A víbora do mar - Fugindo da tentação - Capítulo 36
No escritório da cidade, Miranda e
Belinda analisavam alguns documentos. Pareciam organizar alguns fatos que
tinham passado despercebidos nas investigações. Havia cordões amarrados,
cruzando o espaço e neles imagens estavam presas. Fotografias, manchetes de
jornais, cópias de depoimentos. Traçavam uma linha do tempo desde o momento que
Otávio era um tenente da marinha e logo em seguida era conhecido como o
Serpente do mar.
A
chefe do departamento olhava tudo com atenção, enquanto anotava alguns detalhes
em seu caderninho. Aquela investigação fora a mais complexa da sua vida. Estava
sendo cobrada para encerrar de uma vez o caso e retornar para a cúpula dos
países, porém não iria até conseguir juntar todas as peças daquele quebra
cabeça.
–
Acha mesmo que Sair Arthur confessou toda a história por intermédio da
Santorini? – A loira indagou.
A
mais velha parecia ponderar por alguns segundos.
Fora
pega de surpresa com a confissão do experiente militar. Conhecia bem seu perfil
para ter total certeza de que não tinha agido por algum tipo de arrependimento,
afinal, nem mesmo quando perdera a filha de forma tão trágica confessara sua
culpa.
–
Não acho que ela tenha pedido isso, porém acho que com o anseio de proteger a
neta, o almirante imaginou que isso seria algo que faria com que o casamento
encerrasse... Ele sabe que o duque não vai permitir que essa relação continue,
está temeroso e isso lhe fez jogar toda a vergonha para a sociedade.
–
Ele deseja que a tenente termine o enlace, deve saber melhor que a gente que o Fernando
pode cometer crimes terríveis. – Olhou o arquivo sobre o assassinato da Sheika.
– Acha que ele fez isso? – Apontou o dedo para as imagens. – Seria tão doentio
a ponto de cruzar o globo apenas para cometer algo tão hediondo?
–
Levando em conta o que Samantha me contou… O duque parecia saber muito mais do
que aconteceu naquela noite… -- Comentava ao ver as manchetes sobre o terrível
assassinato que acontecera e que a Lacassangner fora acusada.
–
Sim, eu ouvi, ouvi tudo, até mesmo a parte que falava sobre a esposa da Sam. –
Encarava a chefe. – Ele deve estar transtornado diante de tudo isso, pois agora
terá que lidar com toda a humilhação por ter sido trocado por outro e o pior é
todos saberem quem era o outro.
–
Otávio era muito mais digno que Fernando, disso não tenho dúvidas. – Meneou a
cabeça. – Preciso que vá até o interior e traga o Tobias, acho que chegou o
momento de aceitar a proposta que ele fez...Não vou aceitar desculpas, quero-o
aqui e narrando tudo o que sabe.
–
Acha que vai colaborar?
–
Se não quiser passar o resto da vida preso, ele vai ter que delatar os
comparsas, vai ter que abrir aquela maldita boca de uma vez por todas. – Seguiu
até a cadeira, sentando-se. – Falei com a polícia local, o delegado deixou
claro que não havia provas para intimá-lo. – Relanceou os olhos em irritação. –
Vamos ter que agir sozinhas nesse momento.
–
Acha que ele sabe de tudo?
–
Sim, Belinda, já deixou claro isso, mas quer um acordo para contar a verdade e
eu darei esse acordo.
A
loira fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Farei como diz, chefe, trarei esse homem para você.
Miranda
viu sua agente mais confiável deixar o escritório. Precisava designar outro
para ficar vigiando a Lacassangner e a Santorini. Era preciso redobrar os
cuidados agora que o Del Santorra estava fora de si. Virgínia seria uma boa
escolha, mas ainda estava na ilha cuidando da segurança de Cristina.
Esperava
que Sir Arthur se recuperasse, esse tinha muito que explicar e era preciso que
sobrevivesse para pagar sua parcela em todos os crimes.
Ana
tinha deixado a cobertura depois de tentar consolar a Santorini durante quase
uma hora.
Mel
continuava sentada na poltrona da sala. Seu olhar perdido fitava as próprias
mãos. Na sua cabeça martelava as palavras da esposa do pai… Pai?
Prendeu
a respiração.
Aquilo
não podia ser verdade, decerto, inventara em um excesso de raiva, pois ainda
estava furioso pelo casamento.
Casamento…
Lembrou-se
da babá dizendo que a achava parecida com Iraçabeth…
Tia
da Samantha?
Não,
não e não!
Era
um absurdo tudo aquilo. Fazia parte de um plano para fazê-la terminar o enlace.
Fitou
a aliança que trazia em seu anelar esquerdo...
Cobriu
o rosto com as mãos.
Marina
devia saber de algo, talvez se perguntasse...
Olhou
em direção a cozinha e pensou em ir até lá, mas se sentia tão envergonhada com
todo aquele enredo que não tinha coragem de fazer esse tipo de questionamento.
Pegou
o celular e tentou ligar para o duque, mas a chamada não completava. Decidiu
deixar uma mensagem, precisava vê-lo, desejava ouvir dos lábios dele tudo o que
tinha dito a Ana.
Não
demorou para receber a resposta.
Sem
avisar a ninguém, pegou as muletas e deixou o apartamento.
A
pequena comunidade que tinha sido devastada pelo furacão já estava sendo
reconstruída. As casas já começavam a mostrar suas formas.
Não
havia tantos voluntários como antes, porém a marinha tinha enviado alguns e o
príncipe Ralf com o evento que tinha realizado no navio conseguira fundos para
conseguir pagar os trabalhadores, os moradores também desempenhavam inúmeras
funções. Era possível ver crianças carregando materiais, ajudando os pais na
árdua tarefa.
Dos
hospitais de campanha apenas um continuava ativo. O cuidado e o tratamento
seguiam, mesmo com menos ajuda.
–
Você não para?
Cristina
estava cuidando de uma idosa quando ouviu a voz de Virgínia.
Fitou-a
sobre o ombro e lhe enviou um sorriso.
Terminou
o trabalho e logo dispensou a paciente que demonstrava enorme gratidão pela
fisioterapeuta.
Desde
que retornara à ilha, cuidava dos feridos no hospital de campanha ao lado de um
único médico. Há alguns dias fora surpreendida pela presença de uma das agentes
de Miranda.
Preenchia
a ficha da paciente.
Usava
uma mesinha gasta e um banco para se acomodar. O lugar era repartido por
cortinas. Ainda tinha algumas pessoas internadas. A falta de água potável e
saneamento básico causam inúmeros vírus, infectando os mais frágeis.
