A víbora do mar - Capítulo 39 - A verdade

Cristina seguia pelos corredores do navio. Tentara questionar a namorada sobre o que tinha acontecido, porém ela não tinha dado detalhes, apenas dissera para ir até a sala do comandante sozinha e sem fazer alardes. A cada passo que dava, mais nervosa ficava. Começava a se arrepender por ter deixado a amiga ter ido até a embarcação.

           A fisioterapeuta praticamente corria e rapidamente chegou ao destino. Abrindo a porta, iluminou o lugar com a lanterna e foi quando viu tudo derrubado e a amiga desfalecida. Sentiu uma vertigem ao imaginar que algo de ruim poderia ter se passado.

               Agachou-se diante dela, percebendo que respirava naturalmente.

               Sentou-se, colocando a cabeça da jovem sobre seu colo.

               – Mel! – Chamava baixinho. – Mel, o que houve? Mel...

               Apalpava a jovem em busca de alguma fratura, mas não encontrou nada. Já pensava em chamar ajuda quando viu os olhos dourados abrindo-se. Sentiu um alívio ao vê-la despertar que a abraçou.

              A Santorini sentia uma dor forte na cabeça. Tinha a impressão que fora golpeada tão forte, ou pior, parecia que tinha tomado o maior porre da vida. Tentou livrar-se do toque da fisioterapeuta, enquanto olhava tudo ao redor como se buscasse algo.

               Via o rosto de Cristina e tentava a todo custo descobrir onde estava. Viu a lanterna que pouco iluminava.

              – Está bem? Quer que chame o resgate?

            A tenente fez um gesto negativo com a cabeça, mas se arrependeu do ato, pois isso só foi para lhe fazer sentir mais desconfortável.

            – O que aconteceu aqui? – Cris perguntava. – Foi atacada?

            Não respondeu a pergunta, apenas massageava as têmporas, enquanto recebia as imagens do que tinha se passado.

           – Ajude-me a levantar… – Pediu com voz fraca.

            A amiga fez o que fora pedido, ajudando e fazendo-a sentar na cadeira.  Retirou um cantil da cintura, fazendo-a beber um pouco.

             Mel passou a mão no corpo, parecia querer constatar que estava vestida. Sentindo-se aliviada pelas roupas estarem em si.

            – Conte-me o que aconteceu… – A outra pediu curiosa. – Quer que uma ronda seja feita? Temos que avisar sobre o ocorrido ao nosso superior.

            A neta de Sir Arthur bebeu mais um pouco de água.

            – Como… como me encontrou aqui?

             – A Virgínia me mandou mensagem, disse para que viesse até te resgatar… mas eu não entendi nada, como ela sabia que você estava aqui desmaiada?

             A jovem cerrou os dentes.

            Fitava tudo ao redor em busca de alguma prova da presença da pirata, mas ela não deixara nada para trás, apenas o cheiro que ainda estava em seu corpo.

            – Porque a Víbora estava aqui e me deixara desacordada. – Bateu com o punho fechado sobre o tampo da escrivaninha. – Devia ter ligado o alerta, devia ter feito isso… – Inclinou a cabeça para trás e começou a massagear as têmporas mais uma vez. – Invadira o navio, estava procurando algo que não sei o que era.

           Cristina olhava a bagunça ao redor perplexa.

           – Vocês brigaram? – Fitou a espada caída longe. – Está machucada. – Observou a face bonita.

           Mel observava a bagunça, sabendo que não fora apenas da luta que tinham travado. Sentiu a face corar. A Sheika transara miseravelmente e gostosamente consigo e depois a fizeram desmaiar para continuar sua busca. Aquela mulher não tinha um pingo de caráter. Sempre fazia o que queria sem se importar com os outros.

            Fechou a mão fortemente ao lado do corpo.

            Se a encontrasse naquele momento não se responsabilizaria por seus atos.

              – Quando cheguei aqui encontrei uma figura toda vestida de preto e usando máscara… usei a espada para intimidar, mas fui repelida grosseiramente, então parti para cima, consegui lhe acertar algumas vezes, mas depois fui rendida… então foi nesse momento que descobri se tratar da filha do Serpente.

              Cristina cobriu a boca com a mão.

             – Ela sabia que era você?

            – Acredito que não, como te disse estava muito escuro…Não tinha como saber...

             – Mas isso durou quanto tempo? Tem ideia de quantas horas estava desacordada? O dia já está amanhecendo.

               – Eu não sei, apenas desfaleci… acho que usou algo em mim, espirrou no meu rosto e fiquei paralisada…Depois dormi...

             – E por que ela fez isso? – Passou a mão nos cabelos. – Não estou entendendo nada… O que ficaram fazendo todo esse tempo aqui? Brigando e depois te fez desmaiar para fugir? – Olhava tudo ao redor com crescente curiosidade. – É estranho que tenha simplesmente feito isso e depois indo embora.

             Mel massageou a nuca.

             – Arrume tudo, não podemos deixar nada fora do lugar…

             – Não vai denunciá-la pelo que fez? – Indagou interessada. – Pensei que essa seria a primeira atitude que tomaria.

            A tenente umedeceu os lábios demoradamente sob o olhar curioso da outra militar.

             – Não posso, pelo menos não agora, posso ser acusada de cumplicidade…

              – Por quê?

              A Santorini levantou a cabeça de forma arrogante.

               – Porque eu estava terminando de transar com ela quando a maldita me fez desmaiar!

              Os olhos de Cristina quase se soltaram de órbitas. Levou a mão a boca, cobrindo-a.

                – Está me dizendo que… que… que você foi seduzida?

            A jovem levantou-se, mas sentiu uma forte tontura, segurando-se na escrivaninha.

             – Sim, foi isso que aconteceu, ela fez tudo para conseguir terminar a busca que tinha iniciado, sabia que eu não permitiria que seguisse com a exploração, então precisou me tirar do caminho e fez perfeitamente.

            – Meu Deus, estou perplexa com tudo isso…– Entregou-lhe a espada. – O que ela queria aqui?

            – Disse que procurava provas que o Tobias tinha deixado, que precisava encontrá-las.

             – O homem que foi assassinado?

            – Sim, foi isso que ela me disse…Mas não sei se acredito.

            – Se você não tivesse vindo aqui ela teria saído sem ser vista… nada de anormal foi identificado lá fora, eu estava lá o tempo todo e nem mesmo vi nenhuma embarcação por perto.

