A víbora do mar - Capítulo 22 -- Relutâncias


Sir Arthur estava em seu escritório, observava os documentos que precisaria entregar no dia seguinte para os advogados. Logo deixaria a marinha, apenas continuaria a ocupar o cargo de conselheiro de missões diplomáticas, função de grande importância no meio militar.

            Servira a vida toda àquela instituição e se aposentaria com honrarias pela dedicação que sempre mostrara ao ocupar seu trabalho. Sentia-se orgulhoso e honrado. Seria homenageado nas próximas semanas e um quadro seu seria colocado no corredor das celebridades militares. Confessava que não fora fácil chegar naquela posição, mas conseguira e jamais abriria mão disso.

            Viu o porta retrato com a imagem da esposa.

            Segurou-o... Via as linhas delicadas da bela mulher que passara boa parte da vida ao seu lado. Depois de viúvo, jamais quisera se relacionar novamente. Amara-a bastante, porém a culpara pela filha que lhe fora dada. Tudo teria sido mais fácil se tivesse tido um herdeiro homem. Não teria enfrentados os problemas que ainda o perseguiam em relação à Iraçabeth. Nunca perdoaria a única herdeira por ter fugido com o maldito pirata, por ter desonrado seu nome que sempre impusera respeito, por ter trazido ao mundo a bastarda Samantha.

            Bateu com o punho fechado contra a escrivaninha.

            Deveria ter mandando matar Otávio e não apenas vê-lo se tornar um dos maiores piratas da modernidade.

            Tenente Otávio Augusto Lacassangner, prestigiado no meio militar, mas sem um único vintém. Era órfã, perdera o avô para o vício da bebida e fora com muito esforço que conseguira entrar nas forças marítimas. Simpatizara com o rapaz. Era corajoso, destemido e de muita inteligência, mas nunca aceitaria que um zé ninguém sem nome se relacionasse com alguém do seu sangue.

            Lembrava-se do dia que os olhos tão azuis cruzaram com os da única herdeira. Preocupara-se de imediato, pois percebera o interesse da filha que sempre se mostrara relutante em aceitar qualquer pretendente, mas com o morto de fome ela quisera namorar.

            Jogou a imagem da esposa longe. Levantou-se.

            Nada ficaria em seu caminho. Uma vez errara por ser covarde, mas agora tudo seria diferente em relação à neta.

            Se tivesse conseguido livrar-se dela, não seria uma ameaça para seus planos, mas falhara em todas as ocasiões, não conseguira destruí-la e agora tinha que conviver com suas aparições públicas e sua falta de vergonha. Deveria proteger seus interesses, mesmo diante da obsessão do duque.

            Graças aos céus fora abençoado com Olívia, era grato por ter acolhido Marie como filha e ter recebido o prêmio de uma jovem perfeita. Em breve, ela casaria e seguiria ao lado do marido, não permitiria que nada daquela história vã e suja a afetasse.

 

 

            A mansão dos Braganças era bastante cuidada, mesmo com a morte dos pais, os herdeiros fizeram questão de preservar o valioso bem.

            A construção de três andares ocupava quase todo um quarteirão. Toda gradeada, exibia jardins frondosos.

            Ester descia as escadas quando se deparou com o irmão no térreo, parecia espera-la impaciente.

            Olhou-o.

            Era bonito, mas fraco e estúpido em relação aos negócios e ao próprio casamento. Era fácil notar que a filha de Fernando não desejava casar-se, percebia em seu olhar que não tinha nenhum tipo de paixão pelo irmão, diferente do que notara na última vez que estivera com a Lacassangner. Conseguira notar nos olhos dourados um fogo diferente, ciúmes?

            Teria acontecido algo entre as duas mulheres no período do sequestro?

            Conhecia bem a filha do Serpente, era uma sedutora nata, havia muita sensualidade e beleza presentes, seria fácil de seduzir qualquer uma, mesmo uma que sempre demonstrara frieza. Seria uma ironia e tanto se algo assim tivesse ocorrido.

            Chegou no degrau que estava o irmão.

            -- Para onde está indo? – Ele questionou ao vê-la toda arrumada e com uma mala.

            -- Vou até o povoado, diga a sua noiva que ficarei hospedada na fazenda. – Depositou um beijo na face do irmão. – Imagino que ela não vá se incomodar, afinal, sou a cunhadinha querida. – Piscou debochada. – Espero que até o meu retorno a data do seu casamento esteja marcada.

            Juan nada respondeu.

            Também estava impaciente com a relutância da noiva de subir ao altar. Sempre desconversava quando tocava no assunto. Acabara ficando no país por tempo indeterminado, mesmo tendo assuntos particulares para resolver.

            Passou a mão pelos cabelos molhados.

            -- Vai atrás da vagabunda?

            Ela soltou um longo suspiro.

            -- Não diga isso da maravilhosa sheika, não esqueça que ela tem muito dinheiro, quem sabe não a convenço a te ajudar com suas dívidas.

            -- Pensei que seu interesse fosse apenas auxiliar Sir Arthur... – Alertou-a. – Não deve brincar com o almirante.

            -- Sir Arthur não tem nada para me oferecer, então tenho os meus próprios planos. – Entregou-lhe o celular. – Mande mensagem para sua noivinha arrogante, diga que irei me hospedar na fazenda, que os empregados arrumem tudo para minha chegada.

            Mesmo a contragosto, ele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

 

 

            Não havia muito movimento no hospital da marinha naquele início de semana. Poucas ocorrências, apenas consultas de rotinas ocupara grande parte da manhã.

            A enfermeira tinha entrado na sala da médica, filha do duque, levara alguns prontuários, enquanto a tenente atendia o último paciente do período matutino.

            Mel tinha acabado de atender a uma criança. Não era nada grave, apenas o caso de um menino de quatro anos que tinha comido quase todo leite em pó do recipiente e ganhara de prêmio uma baita dor de barriga. Riu da situação, pois o pequeno ainda questionara sobre a sobremesa do almoço.

            Medicou-o, liberando-o logo em seguida.

            Observava os relatórios que fora deixado quando ouviu batidas na porta.

            Acomodou-se em sua cadeira, depois deu permissão para que o visitante entrasse, vendo a imagem da amiga aparecer toda sorridente.

            -- Vamos almoçar? – A fisioterapeuta convidou, sentando-se. – Eu estou faminta, mas queria ir até um restaurante, estou enjoada da comida daqui. – Podemos ir a um restaurante japonês ou uma feijoada...

            A Santorini não respondeu de imediato, pois o bip do celular alertou para uma mensagem. Leu-a e um vinco surgiu entre as sobrancelhas aparecia.

            Voltou a olhar a mensagem e antes que recebesse uma ligação, respondeu.