–
Gosto de me sentir útil. – Esboçou um sorriso. – O tempo passa mais rápido
assim.
A
agente acomodou-se em um banco de frente para a fiel amiga da Santorini. De
todos os trabalhos que fora designada para fazer, o de cuidar da bela jovem era
o melhor.
–
Sim, eu sei, desde que vim para cá te vejo sempre ocupada, porém já está tarde,
moça, acho que deve tomar um banho e seguir para descansar.
–
E você está preocupada comigo? – Cris indagou com uma gargalhada. – Pensei que
me achasse uma sem-vergonha… deixa ver como foi que disse: " uma mulher
que até pior que a Víbora do mar. "
–
Você leva as coisas para o coração mesmo hein? – questionou exasperada. –
apenas digo o que você mostrava, afinal, tinha acabado de terminar um namoro
longo e já estava dando em cima de mim no navio... Te comparei a víbora? Nossa!
– Soltou um risinho.
Cristina
relanceou os olhos.
–
Não vem o caso e também não lembro de ter voltado a te paquerar, então pode
baixar sua bola. – Levantou-se para arrumar o material de trabalho. – Pode ser
uma mulher muito bonita, mas isso não significa que tem todas as mulheres do
universo ansiando por ti.
Virgínia
a olhava. Não podia negar que desde que fora até aquele lugar e começara a
conviver com a jovem militar, sentia algo diferente, porém temia se entregar a
algo passageiro, não gostava desses romances de uma noite e temia se apaixonar,
pois já sofrera bastante quando gostara da Belinda. Há alguns anos, tiveram uma
relação, até mesmo chegaram a morar juntas, porém com o tempo, percebera que a
loira não se conformava apenas com uma e acabara colocando fim na relação.
–
Hoje, falei com a Maldonado…
A
fisioterapeuta parou e encarou a morena.
–
A Mel está bem?
–
Sim, está, mas o almirante sofreu um infarto, está em coma induzido.
–
Deus do céu! – Cobriu a boca com a mão. – O que houve?
–
Bem, inúmeras coisas se passaram, mas só estou disposta a te contar se me levar
para comer algo, não aguento mais a sopa que está sendo servida no acampamento.
–
Não temos muita opção, apenas a barraquinha de cachorro quente.
–
Por mim está ótimo, vamos até lá e te deixo inteirada sobre os últimos acontecimentos
com a sua amiga.
Cristina
fez um gesto de assentimento, livrando-se do jaleco e logo seguiam para fora do
hospital de campanha.
O
táxi estacionou diante de um dos prédios onde o pai tinha um escritório.
Não
desceu de imediato, apenas ficava a olhar para a construção de paredes
espelhadas. Por alguns segundos, viu-se de mãos dadas com a mãe atravessando a
avenida para visitar o duque. O encontro como tantos outros resultara em uma
acalorada discussão. Sempre era assim, poucas vezes se recordava de vê-los em
harmonia, apenas quando estavam nos compromissos sociais. Fernando parecia se
transformar quando estava diante de outros, como se quisessem fazer todos
acreditarem que seu casamento era perfeito.
“
Seu pai é assim mesmo, minha criança, apesar da forma que age, nunca deve
duvidar do amor que sente por ti.”
Essa
era a frase que Marie sempre dizia quando a pequena Santorini questionava os
atos do aristocrata.
Santorini...
Engraçado
que esse era o sobrenome que todos lhe chamavam, por que não Del Santorra?
--
Tudo bem, moça?
A
voz do motorista lhe interrompeu os pensamentos.
Ela
fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois tirou o cartão para pagar a
viagem.
Pegou
as muletas e seguiu para a entrada. Não havia muitas pessoas naquele lugar. O
duque vez e outra estava ali para cuidar da administração das empresas que
comandavam, ainda mais a do almirante, já que ele tinha pleno acesso a todos os
bens.
O
carpete vermelho afundava sob seus pés o que dificultava sua locomoção.
Ouviu
o toque insistente do celular, pegando-o, viu o número de Samantha. Pensou em
atender, porém não o fez, sabia que não estava pronta para falar com a pirata
naquele momento.
Seguiu
para o elevador e não demorou a chegar ao andar.
Em
sua mente havia uma tentativa de se tranquilizar. Fernando, com certeza, diria
tratar-se de um mal-entendido e mesmo que estivesse ainda furioso por tudo o
que se passou, continuaria sendo seu pai.
–
O duque a espera!
A
secretária foi logo avisando.
A tenente
entrou na sala e lá estava Fernando sentado em sua mesa pomposa. O lugar era
muito luxuoso. Havia uma janela panorâmica, as cadeiras e poltronas de couro.
Na estante havia inúmeras réplicas dos prêmios que ganhara quando serviu a
marinha.
Não parecia
tão descontrolado como falara Ana, na verdade exibia a compostura de antes.
–
Que surpresa! – Ele exclamou com um sorriso. – Pensei que nunca mais a veria...
afinal, nem mesmo me deixaram entrar na cobertura quando fui te ver.
--
Foi me vê? – Indagou surpresa.
--
Sim, quando voltou da cirurgia, mas os seguranças nem permitiram, então decidi
não insistir.
--
Ninguém me disse...
--
Claro, é muito mais fácil que todos me pintem como o vilão da história não é?
Mas me diga o que te trouxe aqui?
–
Acho que sabe muito bem por que estou aqui.
Ele
fez um gesto para que ela se acomodasse na cadeira a sua frente.
–
Verdadeiramente não, mas acredito que tenha a ver com a confissão de Arthur que
ridicularizou ainda mais o meu nome… e o dele. – Girava uma caneta entre os
dedos. – Já fiquei sabendo do infarto, decerto não aguentou a humilhação… --
Fez um gesto negativo com a cabeça. – Acho que o desejo que meu sogro tinha de
te agradar ultrapassou o limite das forças.
A
militar fitava o homem que parecia desconhecer totalmente.
–
O senhor não parece se importar…
–
Eu deveria me importar? – Questionou com calma. – Na verdade, você quem deveria
estar se sentindo culpada nesse momento, afinal, eu tenho certeza de que ele só
fez isso por sua causa… Não duvido que essa fora a forma que ele achara para te
separar da pirata...
Mel
engoliu em seco.
–
E por que ele desejava tanto isso? Devia estar assustado por seu descontrole,
decerto, pensava que poderia me machucar.