            – Pelo traje que usava veio mergulhando até escalar a embarcação.

              – Nossa!

              – Sim, agora entendo o motivo de todos terem ficado doentes, com certeza ela tem algo a ver com isso, deve ter sido a responsável para tirar tantos soldados do caminho, apenas não imaginou que encontraria comigo. – Colocou a arma na cintura. – Eu ainda gritei, teve um momento que pedi ajuda, mas você não ouviria. O barulho das ondas batendo no casco do navio não permitiria.

               – Eu mesma não ouvi nada, também não acredito que os soldados tenham ouvido. Não estranhei a sua demora, pensei que estava tão chateada que tinha decidido ficar sozinha, essa foi a razão de não ter vindo aqui. Eu estava lá, então recebi as mensagens da Virgínia. – Mostrou-lhe o celular. – Veja você mesma.

              Mel via o horário e percebia que demorara um pouco, tinha a noção de que depois de ter ficado desacordada a outra com certeza saíra na sua busca e só depois foi embora.

            Arrumou a roupa e os cabelos que estavam soltos do penteado.

             – Você não está nua!

             A Santorini não respondeu de imediato, colocando a camisa para dentro da calça e arrumando o cinto.

             – Sim, claro, ela deve ter me vestido antes de sair.

               – Isso é um ponto positivo, imagina se tivesse te deixado do jeito que tinha terminado a relação sexual.

               Mel não respondeu. Apenas terminou de se arrumar.

              – Vamos sair daqui, em breve virão buscar o navio e não quero ter que dar explicações ao comandante sobre minha presença aqui dentro.

                Cristina estava louca para perguntar mais detalhes sobre o ocorrido, mas sabia que a amiga estava muito irritada, então o melhor era não falar nada naquele momento.

             Seguiram para fora e realmente o sol já estava nascendo. Caminharam até o píer e ficaram lá observando tudo ao redor, buscavam a embarcação que com certeza há tempos já tinha saído da baía.

 

 

     

 

             Samantha saiu do banho vestindo um roupão atoalhado na cor branca. Miranda e Belinda estavam lá. Ninguém tinha dormido ainda.

             – O que houve com a Mel? – A Maldonado foi logo perguntando quando a Sheika sentou na poltrona.

               – Com certeza, agora já deve estar bem, deve ter despertado. – Usou o gelo para massagear o queixo.

                 – Vocês travaram uma briga?

                 – Eu não sabia que quem estava lá era ela, da mesma forma que ela não sabia que era eu, então estávamos tentando proteger nossos interesses…

                – Ela parece ter se saído bem melhor… Vamos ter que ir ao hospital, acho que você quebrou algumas costelas.

                A Lacassangner assentiu. Tateando a pele.

                Realmente aconteceu, sentia muita dor e mesmo depois dos analgésicos, ainda lhe doía muito.

           -- A Virgínia deve estar chegando, pedi que buscasse um médico para cuidar das suas fraturas –Suspirou. – Todo esse trabalho para não encontrar nada. Sem falar que foi teimosa o suficiente para não ir direto ao hospital. E ainda tem a Mel, basta que ela abra a boca para que você seja presa.

            – Não adianta se chatear dessa forma, nada seria tão fácil assim. – A morena retrucou. – Acha que o maldito deixaria uma cruz sobre suas provas? – Questionou irritada. – Ele era muito esperto, sabia que tudo aquilo era muito importante.

            -- Mesmo assim, deveria ter vindo embora imediatamente quando foi surpreendida.

            -- Eu tinha um objetivo e não sairia de lá sem tentar cumpri-lo.

             A chefe do departamento parecia um pouco surpresa, encarando os olhos azuis.

             – Acho que seu encontro com a tenente não foi tão ruim…

              Samantha arqueou a sobrancelha em sarcasmo, depois deu de ombros, algo que acabou lhe causando dor.

             – Bem, ontem à noite recebi a ligação da irmã da vítima que fora encontrada ao lado de Tobias. – Acomodou-se. – Um homem esteve lá para falar com ela, vestia-se muito bem, olhos castanhos, alto e muito elegante…

            – O duque arriscou-se a ir pessoalmente lá? – A pirata questionou perplexa. – Ele deve estar muito desesperado para isso.

            – Mas ele foi esperto, não perguntou diretamente, inventou a história de ter ido olhar uma propriedade ali perto e o dono acabou cancelando de última hora, sentou, tomou uma cafezinho e comentou sobre o assassinato…

            – Ele sabe que há provas?

            – Sim, ele sabe, porém também não sabe onde está.

             A morena bocejou.

             – Precisamos repensar onde procurar, mesmo não tendo olhado cada canto do víbora, não acho que esteja lá…

             – E o Serpente? – Belinda falou pela primeira vez desde que se reuniram. – A pista também poderia referir-se a ele.

            A Sheika ponderava.

         – O Eliah conta que o navio do meu pai estava assombrado…

           – Mas quem acreditaria nisso? – A loira questionou com ceticismo.

            – Os piratas são muito supersticiosos… – A Maldonado explicou. – Sempre foram assim, acreditam em maldições, espíritos e isso os impedem de se aproximar de determinados lugares…

           – Você também é assim? – A agente indagou olhando para a pirata. – Também crê nessas coisas?

            Ela fez um gesto negativo com a cabeça, depois se levantou, mas acabou arrependendo-se do gesto e por essa razão voltou a sentar.

              Ouviram passos e Virgínia apareceu acompanhada do médico de confiança de Miranda.

           O homem aproximou-se para começar a investigar o problema da jovem.

           Miranda seguiu até a varanda, observava o sol que já aparecia.

             Teria que ir até a tenente, precisava conversar e saber quais eram as pretensões da jovem. Não acreditava que ela fosse entregar a esposa, se assim o fosse, já teria feito, mas na altura daquela história tudo podia acontecer.

          – Falei com a Cristina, me disse que a Santorini está bem.

             A Maldonado viu a agente ao seu lado.

         – E perguntou se a militar pensava em falar ao superior?

         – Eu não questionei sobre isso, mas acho que aconteceu algo mais entre as duas mulheres, além do confronto… -- Virgínia disse receosa. – Achei estranho a forma como a pirata retornou...

             – Sexo? – Questionou arqueando a sobrancelha esquerda. – Acha que ficaram no navio depois de quase se matarem em uma batalha?

