A víbora do mar - capítulo 33 - desejo e fúria parte 2

A respiração da Lacassangner estava tão acelerada que se ouvia nitidamente. Os corações de ambas as amantes pulsavam no mesmo ritmo, como se ansiassem por unirem-se na mesma canção.

Encararam-se...

A tenente parecia confrontá-la, desafiá-la em seu poder, mesmo que soubesse estar tão entregue quanto à pirata. Samantha parecia perdida em meio a sensações tão avassaladoras que temia desfalecer no toque da jovem mulher. Seu corpo vibrava e seus sentidos saiam do controle.

           Mel não cessou os movimentos, parecia furiosa e ainda mais excitada por senti-la tão sua naquele momento. Seu próprio sexo latejava como se implorasse pela redenção que parecia tão perto agora.  Samantha pronunciava palavras soltas e frases desconexas, mas a pequena sílaba que representava o nome da herdeira do duque fora pronunciada infinitas vezes. Em um derradeiro lapso de força, a filha do Serpente gritou e deteve os movimentos da militar.

             Os olhos azuis estavam escurecidos, a face rosada, sentia o corpo tremer, tremia sem parar em um arrebatamento destruidor e de prazer infinito.

             Olhava tudo ao redor e parecia que os objetos mudavam de lugar. Segurou-se na mulher, temendo cair.

             Ainda sentia espasmos, ainda sentia a eletricidade que passara por si de uma forma tão intensa que lhe perturbara os pensamentos, roubando-lhe a vontade de resistir.

             A Santorini viu os lábios entreabertos. Resistiu ao desejo de beijá-los, de toma-los para si. Sussurrou bem próxima a boca rosada.

           – E então, minha esposa, foi tão bom como quando se tocou pensando em mim, porque se não foi, talvez agora seja.

              Samantha olhou-a se ajoelhar diante de si, não entendeu de imediato o que tinha sido dito. Viu a expressão desafiante e isso lhe deixou mais uma vez desejosa de ela.

              Viu-a usar as mãos para lhe abrir mais o sexo e logo sentia a pontinha da língua brincar em sua entrada.

               – Tenente… – Sussurrou o nome roucamente em uma súplica.

                 Samantha baixou a vista e via como ela lambia sua carne molhada, depois a chupou devagar e logo usava a língua para lhe invadir o esconderijo de prazer.

            A pirata inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos em puro deleite.

            A militar podia não ter experiência nesse tipo de ato, mas era tão esforçada que era como se tivesse sido preparada a vida toda para propiciar deleite para a exigente sheika.

            A Lacassangner levou a mão aos lábios, cravando os dentes na própria carne, pois temia gritar de forma que todos pudessem ouvir.

 Movia-se contra a boca feminina porque queria muito mais do que tinha recebido. Ansiava que aquela imagem ficasse para sempre em sua memória. Voltou a olhar e viu os olhos dourados lhe fitarem ousadamente.

               Arqueou a cabeça mais uma vez para trás quando percebeu que o dedo indicador também lhe rompia.

             -- ahn...

               Baixou a mão e enquanto era chupada e invadida usou dois dedos para massagear o sexo. Fê-lo mais rápido e mais uma vez se perdeu no prazer supremo. 

               Mel lambia todo o mel que se derramava, sugando cada gota, amando o sabor daquela deusa do mar.

               Levantando-se, abraçou-a. Sentia os tremores do seu corpo e as batidas do seu coração acelerado.

               Beijou-lhe a testa, depois se afastou, pegou o robe e vestiu.

                Sentia o desejo querer lhe dominar, mas não podia continuar, mesmo que quisesse, não cederia à Samantha, pois sabia que seria humilhada com suas amantes.

               – Pronto, Víbora, agora já conseguiu saciar um pouco da sua fome. – Disse cruzando os braços para tentar manter a serenidade.

               Samantha a olhava confusa. Viu-a seguir até o banheiro e depois retornar com um roupão e lhe entregar.

               A pirata aceitou e se vestiu.

               – Achei que teríamos uma segunda parte, afinal, apenas você me tocou. – Disse por fim depois de alguns segundos.

             – Não vou permitir que me toque, não quando sei que se deita com inúmeras mulheres. – Soltou um longo suspiro. – Já te dei o que queria, agora saia e me deixe em paz. Não estou em um bom dia para aguentar suas provocações.

            Os olhos azuis estreitaram-se em cólera. Sentia-se humilhada não só pela forma que estava sendo tratada, mas também pelo jeito como se sentia em relação à esposa. Continuava querendo-a, mesmo que soubesse que tudo seria uma tentativa perdida.

            Em passos largos, segurou-a pelo braço.

            -- Acha que pode brincar comigo, tenente? Acha mesmo que vai jogar esse joguinho comigo mais uma vez? –Esbravejou.

            -- Não estou brincando! – Disse exasperada. – Quando me tomou na piscina fez o mesmo não, saiu da história sem satisfazer sua luxúria, eu estou apenas te retribuindo.

            -- Maldita militar! – Disse por entre os dentes.

            Mel desvencilhou-se do toque, mantendo uma distância segura da outra.

            -- Por que está tão irritadinha hein? – Questionou com as mãos na cintura. – Pensei que quisesse se divorciar, pirata, porém agora mostra interesse em ter uma vida conjugal. Acho muito contraditória suas emoções.

            O maxilar da sheika enrijeceu.

            Era possível ver sua fúria tentando ser contida, buscando mascaras suas sensações pela frieza.

            -- Sim, vamos nos divorciar o mais rápido possível.

            -- Então pronto, estamos resolvidas, vamos esperar que consiga sua separação. – Seguiu até a porta. – Agora eu quero que saia, estou cansada, preciso dormir.

            A morena passou a mão nos cabelos, olhou tudo ao redor e depois deixou os aposentos.

            Mel fechou a porta, depois ficou lá, apoiada na madeira.

            Seu coração estava tão acelerado, tinha a impressão que correra uma maratona, mal conseguia respirar direito.

            Sabia que tinha perdido o controle quando estivera a tocar a Víbora, queria-a tanto que chegava a pensar que não era apenas apaixonada pela filha do Serpente, na verdade, amava-a, mesmo que tentasse de todas as formas evitar esse sentimento.

            Fechou os olhos e logo sentia as lágrimas correr por seu rosto.

            Por que tivera que reencontrar aquela mulher depois de tantos anos?

           

 

 

 

            O escritório estava com as luzes apagadas. As cortinas cortavam as luzes do amanhecer que já enfeitava o dia. Passava das cinco da manhã. Samantha estava deitada no sofá de couro, porém não conseguira pregar os olhos, apenas ficara lá pensando em sua vida e remoendo o que tinha ocorrido.

            Ouviu batidas na porta.

            Levantou-se, enquanto arrumava o roupão.

