A víbora do mar - Capítulo 35 - ...
O
vento frio penetrava pela janela aberta e movia as cortinas de seda como se
fossem uma visão fantasmagórica.
Passava
da meia noite, mas ainda havia fluxo de veículos no bairro onde a sheika tinha
a cobertura.
--
Filha, já está tarde, precisa descansar.
Mel
estava de pé, olhava para a avenida distraída. Apoiava-se nas muletas, presa em
seus pensamentos conflitantes.
Ouviu
a voz da babá, virou a cabeça e a viu com uma bandeja com chás e biscoitos.
--
Estou cansada de ficar deitada... – Disse por fim com um suspiro.
--
O senhor Eliah me disse para te dar esse chá, disse que vai te ajudar a
descansar um pouco.
A
militar tinha uma expressão de ceticismo na face, mas acabou fazendo um gesto
afirmativo com a cabeça.
Lentamente,
seguiu até a poltrona, sentando-se.
--
Faça-me companhia, babá, sente-se e beba essa infusão comigo.
Marina
assentiu, depois serviu a bebida, entregando a jovem, depois pegou a outra.
--
Por que parece tão preocupada? – A empregada questionou.
A
Santorini bebericou um pouco do líquido quente. Ponderava, enquanto exibia uma
expressão preocupada.
--
Brigou mais uma vez com a senhora pirata?
Mel
exibiu um sorriso ao ouvir a forma que a Marina dirigia-se à filha do Serpente.
“senhora pirata!”
--
Não perco meu tempo com as arrogâncias da Víbora, Bá! – Comeu um biscoito. –
Samantha agi de forma que possa me tirar do sério, mas não vai conseguir.
A
empregada a olhava, perscrutava em seu olhar algo que não nomeava.
--
Por que casou com ela, filha?
A
pergunta da sua fiel companheira pareceu lhe constranger, pois sua face ficara
ruborescida.
Nunca
chegara a falar abertamente sobre seus desejos sexuais para ninguém, a não ser
a amiga Cristina. Em alguns momentos tivera que confessar sobre seus anseios
pela mulher que nunca poderia ter se interessado. Na verdade, nunca deveria ter
se sentido atraída por nenhum ser do seu mesmo sexo, isso nunca passara por sua
cabeça...
Mentira!
Quando
teve a pirata em seu quarto ferida, encantara-se...
Ainda
se recordava de como os lábios delirantes tocara nos seus. Passara todos
aqueles anos pensando neles...
--
Casei porque queria livrá-la das garras do meu pai... – Respondeu com uma meia
verdade.
Marina
não parecia muito crédula no que ouvia.
--
Sim, eu entendo, porém não acha que foi um sacrifício acima de todos? – Fez uma
pausa. – Eu entendo que depois de tudo o que foi feito com essa mulher você
tenha se sentido compadecida, mas um casamento? Sem falar que não era a vontade
da Lacassangner.
Os
olhos dourados desviaram dos da empregada por alguns segundos.
Sim,
realmente Samantha não aceitara o enlace, tanto que continuava a agir de forma
que pudesse lhe obrigar a assinar os papéis que as separariam. Mas, se fosse
sexo, ela aceitava, até mesmo mostrava sempre desejar as intimidades.
Mordiscou
a lateral do lábio inferior demoradamente e só depois de algum tempo
questionou.
--
A Víbora parece com a Iraçabeth? Não fisicamente, pois já vi as fotos e são
idênticas, mas estou falando na personalidade... – Bebeu mais um pouco de chá.
– Sabe que queria ter conhecido a filha do vovô... às vezes fico olhando para
as fotografias e imaginando como teria sido conviver com essa mulher que
decidiu abandonar tudo para viver ao lado do homem que amava.
O
olhar da empregada exibia uma saudosa nostalgia.
--
A Beth era linda...Perdera a mãe muito cedo e isso foi algo ruim, sabe, pois
ela se trancou em si mesma, não conseguira se recuperar, ainda mais pelo fato
de Sir Arthur ter se afastado da herdeira...
--
Como era a relação dela com a minha mãe?
Marina
ponderava, parecia escolher as palavras corretas para narrar a história.
--
Marie era a afilhada amada... Seu avô a amava mais que amava a filha... –
Completou tristemente. – Sua mãe fora mandada para fora, o almirante queria que
estudasse, então pouco tivera um contato mais profundo com a menina... Quando
retornou, toda a desgraça já tinha caído sobre a família Santorini.