               – Acredito que houve algo pelo que ouvi da Cris, só não sei se elas chegaram até o fim…

             – A Samantha é muito corajosa… se realmente aconteceu algo e ela ainda usou o spray…não acho que a tenente esteja muito alegre com isso…

             – Quem sabe, Miranda… Há coisas que vale a pena o sacrifício…




             Mel estava deitada. Depois de ter prestado o trabalho de forma "excelente" fora liberada.

             Dormira grande parte do dia e agora assistia a um filme.

               Comia o lanche que Marina trouxe quando a porta abriu-se.

               – Falei com a Virgínia, acho que você bateu forte na Samantha, fraturou algumas costelas. – Disse, sentando-se pesadamente. – Bem que ela mereceu, afinal, uma péssima forma de terminar uma sessão de sexo...

               A tenente cruzou os braços sobre os seios.

            Realmente a chutara forte e ainda por cima a jogara contra a escrivaninha. Em parte, sentia-se mal por tê-la machucado. Não teria feito se soubesse que era ela quem estava lá.

              – E como ela está? – Indagou depois de alguns segundos.

            Sorte miou, estava debaixo da coberta e pareceu não gostar da interrupção do seu sono sagrado.

            Mel a afagou, fazendo-a fechar os olhos de novo.

               – Está bem, tem que ficar em repouso e tomar o antibiótico para se recuperar rapidamente.

            – Eu não sabia que era ela, pensei que fosse um atacante qualquer… então quando ela partiu para cima, eu tive que me defender.

             Cristina deitou-se com as pernas para fora da cama.

             – A minha curiosidade é como fizeram sexo com a outra toda quebrada… foi devagarinho né? – Perguntou, encarando a amiga.

           Mel sentiu a face corar só em pensar na forma que se entregaram ao desejo. Sempre se achara fria em relação ao ato íntimo, mas depois que conheceu a pirata, chegava a se desconhecer.

             – Não falarei sobre as minhas intimidades, então não insista, pois nada direi.

              – Hun… – Virou-se de bruços. – Eu sei que não fala, porém só queria saber sobre isso, porque ela estava toda quebrada e mesmo assim conseguiu...

                A militar cobriu a cabeça com o travesseiro.

                 Então começou a sentir as cócegas que a fisioterapeuta fazia em sua barriga. Tentava livrar-se, mas a outra era muito insistente e a sensação lhe tirava as forças.

               – Para…

               – Só me diga se foi devagar… vamos ou vou te matar de rir…

             A tenente estava vermelha de tanto gargalhar, engasgando-se e por fim, rendeu-se.

            – Sim…eu conto… eu… conto…

           Cristina deu uma pausa, mas continuava preparada para retomar caso a outra não cumprisse a palavra.

             – Não foi devagar… pronto, te disse o que queria saber, agora pare de falar sobre isso… Ainda estou com dor de cabeça devido ao desmaio… 

             – Mas valeu a pena…

            – Claro que não, Cristina! – Protestou. – Sabe muito bem que fui incoerente com a marinha, ultrapassei todos os limites ao permitir que isso acontecesse, ainda mais me entreguei a Samantha quando tinha que a ter detido… Estou muito envergonhada…

             – Pense nisso como um pagamento que a marinha deve a Lacassangner e ao pai por tudo o que fizeram a eles…e a você também…

               Mel umedecia os lábios.

            -- Então eu sou a barganha?

            -- Não, mas...

            -- Sabe muito bem que Samantha não tem um pingo de respeito por mim. Deixou bem claro que aceitaria o divórcio para me fazer sua amante, deseja humilhar-me e ontem ela já começou a fazê-lo.

            -- Ela diz isso porque está furiosa contigo, eu estaria se fosse ela.

            -- Não me importa isso...—Suspirou. – Sinto-me culpada pelo meu comportamento com a marinha...Estou me sentindo uma traidora...

            -- Essas coisas acontecem, ainda mais quando você ama aquela mulher...

            Mel fez um gesto negativo.

             – Estou pensando seriamente em deixar meu trabalho… Sabe que sinto que tudo o que vivi lá foi uma ilusão, uma mentira…

               A fisioterapeuta sentou-se e colocou a amiga para deitar a cabeça sobre seu colo.

             – Eu imagino que muita coisa mudou depois que ficou sabendo toda a verdade sobre a Víbora…– Acariciava-lhe os cabelos. – Será que não deve tentar conversar com ela para colocar um fim no divórcio?

             Os olhos dourados fitaram a face da amiga.

              – Ela deveria fazer não?

              – Mas foi você quem começou com tudo isso… acho que você quem deve colocar um fim nessa história…

                Mel nada disse, apenas fechou os olhos, estava cansada, queria dormir e dormir por muitas horas.

             – Acha que sou uma desavergonhada? 

                 Cristina ficou surpresa com a pergunta, pois imaginou que ela já dormia, mas então viu os olhos lhe fitarem.

                – Sabe, Cris, eu acho que sou uma devassa porque quanto mais tenho raiva da Samantha, mais eu desejo ficar com ela…é como se um fogo me queimasse por dentro e eu não conseguisse controlar… é como se eu precisasse me queimar nessas chamas…por outro lado, eu quero abracá-la forte e vê-la sorrir para mim, porém não com provocações, ou também provocações… podia passar horas olhando para a Víbora e ainda assim não mataria a minha vontade…

                – Você a ama… ama-a tão intensamente… eu acho que nunca a sua mãe nem a Iraçabeth imaginariam que vocês cruzaram os caminhos e viveriam isso…Às vezes penso que o seu pai temia esse desfecho, afinal, ele te fez odiar a Lacassangner a vida toda, parecia que temia que existisse amor…e existiu…

                 Ouviu a respiração baixa e agora sim a amiga tinha mergulhado em um sono tranquilo.




               Naquela tarde caía uma chuva fina. A temperatura estava baixa. Poucas pessoas eram vistas nas ruas.

               Eliah seguia com uma bandeja até o escritório. Samantha estava lá, mesmo que soubesse que devia ficar em total repouso, não conseguia ficar deitada por muito tempo. Também contraíra um resfriado e depois de dois dias fungava e espirrava menos. Deixara os aposentos sem nem mesmo tirar o pijama de seda preta composto por calça, blusa e um robe. Os cabelos estavam presos em um coque e tinha os óculos na ponta do nariz.