            Eliah entrou e abriu as cortinas.

            -- Pensei que já estava pronta para viajar para a fazenda, o piloto ligou avisando que tudo está resolvido para a viagem.

            Samantha massageou as têmporas. Estava com muita dor. Não conseguira descansar e ainda sentia a raiva pulsar em seu sangue.

            -- Minha mala já está pronta... – Disse simplesmente. –Preciso de um banho...

            O pirata a olhava com ar preocupado.

            -- Vou pedir para que arrumem um quarto para ti, afinal, dormir nesse sofá não está te fazendo muito bem.

            A Lacassangner lhe enviou um olhar irado.

            -- Não fique chateada, mas acho que está perdendo tempo com toda essa guerra, afinal, sua esposa é linda, maravilhosa, poderiam viver muito felizes...

            -- Chega!

            A filha do Serpente se arrependeu de ter alterado a voz, pois sentiu ainda mais dor.

            -- Eliah, eu não tenho nada com a cria do maldito duque, na verdade, tenho sim, raiva, pois desde que essa petulante cruzou o meu caminho tudo pareceu piorar. Às vezes me controlo para não jogá-la em meu colo e lhe encher de tapas na bunda.

            -- Na verdade, o sangue voltou a correr em suas veias... Pois quando voltara da prisão eu tinha a impressão que estava morta, agia com total indiferença, mas agora voltou a ser a impetuosa Víbora do mar.

            -- Preferia voltar a ser a mulher indiferente de antes.

            -- Não pode, meu bem! – Acariciou-lhe a face. – Nós sabemos que você esconde a todo o custo o que sente pela Santorini, luta com unhas e dentes para esconder seus sentimentos, mas eu consigo ver muito bem... Seus olhos que antes pareciam perdidos, brilham quando a tenente está presente, posso até afirmar que seu coração bate igual bateria de escola de samba.

            Samantha suspirou, livrando-se do toque.

            -- Não seja um tolo sentimental, eu não sinto nada por essa militar de quinta categoria, confesso que sinto meu sangue ferver ao vê-la, mas isso tem a ver com a vontade de lhe encher de tapas.

            O velho apenas exibiu um sorriso.

            -- Vou tomar banho e já seguiremos. – A mulher falou.

            -- Pode usar seu quarto, a senhora Lacassagner saiu cedo, acredito que vai viajar também.

            Samantha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

 

 

 

            Sir Arthur estava no jardim tomando o desjejum quando viu a mota adentrar os portões.

            Bebeu um pouco de café e esperou pacientemente, logo a via vindo em sua direção.

            -- Precisamos conversar! – Mel disse parando de frente ao almirante. – O senhor vai me ajudar a deter o papai ou meu casamento com a Lacassangner vai durar por muito tempo.

            O velho lhe enviou um olhar enviesado. Via-a a filha de Fernando e percebia como sempre fora impetuosa e agora ainda mais mostrava sua força naquela batalha.

            -- Eu te disse para se afastar da Víbora, te avisei, Mel, mas você fez tudo totalmente contrário e agora pensa que poderei te ajudar. – Meneou a cabeça negativamente. – Não farei nada.

            Ela puxou uma cadeira, sentando-se próxima ao avô.

            -- Meu pai está louco, obcecado pela sua neta, pela filha da Iraçabeth.

            -- Essa maldita não é minha neta! – Falou por entre os dentes. – É uma maldita desgraçada que veio ao mundo para ser um martírio em minha vida.

            -- Não me importo com isso! – Falou alterando o tom de voz. – Enquanto a história estiver assim eu continuarei casada com a Samantha. – Levantou-se. – Porém, se aceitar me ajudar, eu assino o divórcio e tudo acaba rapidamente.

            O homem segurou na bengala, levantando-se.

            -- Está me chantageando? – Rosnou.

            -- Eu só estou jogando com as armas que tenho. – Disse com um suspiro. – Quando estava na fazenda o senhor disse que se eu não me aproximasse, nada aconteceria com a pirata, porém ela sofreu um ataque quando estava fora do país.

            -- E você acha que eu sou o culpado? Não tenho culpa se a Víbora é cheia de inimigos.

            Os olhos dourados estreitaram-se.

            -- Mel, pelo amor de Deus, afaste-se dessa mulher, deixe seu pai seguir com os planos dele, vá para longe, viva a sua vida...

            -- Eu estou apaixonada por ela, estou apaixonada pela Víbora! – Interrompeu-o falando um pouco mais alto. – Na verdade, eu a amo!

            O Sir apertou forte a bengala.

            -- Por Deus, filha! Essa pirata é uma desgraçada, você mesma sabe que ela não tem moral, vive com inúmeras amantes, vai ser humilhada diante de todos. – Pegou o jornal, entregando-lhe. – Veja com seus próprios olhos, mal casaram e já estava com outras.

            Ela não pegou o folhetim, mas passou a vista pela imagem da Lacassagner em uma boate cercada de mulheres.

            -- Eu só preciso que me ajude... – Disse em súplica. – Eu me divorciarei da Samantha quando tudo estiver esclarecido... – Sentou-se. – Não percebe como agiu mal... Perseguiu-a a vida toda, depois assassinaram seu pai...

            -- A ordem para matar o Serpente foi dada porque ele nos ameaçou!

            -- Mentira! Mentira! Mentira! – Meneou a cabeça. – Sei bem como tudo se passou, ele iria se entregar.

            O almirante sentou-se.

            -- Mel, nada disso é da sua conta!

            -- Mas quem matou a minha mãe é! – Bateu com o punho fechado na mesa. – E sei que tudo está interligado. – Dizia em lágrimas. – Eu só espero do fundo do meu coração que meu pai nem o senhor tenha tomado partido nesse crime terrível, eu jamais os perdoaria.

            -- Está louca! – O velho a acusou. – A Marie era minha filha, podia não ter meu sangue, mas eu a amava e você sabe como sofri quando a perdi.

            O olhar da jovem era de desconfiança.

            -- Como posso acreditar? – Sorriu amargamente. – O senhor não se importou com a sua filha Iraçabeth.

            -- Está sendo injusta! – Ele a cortou furioso. – Sofri muito com o que se passou com a Beth, por isso tenho tanto ódio do maldito Serpente e da Víbora desgraçada, ambos destruíram a minha família.

            -- Ela era uma criança, uma recém-nacida.

            -- Foi por culpa dela que a minha filha morreu, ela quem deveria ter morrido, deveria ter se enforcado com o cordão umbilical e morrido!

            A Santorini levantou-se horrorizada com o que estava ouvindo.

            -- Como pode ser tão cruel?