--
Mamãe nunca falara sobre ela...
--
Ninguém falava... Ninguém... O duque e Sir Arthur apagaram todos os vestígios
de existência... Não acha estranho que mesmo diante da semelhança que existia
entre a Lacassangner e a mãe ninguém tenha feito a ligação?
--
Sim, claro, não acho que alguém que conhecesse a Iraçabeth não conseguisse
liga-la à Samantha.
--
Seu avô sempre fora muito respeitado, sem falar no poderoso nome do seu pai,
então, sempre fizeram tudo para esconder a existência da filha bastarda e
quando ela retornou, talvez, a cabeça dos mais velhos não funcionasse tão bem
para fazer a associação.
Mel parecia pensativa.
-- Como ela era? – Insistia.
Os olhos da empregada exibiram um brilho de lágrimas.
Parecia que em sua mente revivia cada momento.
-- Você me lembra ela...
No semblante da tenente havia surpresa.
-- Ela era gentil, doce e sempre estava disposta a ajudar
os outros...O sorriso da Beth iluminava tudo ao redor, tinha tanta paz sem seu
olhar, mesmo diante de tudo o que lhe acontecia...
-- Samantha é diferente... mas, às vezes, sabe, babá, eu
vejo a dor naquele olhar tão arrogante... – Suspirou. – Queria poder vê-la
despida de todo aquele ar de superioridade... Queria que ela não agisse sempre
com sarcasmo...
-- Eu acho que ela se protege de tudo e de todos... Eu
não consigo imaginar como deve ter sido difícil viver sendo perseguida pelo
avô...
A Santorini bebeu mais um pouco do chá.
-- Eu me sinto culpada, babá... – Cerrou os dentes. – Sir
Arthur sempre fora um avô perfeito para mim... Lembro quando me levava ao
cinema...Sempre estava ao meu lado quando havia brigas entre os meus
pais...quando a minha mãe morreu...ele estava ao meu lado...ficava velando
minhas noites sem dormir...é como se eu tivesse roubado tudo isso da Lacassangner...
-- Você não tem culpa, filha, nem mesmo sabia da
existência dessa neta... – Caminhou até ela, depositando um beijo em sua testa.
– Não pense nisso, pois você é tão inocente quanto a sua esposa...
Esposa...
Mel ouvia a palavra e isso lhe arrepiava a nuca.
No salão da festa todos pareciam perplexos. Os olhares
dirigiam-se de Sir Arthur para o duque Del Santorra. Alguns riam baixinho,
outros mais discretos tentavam manter a polidez. A imprensa já bombardeava o
almirante de perguntas, mas Ernesto o tirou do lugar.
Samantha estava no corredor. Ainda não tinha se
recuperado das palavras de Fernando e agora olhava perplexa para Miranda.
-- Ele está louco! – Exclamou desnorteada. – O que deu na
cabeça dele agora?
–
Não sei, ele pediu o microfone e todos esperaram que ele fizesse uma homenagem
ao almirante Ernesto, mas não foi isso que aconteceu… ele contou a história
toda da relação do seu pai com a filha, de como fora contra ao relacionamento e
de como você nascera e a filha morrera no parto…
–
Esse homem só pode ter pirado! – Massageava as têmporas. – Sir Arthur
enlouqueceu. – Meneou a cabeça. – Ou estar planejando algo, afinal, por qual
razão ele jogaria essa história suja para todos quando passara a vida
escondendo-a?
–
Eu não sei, mas acho que ele fez isso por causa da Mel. O orgulhoso Arthur
jamais assumiria esse fato que sempre considerara vergonhoso para seu precioso
nome.
A
Lacassangner levou a mão ao peito.
Seria que o velho sabia de algo tão terrível a ponto de
decidir que o melhor seria confessar um dos seus maiores pecados?
–
Vamos sair pelos fundos, esse não é o momento para que dê nenhuma declaração
sobre toda essa história. Precisamos entender o sentido de tudo isso agora.
Samantha
fez um gesto afirmativo, temerosa com o rumo que a história tomava.
O
duque ao retornar à festa ouvia o fuzuê da imprensa que parecia pronta para ter
um furo que lhe daria muito lucro. Não demorou para encontrar a esposa que
estava do outro lado do salão.
–
É verdade que Iraçabeth fugiu com o Serpente do mar e tiveram uma filha?
Samantha Lacassangner é filha da sua esposa? O senhor foi trocado por um fora
da lei?