             – A dona Miranda ligou e não gostou de saber que estava fora da cama.

             Sam apenas deu de ombros. Parecia muito mais interessada em rabiscar um caderno.

               O velho homem acomodou-se na outra cadeira. Olhava a filha de Otávio com atenção, parecia ponderar, como se desejasse dizer algo, mas nada dizia, apenas permanecia lá olhando-a.

                – O que houve? – Ela questionou em determinado momento. – Fica aí com essa cara… O que se passa? – Fitou-o, depois pegou um biscoito. – Fale!

             O pirata pigarreou, parecia constrangido, mas depois começou:

             – Há uma companhia de teatro na cidade, eu já tinha visto a peça há muitos anos e, bem, estou pensando em ir… tem algum problema?

             – Claro que não! – Bebeu a vitamina. – Sabe que não é um prisioneiro, pode sair quando quiser, só tome cuidado.

            Ele assentiu, mas não foi embora, parecia que ainda tinha mais coisas para dizer.

            – Tem algum problema se eu convidar a senhora Marina?

              A Sheika até engasgou com o líquido e depois de uns segundos melhorou.

             – A babá da Mel?

             – Sim, nós conversamos sempre sobre novas receitas, jardinagem, até lhe dei algumas sementes para que plante na fazenda…

             A morena comeu um pouco de doce.

             – Bem, pode sim, não há problemas para mim, amigo, vou ficar aqui torcendo para que troquem muito mais receitas hoje.

             Eliah esboçou um sorriso, levantando-se.

              – A senhora Ester está aqui, disse que lhe deseja falar…não disse antes para que não ficasse chateada quando pedisse para sair.

             Samantha suspirou.

             Miranda tinha dito para continuar tratando a irmã de Juan normalmente, pois ainda não havia provas concretas para acusá-la, poderia ser apenas uma coincidência, sem falar que ela ainda continuava sendo sua secretária.

              – Deixe que entre! 

               O pirata assentiu, depois deixou o escritório e algum tempo se passou até que a Ester aparecesse. Vestia-se com suas elegantes e sensuais roupas. Não cansava de exibir-se.

            – Soube que está doente. 

            A Lacassangner a viu dar a volta na mesa e ir direto até onde ela estava, tocando-lhe a face.

           – Por que não me avisou? 

           – Não foi nada sério, apenas um resfriado para quebrar a rotina.

           – Tem certeza?

           – Sim, claro! – Desvencilhou-se do toque. – Acho melhor se acomodar. – Apontou a cadeira. – Não quero lhe transmitir meu mal estar.

            -- Sabe que não me importo... – Tocou-lhe a face. – O que houve em seu lábio?

            O corte na boca fora resultado do embate que travara com a Santorini.

            Não deixara de pensar na esposa um minuto do seu tempo. Recordava-se de como se amaram no navio e como gostaria de ter ficado ao lado de ela, mas precisara tomar a decisão mais certa, não podia se deixar levar por suas emoções. Por que a queria tanto, mesmo depois de tudo o que tinha se passado?

            Nunca em sua vida sentira nada tão forte por alguém, nada se comparava ao anseio do seu coração de ter a tenente ao seu lado.

            A boca de Ester aproximava-se da sua, então desviou o rosto e recebeu a carícia na face.

            – Às vezes eu não entendo o motivo de agir assim… O que eu preciso fazer para que perceba que estou totalmente arrependida do que fiz te entregando a Arthur… -- A outra choramingou.

            – Eu entendi, acredite, nem mesmo penso mais nisso há muito tempo…

             – Se fosse assim me daria uma chance… 

                Samantha voltou a desviar do beijo.

               Ester afastou-se irritada.

               – Eu não sinto nada por ti, isso é fato, acho que nosso tempo já passou.

              – Mas da Mel você adora… quanto mais ela te despreza e pisa em ti, mas parece gostar…Não entende que essa estúpida não é para ti?

               O maxilar da pirata enrijeceu.

            – Você não entende, Sam, a filha do duque é uma mimada  e boba… – Exibiu um sorriso. – Você não sabe o motivo de ela ter te deixado né…Mas eu sei…O Juan me contou, acho que você deve ter percebido que andam muito unidos…Jantam juntos, saem para passear...Estou até pensando em reatar a relação...

              A Lacassangner levantou-se.

            -- Não tenho nenhum interesse em saber da vida da Santorini! – Retrucou furiosa.

            -- Nem mesmo deseja saber o motivo de ter sido enxotada como se faz com um lixo? – Provocou-a.

            Os olhos azuis estreitaram-se de forma ameaçadora.

              – Por que ela me deixou? 

             Um sorriso cruel surgiu na face de Ester.

             – Porque a respeitada e arrogante tenente é sua tia… Ela é filha do almirante, seu avô…Isso significa que vocês não podem e não devem se relacionar...Você é sobrinha da militarzinha.

              A herdeira de Otávio cerrou os dentes. Dando a volta na mesa, segurou-a outra pelo braço firmemente.

            – Está mentindo! – Afirmou tentando manter o controle.

             – Não, eu não estou, vim aqui para fazer o que a insensível da Santorini não fez, te contar a verdade…Ela ficou sabendo na noite que deixou a cobertura…foi embora e não te falou… percebe que não podem ter nada, ela é sua tia…Irmã da sua mãe…

              A Sheika engoliu em seco.

              Aquilo era mentira! 

              Mel não teria transado no navio se isso fosse verdade…

              Soltou Ester. Passou a mão pelos cabelos. Estava agoniada, confusa.

               Rapidamente deixou o escritório, nem mesmo despedindo-se da indesejável visitante.




              Mel tinha acabado de voltar do hospital. Sentou-se pesadamente na poltrona tendo Juan ao seu lado. O ex tinha ido até lá encontrá-la e seguiram juntos até a casa.

               – Amanhã vai assinar o divórcio?

              A Santorini fez um gesto afirmativo com a cabeça. 

              Nada tinha mudado, nem mesmo recebera um único telefonema da esposa, sinal que ela levaria até o fim a separação. Samantha agia de forma miserável. Às vezes, pensava que devia tê-la denunciado, contado ao comandante sobre o ataque que tinha sofrido, mas não teve coragem para isso.

               – Você vai se sentir melhor quando isso acontecer. 

                 O empresário deu a volta e começou a massagear os ombros da militar.