--
Te machucar? Ah, sim, deveria ter te dado uns tapas por sua arrogância, me
tirou do sério várias vezes nos últimos meses, porém não faria mais que isso.
--
Está sendo dissimulado, meu avô estava assustado contigo. – Apontou-lhe o dedo.
– Esse foi o motivo de ter confessado toda a verdade.
--
Acredita mesmo nisso, Mel?
Ela
sentiu um aperto no peito diante do questionamento.
--
E o que mais seria? – Indagou por entre os dentes.
–
Bem, querida, deve ser terrível para o almirante saber que a filha está tendo
um caso com a sobrinha…
Os
olhos dourados estreitaram-se.
–
É mentira! – A tenente falou em um tom mais alto. – Está mentindo!
–
Estou? – Indagou com um sorriso. – Você nunca se perguntou por que Arthur
sempre te amou mais que tudo? Ele sempre fez tudo por ti, seria capaz de dar a
própria vida por você… já, quando se tratava da única neta de sangue que tinha,
sempre desprezara.
–
Ele me ama porque me vê como uma neta…
–
Você não é neta dele, é filha! – Fernando levantou-se. – Ele precisava de
alguém que tivesse o sangue dele, vivia obcecado com isso quando perdeu
Iraçabeth…então Marie retornou da Europa, era uma mulher linda e aconteceu…
esse foi o motivo de eu ter casado com ela… encobrir novamente a desgraça que
tinha ocorrido… -- Passou a mão pelos cabelos. – Ana foi até você não é? Disse
para não contar, nem mesmo sei por que confessei essa nova vergonha. Mas estou
cansado de tudo isso, cansado de que me veja como um bandido, sendo que tudo o
que fiz foi para limpar o nome da família Santorini.
–
Mentira! – Mel gritou. – O senhor está mentindo, está inventando isso porque
tem raiva por eu ter casado com a Samantha. – Protestava em lágrimas.
–
Sim, tenho, ainda mais por você ser a tia dela… um escândalo a mais não é? Por
que acha que Arthur arriscou a própria reputação? Apenas por que não queria que
tivesse uma relação lésbica? Ah, deixe de ser ingênua, ele caiu em desespero
quando soube o que se passava... Esteve comigo várias vezes essa semana...
Implorava para que eu fizesse algo para poder acabar com essa relação.
–
Não acredito, está mentindo! – Bateu com as duas mãos fechadas sobre a
escrivaninha. – Sua raiva não tem limite!
Fernando
esboçou um sorriso, depois seguiu até o lado oposto da sala. Abriu um cofre e
de lá tirou um envelope amarelo envelhecido. Depois retornou para a cadeira que
ocupava e estendeu a ela o invólucro.
Mel
hesitou, mas acabou aceitando e logo abria e via fotos suas quando criança,
também havia imagens de outra garotinha, Iraçabeth... Olhava tudo com crescente
desespero e logo seus olhos depararam-se com um exame...
Um
teste de DNA bastante antigo e lá tinha seu nome e em termos técnicos
confirmava o seu maior temor.
–
Aí está a sua prova… esse exame foi feito quando você era criança, fiz para que
pudesse me resguardar quando me divorciadas da sua mãe... Marie sempre me
acusava, queria te afastar de mim, mas guardei isso para que pudesse provar
como ela e Arthur agiram mal comigo e contigo também.
A
tenente olhava e as lágrimas corriam por sua face diante do olhar sádico de
Fernando.
–
Agora imagina como vai ser quando todo mundo ficar sabendo desse novo
escândalo… além da condecorada tenente da marinha real ser lésbica, ainda tem
uma relação com a própria sobrinha…Você é irmã da Iraçabeth.
–
É mentira! – Disse em soluço. – É mentira!
–
É conveniente você negar não é? Cômodo… se Arthur não morreu com a emoção de
revelar a verdade sobre a Víbora, com certeza, não vai resistir a mais essa manchete…
vá, volte para a cobertura da pirata e conte a ela tudo… Não vai demorar para
que toda a sociedade descubra tudo... Talvez seja algo que a pirata precise
para completar a vingança contra todos nós.
–
Ela não faria isso...
--
Não? – Indagou arqueando a sobrancelha. – Acha que ela sente algo pelo avô? Ela
não sente nem por ti.. Quando a vi na festa, me deixou claro que fora você a
forçar o casamento e que nunca desejara isso...
--
O senhor vai contar...
–
Eu não tenho mais nada a perder, já fui humilhado o suficiente, não me importo
mais com nada… pelo menos, não serei mais visto como um desgraçado, serei a
vítima de toda essa história suja... porém aceitarei a sua decisão, se quiser
continuar fingindo que não sabe de nada, respeitarei sua decisão... Estou
cansado, Mel, cansado dessa guerra, cansado de você me odiar porque outras
pessoas dizem que vou te ferir só porque desejo a Víbora...
Ela
o encarava, parecia tentar ver através daquele olhar se realmente o “pai”
estava sendo honesto.
--
Se gosta tanto dessa mulher, ignore tudo o que te disse, continuarei sendo seu
pai, não me intrometerei em sua relação.
Mel
levantou-se, pegou as muletas e deixou o escritório.
Contraditoriamente
às suas palavras, aristocrata não demonstrara nenhum tipo de sentimento pela
jovem, parecia tão indiferente com a dor da militar, como se nem mesmo a
conhecesse.
Samantha
estava possessa, desde que soubera que a esposa tinha deixado a cobertura
sozinha.
Ligara
inúmeras vezes para a tenente, mas apenas uma vez a chamada fora completada,
nas outras vezes nem mesmo chamava.
Estava
saindo do banho quando fora avisada por Eliah sobre o ocorrido.
Andava
de um lado para o outro na sala.
–
A senhora Ana saiu primeiro. – A empregada explicava nervosa. – Vi a dona Olívia
aqui, estava aqui. – Dizia assustada com a fúria da patroa. – Vim ver se
precisava de algo, mas esqueci algo na cozinha e retornei, quando voltei, ela
não estava mais.
Marina
e Eliah viam o desespero da Lacassangner. A pirata já tinha ligado para Miranda
e já se preparava para deixar o apartamento, porém a porta abriu-se e lá estava
a Santorini.
Os
olhos azuis fitaram os dourados em irritação e alívio.
–
Onde foi sozinha? – A morena foi até ela, segurando-lhe o braço. – Onde estava?
Sabe que não deve deixar a cobertura.
A
militar umedeceu os lábios demoradamente.