O
aristocrata ouvia as perguntas do repórter e pareceu chocado.
Segurou
a mão da mulher e rapidamente deixaram o lugar, sendo perseguidos pelos
representantes da imprensa.
Seguiram
pela lateral e o manobrista trouxe o carro. Conseguiram entrar no veículo e já
deixavam a mansão.
–
Esse velho miserável está louco! – Bateu forte contra o volante. – Sou capaz de
mata-lo.
A
mulher que o acompanhava permanecia em silêncio. De repente os fatos pareciam
fazer sentido na sua cabeça. Agora estava explicado a obsessão que Fernando
sentia por Samantha. Porém o que não conseguia entender é o fato da Mel ter se
casado com a pirata… Não percebia que o pai queria aquela mulher para si?
Segurava-se
no banco, pois o carro seguia em alta velocidade.
Passava
das duas da manhã quando o veículo estacionou na garagem do enorme prédio.
Samantha
caminhou até o elevador.
Mirou-se
no espelho.
Depois
de deixar a festa fora direto até o apartamento de Miranda. Ficaram até tarde
discutindo os próximos passos. Esperariam as consequências da confissão de Sir
Arthur. Fernando deveria estar furioso, afinal, todos agora sabiam toda a
história. O poderoso duque tinha sido trocado por um fora da lei, por um pirata
e agora todos sabiam.
O
elevador parou em seu andar e logo entrava na cobertura.
As
luzes estavam apagadas, mas as cortinas que impediam que as luzes do sol
invadisse o espaço estavam abertas, assim a luz noturna faziam sombras.
Samantha
viu a gatinha deitada sobre o sofá. Sentiu-se ao lado dela e acariciou os pelos
negros e macios.
Devia
ser algo muito bom ser apenas um animal naquele mundo de humanos sempre cheios
de tantos problemas e numa correria que sempre parecia lhe tirar todo o tempo e
o prazer da vida.
Ouviu
o bip do celular e lá estava inúmeras mensagens. Ester avisava sobre a chegada
de alguns investidores, afirmando que seria importante que a Lacassangner
estivesse de volta para recebê-los.
Deixou
o aparelho de lado, levantando-se, caminhou até os aposentos.
A
TV estava ligada, mas a militar dormia tranquilamente.
A
morena passou direto para a ala adjacente.
Quase
meia hora depois, retornou para o quarto. Tinha tomado banho e agora usava uma
camisola vermelha.
Deitou-se.
Observou
o programa que passava no aparelho que continuava ligado. Pegou os óculos que
estavam sobre a lateral da cabeceira, usando-os.
Soltou
um suspiro, que não se sabia ser de cansaço ou de frustração.
Tinha
a impressão que estava presa em um espaço tão pequeno que nem conseguia se
mover. Como se tudo se fechasse e logo não haveria nenhuma saída para si.
Nunca
imaginara que deixar aquela prisão lhe traria tantos problemas, que seria
inserida naquele jogo que parecia nunca ter fim.
Virou-se
de lado e viu o maior dos seus temores a dormir tranquilamente. Parecia tão em
paz…
Arrumou-lhe
uma mecha que caia sobre sua face e a ouviu resmungar.
Abraçou-a,
trazendo-a para si, desejando prendê-la em seus braços por toda a eternidade.
Ouviu-a resmungar. Beijou-lhe os cabelos, sentindo o aroma gostoso.
Depois de alguns segundos, a Santorini pareceu acalmar-se
e já voltava a dormir nos braços da pirata.
O
sol já tinha nascido há tempos. Eliah cuidava das plantas no jardim de inverno.
Assim que retornasse à fazenda, levaria algumas mudas para plantar por lá.
Havia
uma variedade de espécimes. Buscava sempre manter seu estoque, ainda mais as
que usava para preparar infusões. Quando seguia pelas águas com o Serpente esse
era um prazer que tinha, cultivar os mais variados tipos e as usava para curar
infinitas mazelas.
Ouviu
passos e ao levantar a cabeça viu a babá da Santorini aproximar-se. Percebia-a
um pouco nervosa. Trazia um jornal entre as mãos trêmulas.
O
pirata deixou o que fazia e caminhou até ela.
–
Algum problema, senhora?
–
Veja o senhor mesmo! – Marina entregou-lhe o exemplar matinal.
Eliah
não tinha muita leitura, mas conseguiu ler as letras garrafais e vê a foto de
Samantha ao lado da foto da filha de Sir Arthur.