                – Acho até que a pirata decidiu voltar a se relacionar com a Ester…Ela está hospedada na cobertura, parece que estar cuidando da amante…Parece que estar adoentada...Acho que estão dividindo a mesma cama.

            Mel soltou um suspiro exasperado, depois se levantou.

                – Fico feliz por ela, correu tanto atrás e se humilhou né…– Relanceou os olhos em tédio. – Espero que agora tenha o pagamento que merece… – Cruzou os braços. – Agradeço por sua companhia, Juan, mas preciso tomar um banho e descansar depois.

             O empresário apressou-se em balançar a cabeça afirmativamente.

             – Se precisar de algo, basta me ligar, estarei a sua disposição.

              A empregada apressou-se de fora da casa, aproximando-se.

              – O que houve, Sandra? – Mel indagou ao vê-la nervosa.

               – A senhora pirata está lá fora, exige que a receba…

              A tenente cerrou os dentes. 

              Samantha não tinha autorização para entrar ali e por isso nunca deixava que passassem do portão.

             – Não deve receber essa mulher aqui, não esqueça que seu avô jamais aceitaria a presença dessa Víbora na casa dele. – Juan falou irritado.

            – Não esqueça que ela é a neta verdadeira dele e tem direito de estar aqui. – Fitou a empregada. – Diga ao porteiro que deixe que ela entre. 

               O empresário não pareceu gostar da decisão da ex-noiva. Sua expressão não era uma das melhores.

            A militar sentou-se. Esperava a chegada da esposa e o motivo de ter ido até ali. Sabia que se proibisse seria pior, sabia que ela não iria embora tão facilmente.

               A porta abriu-se e lá estava a bela Lacassagner.

               Observou-a cuidadosamente.

               Com quem ela aprendeu a se vestir daquele jeito?

               A calça de couro marrom era amarrada na cintura por cordões cruzados. Botas de cano curto, camisa de gola alta e uma sobretudo que chegava até as canelas.

               – Quero falar contigo a sós! – Foi a primeira frase que foi dita, enquanto fuzilava o homem com o olhar. – Dispense o seu amigo.

              – Você não manda aqui, pirata! – O empresário retrucou irritado. – Só irei se for a vontade da Mel.

            A militar cruzou as pernas.

            – Não se preocupe, Juan, pode ir, a Víbora do mar não é uma selvagem, parece, mas não é…não vai me fazer nada... – Exibiu um sorriso debochado. -- Pode ir.

             O empresário assentiu. Caminhou até a jovem e sob o olhar irado da Sheika, depositou um beijo em sua face.

              – Amanhã te acompanho para assinar o divórcio... Depois seguiremos para comemorar, até já reservei uma mesa em um dos restaurantes mais caros e elegantes da cidade.

            A Lacassangner apenas olhava a cena sem mexer um músculo da face.

            O homem saiu deixando as duas sozinhas.

              – E então, pirata, o que deseja?

              Samantha seguiu até ela, segurando-a pelo cotovelo, levantando-a do sofá.

             – Está louca! – Mel tentou soltar-se, mas não conseguiu. – O que você tem?

               – Que história é essa de que é minha tia?

              Os olhos dourados abriram-se em perplexidade.

               – Quê?

              A morena a apertou ainda mais forte.

              – Conte-me essa história. – Exigiu. – Quero ouvir detalhe por detalhe dessa loucura.

             Mel livrou-se do toque, massageando a parte do braço que foi apertada.

             – Não há nada para contar!

             – Ah, tem sim, porque você saiu da minha casa, pediu o divórcio e nunca me deu uma explicação… então agora você vai me contar tudo… – Estreitou os olhos. – Com certeza deve ter sido mais uma mentira do seu pai que você acreditou, não acredito que tenha transado comigo no navio se isso fosse verdade. – Chegou mais perto. – Abra essa sua maldita boca e fale tudo de uma vez!

           – Quem te contou isso?

           – A Ester!

           – Ah, a sua amante te contou e como ela ficou sabendo hein?

           – Então é verdade! – Passou a mão pelos cabelos. – Você acreditou nessa história estúpida! – Esboçou um sorriso sarcástico. – Tola! – Apontou-lhe o dedo em riste. – Mais uma vez o duque conseguiu te manipular.

            – Ele é meu pai, não tinha como imaginar que inventaria algo tão cruel assim. – Protestou. – Não entende que pela gravidade da história, não me passou pela cabeça que era mentira, ele me mostrou um exame de DNA…

            – Como se fosse algo difícil forjar esse tipo de prova. – Meneou a cabeça. – Por que não me contou?

              – Porque eu tive vergonha e depois quando descobri a verdade tive medo… medo da sua reação em relação ao meu pai, não quero que continue essa guerra.

              Samantha deu alguns passos até a jovem.

             – Mesmo quando soube a verdade não anulou o pedido de divórcio…

             A tenente cruzou os braços sobre os seios.

            – Eu nem mesmo confrontei meu pai por sua mentira, pensei que seria melhor, que você estaria mais segura se ele continuasse a acreditar que eu estava longe de ti, que tinha desistido de continuar contigo, já que supostamente eu sou sua tia. – Umedeceu os lábios demoradamente. – Sem falar que você também tinha mostrado querer esse divórcio… pensei que seria o melhor a fazer.

               – Pois fique ciente e depois avise ao seu novinho idiota que eu não irei assinar nada! –  Esbravejou, voltando a lhe segurar pelo braço. – Vai continuar casada comigo até que eu decida que não desejo mais ser sua esposa. – Olhou para a escada. – Arrume suas coisas, vai voltar comigo agora mesmo para a cobertura.

            Os olhos dourados enfrentavam os azuis com o mesmo orgulho e arrogância.

             – Não irei, não vou dividir a casa com suas amantes!

              – Ah, você vai, ou agora mesmo vou até o comandante e contarei tudo o que se passou no navio...De como a renomada tenente da marinha real transou dentro do navio que deveria estar protegendo com a própria vida... Agindo como uma vagabunda!

            Mel desvencilhou-se da mão que a prendia e logo esbofeteava tão forte a pirata que a viu cambalear.

            -- Vagabunda é você, maldita Víbora! – Gritou. – Arrependo-me de não ter te denunciado, de não ter gritado mais forte para que todos vissem o que estava acontecendo.

            -- Arrume as suas malditas coisas agora mesmo ou irei até o seu comandante. – Ordenou por entre os dentes.

               – Não seria capaz!