            -- Tudo bem? – Cris indagou preocupada. – Parece chateada...

            Ela colocou o aparelho móvel sobre a mesa. Meneou a cabeça, enquanto soltava um suspiro.

            -- Juan me avisou que a minha adorável cunhada está indo para o povoado e que ficará hospedada na fazenda... Não sei por qual motivo, ela odeia o campo, mas agora cismou de ir para lá.

            A fisioterapeuta girava na cadeira, enquanto exibia um ar de Sherlock Holmes.

            -- Ora, isso significa que a pirata está lá, não acredito que a Ester iria par aquele fim de mundo se não fosse atrás da Lacassangner. Ela é muito esperta, está jogando com todas as fichas que tem... A filha do Serpente deve ter retornado e a Bragança foi lá se oferecer.

            Mel assentiu afirmativamente, mesmo que tivesse evitado pensar nessa possibilidade, sabia que era o mais lógico.

            Bocejou, cobrindo a boca com a mão.

            Não conseguira dormir nada na noite anterior. Estava cada vez mais encurralada diante das últimas descobertas, sem saber como agir e como deveria seguir diante de todas as revelações. Jamais passara por sua cabeça que a Víbora era na verdade neta de Sir Arthur, a verdadeira neta do almirante. Havia confusão em seu interior, sem falar nas sensações que temia dominar-lhe o pensar e o agir.

            Então a pirata estava no povoado.

            Ester não deixaria que ela escapasse. Vivia atrás da morena e agora não parecia se importar se o marido sabia ou não das suas ações.

            -- Isso não me importa, ambas se merecem! – Disse fazendo pouco caso. – Que sejam felizes no mundo podre que estão construindo.

            -- Eu não acho, mas não vou discutir sobre isso. – Tirou uma maçã da bolsa e começou a comer. – Já pensou o que vai fazer? – Deu uma pausa para dar uma mordida. – Eu te aconselho a falar com a Samantha, eu tenho certeza de que ela também sabe da própria origem, acho que ela tem muito a falar e você deveria lhe dar uma oportunidade.

             A médica tirou o estetoscópio do pescoço e ficou a manipulá-lo em suas mãos. Parecia uma criança curiosa, manipulava o objeto, olhando-o como se nunca tivesse visto.

            -- Não acho que deva falar com ela, ainda mais quando nem falei com o vovô nem com o papai. Com certeza ela vai mentir ou inventar histórias. – Respondeu sem encarar a outra.

            -- Não acredito nisso! – Disse mostrando indignação.

            -- Você não entende, Cris... – Mirou-a. – Você não entende...

            -- Eu entendo muito mais do que você pensa. – Levantou-se, depois posicionou-se por trás da amiga e iniciou uma massagem em seus ombros. – Depois de tudo que ficou sabendo deveria dar um voto de confiança na Víbora, afinal, ela poderia ter contado para todos quem era, mas não o fez. Imagina o escândalo que seria se ela tivesse feito isso, porém não o fez...Sir Arthur teria muito que explicar...

            A jovem militar parecia ponderar, enquanto se aprumava para receber o toque nos ombros que estavam doloridos.

            -- E se ela não souber a verdade? – Levantou a cabeça para encarar a amiga. – Essa é uma possibilidade, ela não saber a verdade... Poderia ser um segredo até mesmo para ela... Um segredo...e se eu falar, vou estar lhe dando armas para lutar.

            -- Não acho... – Depositou um beijo na testa da tenente. – Sabe que fiquei pensando a noite toda, me imaginando no lugar dela, pensando em como me sentiria se soubesse que meu próprio avô me despreza e pior, que me perseguia desde a adolescência.—Fez uma pausa na massagem. – Sabe, eu ainda não consigo acreditar que Iraçabeth e Samantha não são a mesma pessoa... Só os olhos que deve ter herdado do pai...

            A filha do duque não disse nada, mas também pensara em tudo o que a amiga estava a falar. Eram idênticas, tão parecidas que chegaria a ser difícil não as confundir.

            -- Mel, o que pensa em fazer?

            Ela não sabia, não conseguia pensar em nada. Mesmo que dissesse que nada tinha mudado com aquela informação, sabia que não era verdade. Não conseguira conciliar o sono, cogitando inúmeras possibilidades, pensando se o ataque a mãe não tinha sido uma espécie de vingança ou se fora uma armação para condenar a filha do Serpente. Havia tantas ideias e suposições lhe perturbando que temia perder o controle da sanidade.

            -- Fale com a Samantha, tente ouvi-la. – Insistiu.

            -- Por que é tão importante que fale com ela? – Questionou aborrecida. – O que vai mudar isso?

            -- Porque eu sei que mesmo que se negue, você precisa conversar com ela, tentar esclarecer tudo.

            -- Eu não desejo falar com a Víbora, não desejo... – Negou veemente.

            -- Por que não? Tem medo?

            A Santorini tamborilava os dedos sobre a escrivaninha de forma impaciente. O que falaria? Nem saberia se portar diante dela, não saberia como agir, o melhor era manter distância.

            Remexeu-se na cadeira impaciente.

            -- Não quero vê-la, não desejo encontra-la, sempre que a vejo tenho problemas sérios.

            -- Porque a deseja...

            -- Sim, porque eu sinto desejos...mas não quero sentir...Estou noiva...Somos inimigas e também não me relacionaria com uma vagabunda. – Baixou os olhos. – Não entende como tudo isso está me afetando? Estou assustada...

            Cristina voltou a acomodar a cadeira de frente para a jovem. Olhava-a com curiosidade crescente. Inspecionava cada reação que a filha do duque esboçava. Parecia querer tirar suas conclusões.

            Observava os olhos dourados demonstrar inquietação, então decidiu arriscar:

            -- Sente tanto desejo assim? Como é beijá-la? Ela tem uma boca bonita... Grande... – Começou a provoca-la.

            -- Chega, Cris – Disse levantando-se -- não seja boba, não vou ficar falando sobre isso, já disse que não vai mais acontecer.

            -- E por que não? – Questionou escandalizada -- Vocês nem transaram ainda, precisa concretizar tudo, assim vai se sentir melhor... – Baixou o tom de voz. – Quando sentimos muito desejo precisamos concretizá-lo, só assim saberemos o rumo que vamos seguir... Enquanto estiver assim, vai acabar ficando enlouquecida...

            A tenente sentiu a face corar.

            -- Você é louca!

            -- Louca? Mel, só se vive uma vez, dê para ela e concretize seus desejos... Depois você volta a odiá-la, mas antes aproveite...Faça várias vezes, faça até sentir que não aguenta mais... Deixe ela te dar prazer...depois você pensa...