Quando
deixara o prédio, fora até o hospital, tinha a esperança que avô estivesse
melhor... Estava tão desesperada que perdera até a consciência do tempo. Ficara
lá na recepção e só depois decidiu voltar para a casa.
Observou
a face bonita da Víbora. Os cabelos úmidos soltos. O roupão atoalhado preto, os
pés descalços...
Encarou
os olhos brilhantes...
Não
podia deseja-la, não podia perder o fôlego ao vê-la, não podia ansiar por
aqueles lábios tão cheios e rosados.
Amava-a...
Será
que havia uma espécie de maldição na família Santorini?
--
Onde estava?
A
voz baixa e controlada voltou a perguntar.
–
Eu não tenho que te dar explicações, Lacassangner. – Afastou-se, puxando o
braço. – Não sou sua prisioneira, então, não se comporte como se fosse.
A
filha do Serpente parecia surpresa com as palavras duras.
--
Sabe muito bem que deve se manter em segurança!
--
Sou bem grandinha para saber me cuidar, afinal, sou a tenente da marinha, já
enfrentei situações mais complicadas que ser a esposa da Víbora do mar. – Mel fitou
a todos e depois deixou a sala.
Samantha
cerrou os dentes.
O
que tinha se passado? O olhar da militar demonstrava total frieza.
Passou
a mão pelos cabelos.
O
que tinha acontecido?
Quando
retornaram do hospital, ela estava calada, mas interpretara isso como
preocupação pela situação do avô, porém em nenhum momento agira de forma tão
arrogante e intransigente.
–
Ligue para Miranda, Eliah, avise que a mimada tenente já está de volta.
O
homem apressou-se em fazer um gesto afirmativo com a cabeça.
A
pirata seguiu pisando duro para os aposentos.
Entrou
e ouviu o barulho de água no banheiro. Sentou-se e ficou esperando. Sua vontade
era tirá-la do chuveiro arrastada, ainda mais pela forma que falara diante de
todos.
Massageava
as têmporas, enquanto tentava manter a calma.
Mel
sentia a água correr por seu corpo. Nem tinha pedido ajuda da Marina. Não
queria falar com ninguém, desejava apenas permanecer ali e tentar não lembrar o
que se passava em sua vida.
O
duque parecia compreensivo, deixando claro que a filha podia continuar a agir
como se nada tivesse acontecido, porém como faria algo assim?
Naquela
manhã, conseguira ver nos olhos azuis que poderiam pensar em ficar juntas, viu
um sentimento diferente...Estaria apaixonada também...Mesmo que não usasse
palavras e que sempre lhe provocasse, sentia-a, senti-a pronta para si como
estava pronta para ela...
Bateu
com os punhos fechados contra o azulejo.
Não
poderia contar para a Samantha, não podia confessar a ninguém sobre aquilo,
pelo menos não agora. Era muita sujeira em sua vida. Precisava pensar o que
deveria fazer, quais passos seguir...
As
lágrimas voltaram a correr por sua face.
Desligou
a ducha.
Vestiu
o roupão, pegou as muletas e deixou o banho sem nem mesmo voltar a colocar a
bota ortopédica.
Ao
entrar no quarto ficou surpresa ao ver a sheika sentada na poltrona. A morena
parecia bastante confortável. Já estava vestida. Usava short e camiseta. As
pernas longas estavam cruzadas. Os cabelos presos no alto e usava os óculos
costumeiros.
–
Acho que agora vai me dizer onde foi.
–
Não direi nada, não sou obrigada a te falar de todos os passos que dou. Não sou
sua prisioneira nesse apartamento.
Os
olhos azuis estreitaram-se.
–
O que se passa contigo, tenente? Parece bastante arrogante, o que houve? –
Questionou tentando manter a calma. – Pensei que tivéssemos no entendido mais
cedo...
A
Santorini seguiu até a cama, sentando-se, pois já começava sentir dor por ter
forçado tanto a perna.
–
Não houve nada, apenas estou cansada e se não fosse muito incômodo, gostaria de
ficar sozinha, quero dormir um pouco, estou com dor de cabeça.
A
Lacassangner levantou-se e foi até o leito.
–
Está assim por causa de Sir Arthur?
–
Claro, óbvio, afinal, eu me preocupo com ele, diferente de ti, mesmo ele sendo
seu avô, não me pareceu se preocupar com a situação que ele enfrenta.
O
maxilar da pirata enrijeceu.
–
Realmente não me importo, por que deveria me importar com alguém que sempre
desejou se livrar de mim? Diferente de muitos, discordo totalmente dessa
cultura que todos têm de endeusar alguém só porque está à beira da morte, para
mim continua sendo uma crápula… mas saiba que não gostaria que ele morresse de
forma tão fácil, prefiro que viva para pagar tudo o que fez.
–
Ele é seu avô, pai da sua mãe!
–
E eu já repeti inúmeras vezes que preferiria ser filha de uma vagabunda.
–
Sua mãe não merecia a forma como agi… ela era uma pessoa boa, e lutou até o fim
para te trazer ao mundo, mesmo sabendo que perderia a vida.
–
E você acha que era isso que eu queria? – Deu alguns passos até a esposa. –
Você não sabe o que eu passei a minha vida toda… primeiro sonhando com um avô
que me desprezava, um desgraçado que me marcou a ferro, depois tive que
conviver com meu pai, um homem que parecia morto em vida, nada lhe interessava
a não ser viver navegando… sim, sequestrava os melhores professores para que eu
pudesse aprender tudo que foi negado pelo almirante, nada me faltava, mas eu
era filha do serpente do mar… – Esboçou um sorriso amargo. – Sou a Víbora do
mar, a pirata, e passarei a vida toda sendo isso… não foram as marcas que ele
me fez, essas não são tão profundas…
Mel
a observava, via a poderosa Sheika dominada por suas emoções, por sua
escuridão.
Abria
a boca para falar algo, mas foi interrompida.
–
Descanse, minha esposa, quero que esteja bem, vou pedir para que façam um
jantar e você vai sentar ao meu lado.
–
Não desejo…
–
Não tem que desejar nada, vai sentar ao meu lado e vamos jantar… quanto ao seu
avô, não se preocupe, vazo ruim não quebra tão fácil. – Sorriu. – Mandarei que
sua babá traga um analgésico para sua cabeça, não a quero doente...
A
tenente mordeu a língua para não responder e logo estava sozinha nos aposentos.
O
que aconteceria se contasse a verdade a Lacassangner? Como reagiria se
soubesse…
Não
podia continuar com aquele casamento, não mais…
Passava
das dezenove horas quando Miranda chegou à cobertura. Samantha quem a atendeu.