            -- Você não entende! – O almirante ficou de cabeça baixa, parecia ponderar, depois falou: -- Eu mandei a Samantha para longe porque sabia que Fernando iria feri-la, nem mesmo lhe contei que tinha conseguido capturar a pirata... – Fitou a neta. – Eu poderia tê-la matado naquela noite, nunca iriam me punir, mas não o fiz e sabe porque não fiz? – Bebeu um pouco de água. – Porque você estava comigo, eu olhava para seu olhar inocente, para o seu sorriso doce e pensava que não conseguiria viver com seu desprezo, esse foi o motivo de não ter destruído a Samantha naquela noite.

            -- Eu a acolhi em meu quarto, estava ferida, tinha sido baleada pelos seus homens! – Acusou-o cética.

            -- Ela tentou fugir e feriu os soldados, claro que tinham que ter reagido, não podiam simplesmente aceitar mais uma vez ser superado pela pirata.

            -- Ela delirava, chamava pela Ester... O senhor foi tão cruel...

            -- E você a aceitou em seu quarto! Aceitou a inimiga da sua família, traiu a todos e eu nunca disse isso ao Fernando, pois eu sabia que ele teria te batido.

            Mel engoliu em seco.

            -- O senhor a tirou de lá e ainda me fez acreditar que ela tinha fugido e eu tola, acreditei e acreditei quando disseram que ela tinha sido a responsável pela morte da minha mãe... – Limpou os olhos chorosos. – O senhor nem ninguém imagina como foi triste ver a forma cruel que tiraram a vida da minha mãe, de como eu passei todos aqueles anos acalentando a vontade de destruir a Víbora, de como me senti culpada por tê-la cuidado... – Meneou a cabeça. – Não a machuque, vovô, não ouse aproximar-se e se tem algum controle sobre o meu pai, detenha-o, caso contrário, continuarei com esse casamento, continuarei sendo humilhada e pior, estarei sempre no caminho para que não firam a Samantha... Ela não merece o que vocês fizeram, ela não merece o ódio que senti por toda minha vida!

            Sir Arthur a viu se afastar em direção a casa, sabendo que agora o jogo tinha mudado radicalmente e agora precisaria tomar cuidado com os passos seguintes.

 

 

            A sede da fazenda da Víbora tinha sido totalmente reformada. A casa agora estava toda pintada, o jardim bem cuidado, a decoração fora feita por uma empresa contratada por Miranda, dando um clima de elegância a casa. Um gramado verde se espalhava como um carpete sobre a frente da propriedade. O jardim que o pirata tinha cuidado, agora brotava lindas flores.

            A fachada da casa exibia uma cor limpa, brilhante em um límpido resplandecente. Os degraus que davam acesso à porta frontal receberam pedras novas e não havia mais os buracos de antes.

            A empregada se aproximou para guardar as malas e cumprimentar Eliah.

            Samantha tinha seguido direto até o estábulo para ver os cavalos.

            -- Já estou preparando o almoço, estou muito feliz com a chegada de vocês! – A mulher disse. – Os trabalhadores foram para as plantações, mas meu marido já deixou tudo organizado.

            -- Vejo que tudo está ótimo por aqui. – O velho comentou observando tudo encantado. – As casinhas para os trabalhadores já foram concluídas?

            A empregada fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Também novos trabalhadores foram contratados.

            Eliah exibiu um sorriso, depois adentrou a casa.

 

 

 

            -- Ora...Ora... se não é a casada mais cobiçada do país!

            A Lacassangner estava dando uma cenoura para seu cavalo quando ouviu a voz da loira.

            Virando-se, recebeu o abraço.

            -- Quem diria que casaria logo com a petulante militar! – Disse afastando-se um pouco. – Bem que formam um lindo casal.

            Os olhos azuis estreitaram-se.

            -- Mas onde está a aliança? – Questionou segurando-lhe a mão esquerda. – Jamais aceitaria que a minha mulher exibisse por aí sem a marca de me pertencer.

            A pirata tinha tirado o aro dourado no mesmo momento que soubera de toda a história pela Miranda e desde esse dia nem se recordava de onde tinha deixado.

            -- Deve saber muito bem que a Maldonado junto com a Santorini armaram tudo isso. – Falou aborrecida.

            -- Eu achei de grande espírito a Olívia ter aceitado, ainda mais pelo que percebo que não deve estar sendo fácil conviver com a pirata sem sua camada de verniz.

            -- Sabe muito bem que tudo isso é algo que não deveria ter ocorrido, ainda mais quando tem o duque enlouquecido, agora a militar foi colocada entre o fogo cruzado.

            -- Vamos protege-la! – Disse dando de ombros.

            Samantha deu um suspiro de impaciência.

            -- Vou ter que ir até a usina, preciso ver como tudo está ocorrendo por lá.

            -- Irei contigo, vamos no jipe.

            A morena fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- E onde está a senhora Lacassangner?

            A filha do Serpente não sabia, não a viu depois do que tinha ocorrido na noite anterior, mas de acordo com Eliah, Mel iria até a própria fazenda, mas não demoraria, retornando à capital.

            Deu de ombros, seguindo em direção ao pátio.

      

           

 

 

             O jipe estacionou diante da fazenda da Santorini e a jovem saiu acompanhada da babá.

            – Pensei que ficaríamos na cidade. – Marina disse ainda no carro. – O que houve?

               Mel olhava para frente. Via os trabalhadores olhando-as curiosos. Todos já deviam saber que estava casada com a inimiga da própria família. Com certeza todo o povoado comentavam esse fato e decerto o desrespeito que sofria pela Víbora.

            Tamborilava os dedos de forma impaciente sobre a direção do veículo.

              – Papai está querendo me tomar a fazenda e acho que ele vai começar a manipular tudo por aqui.

               A empregada a olhava com expressão assustada.

                  – Sim, babá, ele quer me punir por ter me casado com a pirata, ele a quer para si.

                A mulher levou as duas mãos à boca.

               Ela sabia que o duque sempre tiveram uma verdadeira obsessão por Iraçabeth e depois era fácil perceber que ansiava pela Víbora. Marie sempre falava que o marido estava enlouquecido pela jovem filha do Serpente.

               – Falou com seu avô? – Indagou temerosa.

              Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                – Como alguém pode ter tanto ódio da própria neta? Eu juro que não entendo…

               Viu Matias se aproximar dando ordens para os peões.

               Mel deixou o veículo e saiu pisando duro.

              – O que faz? – Indagou com as mãos na cintura. – Lembro bem que te mandei embora das minhas terras.

               O homem tirou o chapéu e baixou os olhos.

              – Senhorita Santorini, não quero problemas, seu pai me pediu para ficar aqui até que conseguissem outro capataz já que o outro pediu demissão.

               – Demissão?

              Marina foi até ela.

              – Sim, filha, tentei te avisar, porém não consegui entrar em contato e foi preciso falar com o seu pai.