            A médica deu a volta na mesa, parando na cadeira que ficava do lado da fisioterapeuta, porém não sentou.

            Olhava para a companheira da marinha, sentindo-se ainda mais constrangida. Não costumava falar sobre sexo abertamente, sempre fora muito centrada e fria nesse sentido e agora ouvir aquelas frases, deixava-a ainda mais perturbada.

            -- Já chega, Cristina, você é doida, eu não irei dar nada para ninguém, estou noiva e em breve vou me casar. Envergonho-me de ter permitido que essas coisas acontecessem e farei de tudo para que não aconteça novamente.

            -- Vai deixar o caminho livre para a atirada da Ester?

            -- Como se existisse apenas a Ester, porque eu até perdi as contas das amantes daquela mulher. – Retrucou aborrecida. – Ela tem um harém para lhe satisfazer os obscuros anseios.

            -- Está com ciúmes! – Exclamou chocada. – Eu vivi para te ver com ciúmes, eu sempre imaginei se havia alguma coisa dentro de ti além desse seu jeito sério e ante-sexo. – Riu. – Mesmo que tenha várias, é nítido que ela te quer.

            -- Ah, sim, como quer as outras! – Respirou fundo. – Não sou lésbica e se fosse, acredite, não iria para cama com a mulher que é inimiga mortal da minha família, da mulher que leva a culpa pela morte da minha mãe e também não estou com ciúmes! – Falou a última frase um pouco mais alto.

            -- Eu não conheço a sheika intimamente, mas eu tenho certeza de que ela não é culpada pelo o que ocorreu com a tua mãe.

            -- Então quem o fez?

            -- Já parou para pensar que está perdendo tempo quando centra suas investigações em cima da pirata? Talvez, o assassino esteja livre e você condenando a Samantha.

            -- Eu não quero ouvir mais nada. – Cobriu as orelhas. – Você está fascinada por essa bandida e só abre a boca para defende-la.

            -- Eu acho que quem está fascinada por ela é você, amiga. – Levantou-se. – Perdi a fome, nos veremos mais tarde.

            A herdeira do duque sentou-se pesadamente na cadeira. Também não tinha vontade de sair para comer, tinha trazido um sanduíche e ele serviria.

            Pegou o pen drive e colocou no notebook que já estava ligado, virou-o para si. Ficou observando cada uma das imagens, pensando se Ana estava certa e se realmente Fernando tinha algum tipo de interesse sexual com a Lacassangner.

            Meneou a cabeça tentando espantar os pensamentos caóticos.

            Não, isso não podia ser verdade.

            Maximizou a foto, uma das mais belas que já tinha visto da bela sheika. Ela vestia-se com um dos elegantes vestidos, exibia um sorriso misterioso e usava os óculos que a deixava ainda mais bonita.

            Passou a mão pela tela.

            Não podia voltar a tocá-la, tampouco permitir que ela a tocasse, pois sabia que não controlaria o desejo que chegava a lhe queimar em seu interior.

            Respirou fundo.

            Filha da Iraçabeth...

 

 

 

            -- Acho que não vai demorar para que a senhora veja a usina funcionando. – O engenheiro dizia.

            Caminhavam lado a lado, observando os trabalhadores cuidando de toda as instalações. A moenda de cana industrial estava quase pronta para uso. Tudo estava sendo limpo e cuidado para quando fosse inaugurada.

            Samantha tinha ido visitar o lugar.

            Retornara para a fazenda e seguia fazendo as mudanças que pensara.

            -- Já pensou como vai conseguir as canas de açúcar para serem usadas?

            -- Ainda não, preciso conversar com alguns fazendeiros.

            Sabia que essa parte não seria tão fácil, afinal, havia toda a revolta de todos contra sua pessoa naquele pequeno lugar.

            -- A fazenda Santorini é a melhor, tem uma produção que fornece para inúmeras usinas. – O engenheiro sugeriu. – Poderia falar com eles, será a garantia de colocar em funcionamento seu empreendimento.

            Ela não respondeu, apenas ficou a observar as instalações das máquinas. Não tinha interesse em fazer negócios com a família do almirante. Sabia que seria uma perda de tempo uma possível proposta, mesmo que fosse uma forma de irritar o avô.

            Seguiu pelas escadas, observava os empregados levando os móveis para a sala que seria usada como escritório.

            Viu um jipe estacionar no pátio. Quem poderia ter ido até ali? Pediu licença e seguiu até lá.

Observou Ester deixar o veículo, caminhando até a pirata.

            Samantha nem teve tempo de reagir, sentiu os lábios femininos lhe beijarem, depois a abraçou.

            Cerrou os dentes demoradamente, enquanto focava a atenção no dia ensolarado.

            O pátio estava limpo, não havia mais os matos que não permitiam nem a mesmo que pudessem caminhar. Um trator estava estacionado.

            -- Eliah me disse que estava aqui. – Acariciou-lhe a face. – Vim correndo para a fazenda quando soube que estava na região.

            A Bragança ficou encantada ao ver a filha do Serpente em sua calça de couro preta, coladas, botas marrons, camiseta e uma sobretudo longo. Os cabelos negros estavam presos em um rabo de cavalo, usava os costumeiros óculos de grau.

            A Lacassangner a observava.

            Era uma mulher muito bonita, mas não sentia nada por ela. Nem parecia que já fora apaixonada pela Bragança.

            Observou o decote que expunha os seios bonitos no vestido justo e curto. Não parecia uma roupa para se usar ali.

            -- Não precisa me olhar desconfiada. – Segurou-lhe a mão. – Confesso que já fui muito procurada para te armar uma armadilha, mas não quero, estou disposta a tudo para te mostrar que te amo de verdade.

            A sheika olhava tudo ao redor. Não gostava da presença da cunhada da tenente, tinha a impressão que estava sempre a tramar algo.

            -- Imagino que Sir Arthur foi um dos que quiseram seus trabalhos... – Desdenhou. – Acho que acredita que o raio cairá duas vezes no mesmo lugar...Deveria desiludi-lhe.

            A irmã de Juan mordiscou a lateral do lábio inferior.

            -- Não só ele, a minha cunhadinha me ofereceu muito para que eu te seduza...Ela te odeia, está disposta a te fazer pagar caro...Sabe que ela já me procurou várias vezes dizendo para eu te levar para a cama...

            Os olhos azuis estreitaram-se ameaçadoramente. Arrumou alguns fios do cabelo por trás da orelha.

            Não queria ter mais contato com a herdeira de Fernando. Não tinha mais paciência para lidar com suas arrogâncias e acusações. Desde o último encontro, sentia-se profanada, desejando fazê-la pagar por sua forma de agir. Dividia-se entre a vontade de afastar-se e a ânsia de fazê-la envergar-se diante de si.