Então
agora todos sabiam de tudo…
Observava
a imagem de Iraçabeth. A Lacassangner era tão idêntica a ela, mas tão
diferente… seria mesmo? Às vezes pensava que a filha do pirata usava
apenas uma máscara, mas que no fundo era igual a mãe. Tão doce e gentil
como fora a mulher que tinha lhe trazido ao mundo.
–
Acho que agora as coisas se complicaram ainda mais.. . -- a
empregada dizia torcendo os dedos. – Alguns jornalistas estão praticamente
acampados na frente do prédio buscando falar com a senhora Samantha e com a
Mel.
–
Temos que ter paciência… cedo ou tarde todos saberiam dessa história, ninguém
poderia esconde-la para sempre…
–
Imagina como o duque está nesse momento? Foi humilhado publicamente, todos
agora sabem que sua esposa fugira com o Serpente e tiveram uma filha.
–
Samantha foi concebida antes do casamento deles…
–
E acha mesmo que isso vai mudar alguma coisa?
–
Não vai mudar, porém agora todos vão saber a verdade sobre a maldade de Sir
Arthur e do Del Santorra. Esses dois vermes passaram a vida perseguindo a Sam,
fizeram tudo para destruir sua vida e não podem sair impune de tudo isso.
Mel
abriu os olhos lentamente. Tinha tido uma ótima noite de sono depois de passar
horas demorando a dormir. Graças a Eliah que lhe tinha preparado um chá fora
possível relaxar e deixar de pensar na esposa. Ficara enciumada só em pensar
que ela estava naquela festa. Mesmo que dissesse que não havia outras, sentia o
ciúme lhe corroer por dentro, ainda mais quando sabia que ela estava agindo de
todas as formas para força-la a assinar o divórcio.
Tentou
mover-se, mas ao despertar totalmente viu que estava nos braços de Samantha. A
morena lhe abraçava de frente e os rostos estavam tão próximos que conseguia
ouvir sua respiração.
Riu
ao ver que ela dormira com os óculos e que a TV ainda estava ligada.
Fitou
os lábios entreabertos. Eram tão lindos e sensuais. Adorava beija-los, era tão
maravilhosos que vivia ansiando por eles.
Inspirou
o cheiro delicioso que saia do seu corpo.
Nem
a viu chegar…
Tentou
se mexer, mas os olhos azuis se abriram em um brilho diferente.
–
Solte-me, preciso ir ao banheiro. – A Santorini falou.
–
Sem um beijo de bom-dia?
–
Você não merece beijo nenhum.
–
Eu mereço sim, afinal, sou sua esposa, sua mulher, então mereço mais que isso…
A
militar sentiu um arrepio na nuca quando ela disse ser sua mulher. Parecia uma
carícia tão íntima como as tantas que já trocaram…
–
Preciso ir ao banheiro ou vai ter que pagar meu tratamento de infecção
urinária.
–
Mas você é médica! – Provocou-a.
A
Santorini a empurrou.
Mel
pegou as muletas, enquanto ouvia a gargalhada rouca da esposa.
Samantha
puxou os lençóis para cobrir-se.
Olhou
para a TV e viu que já passava das nove da manhã. Precisava levantar e decidir
o que faria naquele dia. De acordo com a Ester, seria preciso sua presença para
a reunião com os investidores. Também tinha a Miranda que insistia que seguisse
até lá para que tentassem a buscar novas estratégias contra a notícia sobre ser
a neta de Sir Arthur.
Alguns minutos passaram-se e não demorou para a herdeira
do duque retornar.
Olhava-a e sentia um aperto no peito. Sabia que dentro de
si, mesmo que buscasse ocultar, havia uma felicidade enorme em vê-la ali, tê-la
tão perto de si, mesmo sabendo que temia o que isso pudesse causar.
As palavras de Fernando martelavam em sua cabeça. Sabia
que ele destruiria a vida da própria filha apenas para vingar-se e agora quando
toda a história tinha sido exposta, coisa pior poderia acontecer.
-- Em que pensas? – Mel indagou curiosa ao ver a
expressão da outra.
Samantha não respondeu de imediato. Olhava a esposa
parada no meio dos aposentos.
Bateu com a mão na cama.
-- Deite-se comigo!
A militar optou por ocupar uma poltrona. Preferia não se
manter tão perto daquela mulher de olhos tão azuis.
A sheika deu de ombros.
-- Diga-me, tenentezinha, foi você quem pediu a Sir
Arthur para confessar sobre a história de Iraçabeth?