               Os olhos dourados estreitaram-se.

               Realmente estivera durante quase um mês sem poder ir até aquele lugar ou saber do que se passava.

               – Mesmo assim não o quero aqui!

               – Recebi ordens do duque para ficar e ajudar até que outro chegasse. – Respondeu tentando não parecer grosseiro.

               – Essa fazenda é minha, e eu digo quem quero aqui.

                 Era possível ver a irritação do capataz, mas ele tentava mostrar uma serenidade que não tinha. Já abria a boca para retrucar, mas a voz de Ester chegou até eles.

                – Ora…ora… veja quem apareceu aqui, a mais nova casada do país... – Esboçou um sorriso debochado. – Engraçado que com o meu irmão sempre havia algum trauma para casar, mas bastou ser a pirata que tudo logo foi resolvido.

               Mel fitou a ex-cunhada descendo os degraus da casa grande.

            Fechava as mãos ao lado do corpo.

            O que ela fazia ali?

            Olhou para a babá que lhe enviou um olha de súplica. A empregada parecia temer por uma explosão da sua senhora.

                – Se soubessem que viria, tinha pedido para fazer um almoço especial.

               Marina segurou o braço da filha de Marie, mas a militar desvencilhou-se, saiu pisando duro até a outra.

               – Que faz aqui? – Questionou furiosa. – Eu lembro que disse que não te queria em minha fazenda.

                – Nossa, o seu casamento não mudou nada essa sua personalidade… Casou com a Víbora e não perdeu esse humor horrível… Ah, sim, você é apenas a esposa no papel porque na cama, a Samantha se divide entre muitas…

              Mel ainda pensou em esbofeteá-la, mas fechou as mãos ao redor do corpo, não iria cair nas provocações.

             – Saia da minha casa ou eu te tiro! – Disse por entre os dentes.

            – Não se preocupe, vou pegar minhas coisas e irei ficar com a Sam, afinal, trabalho para ela, não vai me deixar na rua. – Esboçou um sorriso. – Deveria estar mais feliz, eu casando com a pirata, nem da cama eu sairia… acho que você já teve ter provado… deliciosa…eu mesma sinto meu corpo arrepiar só em lembrar nossos encontros...

              A Santorini a ignorou, entrando na casa.

              Marina seguiu atrás da jovem, porém ainda parou e dirigiu um olhar irado para a irmã de Juan.

                Ester exibiu um sorriso vitorioso.



                Já era noite quando a Lacassangner terminou a reunião com alguns funcionários na usina. Ainda não tinha começado a operar, mas logo fariam, tinha contratado um administrador indicado por Miranda e pelo que via, o homem fizera um ótimo trabalho.

                  Estava no escritório arrumando a pasta para sair quando ouviu batidas na porta e não demorou para ver Ester.

               Viu a ex-amante em suas roupas provocantes. Nem parecia que estava em um lugar isolado como aquele, pois sempre se vestia de forma sensual.

               – Tudo está ótimo! – Ela disse colocando a pasta sobre a escrivaninha. – Vamos ter que nos encontrar com os clientes que já mostraram interesse no processo da cana.

                A Lacassangner fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto vestia a jaqueta de couro sobre a camiseta.

                – Vim te agradecer por ter me deixado ficar na capital para resolver meu divórcio. – Deu a volta e foi até a pirata. – Já estou divorciada e isso me deixou mais aliviada. – Tocou-lhe a face. – Sei que não devo me meter, porém fiquei surpresa com o fato de você ter se casado com a Santorini... A Olívia não é mulher para ti, além de te odiar, sabe que vive para te humilhar.

            A sheika umedeceu os lábios demoradamente.

            A última coisa que desejava naquele momento era falar sobre a filha do duque. Tentava a todo custo esquecer o que tinha acontecido na noite anterior, mas parecia que sentia cada vez mais forte com as lembranças do toque feminino.

               – Prefiro não falar sobre isso! – Cruzou os braços. – Acho melhor irmos embora, está tarde.

              A irmã de Juan se afastou, depois suspirou dramaticamente.

                – Tem algum problema de eu dormir por aqui hoje?

                Os olhos azuis estreitaram-se em confusão.

               – A sua esposa me expulsou da fazenda, jogou minhas coisas no pátio e deixou claro que não devo voltar lá.

             O maxilar da Sheika retesou-se.

              Então a militar já tinha chegado. Estava também por ali. Aquilo a deixava fervorosa e chateada.

            Ouviu a voz da Ester, então percebeu que não ouvira quase nada que fora dito, exceto o fato de não ter onde dormir.

              – Por que não vai até a cidade, deve ter algum conhecido, algum lugar para ficar.

              – Está tarde, Sam, pensei que seria liberada mais cedo, porém agora seria deselegante pedir hospedagem, ainda mais que alguns me olham mal por trabalhar para ti... Sem falar que prefiro evitar um escândalo na família da Mel.

              Samantha seguiu até a janela.

              A noite já tinha caído há muito tempo. Nem mesmo tinha percebido que já era tarde. Ficara tanto tempo ocupada que não prestou atenção a hora.

              – Durma hoje na minha casa e amanhã procure um lugar. – Disse por fim. – Vamos, já está tarde.

               Um sorriso se desenhou nos lábios de Ester. Seu plano estava obtendo o sucesso que pensara.



            Eliah ficou feliz em ver a tenente chegar em seu cavalo. Viu os seguranças que a acompanharam e logo foram dispensados para retornar à fazenda.

             – Pensei que só chegaria amanhã, minha senhora! – Entregou-lhe um copo de suco. – Sente-se!

              A Santorini só tinha ido até ali porque Miranda dissera para fazê-lo, afinal, era a esposa da pirata, não podia simplesmente agir como se não houvesse nada entre ambas.

               – Tudo está muito diferente desde a última vez que estive aqui. – Falou observando a decoração. – Gostei dos quadros.

               – Faz parte da reforma que fora feita, os aposentos também ficaram ainda mais acolhedores, tenho certeza de que vai gostar do seu quarto com a Samantha.

              A face da militar corou.

              Nem queria imaginar que dividiria os aposentos com a pirata. Não tinha parado para pensar no que tinham vivido na noite anterior, mesmo assim quando se recordava, sentia um arrepio em sua pele que chegava a assustar. Nem sabia como tivera forças para parar quando seu único desejo era prosseguir e se perder nas sensações que aquela mulher conseguia lhe fazer sentir.

                – Me ouviu?

                Fitou o homem e o viu com olhar perscrutador.

               – Perdão, me distraí.

               – Eu perguntei por que não trouxe sua bagagem.

               Antes que respondesse ouviu vozes e não demorou para ver a filha do Serpente chegar e tinha ao seu lado Ester e mais atrás a Belinda.

             Os olhos azuis da esposa lhe fitaram perscrutadores.