            Quando encontrara a esposa deixara para trás todos os planos de fazer todos que a feriram pagar. Deixara as mágoas de lado, concentrando-se apenas em poder viver aquela relação calma e cheia de amor. Quando a perdera barbaramente, deixara de viver, tudo perdera o sentido e a única coisa que ansiara era poder morrer enclausurada nas paredes frias da penitenciária, tudo tinha mudado quando retornara ao país e mesmo que tentasse não agir de forma que condenaria, a Santorini parecia conseguir despertar o pior que tinha dentro de si.

            -- Até a militarzinha fez isso...

            -- Sim, porque ela sabe o que tivemos, então pensou que seria uma coisa boa...Eu sempre achei a Mel estranha, sabe, acho que é frígida... Meu irmão sempre reclamara da forma que ela se comportava na intimidade, um robô...

            Samantha não gostara de ouvir o comentário deselegante, tampouco sentira-se bem em pensar que a Del Santorra tinha intimidades com o noivo.

            Ficou olhando a paisagem como se estivesse tentando manter a tranquilidade.

            A tenente não era fria...Não mesmo...

            Observou a Bragança a lhe encarar, preferiu não tecer comentários, seguindo para o interior da usina, tendo ao seu lado a ex-amante.

            Seguira até a sala que estava pronta para ser usada como escritório.

            Já havia uma escrivaninha, uma cadeira de couro e as janelas panorâmicas estavam sendo arrumadas. Seria um ótimo ambiente de trabalho quando estivesse pronta. Já mandara que fizessem um suporte para colocar as espadas que tinham em coleção, principalmente uma em particular.

            Sentou-se.

            Olhava para a antiga namorada e percebia como ela parecia pronta para reiniciar o romance que ela mesma interrompera. Não a queria, não sentia nada ao tê-la por perto, era como se fosse o um ser insignificante. Seu corpo não demonstrava nenhum desejo...

            Fitou a aliança que ainda trazia em seu anelar esquerdo. Tocou-a, girando-a.

            Tudo teria sido tão diferente se a esposa não tivesse sido assassinada brutalmente. Se ainda estivesse ao seu lado. Pelo menos antes, sentia-se em paz na prisão, estava isolada de todas aquelas intrigas, não precisava lidar com as tramas que a perseguiam.

            -- Vai colocar para funcionar a antiga usina mesmo? – Acomodou-se. – Poderia me contratar como secretária...Sou formada em administração...

            -- Achei que não precisasse trabalhar, afinal, seu marido é um homem muito rico.

            Ela deu a volta, apoiando-se na escrivaninha.

            -- Quero me divorciar, não quero continuar com uma relação que nunca deu certo. – Umedeceu os lábios demoradamente. – Independente de me querer ou não, preciso refazer a minha vida e um emprego seria ótimo.

            -- Podemos pensar nisso depois.

            A irmã de Juan fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Posso te perguntar algo?

            A Lacassangner perscrutava a ex-namorada, não acreditava que ela era alguém em quem pudesse confidenciar seus segredos.

            -- Diga, qual a sua pergunta?

            -- Por que Sir Arthur e o duque te perseguem tanto? – Cruzou os braços sobre os seios. – Quando ele descobriu nossa relação ficou louco, Fernando também, o pai da Olívia parecia que tinha enlouquecido.

            A sheika sabia o motivo do avô e também sabia o motivo do Del Santorra, porém não falaria para a curiosa Bragança.

            Há muitos anos tivera um encontro com o respeitado duque. Fora pega em uma emboscada, caindo nas mãos do cruel homem. Quase fora estuprada, sorte que sua tripulação tinha conseguido salvá-la. Ainda sentia-se enojada ao vê-lo, sentia verdadeiro asco só em pensar que poderia ser tocada pelo desgraçado aristocrata.

            -- Sou uma pirata, então é normal seu ódio. – Disse com descaso.

            -- Você acha mesmo normal? Eu escuto a forma que falam de ti, as acusações infundadas, isso não é comum, Sam, nem a raiva que a Mel sente é algo bom... Ela fala abertamente em te destruir... O incêndio que teve aqui fora provocada pelo capataz da fazenda Santorini e decerto ela ordenara...

            A Lacassangner remexeu-se na cadeira perturbada ao ouvir a menção à tenente e ao fogo que provocara a morte do seu cavalo.

            Teria sido realmente ela?

            Enrijeceu o maxilar.

            -- Como pode ter tanta certeza disso?

            -- Porque eu vi eles comemorarem...Estava lá quando brindaram a sua derrota.

            Samantha respirou fundo.

            A Santorini acreditava piamente que era responsável pela morte da sua mãe. Também estava certa de que fora responsável pelo terrível acidente que matara sua tripulação e a deixara incapacitada durantes longos meses. Não era fácil lidar com a jovem, ainda mais por que a desejava, queria senti-la por inteiro, entregar-se a vontade de toma-la para si e sentir a força daquela paixão lhe dominar totalmente, porém sabia que deveria manter distância, afastar-se era o melhor, ainda mais por que não havia nada mais que pudesse uni-las além do sexo.

            -- Não me importa o que birrenta de farda pensa ou fala, não tenho tempo para os seus escândalos.

            Ester estreitou os olhos curiosa.

            -- Ela só age assim contigo ou com quem tem alguma ligação contigo, é muito gentil com o resto da humanidade... – Aproximou-se, tocando-lhe a face. – Foi muito cruel o que ela te fez...

            -- E você acha que me importo? – Indagou tentando disfarçar o aborrecimento. – Cedo ou tarde ela vai pagar por isso.

            -- Espero que sim...

            Vendo a irritação da sheika, a cunhada da tenente mudou de assunto.

 

 

            A fazenda Santorini estava sendo enfeitada para a festa da padroeira do povoado. Todo ano se realizava lá. Os moradores quem ficavam responsáveis pelos preparativos e a família de Mel fazia doações de gados para que não faltasse carne. Acontecia primeiro uma missa na capela e pela noite todos dançavam e bebiam até o dia amanhecer.

            Ana estava na cozinha junto com Marina. Estavam preparando alguns sanduíches, encomendaram salgadinhos, bolos e algumas sobremesas para a mesa principal. Os bois já tinham sido mortos e a carne fora arrumada para o churrasco.

            O duque, Sir Arthur e Juan tinham saído para comprar bebidas.

            Mel e Cristina tinham ido até o povoado buscarem algumas encomendas.

            A tenente não se sentia bem pela primeira vez em anos em participar das festividades. Sentia-se engasgada, pois não pudera falar nada do que tinha descoberto. Sabia que a oportunidade não tinha chegado e deveria fazê-lo de forma a não criar um novo problema. Aquela última semana fora tensa. Não conseguia dormir direito, tampouco descansar, sua mente parecia estar a mil, deixando-a agoniada. Dirigia pela estrada em total silêncio, enquanto ouvia a amiga cantarolar ao seu lado de forma desafinada.