Mel esboçou uma expressão surpresa.
-- Seu avô ontem pegou o microfone e contou para todo
mundo quem é a víbora do mar... Achei estranho e gostaria que me dissesse se
tem algo a ver com tudo isso.
A Santorini desviou o olhar do outro que se mostrava tão
incisivo.
Então o avô tinha contado toda a verdade como dissera que
faria. Arthur temia tanto as atitudes do duque para ter decidido por um caminho
tão perigoso?
-- Responda a minha pergunta!
A exigente e voz baixa intimou.
-- Eu não sei do que falas...
-- Estranho... – Sentou-se na cama, encostando as costas
na cabeceira da cama. – Não vi muita surpresa em sua linda carinha.
-- Se ele contou é bom não é? Afinal, já passou do tempo de
tudo isso ser revelado, ele é seu avô, talvez seja o momento para que consiga
se entender com ele...
-- Ah, sim, e vamos ser uma família feliz. – Ironizou
relanceando os olhos. – Não quero que se intrometa nisso, melhor, fique fora de
toda essa história.
-- Como ficaria fora?
-- Olha, Santorini, entenda que nada disso é da sua
conta. – Levantou-se. – Vá até a marinha e diga que te obriguei a agir de forma
inadequada. Use a informação que o seu avô jogou na mídia e salve sua
reputação... Eu não negarei nada. Até mesmo direi que te seduzi, não me importo
em ter meu lindo nome na lama, até já estou acostumada.
A tenente mirava os olhos azuis, ela parecia buscar algo
além daquele olhar que parecia tão insensível.
-- Acha mesmo que eu faria isso? – Apoiou-se nas muletas,
levantando-se. – Acredito que me conheça um pouco para saber que jamais agiria
dessa forma.
-- O que acha que vai tirar de tudo isso, Mel? – Segurou-a
pelo braço. – Você ainda tem salvação, então se salve.
Os olhos dourados pareciam querer mergulhar nos azuis.
-- Não sairei dessa história sem tentar consertar tudo...
Esqueça, Samantha, não vai conseguir me convencer ou me amedrontar... Se deseja
que aja como uma esposa submissa, farei, humilhe-me, faça o que desejar, mas
levarei até o fim o que foi planejado... Farei o impossível para te proteger...
A Lacassanger encostou a testa na da esposa.
-- Deus, o que farei contigo? – Indagava baixinho. –
Tenho a impressão que vou enlouquecer...
-- Podemos fazer isso juntas... Vamos arrumar toda essa
bagunça...
Samantha acariciou-lhe a nuca e não demorou para os
lábios se tocarem. Inicialmente parecia um pousar de borboletas, leve, lento,
porém aos poucos as bocas pareciam mais exigentes, ansiosas por mais e mais.
As mãos da sheika pararam em sua cintura, parecia pronta
para prendê-la para sempre.
Sentiu-a prender sua língua e gemeu baixinho. Desejava tanto
aquela mulher que sentia que nunca sentira algo assim por ninguém.
-- Tenente... – Disse contra a boca. – Me assusta tudo
isso...
-- Eu também estou assustada, porém, quero continuar...
-- Por que está apaixonada por mim?
Mel mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente.
-- Porque eu desejo saber quem é a verdadeira Samantha
Lacassangner... – Segurou-lhe a mão. – Quero poder ver o seu sorriso sem
sarcasmo... sem essa nuvem que parece entristecer sua alma...
Antes que a pirata pudesse falar algo, ouviram batidas na
porta.
A Santorini cerrou os dentes ao ver a esposa se afastar.
Deu autorização para que a pessoa entrasse.
Eliah apareceu, o homem parecia um pouco desconfiado,
olhava de uma para a outra.
-- Perdão incomodar, Sam, mas a senhorita Ester insiste
em lhe falar... – Disse temeroso. – Falou que tem algo importante para dizer...
A militar soltou um suspiro exasperado.
-- Ligue para o administrador, ele saberá lidar com o que
tenha acontecido... Não irei até a fazenda.
O pirata pareceu gostar do que tinha acabado de ouvir.
Fez um gesto afirmativo com a cabeça, depois pediu licença, deixando os
aposentos.
-- Não seria melhor ir, afinal, tem a ver com a sua
fazenda.
-- Tenho gente que pode resolver isso, senhora minha
esposa. – Aproximou-se. Prefiro passar os dias cuidando para que se recupere
logo, pois tenho certeza de que anda fazendo o que não deve.