             Sentiu um arrepio na espinha pela intensidade daquele mar azul.

             – Agradeço por ter me deixado ficar aqui! – Ester depositou um beijo na face da pirata. – Você é a mais gentil de todas.

             – Belinda, ajude-a a se acomodar por essa noite.

             A loira assentiu, mas antes de seguir em companhia da outra, cumprimentou a militar com um gesto de cabeça.

              – O jantar já está pronto. – O pirata falou tentando quebrar o clima pesado. – Fizemos algo especial.

               – Não ficarei para jantar, amigo! – Mel disse levantando-se. – Acho que já fiz o papel de esposa vindo aqui... – Desdenhou.

               Antes que chegasse a porta, a pirata lhe segurou pelo cotovelo.

              – Mas eu ainda não fiz o meu papel de esposa. – Falou com olhar sarcástico. – Vamos conversar.

              A Santorini nem respondeu e já estava sendo praticamente arrastada pelo corredor da casa grande.

               Não protestou, apenas se deixou levar, estava tentando não perder a paciência naquele dia como acontecera na noite anterior.

               Samantha abriu a porta e soltou a militar.

                – Deveria ser gentil e aceitar o convite do Eliah, o coitado gosta muito de ti.

                 – Ah, sim, vou sentar à mesa entre você e suas amantes? – Indagou com sarcasmo. – Dispenso, Víbora!

                 – Não tenho nada com a Belinda! – Respondeu impaciente. – E quanto à Ester, convidei-a para passar a noite aqui porque você a expulsou da sua fazenda. – Apontou-lhe o dedo em riste. – Sinceramente achei totalmente desnecessária essa sua atitude, afinal, vocês se conhecem há muitos anos.

               – Está querendo explicar que não tem amantes, será que estou ouvindo isso? E pior, está me repreendendo por eu ter expulsado a sua querida?

              – Só estou dizendo que nenhuma das duas que estão aqui tem algo comigo. Não tenho nada com a Ester.

              – Não me importa, não quero saber de nada. – Fez um gesto negativo com a cabeça. – Se você tem ou não, isso é problema seu e não meu.

               – Falarei aos meus advogados sobre seu comportamento, vai ser ainda mais fácil o nosso divórcio.

            Os olhos dourados exibiram um humor asco.

             – Infelizmente não vai poder anular não é? – Provocou-a. – Afinal, você consumou.

              Mel seguia para fora dos aposentos, mas a outra lhe segurou.

               – Vai ficar aqui!

               – Não ficarei aqui com a Ester ao seu lado, aproveite sua ex-namoradinha.

               – Você é muito ciumenta! – Desdenhou. – Pensei que não se importava em ser humilhada.

                – Por mim você pode se deitar com o demônio, pirata, apenas não pense que fará o mesmo comigo.

              – Você é muito petulante e irritante!

             Mel se desvencilhou bruscamente.

              – E você uma devassa!

              – Não quero saber o que pensa, ficará aqui comigo, o nosso quarto está pronto.

             – Não quero saber o que você quer, Víbora, só não ficarei aqui. Não recebo ordens suas, quanto à Ester, sim, expulsei-a da minha fazenda e acha mesmo que vou ficar aqui quando a acolhe? 

               A Lacassangner passou a mão pelos cabelos, enquanto sentava na pontinha da escrivaninha com os braços cruzados.

             – Não podia simplesmente jogá-la na rua, tenente.

              – Engraçado sabe, essa mulher te traiu, te entregou ao meu avô depois de tudo parece ter muita consideração por ela… Sinceramente, Samantha, vocês duas se merecem.

               A filha do Serpente viu a esposa sair pela porta com ar irritado, pensou em ir atrás dela, mas acabou desistindo, sabia que teriam mais problemas e não tinha paciência para a rebeldia da herdeira do duque.

              Soltou um longo suspiro, permanecendo no mesmo lugar.

              

 

             Já passava da meia noite e Marina não conseguira dormir. Sentia-se angustiada. Ouviu vozes no pátio e rapidamente colocou o roupão sobre a camisola e saiu até a porta de entrada.

              Viu Matias tentando controlar o cavalo da Santorini.

               Os seguranças que estavam com a jovem aproximaram-se.

             – O que houve? – A empregada questionou.

               – O animal que a patroa estava montando apareceu na cidade e depois voltou para cá.

                  – Mas como assim? – A babá indagou apreensiva. – Se ela está na fazenda da Lacassangner não parece lógico não terem cuidado do animal lá. – Olhou tudo ao redor. – Vou ligar para a Lacassangner, quero ver se está tudo bem e avisar que o cavalo está aqui.

      

 

             Samantha não conseguiu dormir, por essa razão seguiu até a cozinha, decidiu tomar um suco. Estava pegando uma fatia de bolo quando ouviu passos. Virando a cabeça viu Ester vestindo uma minúscula camisola vermelha. Os cabelos estavam soltos, a face bonita trazia um sorriso sensual.

                A morena bebeu um pouco do líquido.

               – Senti sede e não tinha levado uma jarra para o quarto. – A irmã de Juan disse. – Espero não estar incomodando. – Disse com falso receio.

               – Fique à vontade. – A pirata falou, enquanto sentava e começava a comer.

                 – Não quis jantar… Se aborreceu com a mimada da Mel?

                – Na verdade eu estava cansada, esse foi o motivo de não ter comido. Apenas tomei um banho e deitei.

                 – Pensei que a Mel tinha feito um escândalo porque me viu aqui. – Suspirou. – Não entendo o motivo de ter se casado com ela, sabe bem que não gosta de ti, jamais aceitaria uma relação com uma pirata.

              O maxilar da morena enrijeceu.

              – Não estou dizendo que sou melhor que ela, afinal, agi muito errado contigo e até hoje me arrependo, nem se eu vivesse mil anos seria possível me redimir de todo mal que causei, porém eu gostava sim de ti… ainda gosto afinal…

               Samantha terminou de tomar o suco e levantou, mas Ester chegou ainda mais perto. Tomou-lhe a mão e levou-a até o decote.

               – Sinta como o meu coração bate quando estamos juntas…É como se nada mais existisse para mim, só você.

               A pirata sentia os seios sob seus dedos. Fitou os olhos claros que prometiam prazeres infinitos.

               – Não me importo com a forma que vai me ter, ou se serei apenas uma amante… só quero você.

                 Ester baixou as alças finíssimas da camisola e expôs o corpo bonito.

                  – Eu não quero nada em troca…– Segurou as amarras do roupão da outra. – Só quero te dar prazer… me deixe te fazer relaxar… lembra como eu conseguia te satisfazer… como reagia ao meu toque…Como vibrava com minhas carícias...Eu te quero tanto que sinto doer...