            Buzinava ao encontrar alguns conhecidos. Parou para falar com um senhor que gostava muito da sua família.

            Tinha acabado de estacionar do lado de fora do armazém quando ouviu gritarias e o filho do dono que era alto e muito forte já seguia para fora segurando Eliah pelo colarinho.

            Rapidamente, seguiu até eles. Não gostava de covardias, sempre se irritava com essas atitudes.

            -- Solte-o, Luís! – Ordenou. – Não vê que é um idoso! – Chegou mais perto. – Afaste-se!

            O rapaz a fitou com olhar inquisidor. Parecia não entender o motivo da filha do duque defender aquele homem.

            -- Um idoso que também participou do seu sequestro. – Afirmou euforicamente. – Não queremos piratas no nosso povoado!

            A fisioterapeuta aproximou-se em defesa.

            -- E você acha que o jogar e espanca-lo vai te fazer o quê? Herói da pátria? – Ironizou. – Meta-se com um homem da sua idade e do seu tamanho!

            O rapaz cerrou os olhos em irritação, parecia pronto para agir com ignorância, mas  depois se afastou, indo para o interior da venda.

            -- O senhor está bem? – Cristina foi a primeira a ajuda-lo. – Ele o machucou?

            -- Estou sim, senhorita, foi apenas ameças. – Fitou as duas. – Um prazer revê-las. – Disse tirando o chapéu. – Pena que em uma situação pesarosa.

            -- O que faz aqui? – A tenente questionou impaciente. – Sabe que essas pessoas não gostam de vocês, não deve se arriscar. – Olhou tudo ao redor, vendo os olhares curiosos em sua direção. – Não sabe que nem você nem a Víbora são bem-vindos?

            -- Vim fazer a doação para a festa, pensei que todos tinham esse direito.

            -- Claro que sim! – A fisioterapeuta exclamou. – É a festa de todos do povoado. – Fitou a amiga em repreensão. – Vamos tomar um café?

            Mel sabia que aquela não era uma boa ideia e já estava pronta para negar-se, então fitou a outra e viu que em seus olhos havia um brilho diferente, decidiu ver o que ela faria.

            -- Vamos até a praça, não quero café, prefiro um sorvete. – Cristina sugeriu.

            Seguiram pela tranquila rua, passaram pela frente da igreja e logo chegavam a uma sorveteria que tinha as mesas postas na calçada. Acomodaram-se.

            A atendente pareceu estranhar que o homem que todos odiavam estivesse junto com a fila do duque, mas nada disse, apenas se ocupando de atender os pedidos, depois os deixou a sós.

            -- E como está a Sorte? – Eliah indagou. – Sinto saudades das traquinagens daquela danadinha.

            -- Está ótima, trouxe-a para fazenda comigo. Em breve vai passar por uma cirurgia para não ter filhotes.

            -- E por que não pode ter gatinhos? Pensei que todos devessem ter uma prole. – O homem questionou confuso.

            -- Também acho, mas a Mel decidiu que ela não vai reproduzir. – A fisioterapeuta explicava. – Também, se formos deixar, de três em três meses teremos uma creche de filhotes.

            A atendente aproximou-se com as taças de sorvetes.

            -- E sua senhora está na fazenda? – Cris indagou curiosa enquanto provava a iguaria fechando os olhos deliciada.

            Eliah fitou a neta de Sir Arthur. Percebia como ela parecia distraída. Os olhos dourados fitavam tudo ao redor com o semblante de descaso.

            -- Sim, está, nesse momento deve estar na usina.

            -- Então ela vai mesmo coloca-la para funcionar? – Mel questionou interessada. – Pensei que não o faria.

            -- Vai sim, senhorita, tudo logo estará pronto.

            A Santorini assentiu, enquanto tomava o sorvete. Depois de alguns segundos ouviu Cristina falar:

            -- Eliah, você conhece a Samantha há muitos anos?

            -- Sim, eu a trouxe ao mundo, fiz seu parto. – Dizia orgulhoso. – Era um bebê franzino, nunca pensei que se tornaria essa mulher tão poderosa e linda.

            A fisioterapeuta trocou olhares com a médica que parecia saber o que a amiga queria, mesmo assim preferiu não se meter.

            -- Nossa, que coisa maravilhosa, deve ter sido assustador essa cena.

            -- Não, senhorita, eu costumava fazer isso. Era o parteiro da tripulação. – Explicou. – Era encarregado de cuidar das mulheres grávidas.

            -- Mas era uma grande responsabilidade, era a herdeira do Serpente que você tinha que trazer ao mundo...Imagina se algo desse errado... – Lambeu a colher. – Eu teria medo, vai que desse errado e fizesse andar na prancha.

            O velho gargalhou da ideia.

            Mel apenas ouvia sem falar nada.

            -- Sim, ainda mais que sempre fora uma gravidez de risco... – Ele dizia pensativo. – A mãe da Sam não podia engravidar, mesmo assim decidiu levar até o fim a gestação... Mal teve tempo de ficar ao lado da filha... – Disse com pesar – morreu logo em seguida.—Baixou a cabeça e em silêncio parecia fazer uma prece silenciosa. – Foi muito triste...

            -- Morreu? – A Santorini inqueriu mostrando interesse na conversa. – O que houve?

            -- Ela era muito frágil, não podia ter filhos... Lembro quando falara para o Serpente sobre a gravidez, ele ficara furioso, pois sabia da enfermidade que lhe acometia... brigaram muito e no final a vontade dela prevaleceu... No final, meu senhor nunca se perdoara por isso.

            -- Deve ter sido horrível... – A fisioterapeuta disse com tristeza. – A Lacassangner deve ter sofrido muito sem ter ao seu lado uma figura materna.

            -- Sim, senhorita... Ela ficara comigo durante quase toda a infância, eu quem a criei na ilha – Mirou a tenente – ela corria tudo aquilo com uma espada de madeira... sempre fora linda, parecia um anjo quando era uma criança.

            Continuava parecendo um anjo! – Pensava a herdeira do duque ao lembrar os olhos tão azuis.

            -- Eliah... – Cristina começava relutante – Nós sabemos que a filha de Sir Arthur é a mãe da Víbora...

            Um silêncio caiu sobre os três. Parecia tão pesado que apenas o latido de um cachorro interrompera.

            Mel enviou um olhar irado para a amiga. Não imaginara que ela exporia todos os fatos. Fitou o pirata, ele parecia surpreso. Agora estava claro que ele sabia de toda a história, então não era segredo para a sheika.