A
Maldonado observou o vestido preto que a morena usava. Observou a taça que ela
trazia na mão.
–
Estava te esperando.
–
Demorei porque havia trânsito.
A
pirata foi até a garrafa e voltou a encher a taça, entregando uma a chefe do
departamento.
–
Onde está a Mel?
Antes
que a Lacassangner respondesse, Marina aproximou-se.
–
A menina Santorini pediu para avisar que não está se sentindo bem e que não vem
jantar.
Samantha
respirou fundo, depois seguiu para os aposentos.
A
empregada trocou um olhar aflito com a chefe do departamento internacional.
Mel
estava deitada e tentava ler um livro. Buscava distrair a mente, tentava não
pensar nos últimos acontecimentos.
A
porta abriu-se bruscamente.
–
Eu disse que você iria jantar comigo!
A
Santorini não tinha voltado a ver a esposa. Porém agora preferia não ter visto.
Ela usava um vestido preto com um decote provocante. Mal chegava ao meio das
coxas. Moldava-se ao corpo bonito, expondo as pernas longas e bem feitas.
–
Perdeu a educação!
–
Eu nunca tive! – Puxou os lençóis. – Levante-se e vamos embora jantar.
–
Disse a babá que avisasse que não iria jantar. – Tentou cobrir-se, mas foi
impedida. – Me deixe em paz, Víbora!
–
Você vai jantar comigo sim, nem que tenha que te arrastar.
–
Enlouqueceu?
–
Não, mas enquanto não me contar o que houve e onde foi mais cedo, vou agir
ainda pior que isso.
–
Quero apenas ficar sozinha!
Samantha
a segurou pelos ombros, levantando-a, encarava-a, parecia ansiar por perceber o
que havia naquele olhar que de repente tinha se fechado em seu interior.
--
Jante comigo, quero conversar... – Umedeceu o lábio superior com a língua. – Só
quero que venha, não vai arrancar nenhum pedaço e mesmo que esteja morrendo de
vontade de te tocar, respeitarei o momento que está passando.
Mel
sentia o aroma de vinho tão próximo de si. Observava os lábios cheios, os
dentes alvos e pensava em como queria beijá-la, como queria senti-la novamente.
Sacudiu
a cabeça para espantar os desejos.
--
Não irei, não quero ficar perto de ti... Não quero!
O
maxilar da morena enrijeceu e logo empurrava a jovem que voltou a sentar no
leito.
–
Eu vou te dar uma escolha: ou vai por sua vontade ou vou te arrastar até lá.
Tem dez minutos para tomar sua decisão!
A
Santorini a viu deixar o quarto com um sorriso sarcástico.
Sentiu
tanta raiva que seria capaz de esmurrá-la forte.
A
Maldonado olhava a filha do Serpente e via a fúria contida em seu olhar, mesmo
que tentasse manter um diálogo trivial.
Estavam
sentadas à mesa e não demorou para Mel aparecer. Nem mesmo a Santorini tinha se
vestido formalmente, tendo optado pelo robe de seda rosa.
Miranda
levantou-se para cumprimenta-la com um beijo na face, depois se acomodaram.
–
Agora sim, a comida pode ser servida, a senhora Lacassangner acabou de se
juntar aos pobres mortais.
A
militar ignorou o sarcasmo, sentando-se.
–
E alguma notícia do almirante? – A visitante indagou.
–
Voltei a falar com Alfonso e ele me disse que ele continua estável, mas ainda
vai era mantido em coma induzido por mais alguns dias.
–
Ele é um homem forte, decerto, se recuperará logo.
--
Sim, tenho fé que logo vai ficar bem...
As
duas continuavam a conversar, enquanto Samantha olhava a esposa com crescente curiosidade.
Vez e outra o olhar de ambas se cruzavam, pareciam duelar em silêncio.
O
jantar transcorria tendo sempre Miranda buscando conversar com as duas
mulheres, percebia que algo tinha se passado. Conseguira descobrir onde a
Santorini tinha ido quando deixara a cobertura, porém não contara para
Samantha. Talvez não fosse um bom momento, o melhor seria esperar. Estava
curiosa para saber o que teria resultado do encontro entre pai e filha depois
de tudo o que tinha acontecido. Sabia que não fora algo bom, pois era possível
notar que estava bastante reservada e irritada quando falava com a pirata.
Belinda
dirigiu durante horas e logo chegava ao esconderijo de Tobias. Miranda deveria
tomar cuidado, pois Samantha não reagiria muito bem se visse o homem que lhe
traíra e fora responsável por lhe entregar ao almirante. Porém, havia muito
mais, tinha certeza de que ele sabia do assassinato da Sheika.
Agora
que conseguiram um acordo, ele contaria toda a verdade e finalmente
descobririam o que ocorrera.
Já
era noite e a área era muito esquisita. Não havia casas, apenas a cabana em
meio ao mato.
Colocou
a arma na cintura, seguindo devagar pelo terreno acidentado com o auxílio de
uma lanterna. Pisava devagar. Ouviu o som de uma coruja e sentiu um arrepio. Parou,
olhando de um lado para o outro, tinha a impressão que alguém a espreitava.
Segurava
a arma, estava pronta para usá-la se assim fosse preciso.
Para
seu alívio viu a luz que iluminava a pequena e rústica construção.
Chamou
o homem, mas nada ouviu. Parou diante da choupana e quando se preparava para
bater, a porta abriu e uma cena chocante se desenrolou diante do seu olhar. O
pirata jazia caído em uma poça de sangue e uma mulher estava ao seu lado. mas
não era o assassinato que lhe chamou a atenção, mas a forma que os corpos
tinham sido arrumados, era idêntica ao ocorrido com Samantha e a esposa.
–
A Mel deve estar arrasada com toda essa história… o duque a perseguindo e agora
o infarto do avô.
Cristina
e Virgínia estavam sentadas em uma calçada. Comiam cachorro-quente e bebiam uma
mistura que lembrava refrigerante. Havia outros também por aquela área.
–
Ela fez a escolha dela quando aceitou o casamento… – A agente comentava. – Não
foi obrigada e sabemos que a ideia partiu em parte dela…Todos sabemos quem é a
Víbora...
–
Na verdade a ideia foi minha, porém não era para ser algo tão traumático, era
para que ambas se unissem porque se amam…
–
Amam-se? – A outra indagou arqueando a sobrancelha.