Um sorriso grande se desenhou nos lábios cheios da filha
do duque.
-- Ah, sim, pois digo que estou me cuidando muito bem,
senhora pirata, acredito até que logo vou poder me livrar dessa incomodante
bota.
-- Hun... Ficarei por perto para ver isso direitinho. –
Usou as costas da mão para acariciar a face de bela jovem. – Tome um banho e se
vista, a Miranda ficou de vir até aqui, acredito que tem algo para nos dizer. –
Beijou-lhe a pontinha do nariz. – Vou chamar a Marina para te ajudar, preciso
fazer umas ligações, mas logo retorno.
Mel fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Viu a Lacassangner afastar-se e sentiu uma emoção
diferente em seu interior.
Sim, queria ficar porque a amava, porque a queria para
si... Mas e o que ela sentia?
Às vezes tinha a impressão que havia mais em seu olhar,
porém temia que fosse apenas desejo sexual... Se assim o fosse, logo se
cansaria...
Respirou fundo.
Recordava-se das palavras que ela falara no dia que
estavam na piscina...
Teria mesmo a chance de ser feliz ao lado de Samantha?
Levou o polegar à boca e ficou mordiscando a unha como
era de costume quando estava nervosa ou ansiosa.
Teria que falar com o avô. O pai deveria estar furioso
diante de toda aquela exposição.
Sir Arthur ouvia os gritos de Fernando e permanecia
quieto.
-- Maldito desgraçado! – Esmurrou a escrivaninha. – Tudo
foi sua culpa e agora joga meu nome na lama que está o seu.
-- Eu te avisei para deixar essa história da Samantha,
pedi para não prejudicar a Mel.
O duque deu a volta e seguiu até o ex-sogro, segurando-o
pelo colarinho, levantou-o da cadeira.
-- Aquela desgraçada se envolveu com a mulher que eu
cobicei por todos esses anos... Eu quem a salvava das suas armadilhas para que
um dia pudesse ser minha e agora a maldita está ao lado dela.
-- Não entende que nunca vai ter a pirata, ela te rejeita
do mesmo jeito que a Iraçabeth, sente nojo do mesmo jeito.
Fernando o empurrou.
-- Nós sabemos bem qual vai ser o fim dessa história...
Já vimos um casamento assim antes...
Arthur viu o duque deixar o escritório transtornado.
O almirante levantou-se. Pegava o telefone para discar,
mas sentiu uma dor forte no peito, desmaiando sobre o carpete da sala.
-- A imprensa não sossegará enquanto não receber uma
declaração da sua parte, Samantha!
Mel estava acomodada em uma poltrona, enquanto a
Lacassangner permanecia de pé. Miranda ocupava a escrivaninha do escritório.
-- E o que deseja que fale? – Questionou a sheika. – Que marque
uma coletiva e conte tudo o vivi durante esses anos? – Esboçou um riso
sarcástico. – Sinceramente.
-- Eu acho que a Maldonado está certa, afinal, você é a
personagem principal dessa história. – A militar intercedeu.
Os olhos azuis estreitaram-se, mas diante do olhar sincero
da militar, acabou amenizando a irritação. Não queria discutir com a jovem, na
verdade, queria ficar bem com a “esposa”.
–
Sabe que temos razão, Sam. – A chefe do departamento continuava. – Não estou
dizendo que deva contar toda a sua vida, apenas confirme a história de Arthur,
afinal, é a verdade. – Levantou-se. – Tem ideia de quantas mentiras surgirão
depois dessa confissão?
A
Lacassangner sentiu-se ao lado da tenente.
–
E você acha realmente que isso me importa? – Desdenhou. – Lembro bem que até
uma cartilha fizeram contando as maiores barbaridades… – Fitou a esposa. – A
mais louca foi a que falava sobre seios…
A
Santorini sentiu a face queimar diante da provocação, pois sabia bem do que ela
falava. Ainda tinha vivo em sua mente a ocasião da festa na qual tivera que se
mostrar para aquela mulher e aquilo fora tão perturbador que parecia que quando
fechava os olhos revivia aquela cena.
Miranda
já abria a boca para protestar, porém ouviram batidas e logo Marina entrava com
uma expressão de pesar.
–
O que houve, babá? – Mel indagou preocupada ao fitá-la.
–
Seu avô passou mal e foi levado ao hospital.
