e ficara sabendo antes de sair que ela tinha ocupado o
quarto ao lado do seu.
--
Não apenas da Samantha, mas também de tudo, das mentiras…
--
Eu conheci o Otávio...
Os
olhos dourados brilhavam em curiosidade.
–
Era um homem destemido, aventureiro, leal… tinha um futuro brilhante e de
repente tudo mudou…Lembro que tinha ido servir fora do país e depois que
retornei fiquei sabendo do Serpente do mar e que era o tenente… fiquei pasmo,
porém todos diziam que ele tinha cometido traição e agora era um perigo para
todo o mundo.
–
Não pensou que ele podia ser inocente?
–
Pensei, mas nada fiz, não o vi mais depois disso… – Soltou um longo suspiro. –
O príncipe Ralf entrou com um pedido na justiça internacional e vai haver uma
sindicância na marinha… Todos que foram coniventes com o assassinato do Otávio
serão punidos.
Mel
sabia o que isso implicaria.
–
Bem, eu a chamei aqui para que saiba que fico muito triste por sua saída e que
sempre será um orgulho para nossa instituição… também quero lhe dizer que não
entendo nada sobre essas relações que você desenvolveu com a Lacassangner…
Mesmo que ela aja sempre com aquele ar de que nada a perturba, creio que não
haveria alguém que fosse tão digno para ti quanto ela.
Ernesto
deu a volta e a Santorini levantou-se, recebendo o abraço do almirante que
sempre fora muito mais que um simples conhecido para si.
A
mesa do almoço tinha sido posta na cobertura. Samantha não costumava fazer as
refeições em casa, porém como estava se recuperando, seguia as orientações que
foram dadas pelo médico. Ela convidara Eliah e Marina para lhe fazerem
companhia.
Tinha
acabado de sentar quando ouviu passos e viu a esposa aparecer. Sabia que ela
tinha saído bem cedo e só agora retornava.
A
jovem parecia surpresa ao ver todos. Cumprimentou-os com um sorriso.
–
Sente-se com a gente, filha. – A babá convidou.
–
Vou lavar as mãos e já volto, parece delicioso.
A
Lacassangner nada disse. Servia-se quando a jovem retornou e se acomodou ao seu
lado.
–
Que milagre, Samantha, não sabia que você comia em casa. – Provocou-a com um
arquear de sobrancelha.
A
pirata bebeu um pouco de suco, limpou a boca com o guardanapo e só depois
respondeu:
–
Estou proibida de comer fora de casa…
Mel
corou ao ver o sorriso ambiguo que ela exibia, entendia que ela se referia a
algo que não era exatamente o alimento.
–
E como foi a peça que levou a senhora Marina para ver? – A Sheika perguntou,
fitando o amigo.
–
Foi muito bom, é uma história muito engraçada, deveria ver também.
–
Sim, ainda mais quando tem o festival de circo que entra com o palhaço. –
Marina corroborava com a narrativa. – Só achei perigo os que ficavam voando no
trapézio.
–
E onde está apresentando? – Mel quis saber.
–
No teatro da fonte.
–
Então é a céu aberto? – A militar pareceu interessada.
–
Sim, filha, tudo é muito lindo.
A
Lacassangner parecia distraída, não prestava mais atenção a conversa que se
desenrolava. Comia em silêncio e no final pediu licença e deixou a mesa.
–
Acho que a Samantha está sentindo dor. – Eliah falou quando ela já tinha saído.
– Passou a manhã toda deitada e pediu compressas.
–
Vou lá dar uma olhada então.
Samantha
seguiu até o quarto e sentou-se na cama, enquanto pegava o celular para ver as
mensagens de Miranda. Não havia nada de animador, a não ser o fato de o
tribunal internacional começar a sindicância sobre tudo o que ocorreu com o
Serpente do mar.
Depois
de tantos anos seu pai teria a justiça que sempre ansiara, todos conheceriam a
verdade do tenente Otávio Augusto Lacassangner.
Comprimiu
os lábios.
Ouviu
a porta abrir e lá estava a esposa.
–
Deixe-me ver suas costelas.
A
morena não protestou. Abriu o roupão de seda e deixou expostos os hematomas.
Viu-a acocorar para ver os detalhes.
–
Está tomando o remédio direitinho?
Samantha
sentia os dedos longos lhe tocarem e por alguns segundos distraiu-se até que
ela voltasse a repetir.
–
Sim, estou. – Soltou um longo suspiro.
–
Então terá que redobrar o repouso. – Disse levantando-se. – Ou vai precisar
ficar no hospital para que te cuidem direito.
–
Você é médica, tenente, pode cuidar de mim. – Segurou-lhe a mão. – O que seus
advogados falaram quando deixou claro que não ia ter mais divórcio?
–
Falei apenas para adiar.
A
Lacassangner levantou-se.
–
Eu sei que me quer, petulantezinha, sei que também senti seu corpo queimar
quando estamos perto… então não adianta ficar negando… – Acariciou-lhe a face.
– assim que eu melhorar, quero que seja minha novamente e novamente e
novamente.
Os
olhos dourados brilharam.
–
Não sou obrigada a transar contigo…
–
Não vai ser uma obrigação, minha dama, vai ser só prazer. – Fechou os olhos. –
Vou descansar um pouco.
Fernando
estava em sua casa, ouvia Juan e tinha o olhar perplexo. Estavam no escritório
e o duque ouvia toda a narrativa, enquanto manipulava uma caneta.
–
Não sei por qual razão, mas o divórcio foi cancelado. – O ex-noivo de Mel
dizia. – A maldita pirata esteve lá, eu a vi e depois disso não tive mais
contato.
O
Del Santorra ponderação, mas parecia controlado naquele momento.
–
Tenho que descobrir o que aconteceu, porém não terei tempo agora, tenho que
viajar.
–
Mas deveria falar com a sua filha! – Retrucou impaciente. – Só o senhor pode
separa-las mais uma vez.
Neste
momento algo incomodava muito mais o duque. Recebera a intimação do tribunal
internacional, sabia que precisava livrar-se desse problema e de outro que
ainda era assombroso.
–
Já sei o que farei, enquanto não posso falar pessoalmente com a Mel. – Pegou o
telefone e discou para o hospital.
Na
manhã seguinte, a tenente seguiu até o centro médico e fora surpreendida por
uma ordem que a proibia de ver o avô.
–
O que se passa? – A jovem questionou a recepcionista. – Por que não posso
vê-lo? Aconteceu algo?
A
moça no balcão da recepção parecia desconcertada, mesmo assim sabia que
precisava explicar.
–
Foi uma ordem judicial, senhora, nada posso fazer.
–
Ordem judicial? Da parte de quem?
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