              – Nunca duvide de mim, tenente, não é algo inteligente a se fazer.

            Sim, a Santorini sabia que aquela mulher era capaz de tudo. Via isso em seus olhos, percebia como era destemida e determinada. Mas se ela fosse até seu superior também estaria confessando seu próprio crime.

            Respirou fundo.

            – Se eu for contigo, papai vai saber que descobri a verdade…

           – E você acha que me importo? – Sentou-se pacientemente. – Estou esperando que arrume suas coisas... – Fitou o relógio que trazia no pulso. – Tem dez minutos começando de agora.

              – Por que quer que eu volte? – Indagou com as mãos na cintura. – Para continuar em guerra?

                – Você é minha mulher e vai voltar comigo.

                – E suas amantes?

                – Não tenho amantes!

                – A Belinda, a Ester…

                – Arrume-se e vamos embora! – Levantou-se impaciente. – Sabe de uma coisa, não vai se arrumar coisa nenhuma, vamos embora, depois mande alguém buscar suas coisas. – Tomou-lhe a mão. – Não posso ficar muito tempo fora de casa, ainda estou me recuperando das costelas que você quebrou, então não me faça fazer movimentos bruscos.

               – Não irei a lugar nenhum contigo!

               – Tem certeza?

             Samantha seguia para a porta, mas Mel apressou-se, detendo-a pelo braço. Viu nos olhos azuis brilhar o cinismo.

              – Eu irei! – Disse por fim sabendo que não tinha escolhas. – Deixe que pegue pelo menos a Sorte, não quero que fique sem mim.



                 A cabana onde Tobias vivia continuava intacta. Depois de terminar as investigações tudo fora devolvido.

                 Fernando entrou no casebre. Olhava tudo. 

                  Ainda havia marcas de sangue no chão batido.

               Revirava os escassos móveis.

               Furioso por não encontrar nada, jogou uma cadeira gasta contra as paredes e foi quando algo caiu de um buraco que foi feito no local atingido.

                O duque aproximou-se com um sorriso. Pegando o embrulho que estava enrolado em vários sacos pretos.

                  Abriu-o e viu o diário do bandido. Sabia que ele escrevia em um caderninho e tinha certeza de que estava em algum lugar ali. Folheava as páginas ansioso.

                  Sabia que ali estava tudo o que o maldito pirata fazia, ele costumava anotar cada passo importante ali. Agora seria mais fácil descobrir onde estava as provas.

                Satisfeito, deixou a cabana.



             O caminho até a cobertura estava sendo feito em total silêncio.

               O motorista quem dirigia o veículo, enquanto Samantha permanecia no banco de trás com a cabeça inclinada e os olhos fechados. Talvez estivesse sentindo dor. Mel vez e outra a olhava. Tinha enviado mensagens para Cristina e para a babá avisando para onde estava indo. Olhava pela janela e via o tempo ainda nublado. Havia trânsito naquele horário, por isso estivessem demorando mais que o suficiente para chegar ao destino. Avisara a empregada da casa do avô que se houvesse alguma ligação do hospital que fosse avisado do novo número. No dia seguinte iria até o centro de saúde para ver como estava o avô. Esperava que ele se recuperasse logo e voltasse para sua vida.

            Sorte seguia em seu colo. Estava muito tranquila recebendo seu carinho nos pelos brilhantes.

            No rádio do carro tocava uma canção que sempre ouvia quando era criança. Falava de um amor que enfrentava todas as batalhas e no final saia vencedor.

            Suspirou e isso chamou a atenção da pirata que lhe fitou de soslaio.

            Olhou-a e viu a marca vermelha que estava estampada em sua face. Não se arrependia de tê-la esbofeteado. Fora ofendida e não permitiria que algo assim acontecesse.

            Sim, sabia que tinha sido tola em acreditar em tudo o que o pai tinha falado, mas nunca passara por sua cabeça que Fernando agiria de modo tão cruel, chegando até mesmo a forjar um exame falso de DNA. Só ela sabia o que tinha sofrido durantes aqueles meses, como precisara lutar contra o desejo de ir até a esposa e lhe confessar tudo, mas temia que algo pior pudesse ocorrer.

            Samantha olhava a jovem tenente e se sentia culpada por tê-la desrespeitado, mas estava tão furiosa que não medira as palavras, agindo de forma desgraçada.

            O duque não poupara esforços com suas artimanhas. Seguia fazendo tudo o que estava em suas mãos para separa-las.

            O carro seguiu até o estacionamento. Mel nem mesmo espero que o motorista lhe abrisse a porta, saindo imediatamente com a felina nos braços.

               

           

        Quando chegaram à cobertura encontraram Miranda sentada na poltrona, parecia perplexa ao ver as duas mulheres.

           Mel trazia o gato nos braços e Samantha tinha uma expressão séria.

            – O que se passa? – A chefe do departamento questionou. – Você não deveria estar em repouso, Lacassangner?

            – Surgiu um problema e precisei sair, mas voltarei a ficar em repouso. – Acomodou-se.

          A Santorini subiu as escadas sem falar nada, levando consigo a gatinha.

            A Maldonado olhava para a militar que logo sumia e depois fitou a outra.

            – Por que a Mel está aqui? Que eu saiba amanhã vão assinar o divórcio.

              A pirata massageava as têmporas.

              – O duque inventou a maior mentira de todas… fez a tola acreditar que ela era filha do Arthur, ou seja, sendo assim era minha tia… – Meneou a cabeça.

               A chefe do departamento estava boquiaberta.

               – Imaginei que seria algo terrível, porém nunca pensei que Fernando se superaria. – Sentou-se perto da Víbora. – E o que pensa em fazer?

                – Não vai haver divórcio por enquanto, vou exibir a filha dele para todos verem e ele perceber que perdeu mais uma vez…

            – Acha que isso é algo bom?

            – Não me importa saber se é bom ou não, apenas quero que a Santorini deixe de ser boba…

           – A Santorini é apenas crédula… como ela poderia duvidar do pai? Entenda que não é fácil acreditar que um pai possa inventar uma história dessas.

          Sim, Samantha sabia disso, começava a pensar em como a tenente fora mais uma vez ferida.

            – Não quero que ela saia machucada em tudo isso. – Maldonado falou em uma súplica. – Apenas entenda que não está sendo fácil o que a militar está passando.