A
fisioterapeuta fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Sim, mesmo que tenham todos esses problemas, eu sei que se amam… claro que a
Víbora não é uma das pessoas que mais demonstram o que sentem, porém eu sei, eu
consigo ver no olhar de ambas…
–
Não sei até onde uma relação entre elas pode dar certo… há muita coisa no
caminho.
–
Mas se existe amor, vale a pena a luta!
–
Vale? – Questionou, fitando-a.
–
Percebo que tem uma visão um pouco cética do amor.
–
E você depois de ter sido abandonada após anos de relacionamento continua
acreditando nesse sentimento… – Desdenhou.
–
O fato de ter comido uma fruta podre não significa que o resto do pomar também
esteja.
Virgínia
riu.
–
Percebo que é quase impossível discutir com a senhorita, pior, impossível
colocar um pouco de bom senso em sua cabeça.
Cris
bebeu mais um pouco da bebida.
–
Eu apenas acredito que quando há amor, é preciso que se lute… nada cai do céu…
chuva sim… mas se temos anseios, devemos lutar… ainda mais quando sabemos que
há chances de conseguir…
–
E se não conseguir?
–
A gente entra no banheiro, liga o chuveiro, encosta as costas na parede e sai
escorregando até chegar ao chão… tipo aquelas cenas clássicas de filme…
choramos e choramos até que as lágrimas sequem e vamos ter que continuar porque
a vida deve seguir…
Dessa
vez a agente gargalhou.
Já
passava das vinte e duas horas quando Miranda deixou a cobertura. A chefe do
departamento tentara amenizar o clima de guerra que havia entre as duas
mulheres, conseguindo apenas que ambas mantivessem o silêncio, principalmente
Samantha que voltara a se fechar em seus pensamentos. Não conseguira descobrir
o que havia acontecido no encontro da militar com o duque.
A
tenente tinha seguido para o quarto e já estava deitada há algum tempo. Ainda
não conseguira dormir. Sorte estava ao seu lado e a tenente acariciava os pelos
negros.
Vez
e outra seu olhar focava na porta.
Não
queria ficar ali, desejava ir embora, não ter que estar perto da pirata. Não a
ver nunca mais…
Como
seria quando todos descobrissem que Samantha era na verdade sua sobrinha…?
Precisava
deixar de pensar na Víbora, não podia continuar sentindo a agonia que se
apossava do seu corpo quando a via.
Ouviu
batidas e sentiu o coração acelerar, mas para seu alívio quem tinha entrado era
sua babá com uma bandeja.
–
Trouxe chá! – A mulher colocou sobre o móvel da cabeceira. – Vai te ajudar a
dormir melhor.
Mel
fez um gesto afirmativo com a cabeça. Dessa vez não parecia que iria demonstrar
ceticismo, pois já sabia que poderia ser bom para que conseguisse relaxar.
–
Filha, você está bem? Parece diferente desde que saiu sozinha…
A
militar pegou a xícara e bebeu um pouco do líquido.
Será
que Marina sabia algo sobre o que pai tinha dito?
Sentia-se
tão envergonhada por toda aquela história suja que não conseguia abrir a boca
para conta-la.
–
Eu estou bem, apenas preocupada com o vovô…
–
Ele vai ficar bem, é um homem forte.
Mel
mais uma vez apenas assentiu.
Seu
olhar estava fixo na porta fechada. Temia a presença da filha do Serpente.
–
A senhora Lacassangner saiu, deixou a cobertura há alguns minutos. Ela quem
pediu para que te trouxesse um chá.
Os
olhos dourados mostraram-se desconfiados.
–
Sabe se aconteceu algo?
–
Não, apenas ela saiu.
A
Santorini ficou a ponderar. Não tinha ouvido nada sobre aquela saída, algo
devia ter se passado.
Já
era madrugada quando o veículo levando Miranda e Samantha estacionou no local
do crime.
O
corpo ainda não tinha sido retirado. Os peritos seguiam investigando todos os
vestígios.
–
Não podemos nos aproximar! – Belinda veio logo dizendo ao vê-las. – Tudo já
está isolado.
–
Tirou alguma foto? – Samantha indagou baixinho.
–
Sim, todas estão arquivadas. Terei que ir até à delegacia, prestarei depoimento
já que fui a primeira a encontrar os corpos.
A
Lacassangner passou a mão nos cabelos.
–
O duque deve estar por trás disso…
–
Não sabemos nada ainda! – Miranda retrucou. – Porém o Tobias devia ter provas
em alguma parte sobre tudo o que aconteceu, ele se mostrava sempre muito seguro
nas suas extorsões… pelo que o detetive disse, ele guardava algo que podia ser
usado para condenar muita gente.
–
E onde pode estar?
–
Na cabana não tem nada… não acho que guarda as provas aí. – Apontou para o
lugar.
Havia
curiosos no local, mas a polícia já tinha isolado tudo. O lugar era escuro e
fora preciso usar algumas iluminações para poderem investigar.
–
Deve haver algo por aqui… – Samantha olhava para as árvores. – Tobias sempre
fora muito esperto… – Dizia pensativa. – Precisamos procurar por essas provas,
talvez conseguíssemos alguma pista se conseguíssemos falar com alguém que
conhecesse essa mulher que está com ele…
–
É uma boa ideia, vamos ficar na região para acompanhar tudo de perto, não
podemos voltar à estaca zero depois de todos os nossos esforços.
–
Sim, vamos nos hospedar no hotel que fica aqui perto.
Na
manhã seguinte, Mel seguiu até o hospital. Mesmo que o médico dissesse que tudo
continuava igual, preferira ir até lá.
Ao
chegar à recepção ficou perplexa em encontrar Fernando.
–
Que surpresa, pensei que só saísse com a sua esposa… afinal, para ela sou uma
ameaça. – Ele disse aproximando-se. – E como está? Como vai sua perna?
A
militar estreitou os olhos.
–
Por que tanta raiva? – O duque acariciou sua face. – Não precisa me ver como um
inimigo, mesmo diante de tudo o que se passou ainda te considero uma filha… te
tratei como uma filha todos esses anos, Mel.
–
Não acredito ainda nessa história toda.
–
Na verdade, você não quer acreditar, pois não deseja abrir mão do que sente
pela pirata… – Soltou um longo suspiro. – Mas você quem sabe, não precisa ter
medo de mim, estou cansado da nossa guerra, até já falei com meu advogado,
deixarei o processo da fazenda… estou cansado de tudo isso.l
A
tenente olhava para o "pai" e pensava se estava mentindo.