             Antes que Samantha pudesse falar algo, a porta da cozinha abriu-se e as luzes foram acesas.

             Ester arrumou a roupa, mas não parecia ter pressa em fazer.

             Eliah não escondia a reprovação em seu olhar ao fitar a Lacassangner.

            – O que houve? – A Sheika questionou tentando ignorar o olhar do homem. – Parece que ninguém consegue dormir nessa casa.

             – A babá da sua esposa – frisou a última palavra – ligou, ela pensava que a senhora tinha ficado aqui.

            – Como assim? – Samantha indagou temerosa. – A petulantezinha nem mesmo jantou aqui, como pensou que tinha ficado?

             – Ela tinha vindo para ficar, mas ainda pouco o cavalo que ela montava apareceu na fazenda e por isso achou estranho e ligou para saber se estava tudo bem.

              A pirata sentiu como se tivesse recebido uma pancada tão forte no peito que lhe faltou o ar durante alguns segundos. Só em pensar que algo pudesse ter acontecido com a Santorini era terrivelmente cruel para si. De repente começou a reviver a cena horrível de acordar e ver ao seu lado a esposa morta.

            O pirata percebeu a palidez da filha do Serpente.

              – Filha, vou falar com os homens para que se organizem para buscarem a jovem.

              Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. E saiu rapidamente da cozinha.



               Em menos de dez minutos havia um verdadeiro batalhão de pessoas procurando a filha do duque.

               Samantha foi a primeira a sair, nem mesmo trocou de roupa, montando em pelos saiu em disparada sem nem mesmo esperar alguém para acompanhá-la. Os cabelos negros eram emaranhados com o vento noturno. Usava uma lanterna e gritava o nome da esposa.




            Havia uma ribanceira entre as duas fazendas. Um barranco que dava no meu do mato. 

               Mel jazia caída entre espinhos desacordada. De repente os olhos dourados abriram-se em um despertar assustado.

                Olhava tudo ao redor. O céu já tinha uma coloração menos escura e conseguia ver onde estava.

               Observou as ervas daninhas que tinha ao seu redor.

               Lembrava-se do que tinha acontecido. Vinha cavalgando e o animal se assustou com algo, não sabia do que se tratara e acabou sendo derrubada. Rolou pelo barranco e não se recordava mais de nada, devia ter desmaiado.

                  Tentou levantar e praguejou alto ao sentir a dor lancinante. Voltou a sentar e quando se apoiou feriu as mãos nos espinhos.

                  Cerrou os dentes forte para não gritar.

                 Não demoraria para amanhecer e teria que arrumar um jeito de sair daquele buraco. Tinha treinamento militar, conseguiria se virar.

               Esticou a perna. Tinha fraturado, doía tanto que mal conseguia respirar. Retirou a bota, pois parecia que esmagava seu pé.

              Observou as mãos, estavam cheias de espinhos. Lentamente começou a tirar um a um.

              Sentia uma raiva tão grande dentro de si que começou a fazer o ato sem cuidado e logo feriu-se ainda mais, então parou.

                Arrastou-se um pouco até chegar a uma árvore para apoiar as costas.

                Tentava se mexer o mínimo, pois sabia que podia ter se machucado ainda mais. Ficaria ali e esperaria que o dia amanhecesse e quando isso acontecesse, tentaria se arrastar até a estrada, pois assim seria mais fácil que alguém lhe encontrasse. Fechou os olhos, tentando controlar a dor que estava sentido.

              Ouviu uma voz gritar seu nome, conheceu-a bem.

               Era a esposa!

               Bradou de volta, mas sentiu que a voz saiu tão fraca que a outra não ouviria. Gritou mais uma vez e mais uma vez e de repente o desespero caiu sobre si e iniciou um copioso choro. Chorava tanto que emitia altos soluços.

                Ninguém a ouviria. Teria que ficar ali e tentar buscar forças para conseguir sair daquele lugar.

                Ouviu o pio de uma coruja bem próximo de si.

              Tentou apurar os ouvidos para ver se ouvia algum som, mas não havia mais nada, só o silêncio.

              Lentamente tentou se apoiar no tronco de árvore e levantar o corpo aos poucos.

           Doía muito, era como se o osso tivesse se rompido.

            Baixou os olhos e observou a perna. A mesma que tinha machucado no campeonato no transatlântico.

              Umedeceu os lábios demoradamente.

              Tomou fôlego e voltou a bradar por ajuda.

              Sentiu vertigem, mas não voltou a sentar. Precisava tentar se afastar e seguir para um lugar visível. Buscava algo para usar como apoio e foi quando ouviu o chacoalhar característico das cascavéis.

               Prendeu o fôlego. Via o animal se aproximando e sentiu a impotência de não poder se mover.

                  Sabia que se fosse picada por aquela cobra teria poucas chances.

                   Tentava controlar a respiração e quando tentou dar um passo acabou caindo.

                 A cobra já estava pronta para o bote quando ouviu-se um estampido de um tiro.

              Os olhos dourados abriram em pavor e quando levantou a cabeça viu a esposa vindo em sua direção. Pensou se estava sonhando. Samantha usava um roupão de seda sobre uma calça do mesmo tecido, estava usando chinelas, os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo.

                 A Lacassangner sentia o coração bater tão rápido que temia sofrer um ataque cardíaco. 

             Tinha ouvido o grito da Santorini e chegara a pensar se estava tendo alucinações. Passaram toda a madrugada em busca da jovem e o dia já estava amanhecendo quando todos pareciam desanimados, mas ela tinha ouvido e tentou encontrar d eonde via o som. Não fora fácil, pois aquela parte era bastante acidentada e não era fácil chegar até ali.

                 Correu até a esposa, agachando, abraçou-a. Ouvia o choro baixinho em seu pescoço e pela primeira vez em muitos anos, a pirata agradeceu a Deus por tê-la encontrado.

                Arrumou-lhe os cabelos, viu a face toda machucada, havia arranhões por toda parte, decerto rolara por aquele barranco.

                 – Calma, meu amor, estou aqui e nada vai te acontecer. – Beijou-lhe os lábios rapidamente. – Você vai ficar bem.

               Mel não parava de chorar e não demorou para ouvir passos. Os seguranças tinham ouvido o tiro e correram em direção ao ocorrido.



             Naquele mesmo dia, Mel passara por uma cirurgia, pois realmente tinha quebrado a perna. Deixara o povoado no helicóptero e agora seguia descansando depois de sair da sala de operação.

               Samantha estava lá, Marina e Eliah também.

               A pirata parecia ainda preocupada com o que tinha acontecido, mesmo quando o pior já tinha passado. Sentia-se culpada pelo que tinha acontecido. Sentia uma angústia no peito quando lembrava da pele bonita toda arranhada. Se aquela cobra a tivesse picado nem sabia o que teria se passado.