            A chefe do departamento deixou a cobertura, rezando para que as coisas pudessem se resolver, pelo menos entre as duas mulheres.




             Mel tinha tomado um banho e usara uma roupa que tinha ficado lá. Uma camiseta e um short, a empregada tinha levado lingeries novas. 

              Viu Sorte deitada sobre a cama e foi até ela lhe fazer carinho na barriga peluda. Tinha pedido para que mandassem alguém comprar alguns alimentos para a bichana e ela já tinha comido e estava dormindo muito à vontade, nem parecia que tinha deixado a mansão do avô.

                Já tinha ligado para o médico, avisando sobre o novo endereço. Também entrara em contato com o almirante Ernesto. Precisava muito vê-lo. 

            Sabia que o pai não reagiria bem ao seu retorno à cobertura. Descobriria que ela já sabia toda a verdade.

            Ouviu o som do celular e lá estava Juan ligando. Não atendeu, ficou quieta até a chamada ser encerrada. A notificação de mensagem não demorou a chegar.

               A porta abriu-se e depois de quase três horas, a Lacassangner tinha aparecido. Usava um roupão de seda azul. Os cabelos estavam úmidos, devia ter tomado banho em um dos outros aposentos.

                Desviou o olhar dos intensos que pareciam penetrar os seus. Focou-se no animal mais uma vez.

               – Vejo que nossa cama ficará um pouco apertada… – A voz rouca comentou.

               Mel nada falou, permanecia quieta, não querendo começar uma nova discussão.

               – Espero que já tenha ligado para os advogados e encerrar esse ridículo divórcio. – Acomodou-se na poltrona devagar.

               – E por que terei que fazer isso? Não era sua vontade?

              – Porque não aceitarei que o duque consiga tirar vantagem da sua tolice!

              A militar levantou-se e parou diante de ela.

          – É só por isso né? Não se importa com mais nada a não ser ficar nessa guerra com meu pai.

           Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente, mas a pirata suspirou e tentou manter a calma.

             – Saí daquela prisão porque temi que o Eliah morresse dentro daqueles muros… aceitei o que a Miranda propôs, mas acredite, tentei e tento ao máximo me afastar da ideia de vingança… eu só quero a justiça, que seja feita a justiça e depois nada disso mais vai me interessar.

             – Então eu sou um meio para que consiga a sua “justiça”? – Ironizou a última palavra.

              Samantha levantou-se e foi até a jovem, segurando-a pelos ombros delicadamente.

               – Prefiro que fique ao meu lado, pois depois que o duque inventou tamanha mentira, não sei se é seguro que fique perto dele… Eu não desejo que nada de mal te aconteça, eu sou capaz de enlouquecer se isso se passasse.

                Mel observava os lábios tão próximos dos seus e por essa razão decidiu se afastar, não queria ceder a vontade de senti-la.

                 – Ficarei aqui, mas não aceitarei ser humilhada com seus casos! – Disse cruzando os braços sobre os seios. – O primeiro escândalo e você terá sérios problemas.

                – Está me ameaçando?

               – Estou te avisando, Lacassangner! Não aceitarei ser manchete em jornais, saber que anda com suas mulheres, agindo para colocar ainda mais meu nome na lama.

               A morena fitou os olhos dourados, olhava-a com curiosidade.

               – Não haverá nada que a escandalize, senhora minha esposa, exceto o que nós duas faremos nesse quarto.

                A face da Santorini tingiu-se de vermelho.

                 – Mas não será agora, infelizmente, ainda não estou bem das costelas que me quebrou.

                – Eu não sabia que era você lá… – Voltou a deitar-se. – Se soubesse teria batido na tua cabeça dura, quem sabe assim não teria um pouco mais de juízo.

            A morena esboçou um sorriso, depois deixou o quarto, tinha algumas ligações para fazer antes de dormir.



             Na manhã seguinte…

            Mel seguiu cedo até o hospital, recebera a notícia que o avô tinha despertado e até mesmo perguntara por ela.

              Seguiu até o quarto e o viu deitado, os olhos estavam abertos. Estava bem magro, muito mais velho depois de todos aqueles dias.

             Caminhando até ele, beijou-lhe a face.

             – Filha…

             A voz baixa sussurrou.

            – Não pode se cansar, vovô, o médico disse para se manter em repouso.

            Ele fez um gesto negativo com a cabeça.

             – Eu sei o que é melhor pra mim.

             A voz debilitada estava carregada da teimosia costumeira.

              – Não fale assim, sabe que não passou por uma situação boa. – Puxou a cadeira e sentou-se. – Tem que tomar mais cuidado, ainda mais depois desse infarto, foi preciso colocar um marcapasso para ajudar o seu coração.

            Sir Arthur olhava o quarto branco e os aparelhos que já tinha sido retirados em parte do seu corpo. 

            – Dê-me sua mão. – Ele pediu.

           Mel obedeceu prontamente.

           – Eu acho que o único medo que tive quando estava para morrer é nunca mais poder ver esse seu lindo sorriso… Você é a luz da minha vida, Mel, e não há nada que eu deseje mais nesse mundo que a sua felicidade…

            A porta abriu-se e o médico entrou.

           – Eu disse que não devia deixar seu avô se esforçar, tenente! – O homem a reprendeu. – Vou precisar fazer alguma testes e deve ficar lá fora.

            Ela assentiu e logo deixava o quarto.

      

 

           A Santorini chegou ao comando da marinha e protocolava o pedido de afastamento quando viu o almirante Ernesto no corredor.

            – Tem um minuto, tenente?

           Ela assentiu e seguiu ao lado do homem para o escritório. Acomodou-se e logo o militar fez o mesmo.

               – Confesso que estou bastante triste pela sua decisão de abandonar a carreira militar. – O amigo do avô dizia. – Gostaria que me dissesse o que te levou a tomar essa decisão.

              Mel fez um gesto de assentimento com a cabeça.

              -- Acredito que tinha propósitos diferentes quando entrei aqui…

              -- Imagino que esteja falando da Samantha…

             A militar mexeu-se em seu assento incomodada.

             Não gostava de pensar e tampouco falar sobre a esposa. Na noite anterior ela não dormira nos aposentos e ficara sabendo antes de sair que ela tinha ocupado o quarto ao lado do seu.

               -- Não apenas da Samantha, mas também de tudo, das mentiras…

               -- Eu conheci o Otávio... 

               Os olhos dourados brilhavam em curiosidade.