–
Hoje irei até ao quartel, eu mesmo irei retirar as acusações que fiz… –
Suspirou. – Desejo que possamos voltar a nos entender, sei que era isso que sua
mãe queria… mesmo que eu não seja seu pai… – Depositou um beijo em sua testa. –
Preciso ir, qualquer coisa me ligue. Ah, também, verei com o almirante para que
a Cristina possa retornar… eu me excedi em tudo, mas foi pelo fato de ter me
descontrolado com toda essa história… entenda, Mel, não basta eu ter sido
trocado por um maldito pirata, ainda tem um fato de nunca ter podido ter um
filho e precisar aceitar a gravidez da sua mãe… não imagina como me doeu saber
de quem você era filha…
A
tenente comprimiu os lábios. Nada disse, apenas permaneceu no mesmo lugar,
enquanto via o aristocrata afastar-se.
Como
seria agora?
Não
podia contar nada a ninguém. Se a Samantha soubesse seria capaz de confrontar o
avô e haveria um novo escândalo e talvez ele não resistisse a mais um desgosto.
–
Mel, tudo bem?
A
voz de Juan lhe tirou dos seus devaneios. Há meses não via o ex-noivo.
Imaginava que ele estivesse viajando para tratar dos negócios que
administrava.
Antes
que pudesse falar algo, foi cumprimentada com um beijo na face.
–
Fiquei sabendo sobre o ocorrido com o almirante e vim até aqui para saber sobre
seu estado de saúde.
–
Sim, ainda está em coma induzido, acredito que vai demorar um pouco para se
recuperar.
–
O que houve com sua perna? – Indagou preocupado.
–
Um incidente, mas já estou bem.
–
Toma um café comigo? Faz tempo que nos vemos, gostaria um pouco da sua
companhia.
Mel
pensou em negar-se, porém sentiu um peso na consciência, ainda mais pela forma
que tinha se comportado com o ex-pretendente. Apesar de tudo, ele sempre se
mostra gentil.
Fez
um gesto afirmativo com a cabeça.
Estava
na hora do almoço quando vieram avisar a Cristina para seguir até a tenda do
comandante. O homem de poucas palavras simplesmente lhe disse que estava
dispensada do seu trabalho e poderia retornar à capital. Ela ficara surpresa,
mesmo assim não podia esconder a ansiedade de retornar para casa e rever a
amiga.
Seguia
para arrumar os objetos quando ouviu passos atrás de si. Virando a cabeça,
deparou-se com Virgínia.
–
Que milagre é esse que não está enfurnada no hospital atendendo todo mundo até
não ter mais forças? – A agente foi logo dizendo.
–
Retornarei para casa, acabei de ser avisada.
–
Ora, isso parece uma boa notícia.
–
Sim, não que não goste de ajudar os que precisam, mas já faz dias que estou
aqui e…
–
E deseja rever sua amiga e saber como está… sabe que alguém poderia pensar que
você tem uma queda pela tenente…
–
Que absurdo! – Relanceou os olhos. – Tenho a Mel como uma irmã, amo-a dessa
forma e o que mais desejo no mundo é que ela possa ser feliz, eu sei como
sofreu quando perdeu a mãe.
Virgínia
acariciou sua face.
–
Não precisa ficar irritada, criança, estou apenas fazendo um comentário…Vou
sentir saudades de te encontrar e conversar… não é tão cabeça oca como eu
pensava.
–
Um elogio? Hun… acho que alguém está mudando de ideia sobre mim. – Piscou. –
Vai ficar aqui até quando?
–
Na verdade, agora que está partindo também o farei… Miranda me pediu para vir
até aqui para ver como você estava, sua amiga ficou preocupada e acho que o
pedido partiu dela.
–
Então você estava aqui por mim? – Esboçou um sorriso charmoso.
–
Eu estava cumprindo ordens…mas confesso que foi muito bom…
–
Bem, provavelmente tirarei alguns dias de folga depois de tanto trabalho, se
quiser, podemos sair para comer cachorro quente…Eu pago…
–
Pensarei no seu caso… – Colocou as mãos no bolso da calça. – Preciso falar com
o príncipe antes de partir. Espero que tenha um bom retorno, senhorita.
–
Desejo-lhe o mesmo!
A
fisioterapeuta viu a agente afastar-se e pensou que sentiria falta dela.
Gostava de estar em sua companhia. Não negava que no início imaginou que
transariam, na verdade, desejava isso, mas com o passar dos dias, sentia
vontade de conhecê-la um pouco mais… gostava do sorriso… da voz firme…
Meneou
a cabeça, depois exibiu um sorriso.
Já
estava anoitecendo quando Mel retornou para a cobertura. Tinha almoçado com
Juan e depois o empresário a levou até o escritório do quartel, buscara
informações sobre o processo que se desenrolava contra si. Infelizmente, nada
conseguira de concreto, falaria com o advogado.
–
Onde estava, filha? – Marina indagou ao vê-la entrar
A
tenente seguiu e sentou no sofá deixando de lado as muletas.
–
Precisei resolver alguns problemas depois de ir ao hospital. – Falou olhando
tudo ao redor. – A Lacassangner está? – Indagou ansiosa.
–
Não, hoje a senhorita Belinda veio buscar uma mala com algumas roupas, acho que
a senhora Samantha vai ficar alguns dias fora.
Mel
mordiscou a lateral do lábio inferior.
Não
deveria se importar com esse fato, afinal, era até melhor que ela estivesse
longe, assim não teria que lidar com suas sensações.
Não
podia sentir nada pela pirata, precisava arrancar aquele sentimento do seu
interior e vê-la apenas como…
Não
gostava nem mesmo de pensar que era irmã de Iraçabeth, tia da Víbora…
Se
essa história chegasse até a mídia seria terrível. Não bastava tantos
escândalos, havia agora o fato de ser filha de Sir Arthur… o almirante não
aguentaria uma nova emoção, não teria como suportar algo tão terrível.
–
Babá, arrume nossas coisas, amanhã seguiremos para casa do vovô... Não desejo
ficar aqui na cobertura nem mais um minuto.
Agora seus pensamentos já
pareciam livres e um par de olhos dourados começavam a agoniar sua mente.
Ainda
pensava o que tinha se passado para que rapidamente a tenente agisse de forma
tão arisca. Fora bastante oportuno essa viagem, pois se tivesse ficado no
apartamento, teria perdido a paciência e não sabia o que faria se assim fosse.
Bateu
com o punho fechado no colchão.