Os
olhos dourados abriram-se em pavor e já se levantava sem lembrar da deficiência
da perna. A Lacassangner antecipou-se, segurando-a.
–
Como ele está? – A jovem questionou pesarosa.
–
Não sei, filha, não deram detalhes, só avisaram que está no hospital da
marinha.
Samantha
trocou olhares com Miranda.
–
Levarei você lá, Mel.
A
voz de Samantha pareceu chamar a atenção da militar que fez um gesto afirmativo
com a cabeça.
–
Você está transtornado!
Fernando
tinha acabado de entrar em casa e seguido direto para o escritório. Abria as
gavetas e jogava-as no chão, parecia procurando algo.
A
voz da esposa lhe chamou a atenção.
–
Me deixe em paz! – Esbravejou. – Você é uma desgraça na minha vida, nem mesmo
me ajudou a tirar a fazenda da Mel.
–
Ela é sua filha! – Falou horrorizada. – Como pode querer prejudica-la?
O
aristocrata parecia ter ficado ainda mais colérico. Seguiu até a mulher, a face
estava vermelha.
Segurou-a
pelos ombros de forma violenta, empurrando-a contra a porta.
–
Ela não é minha filha! – Disse com um sorriso doentio. – Nunca pude ter filhos…
tive um acidente na adolescência quando estava em treinamento e isso me deixou
estéril.
Ana
parecia perplexa com o que ouvia.
-- Está me ouvindo, idiota? Não posso ter filhos! – Aumentou
mais o tom de voz.
Ana o fitava. Nunc tinha visto o marido com tanta raiva.
–
Então quem é o pai da Mel? – Indagou receosa.
Segundos se passaram e apenas se ouvia a respiração
ofegante do aristocrata. Sua testa suava, estava vermelho, os olhos
arregalados.
–
Você não imagina? – Esboçou um sorriso sádico. – Sir Arthur, ele é o pai dela,
afinal, por qual razão ele amaria tanto alguém que supostamente não tinha seu
sangue?
A
mulher fez um gesto negativo com a cabeça. Estava chocada.
Nem
pode questionar mais nada, pois o marido a empurrou e saiu pisando duro.
A
senhora Del Santorra ainda mostrava total espanto diante do que tinha sido
dito. Seria realmente verdade isso? Se a Mel era filha de Sir Arthur, então era
irmã da mãe de Samantha?
–
Deus do céu! – Cobriu a boca com a mão.
O
hospital da marinha estava um pouco deserto na recepção.
Mel
seguia acompanhada da Lacassangner e Miranda. Era notável a preocupação da
Santorini.
–
O doutor Alfonso pode me atender? – A jovem indagou ao recepcionista.
–
Sim, doutora, ele a espera na sala.
A
tenente fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Miranda
enviou um olhar para a Sheika.
–
Irei contigo. – Samantha disse por fim.
Mel
assentiu, seguindo ao lado da esposa.
Não
se importava com Sir Arthur, não tinha nenhum interesse com a miserável vida do
almirante, porém sabia como a filha do duque estava preocupada e por essa razão
decidiu ficar ao seu lado.
Bateram
à porta e não demorou para entrarem.
Doutor
Alfonso fora um dos professores da Mel na escola de Medicina. Conhecia-o muito
bem. Era um amigo pessoal do almirante. Alto, magro e com total escassez de
fios de cabelos, exibia uma expressão gentil.
Cumprimentou
as duas mulheres, demorando-se mais em Samantha. Estava na festa de Ernesto e
ouvira bem a confissão do amigo. Não fora surpresa para si, conhecera bem
Iraçabeth e era praticamente impossível não ver a semelhança entre mãe e filha.
–
Como está meu avô? – A Santorini foi logo questionando.
–
Sentem-se! – Apontou as cadeiras. – Arthur chegou muito mal aqui. Sofreu um
infarto. – Iniciou. – Nesse momento está sedado, foi preciso que ficasse em
coma induzido.
–
Posso ver os exames que foram feitos? – A jovem indagou temerosa.
Alfonso
assentiu. Abriu a gaveta e lhe entregou um envelope.
Samantha
permanecia calada. Não desejava que algo ruim se passasse com o almirante, não
que tivesse algum tipo de sentimento por ele, porém preferia tê-lo em bom estado
para poder pagar todos os crimes que tinha cometido.
–
E por quanto tempo ele vai ficar coma induzido? – Mel questionou depois
de algum tempo.