            Ouviu passos e lá estava Sir Arthur. O olhar de ódio que lhe foi dirigido não passara despercebido.

             – Sua culpa! – Ele lhe apontou a bengala. – Tudo isso aconteceu por sua culpa.

               Samantha levantou.

               – Sim, eu tenho culpa, mas o senhor e o duque ainda são mais culpados, pois foram vocês que a trouxeram para essa guerra. – Disse controladamente. – Se tivesse deixado a tenente fora disso tudo, nada disso teria acontecido.

             O almirante levantou a cabeça de forma orgulhosa, mostrava bem sua indignação.

              Marina aproximou-se.

              – A Mel está bem, senhor, e graças a senhora Lacassangner que a achou antes que o pior acontecesse.

              Arthur olhou a neta com desdém.

             – Ela já é o pior na vida da minha neta.

             Samantha relanceou a sobrancelha em ironia e depois deixou a sala de espera.




            Mel tinha despertado depois de passar quase vinte quatro horas  sonolenta. Abriu os olhos devagar e viu Marina e Sir Arthur lá.

              Esboçou um sorriso.

              – Graças a Deus está bem! – O almirante exclamou segurando-lhe a mão. – Vamos para a mansão, eu mesma quero acompanhar sua recuperação de perto.

           Ela fez um gesto negativo com a cabeça. Em parte não queria retornar para o lado da esposa, mas não podia fazer isso, já tinha entrado naquele jogo e iria até o fim.

              – Ficarei com a Lacassangner. – Flou baixo. – Preciso ficar...

             Os olhos do Santorini pareciam perplexos.

                – Quase morreu por culpa dessa mulher.

            A militar observava o quarto, a janela que deixava o ambiente iluminado. Ouvia o som de carros.

            Baixou os olhos e viu a perna.

            Soltou um longo suspiro.

              – Ela não teve culpa do cavalo ter se assustado.

              – Ela não teve culpa? – Falou um pouco mais alto. – Fiquei sabendo que foi até a fazenda da maldita para ficar e voltou, imagino o que possa ter acontecido, deve ter encontrado-a com as muitas amantes que têm.

           Mel respirou fundo.

           O avô já devia até mesmo saber da Ester naquele momento. Enviou um olhar de exasperação a Marina.

             – O senhor sabe que ficarei ao lado dela, sabe bem que para que isso não aconteça o senhor terá que fazer a sua parte.

             – Insiste com isso? – Questionou irritado. – Seu pai nem veio aqui por causa dessa maldita Víbora, não entende que essa mulher destruiu nossa família?

             – Acho que já basta, Sir, a Menina passou por uma cirurgia e precisa descansar.

             O homem olhou para a empregada furioso, mas acabou acatando o que ela disse e logo deixava o quarto.

               Marina lhe beijou a face.

               – Fiquei tão assustada com o que te aconteceu e muito irritada com a pirata pelo que se passou, porém depois a perdoei por ter te encontrado.

             A militar fez um gesto afirmativo com a cabeça. Estava com a mente um pouco confusa, mas ainda lembrava bem de quando viu a filha do Serpente em seus trajes de dormir com a arma apontada após ter matado a cascavel. Recordava-se dos olhos azuis que pareciam diamantes a brilhar, de como se sentira segura em seus braços.

               Meneou a cabeça.

             – Por que foi contar ao meu avô que eu tinha ido até a fazenda da Samantha e não tinha ficado?

              Marina ficou em silêncio por alguns segundos. Parecia ponderar se deveria ou não falar, mas acabou falando.

               – No povoado estão dizendo que você encontrou a pirata com a Ester e por essa razão saiu enlouquecida e acabou sofrendo o acidente.

             – Quem disse isso?

            Antes que a babá pudesse responder, a porta abriu-se e lá estava a mulher que era responsável pelo mesclado de sentimentos que a filha do duque sentia.

             Os olhos se encontraram de forma tão intensa que pareciam querer fundir-se.

             Mel observava a calça preta colada às pernas.  A camiseta e a jaqueta vermelha de couro. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo como quando lhe salvara, usava os óculos de aros dourados.

             – Acabei de falar com o médico e ele me disse que amanhã mesmo já pode deixar o hospital. – Disse simplesmente aproximando-se. – Falei com seu avô, ele insiste que fique na mansão, então pensei…

             – Não me importa o que tenha pensado, ficarei na cobertura, se for de sua vontade, volte para a sua fazenda, afinal, tem hóspede que precisa da sua atenção.

            Marina fitava as duas mulheres com crescente apreensão. Olhava-as e percebia como o destino tinha sido escrito de forma que ambas se encontrassem naquele jogo complicado e em lados opostos, porém mesmo assim, havia algo mais no olhar de ambas, talvez a Santorini estivesse ferida, irritada, mas também podia ver o amor ali presente, quanto à filha de Iraçabeth, essa parecia temerosa, mesmo querendo mostrar só a arrogância.

            Ela era tão parecida fisicamente com a mãe que olhando-a lhe trazia lembranças da herdeira do almirante.

            -- Não vou discutir nesse momento, não acho que seja a ocasião certa. – Suspirou impaciente. – Estarei na capital, prefiro acompanhar de perto sua recuperação.

            Mel relanceou os olhos em tédio.

            -- Sou médica, não sei se lembra, então saberei bem como me cuidar.

            A pirata fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Desejo que a minha babá fique comigo e que a Sorte também.

            A morena olhou para a empregada e fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Se é isso que deseja, seja feita sua vontade. – Esboçou um meio sorriso. – Ficarei lá fora, se precisar de algo, basta pedir para me chamar.

            -- Não é necessário que fique, estou muito bem.

            Samantha deu de ombros, deixando os aposentos.

            Marina segurou a mão da herdeira do duque.

            -- Por que foi tão áspera? Eu vi como estava preocupada a senhora Lacassangner, passou toda a noite lá na recepção sentada, veio ao seu lado no helicóptero e não deixou o hospital nem mesmo para descansar.

            A Santorini engoliu em seco.

            -- O problema, bá, é que eu não sei lidar com a Víbora, ela age o tempo todo como uma devassa... – Umedeceu os lábios demoradamente. – Odeio-a... Sinto muita raiva dela.

            -- Então por que se casou?

            -- Porque eu pensei que fosse uma forma para pressionar o meu avô a me ajudar a protege-la e não permitir que meu pai se aproxime... Ele está obcecado por ela e temo que a fira...

 

 

            Alguns problemas aconteceram e o cirurgião só decidiu liberar a paciente uma semana depois.

            Eliah estava na sala e parecia estonteante ao ver a porta abrir e aristocrata aparecer ao lado de Marina e Miranda.

            -- Seja bem-vinda a sua casa, minha senhora, estarei a sua total disposição para que se recupere rapidamente.