Ouviu
o bip do celular e ao fitá-lo viu se tratar de Ester.
Cerrou
os dentes.
Por
um momento pensou se tratar da esposa…
Atendeu.
A
voz da ex-namorada soou baixa.
–
Perdão te ligar, mas enviei o relatório em seu e-mail e não recebi nenhuma
resposta, fiquei preocupada.
A
morena deitou-se.
–
Surgiram alguns problemas, mas vou ler sim e depois falo contigo.
–
Você está bem? Sua voz está um pouco cansada.
–
Realmente estou um pouco cansada…
–
Talvez eu precise ir à capital no final de semana, Juan voltou de viagem e
estou com saudades.
–
Não há problemas, faça o que precisar.
–
Também fiquei sabendo sobre o ocorrido com Sir Arthur, meu irmão encontrou a
Mel, foram almoçar e ela contou tudo a ele.
O
maxilar da pirata enrijeceu.
–
Sim, sofreu um infarto.
–
Bem, não vou te importunar mais, mesmo que ame ouvir sua voz… Nos falamos em
outro momento.
–
Certo, Ester, tenha uma ótima noite.
Após
encerrar a chamada, soltou um suspiro exasperado.
Não
gostara de saber que a tenente tinha se encontrado com o antigo noivo. Teria
isso algo a ver com a atitude arisca da esposa?
Passou
a mão pelos cabelos.
Pegou
o celular e discou o número da militar, mas apenas chamava e não houve resposta
nenhuma.
O
dia amanheceu ensolarado.
O
duque estava no jardim, tinha pedido a empregada para servir o café da manhã
embaixo de uma figueira.
Ana
acomodou-se. Olhava-o com receio crescente. O aristocrata parecia totalmente diferente.
Agia com gentileza e mostrando o cavalheirismo que sempre via antes do
casamento.
–
Gostou do desjejum? – Fernando segurou a mão da esposa, beijando-a. – Pedi que
fizessem tudo o que você gosta.
–
Está tudo ótimo… – Bebeu um pouco de suco. – Parece bastante animado hoje…
–
Tirei um peso dos meus ombros, amor, quero que possamos reconstruir nossa vida,
quero fazer as pazes com a Mel… – Comeu um bolinho. – Convide-a para almoçar no
domingo… mesmo com tudo o que se passou, amo-a muito e desejo que possamos nos
reconciliar.
Ana
o olhava perplexa.
Será
que Fernando não entendia que o que fora dito sobre a paternidade da filha
tinha deixado a jovem abalada.
–
Eu acho que toda essa história deixou a Olívia muito abalada…
–
Com o tempo isso vai passar, é normal que agora esteja assim, porém logo vai
entender.
–
Acha que ela se sente bem em saber que está casada com a sobrinha?
–
Isso não deve ser dito a ninguém, temos que guardar segredo, imagine o
escândalo que teríamos… não basta o fato de Arthur ter exposto a história suja
de Iraçabeth.
–
De mim nada sairá, mas eu acho que não é uma situação fácil…
O
duque se levantou e começou a massagear os ombros da esposa.
–
Convide-a, sua presença vai ajudar muito para que ela se recupere rápido de
tudo isso. – Beijou-lhe a bochecha. – Terei que sair, mas retorno para jantar
contigo.
Ana
fez um gesto afirmativo com a cabeça e não demorou para ficar sozinha.
Observou
o pomposo café da manhã com desgosto. Ainda estava muito assustada com toda
aquela história e muito triste pela tenente, pois percebera como ficara
abalada. Ela não merecia passar por tudo aquilo.
A
semana passava rapidamente. Cristina ainda não tinha retornado, pois tivera que
seguir para outro estado, esperando a tão sonhada licença.
Mel
passava horas no hospital todos os dias com a esperança que o "avô"
conseguisse se recuperar. O médico que acompanhava seu caso tinha adiado o
momento de despertá-lo, pois os últimos exames não foram tão animadores. Juan
aproveitava do momento passado para estar ao lado da ex-noiva.
A
militar não aceitara o convite para o café da manhã na casa do duque. Ainda não
tinha aceitado toda aquela situação, mesmo tendo o duque buscando sempre se
aproximar. Para sua surpresa, realmente, ele fora até o almirante e retirara
todas as denúncias, mesmo assim a investigação continuava, porém sabia que sua
punição não seria tão terrível se fosse considerada culpada, pois as acusações
de traição tinham sido retiradas do processo. Conseguira falar com a amiga e
novamente percebia como Fernando tinha conseguido manipular tudo a sua vontade
e agora desfazia.
Sua
perna continuava com a bota. Continuava usando as muletas, mas não precisava de
tanto repouso como antes.
Estava
na cafeteria do hospital. Bebia um suco e comia um salgado.
Logo
retornaria à mansão, pois já tiveram a conversa com o médico, apenas parara
para fazer um lanche.
Há
dias não sabia da pirata. Decerto, ela não se importara por sua ausência, devia
ter ficado feliz por ter livrado-se de si.
Já
tinha dado entrada no processo de divórcio. O melhor seria acabar com tudo
aquilo o mais rápido possível.
Lembrou-se
da caixinha que tinha encontrado em um compartimento secreto do escritório do
avô, mas que ainda não conseguira descobrir uma forma de abri-la.
Usava
o celular para discar o número da casa de Sir Arthur quando sentiu um aroma
conhecido.
Ao
levantar a cabeça, deparou-se com a Lacassangner parada a lhe fitar.
Geh, como pode ser tão intrigante e instigante as tuas histórias? Deus me livre. Ansiosíssima pelos próximos capítulos. Beijos de Luz para você.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu tô triste, a Mel não merecia e a Sam também não. Não queria, mas deixou o meu domingo sem graça. Aff...
ResponderExcluirE pensar que elas vão demorar a desfazer essa situação. Triste 😔
Olá! Tudo bem?
ResponderExcluirSei lá, mas depois de mais de 200 mil palavras — é isso, Autora? — para chegarmos aqui, em lugar algum. E ainda volta o ex-pretendente.
Que pena!
Sigamos, enfim.
É isso!
Post Scriptum
''Em matéria de propriedade, o direito do primeiro ocupante é incerto e pouco seguro.
O direito de conquista, pelo contrário, assenta em fundamentos sólidos.
Ele é respeitável porque é o único que se faz respeitar. ''
Jacques Anatole 'France' François Thibault,
Escritor.
Só digo uma coisa: minha religião não permite. 🤣🤣🤣🤣🤣
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