–
Você é médica, deve ter visto que os exames não são nada animadores, vamos
precisar esperar que ele reaja. – Suspirou. – Arthur é um homem forte, acredito
que conseguirá se recuperar.
A
jovem mordiscou a lateral do lábio inferior.
–
Posso vê-lo?
O
médico fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Apenas não demore, vamos evitar emoções, mesmo ele estando sedado.
As
duas mulheres levantaram-se e logo deixavam o recinto.
Samantha
caminhava lado a lado com Mel que andava devagar, pois usava as muletas.
Seguiram em silêncio até um corredor onde havia quartos dos dois lados.
Pararam
diante de uma porta.
–
Te espero aqui fora.
–
Não quer vê-lo?
–
Não, Mel, espero você aqui.
–
Certo, não demorarei.
A
jovem seguiu para o interior do quarto e viu o almirante deitado. Havia
inúmeros fios conectados no seu corpo. Observava o monitor que mostrava uma
estabilidade na frequência cardíaca.
Olhava
para o homem deitado em toda fragilidade e pensava que sempre imaginara o avô
como alguém que jamais sucumbirá, ainda mais diante da força que sempre
demonstrava dia a dia. O vigor da juventude que nunca o abandonava.
Era
estranho fitá-lo e pensar que tinha agido de forma tão cruel com a filha.
Iraçabeth não merecia o que tinha vivido. Não merecia o que tinha lhe feito.
Depositou
um beijo na testa do almirante e depois deixou o quarto.
Viu
a esposa sentada em uma poltrona. A pirata veio até ela assim que a viu.
–
E então?
–
É como doutor Alfonso disse, temos que esperar.
–
Então vamos voltar para a cobertura, acho que abusou um pouco hoje, precisa
ficar em repouso.
Marina
trouxe uma bandeja. Servindo Ana com um chá, pois a mulher se mostrava bastante
nervosa.
–
E como Sir Arthur está? – A mulher indagou ansiosa.
Antes
que a empregada pudesse responder, a porta abriu-se e Samantha e Mel entraram.
A
esposa do duque seguiu até a tenente.
–
Vim falar contigo e fiquei sabendo do que se passou com o almirante.
A
Lacassangner pediu licença e logo deixava as duas mulheres sozinhas.
Mel
sentou-se.
–
Ele está em coma induzido. Foi necessário para evitar maiores problemas. Sofreu
um infarto.
–
Deus do céu! – Tomou-lhe as mãos. – E você como está? Não tinha podido vir aqui
ainda, seu pai me proibiu de te visitar.
A
militar meneou a cabeça. Parecia decepcionada com tudo o que ouvia. Seu pai
tinha enlouquecido, só podia ser essa uma explicação lógica.
–
E onde ele está?
–
Saiu com alguns documentos, tivemos uma discussão e …
–
E o quê? – Indagou preocupada.
Ana
cerrou os dentes. Parecia ponderar. Talvez não devesse contar o que o duque
tinha dito, porém achava que mesmo que não fosse verdade seria melhor que a
militar ficasse sabendo.
–
Mel… – Começou. – Seu pai estava descontrolado, tão descontrolado que disse
algo que…
–
O que ele disse? – Questionou com receio.
–
Acredito que seja mentira, ou algo do tipo.
–
O que ele disse? – Repetiu com impaciência.
–
Eu questionei o fato de ele tentar te prejudicar tentando tirar a fazenda,
então ele gritou que você não era filha dele…
Os
olhos dourados abriram-se em pavor.
–
Como assim? – Questionou surpresa. – Isso é um absurdo!
–
Acredito que seja mentira… não sei… estava fora de si… -- Repetia nervosa mexendo
as mãos. – Acho melhor não contar, é uma loucura...mentira, com certeza.
Mel
apoiou-se nas muletas, levantando-se.
–
Deve ter dito isso porque está com raiva… – Buscava justificar. – Está furioso
com o meu casamento com a pirata…
Ana
assentiu, mas logo completava.
–
Mas não foi isso o pior… – Encarou-a. – Gritou a plenos pulmões que você é
filha de Sir Arthur.
A
Santorini teve a impressão que desmaiaria a qualquer momento e a esposa do
duque antecipou-se, apoiando-a.
Eita, que é uma surpresa atrás da outra, cada cap eu fico ansiosa pro desenrolar da situação. A cabeça da Mel deve tá uma bagunça só com toda essa informação. Obrigada pelo capítulo querida autora, aguardo já o próximo cheia de curiosidade.
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