            Viu-o empalidecer.

            -- Como sabem disso?

            -- Vimos uma foto das duas... Não tinha como não ligar os pontos e chegar a verdade. – Cris continuava – Depois tivemos a confirmação de alguém que conheceu a única herdeira do almirante.

            O velho fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- O que não entendo é como uma dama da alta sociedade fora se envolver com um pirata! – A filha do duque disse desdenhosamente. – Ele a sequestrou?

            Eliah meneou a cabeça negativamente, replicando calmamente.

            -- Ela o amava... Amava-o tanto que fugira com ele mesmo sabendo que não haveria futuro para esse amor...mesmo estando casado com outro... O amor tem dessas coisas...

            -- Ela era a esposa do meu pai!

            -- Sim, tenente, casara obrigada, pois se não o fizesse, lhe tirariam o filho... O almirante e o duque usaram o bebê para ameaça-la. – Explicou calmamente.

            -- Isso é um absurdo! – Interrompeu-o irritada. – Como pode falar isso do meu avô e do meu pai?

            -- Eu entendo sua raiva, acredite, você sempre fora bem tratada pelo que se percebe, coisa que não aconteceu com a Sam... Ela sonhava em ser aceita pelo avô... até que ele a sequestrara e lhe fizera uma marca para saber que era a filha do Serpente.

            Os olhos dourados abriram-se em perplexidade. Sentia algo em sua garganta, parecia impedir que engolisse.

            Isso não podia ser verdade. Como o próprio avô agiria de forma tão cruel com a neta, uma criança.

            -- Não irei ouvir mais esses absurdos! – Disse levantando-se.

            -- Sim, senhorita, são fatos terríveis, mas não querer ouvir nada vai mudar... – Levantou-se também. – Preciso voltar. Agradeço mais uma vez a gentileza das duas. – Colocou o chapéu na cabeça. – Espero poder um dia retribuir. – Apertou a mão de cada uma das mulheres. – Nos veremos em outra oportunidade.

            Mel esboçou um sorriso depois da irritação.

            -- Não conte a sua senhora que sei sobre a mãe dela... – Pediu. – Prefiro que não saiba por enquanto.

            Ele fitou a militar durante alguns segundos, depois fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            A fisioterapeuta lhe entregou um cartão.

            -- Se precisar de algo, basta ligar.

            O pirata esboçou um sorriso.

A Santorini o viu afastar-se, enquanto via a amiga lhe encarar com a expressão interrogativa.

            -- Ele está certo, suas negativas não vão mudar a verdade.

            -- São barbaridades, Cristina, como acha que vou acreditar? – Passou a mão pelos cabelos, depois se sentou. – Isso não pode ser verdade, não mesmo... Eu vi a marca, foi feito a ferro quente... Ele não seria capaz de tanta crueldade!

            -- Eu sei que é difícil acreditar, porém isso não muda quem Sir Arthur é para ti...Temos um personagem em momentos diferentes e com pessoas diferentes...

            A médica umedeceu os lábios demoradamente, parecia ponderar, os olhos dourados brilhavam em lágrimas.

            -- É como se tudo na minha vida tivesse sido uma mentira...Como se tudo que diziam da Lacassangner fosse mentiras...Eu vivi uma mentira?

            Cris soltou um longo suspiro.

            -- E o que vai fazer?

            A jovem desviou o olhar. Fitava as crianças brincando na rua. Pareciam tão inocentes correndo de um lado para o outro. Um dia também fora assim...

            -- Pedirei para que o detetive investigue a vida da Iraçabeth... Quero saber o que houve com ela, saber o que se passou verdadeiramente... – Suspirou. – Quando tiver a certeza que busco, confrontarei meu avô e meu pai.

            -- Por que não quer que ela saiba?

            -- Porque não desejo falar sobre isso nesse momento...

            -- Está lutando para não sentir empatia pela pirata... – Dizia em constatação – Você luta tanto contra o que sente que precisa se proteger a todo custo.

            -- E o que eu sinto? – Indagou exasperada, encarando-a.

            -- Eu acho que você está apaixonada por ela... – Falou pausadamente. – Está apaixonada...

            A Santorini apressou-se em defender-se, enquanto exibia a face corada.

            -- Está louca! – Encarou-a. – Uma coisa é sentir desejo sexual, outra muito diferente é me apaixonar.

            -- O que vai fazer se descobrir que seu pai a quer? – Questionou refletindo.

            A médica cerrou os dentes, enrijecendo o maxilar.

            -- Já parou para pensar nisso... Seu pai deseja a mesma mulher que você deseja...

            A jovem permaneceu em silêncio, enquanto sentia o pânico tomar conta do seu interior, porém permaneceu em silêncio, temendo o que poderia falar.

 

 

            Era noite, as pessoas concentravam-se no pátio da fazenda.

            Havia bandeirinhas enfeitando, barraquinhas de comidas típicas, e uma banda local tocava e muitos dançavam. Alguns parques tinham sido colocados para os pequenos divertirem-se. A iluminação deixava o lugar ainda mais alegre. Uma churrasqueira enorme fora montada e um dos empregados se ocupavam em assar as carnes.

            Mel seguia de mãos dadas com Juan. Pararam para comprar uma maçã do amor, conversaram com alguns conhecidos depois seguiram para a mesa que estava sendo ocupada por seu pai, avô, o prefeito, o delegado e padre. Todos riam animadamente.

            Os olhares voltaram-se para os noivos.

            A jovem estava linda com um vestido justo até a cintura, caindo delicadamente até o meio das coxas. Havia um decote não muito discreto, mas que valorizava os seios bonitos e pequenos. Nos pés trazia botas de couro marrom e cano curto. O Bragança vestia camisa xadrez e calça jeans, usava um chapéu de abas longas.

            -- Acho que esse ano nos superamos. – Sir Arthur dizia – Sente aqui, princesa, faça esse velho orgulhoso por ter ao lado a maravilhosa neta... Está ainda mais linda que de costume. – Segurou-lhe a mão, beijando-a.

            A Santorini fez o que ele dissera.

            -- Veja! – O almirante lhe entregou uma pelúcia – Arrisquei-me em uma daquelas pescaria e ganhei para ti.

            Ela riu.

            Era uma cena interessante ver o respeitado militar entrando nessas brincadeiras.

            -- A Mel não é mais criança, Sir! – O duque protestou. – Deve se preocupar em pescar para seu bisneto que deve chegar ao mundo logo.

            Todos riram na mesa.

            -- Por mim, essa criança seria encomendada hoje mesmo. – O Bragança encorajou. – Será tão lindo um filho nosso.