              – Era um homem destemido, aventureiro, leal… tinha um futuro brilhante e de repente tudo mudou…Lembro que tinha ido servir fora do país e depois que retornei fiquei sabendo do Serpente do mar e que era o tenente… fiquei pasmo, porém todos diziam que ele tinha cometido traição e agora era um perigo para todo o mundo. 

              – Não pensou que ele podia ser inocente?

                – Pensei, mas nada fiz, não o vi mais depois disso… – Soltou um longo suspiro. – O príncipe Ralf entrou com um pedido na justiça internacional e vai haver uma sindicância na marinha… Todos que foram coniventes com o assassinato do Otávio serão punidos.

               Mel sabia o que isso implicaria.

             – Bem, eu a chamei aqui para que saiba que fico muito triste por sua saída e que sempre será um orgulho para nossa instituição… também quero lhe dizer que não entendo nada sobre essas relações que você desenvolveu com a Lacassangner… Mesmo que ela aja sempre com aquele ar de que nada a perturba, creio que não haveria alguém que fosse tão digno para ti quanto ela.

             Ernesto deu a volta e a Santorini levantou-se, recebendo o abraço do almirante que sempre fora muito mais que um simples conhecido para si.



           A mesa do almoço tinha sido posta na cobertura. Samantha não costumava fazer as refeições em casa, porém como estava se recuperando, seguia as orientações que foram dadas pelo médico. Ela convidara Eliah e Marina para lhe fazerem companhia.

          Tinha acabado de sentar quando ouviu passos e viu a esposa aparecer. Sabia que ela tinha saído bem cedo e só agora retornava.

           A jovem parecia surpresa ao ver todos. Cumprimentou-os com um sorriso.

           – Sente-se com a gente, filha. – A babá convidou.

            – Vou lavar as mãos e já volto, parece delicioso.

             A Lacassangner nada disse. Servia-se quando a jovem retornou e se acomodou ao seu lado.

            – Que milagre, Samantha, não sabia que você comia em casa. – Provocou-a com um arquear de sobrancelha.

              A pirata bebeu um pouco de suco, limpou a boca com o guardanapo e só depois respondeu:

              – Estou proibida de comer fora de casa…

              Mel corou ao ver o sorriso ambiguo que ela exibia, entendia que ela se referia a algo que não era exatamente o alimento.

             – E como foi a peça que levou a senhora Marina para ver? – A Sheika perguntou, fitando o amigo.

                 – Foi muito bom, é uma história muito engraçada, deveria ver também.

                  – Sim, ainda mais quando tem o festival de circo que entra com o palhaço. – Marina corroborava com a narrativa. – Só achei perigo os que ficavam voando no trapézio.

               – E onde está apresentando? – Mel quis saber.

                  – No teatro da fonte.

                  – Então é a céu aberto? – A militar pareceu interessada.

                  – Sim, filha, tudo é muito lindo.

               A Lacassangner parecia distraída, não prestava mais atenção a conversa que se desenrolava. Comia em silêncio e no final pediu licença e deixou a mesa.

               – Acho que a Samantha está sentindo dor. – Eliah falou quando ela já tinha saído. – Passou a manhã toda deitada e pediu compressas.

                – Vou lá dar uma olhada então.

             

       

 

               Samantha seguiu até o quarto e sentou-se na cama, enquanto pegava o celular para ver as mensagens de Miranda. Não havia nada de animador, a não ser o fato de o tribunal internacional começar a sindicância sobre tudo o que ocorreu com o Serpente do mar.

                  Depois de tantos anos seu pai teria a justiça que sempre ansiara, todos conheceriam a verdade do tenente Otávio Augusto Lacassangner.

                 Comprimiu os lábios.

                 Ouviu a porta abrir e lá estava a esposa.

                 – Deixe-me ver suas costelas.

                A morena não protestou. Abriu o roupão de seda e deixou expostos os hematomas. Viu-a acocorar para ver os detalhes.

                – Está tomando o remédio direitinho?

                 Samantha sentia os dedos longos lhe tocarem e por alguns segundos distraiu-se até que ela voltasse a repetir.

                  – Sim, estou. – Soltou um longo suspiro.

                  – Então terá que redobrar o repouso. – Disse levantando-se. – Ou vai precisar ficar no hospital para que te cuidem direito.

               – Você é médica, tenente, pode cuidar de mim. – Segurou-lhe a mão. – O que seus advogados falaram quando deixou claro que não ia ter mais divórcio?

                – Falei apenas para adiar.

              A Lacassangner levantou-se.

              – Eu sei que me quer, petulantezinha, sei que também senti seu corpo queimar quando estamos perto… então não adianta ficar negando… – Acariciou-lhe a face. – assim que eu melhorar, quero que seja minha novamente e novamente e novamente.

                Os olhos dourados brilharam.

               – Não sou obrigada a transar contigo…

              – Não vai ser uma obrigação, minha dama, vai ser só prazer. – Fechou os olhos. – Vou descansar um pouco.

 

          

                Fernando estava em sua casa, ouvia Juan e tinha o olhar perplexo. Estavam no escritório e o duque ouvia toda a narrativa, enquanto manipulava uma caneta.

                – Não sei por qual razão, mas o divórcio foi cancelado. – O ex-noivo de Mel dizia. – A maldita pirata esteve lá, eu a vi e depois disso não tive mais contato.

            O Del Santorra ponderação, mas parecia controlado naquele momento.

            – Tenho que descobrir o que aconteceu, porém não terei tempo agora, tenho que viajar.

              – Mas deveria falar com a sua filha! – Retrucou impaciente. – Só o senhor pode separa-las mais uma vez.

            Neste momento algo incomodava muito mais o duque. Recebera a intimação do tribunal internacional, sabia que precisava livrar-se desse problema e de outro que ainda era assombroso.

            – Já sei o que farei, enquanto não posso falar pessoalmente com a Mel. – Pegou o telefone e discou para o hospital.



             Na manhã seguinte, a tenente seguiu até o centro médico e fora surpreendida por uma ordem que a proibia de ver o avô.

              – O que se passa? – A jovem questionou a recepcionista. – Por que não posso vê-lo? Aconteceu algo?

               A moça no balcão da recepção parecia desconcertada, mesmo assim sabia que precisava explicar.

            – Foi uma ordem judicial, senhora, nada posso fazer.

             – Ordem judicial? Da parte de quem?

 

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