            A jovem sorriu.

            -- Obrigada, Eliah, essa é a minha babá, você já a conhece de vista, vai ficar aqui comigo e a Sorte.

            A gatinha estava sobre o colo da enferma.

            -- Seja bem-vinda, senhora. – O pirata sorriu timidamente. – Sinta-se em sua casa e quanto a essa danadinha – pegou a felina – pode se sentir como dona que vou amar.

            A empregada pareceu corar diante da gentileza e acabou apenas fazendo um gesto de assentimento.

Mel sorriu ao ver a gatinha se acomodar nos braços do pirata.

            Miranda empurrava a cadeira de rodas.

            -- Bem, deseja ir para o seu quarto? – A chefe do departamento indagou. – Sabe que não pode se esforçar.

            -- Não, eu não quero me deitar, estou cansada de ficar deitada, ficarei aqui mesmo, acho que vou ler um pouco.

            A Maldonado fez um gesto afirmativo, pegando as muletas, entregou-a.

            Mel apoiou-se e depois de alguns segundos caminhou e sentou na poltrona.

            -- Tome cuidado, não deve abusar de ficar se movendo de um lado para o outro. O cirurgião já deixou claro que todo cuidado é pouco nesse seu caso.

            Eliah levou Marina para se acomodar nos aposentos que lhe foram reservados, deixando as duas mulheres sozinhas. O animal começava a explorar o apartamento, reconhecendo o lugar.

            Miranda sentou-se.

            -- Eu sei que está chateada com a Samantha, porém não deve esquecer que para ela tudo isso é bastante complicado. – Soltou um longo suspiro. – Ela quase me matou quando você estava no hospital, pois acredita que se não estivessem casadas nada teria acontecido contigo.

            A militar mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente.

            -- Eu gostaria tanto que vocês se ajeitassem, pois sei que se gostam...

            -- Ela não gosta de mim! – Interrompeu-a. – A sua protegida gosta do sexo, isso que ela gosta, então ela tem uma fila de mulheres para lhe dar o que deseja.

            A Maldonado semicerrou os olhos.

            -- Então vocês consumaram o casamento? – Indagou entusiasmada.

            A face da Santorini tingiu-se de vermelho. Desviou o olhar dos perscrutadores da chefe do departamento. Suspirou impaciente.

            -- Conseguiu obter contato com a Cristina? – Perguntou mudando de assunto.

            Há dias não conseguia ter contato com a amiga.

            -- Fora mandada de volta à ilha, consegui essa informação. – Levantou-se. – Acho que vai demorar retornar.

            -- Com certeza o papai decidiu agir contra ela.

            -- Pedirei que a Virgínia vá até lá para saber como tudo está.

            A tenente fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Preciso ir agora, tenho que ir até a costa norte, há alguns fatos para investigar. – Beijou-lhe a testa. – Qualquer coisa pode me ligar... e tente entender a Víbora...

            Mel apenas assentiu.

 

 

            Dois dias se passaram do retorno da herdeira do duque à cobertura. Fernando não tinha ido visitar a filha, sua raiva não parecia ter diminuído.

            -- Eu disse para ela se afastar! – Rosnava o aristocrata para Sir Arthur.

            O almirante estava jantando quando recebeu a visita furiosa do ex-genro.

            -- Ela fez para me desafiar, porém a Mel vai se arrepender amargamente de tudo o que fez.

            -- Ela é sua filha! – O militar levantou-se da cadeira, apoiando as mãos sobre o tampo da mesa. – Não permitirei que faça nada com a minha neta!

            Os olhos castanhos do duque mostravam uma irritação sádica.

            -- Qual delas? Porque sabemos que a sua neta é a pirata, essa, eu tenho planos maiores, quanto à mimada da Mel, vou fazê-la se arrepender de tudo o que fez, ela vai amargar dia após dia...

            Arthur ainda abriu a boca para protestar, porém o outro já tinha saído.

            O almirante socou a mesa.

            Tudo isso nunca teria acontecido se a maldita Víbora não tivesse retornado. Poderia ter morrido naquela prisão no oriente ou ao lado da esposa, assim nada disso estaria ocorrendo.

 

 

            -- Filha, está frio aqui, acho melhor que volte ao seu quarto.

            Mel estava entediada e mais uma vez perdera o sono, por essa razão, mesmo sabendo que não devia, seguiu até a área da piscina e estava lá, deitada em uma espreguiçadeira lendo um livro.

            -- Ah, não, babá, não estou com sono e gosto de ficar aqui vendo as estrelas e lendo o meu livro.

            Marina cruzou os braços sabendo que não convenceria a filha de Marie.

            -- Vou arrumar algumas coisas na cozinha, se precisar de algo é só chamar.

            A Santorini fez um gesto afirmativo com a cabeça e voltou sua atenção para o livro.

            Soltou um longo suspiro.

            Há uma semana estava ali e ainda não tinha cruzado com a Lacassangner. Chegara até a duvidar que ela estivesse na capital, mas Eliah tinha afirmado que a pirata estava na cobertura, apenas que saia muito cedo e quando voltava, muitas vezes, já era madrugada. Decerto, estava com suas amantes.

            -- Uma vagabunda!

 

            Samantha estava nos aposentos que o amigo tinha arrumado para si. Não podia continuar a dormir no escritório. Naquela noite não saíra, não estava com paciência para ir a lugar nenhum, então chegara às dezenove e desde então estava em seu quarto. Tinha saído do banho, seguindo até a garrafa quase vazia de vinho.

            Encheu uma taça e bebericou sem pressa.

            Sentia-se inquieta naquele dia. Agoniada, ansiosa...

            Caminhou até a janela e ficou lá a observar a noite.

            Meneou a cabeça e logo deixava os aposentos pisando duro.

 

 

            A brochura de capa dura estava aberta sobre o colo da convalescente. Ela mantinha os olhos fechados, parecia estar dormindo, mas ouviu passos e ao fitar na direção do som viu a mulher que há dias não encontrava. Observou o roupão de seda preta que usava, os pés descalços e os cabelos soltos. Como de costume usava os óculos. Desde que a encontrou no hospital, não tinham mais se visto...


 

Comentários

  1. Pela deusa, que capítulo foda. Estava escrevendo e até parei para ler o cap, comemorei quando vi a atualização... Nossa, tô muito ansiosa pelo próximo.

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  2. Se a Víbora não se cuidar vai levar na cara de novo, a Mel é terrível, ela meio que esquece que forçou um casamento, e a Samantha com o gênio que tem não iria deixar barato. Ai ai! Fortes emoções! Adoro!

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  3. "Desejo e fúria" parece o nome de uma nova aventura, dessas no estilo Geh de escrever. Amo!

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  4. a Sam paga de durona, mas acaba sendo cadelinha da Mel.

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