            A tenente desconversou, mudando logo de assunto. Não pensava em filhos, tampouco em gravidez. Nem mesmo conseguira se relacionar intimamente com o noivo depois de tudo que fizera com a Lacassangner. Nunca o desejara e agora que provara o prazer nos braços da inimiga, sentia que não conseguiria entregar-se mais uma vez.

            Aceitou um pouco de uma bebida que estava sendo servida.

            Era bastante forte e quase a cuspiu, depois conseguiu bebê-la. Sentiu-se relaxar.

            Viu Ester aproximar-se exibindo-se em um vestido justo e curto.

            Ainda não tivera a desagradável sorte de encontra-la, apenas naquele momento a via. Sabia que ela passava quase o dia todo na fazenda da Víbora.

            Bebeu mais um pouco.

            Como a Samantha podia aceitar aquela mulher de volta depois de tê-la traído?

            Lembrava-se de ouvi-la chamar em desespero pela amante, enquanto a cunhada casava com outro.

            Fitou Ana olhando-a de forma perscrutadora. Decerto, queria saber se tinha descoberto alguma coisa sobre o que ela falara. Não era uma boa ideia lhe contar a verdade, porque nem mesmo tinha certeza de que o pai estava realmente interessado na pirata. E se estivesse?

            Não, não podia estar.

            Observava o respeitado duque conversando com todos. Era bastante eloquente e todos queriam sempre estar em seu círculo de poder.

            Pensou na mãe...

            Ela sempre criticava o marido por viver mergulhado em trabalho... Dizia que ele era obcecado pela filha do Serpente...

            Deus, será que tudo isso é verdade?

            Agoniava-se ao imaginar que realmente havia a possibilidade do pai querer para si a Lacassangner.

            Bebeu mais um pouco e dessa vez não sentiu o incômodo.

            Fitou Marina supervisionando os garçons. Não voltara a tocar no assunto da Iraçabeth e ela agia como se nada tivesse acontecido. Teria sido invenção da babá dizer que possivelmente fora atacada por Samantha quando deixara a mansão?

            -- Hoje quero dormir ao seu lado... – Juan sussurrou-lhe no seu ouvido interrompendo seus pensamentos. – Já estou imaginando te livrar desse vestido...

            A militar sentiu-se enjoada só em pensar em transar com o noivo. Não queria ser tocada, não desejava que a beijasse...

            -- Acho que não é boa ideia... – Apressou-se em dizer.

            -- Por quê? – Indagou confuso.

            -- Estou para menstruar... – Justificou rapidamente a negativa.

            -- Mas pensei que tomava remédio para que não descesse...

            Sim, ela o fazia...

            -- Fazia-o quando estava em treinamento, agora permito que desça...

            -- Bem, uma pena, estou com tanta saudade... – Sussurrou-lhe em seu ouvido. – Poderíamos pensar em uma forma de matar a minha fome de outro jeito...

            Ela bebeu todo o conteúdo do copo.

            -- Vamos deixar isso para outro dia. – Levantou-se. – Vou ver onde está a Cris.

 

 

            A casa grande estava sendo reformada. Boa parte tinha sido reconstruída e havia novos móveis, pois Belinda estava cuidando de tudo. Um carpete felpudo e jogos de sofás tinham sido colocados para adornar a sala que agora exibia quadros nas paredes bem pintadas. O aposento da sheika fora o primeiro a ser decorado e aos poucos tudo parecia mais agradável e convidativo.

            -- Não vai jantar? – Eliah questionou a Lacassangner que estava lendo na biblioteca.

            Alguns suportes tinham sido fincados nas paredes e vários volumes de obras literárias descansavam majestosamente. Fora posta uma escrivaninha, na qual um computador repousava, duas poltronas pequenas e uma cadeira grande de couro.

            -- Não estou com fome, acho que comi muito no lanche.

            O velho entrou, acomodando-se.

            -- Mas já está tarde, não deveria ir para o quarto? – Encarou-a. – Está tendo festa na fazenda dos Santorinis.

            Ela sabia disso. A Bragança passara todo a semana falando sobre o evento anual.

            -- Acho que vou sair para cavalgar um pouco, assim tomo um pouco de vento e consigo dormir.

            -- Não gosto que saia sozinha, ainda mais pela noite.

            -- Todo mundo está na festa do povoado, não acredito que alguém vai estar me vigiando para me pegar em uma emboscada.

            -- Mesmo assim, tome cuidado... Leve uma arma.

            -- Levarei sim. – Deixou o livro de lado. – Mas e por que não está dormindo?

            -- Porque vi a luz acesa e vim ver se precisava de algo... Já que a senhorita Belinda foi até a capital...

            -- Não tenho nada com a Belinda, Eliah...Gosto muito dela, mas apenas como amiga. – Explicou diante do olhar curioso.

            O pirata fez um gesto com a cabeça.

            -- E a senhora Ester? Ela está sempre aqui ao seu lado...

            -- Não sinto nada por ela, apenas vem aqui porque é insistente...

            -- Água mole...

            -- Não me sinto atraído por ela! – Negou enfaticamente.

            -- E pela tenente... – Questionou baixinho.

            Os olhos azuis pareceram apresentar um brilho diferente ao ouvir a menção à filha do duque.

            Fazia tempo que não a via e esperava continuar não a encontrando. Era muito mais fácil lidar com os sentimentos quando não a tinha por perto, ainda mais agora que ficara sabendo que ela poderia ter algo a ver com o incêndio.

            -- A birrenta da Santorini é muito petulante e não me interessa nada que tenha a ver com ela... É igual ao ai!

            -- É muito bonita não é...

            Sim, era...

            Os olhos dourados, os cabelos longos...Os lábios carnudos...O delicioso aroma da pele...

            -- Há muitas mulheres bonitas no mundo...

            -- Mas elas não chamam a sua atenção, diferente da jovenzinha militar.

            Samantha fitou os olhos experientes que pareciam investiga-la. Levantou-se, seguiu até a janela que tinha vista para o pátio. Viu os trabalhadores perto do estábulo. Estavam jogando baralho, pareciam despreocupados.

            -- Vou descansar, Sam, tome cuidado se tiver que sair.

            Fez um gesto afirmativo com a cabeça, porém não se virou para fita-lo.

            Brincava com os nós do roupão de seda, enquanto permanecia parado no mesmo lugar. Não estava com sono.

            Por que tinha que desejar a filha de Fernando?

            Todos os dias repreendia-se por ansiar por tocá-la quando é algo que nunca deveria passar por sua cabeça. Sentia o cheiro dela, a maciez da pele sedosa...

           

 

 

            -- Eu acho que você está bebendo demais... – Cristina a repreendia.

            Estavam em uma barraquinha de algodão doce. A fisioterapeuta comia, enquanto olhava preocupada para a Santorini.

            -- É uma festa, estou apenas aproveitando. – Observava tudo ao redor. – Todos estão aproveitando, também quero aproveitar.

            -- Acho que você está tentando esquecer os problemas.

            Viu Matias seguindo para o estábulo, enquanto dava ordens para alguns peões. Seguiram até lá.

            -- O que houve? – Indagou irritada. – Por que esse alvoroço todo aqui?

            O homem tirou o chapéu num gesto respeitoso e depois falou:

            -- Estou armando os homens para seguir com a segurança, vi a pirata cavalgando pela estrada... Há fogo em uma parte isolada do canavial, mas já conseguimos conter as chamas.

            -- Fogo?

            -- Sim, tenente, e acreditamos que tem a ver com a Víbora.

            -- E por que seria ela? – Cristina indagou impaciente. – Tudo o que acontece aqui vocês colocam a culpa na Lacassangner, poderiam investigar antes...

            Mel apenas observava a explosão da amiga, bebendo mais um pouco do líquido que agora descia delicado em sua garganta.

            -- Sele o meu cavalo, Matias, vou investigar o que houve. – Ordenou.

            A fisioterapeuta a olhava preocupada.

            -- Não acho que seja uma boa ideia, senhorita, já mandei os homens...

            -- Você não tem que achar nada! – Interrompeu-o. – Apenas cumpra as minhas ordens.

            Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça, afastando-se.

            A fisioterapeuta parou de frente para a amiga.

            -- Você não pode montar, está bêbada, tampouco investigar nada.

            Mel deu de ombros.

            -- Você age como defensora da Lacassangner... Só falta também estar apaixonada por ela. – Comentou aborrecida.

            -- Também? – Questionou com humor. – Então admite que também está.

            -- Claro que não! – Apressou-se em negar. – Estou falando da Ester... Belinda...O resto do universo...

            -- Seu pai?

            Antes que pudesse responder, viu a cunhada aproximar-se. Bebeu mais um pouco do conteúdo da garrafa que trazia consigo.

            -- Não acha que deveria estar ao lado do meu irmão? – Sacudiu a cabeça. – Não sei o que o Juan viu em ti... Na minha opinião é uma fria e frígida mimada.

            Cristina colocou-se entre as duas, pois via nos olhos dourados a fúria.

            -- E quem é você para opinar hein? É uma mulher casada, mesmo assim vive correndo atrás da Víbora... Vagabunda! – Falou um pouco alto.

            Algumas pessoas que estavam próximos pareceram chocados quando viram a filha do aristocrata descontrolada.

            -- Eu estou trabalhando com ela... – Disse com um sorriso triunfante. – Até mesmo estou sondando os produtores da região para que lhe vendam a cana de açúcar... Se quiser também compraremos a sua. – Sugeriu. – Só não sei se a Sam vai querer, pois ela odeia tudo o que tem a ver contigo e com a sua família.

            A Santorini deu um passo para frente e parecia pronta para arrumar uma briga, mas a fisioterapeuta voltou a interferir.

            -- Acho que você está abusando da paciência não é? – Cris alertou-a. – Vai lá aproveitar a festa e deixa a gente sozinha. – Fez um sinal para que vissem a multidão que parecia interessada no desentendimento. – Ninguém precisa ouvir seus detalhes!

            -- Detalhes? – Questionou irônica. – Mas eu nem contei ainda como é delicioso transar com a pirata...

            Mel empurrou a amiga e logo dava uma bofetada na face da irmã de Juan.

            A Bragança parecia perplexa diante da violência que sofrera. Olhou-a indignada, depois se afastou.

            Cristina puxou a tenente para o estábulo, longe dos olhares curiosos. Ficara chocada diante do que tinha visto, mesmo sabendo que o tapa fora merecido, não imaginara que a filha do aristocrata faria isso.

            -- Eu tenho vontade de arrastá-la pelos cabelos! – A militar bateu forte na madeira da baia. – Age como uma oferecida, como se eu me importasse! – Jogou fora a garrafa.

            Matias aproximou-se com o cavalo.

            A fisioterapeuta a segurou pelo braço.

            -- Não vá, todos vão te procurar, não está em condições de sair.

            Mel desvencilhou-se do toque, montando.

            -- Volto logo, invente uma desculpa para a minha ausência.

            -- Onde vai?

            -- Vê se a Lacassangner colocou fogo no canavial. -- Disse empertingada.

            Antes que Cris pudesse falar mais alguma coisa, viu a amiga deixar a fazenda pela parte de trás da construção para não ser vista.

            -- Agora lascou!

 

Comentários

  1. Eita!!!!Só espero que desse encontro saia faíscas. A Mel está precisando ser pegada de jeito,ter aquela explosão que só amor e sexo faz.
    AUTORA maravilhosa,por favor VOLTE em breve.
    Beijos

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  2. Kkkkkkk queria que a Mel desse mais umas porradas na chata da cunhada. A ficha tá caindo, meu povo. Espero que desse encontro saia muitos momentos icônicos. Que delícia de leitura ❤️

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  3. Quando será a eleição para cupido do ano?💘 Meu voto é da Cristina, a bicha infernizou a Mel com os questionamentos sobre a Sam kkkkkkkkkkk

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  4. Só nós três? Kkkkkk Um abraço para a galera da moita. kkkkkkkkkk
    Para semana começar perfeita "odeio as segundas" 😬 só falta o capítulo 23. 😉

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  5. Autora, eu sei que tá lendo isso kkkkk somos muitas, mas as outras estão na moita. Libera o cap.

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  6. Tô sem internet desde ontem kkkkkk acho que só terça vcs verão o desenrolar desse capítulo 23

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    1. Aaaah não. Agora tô sentindo na pele como as minhas leitoras se sentem. Aff
      Mas é por um motivo bom. Esperamos até terça 🥲
      Ah, autora, você poderia divulgar seu trabalho no tiktok, as outras amantes de leitura precisam conhecer teu talento. Vejo muita gente fazendo isso e tem dado certo. Até terça 🥲🥲🥲

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  7. Já olhei o site hoje uma dezena de vezes. Não aguento de tanta ansiedade.

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    1. E eu então! kkkkkkkkkk
      Provedores de Internet odeio vcs 🤬 hoje e segunda-feira, terça-feira I❤️YOU.

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  8. ☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️☠️ A espera de um milagre. kkkkkkkkkkkkkkk

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  9. Cadê o capítulo 23 autora? Meu Deus não aguento mais esperar 😭😭
    Libera o cap tem gente chorando aqui kkkkkkkk

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  10. Autora cadê você? Volta logo, por favor! 😱😱😱😥😢😥

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  11. Ah, não vai ter hoje também? Autora, aparece aí.

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