A víbora do mar - Capítulo 21 - Iraçabeth

 

                A festa transcorria normalmente. As pessoas bebiam, dançavam e a banda tocava como se nada tivesse acontecido.

                Mel permanecia sentada à mesa, enquanto sua mente era dominada por todas as cenas que ocorreram no porão do navio. Como pudera se deixar levar pelo desejo que sentia? Imaginava se o soldado tivesse ido até lá e flagrasse o ocorrido, como explicaria a todos que estava prestes a se entregar ao prazer que sentia ao tocar a bela morena. Sim, sentira-se frustrada com a interrupção, era como se precisasse ir até o fim para ver o que aconteceria, para entender o porquê de se sentir tão atraída pela pirata. Seu sexo queimava, desejando a satisfação.

                O garçom levou uma garrafa de champanhe.

                Esperou o noivo lhe servir e voltou a bebericar.

                Viu o olhar curioso da Ester sobre si, ignorando-a.

                A cunhada já tinha ido novamente até a mesa que Samantha ocupava. Não cansava de correr atrás da Víbora. Oferecia-se como se fosse um prato barato que ninguém desejasse comer.

                Torceu a boca em irritação.

                Precisava pelo menos ter um pouco de dignidade e deixar de se oferecer, ainda mais quando a pirata estava com a amante loira.

                Levantou a cabeça e viu a Lacassangner rir de algo que fora dito em seu ouvido por Belinda. A face séria ficava ainda mais bonita quando ria espontaneamente sem exibir o sarcasmo costumeiro. 

                Como ela vestira-se e arrumara-se para retornar ao evento? Como saíra praticamente nua do navio? Talvez fosse melhor contar ao almirante Ernesto a invasão, dizer-lhe que a encontrara buscando algo na embarcação, assim, ele a prenderia.

                Bebeu um pouco do líquido âmbar.

                Havia o perigo de ela contar tudo o que se passara entre ambas...

                Prendeu a respiração.

                Viu-a deixar a mesa, seguindo pelo jardim em direção ao banheiro. Inventou uma desculpa, seguindo para o mesmo lugar.

 

 

                A noite estava estrelada e havia uma bonita e cheia lua no céu.

                Samantha gosta do clima não muito frio e tampouco quente que se apresentava. Caminhava pelo jardim, depois seguiu pelas árvores frondosas. Tirou o celular da bolsa e viu a mensagem da Miranda. Havia inúmeras ligações dela, decerto, estava preocupada com a invasão que ela faria.

                Enviou-lhe um áudio, tranquilizando-a e já se preparava para ir embora quando viu uma senhora de mais de sessenta anos, vestindo um elegante vestido prateado aproximar-se. Não lembrava de tê-la visto, então ficou quieta, pensando se seria acusada de mil coisas como era normal acontecer.

                -- Boa noite, senhorita... – A senhora a cumprimentou, aproximando-se, olhando-a como se estivesse a inspecioná-la. – Perdoe-me a intromissão, mas desde que a vi, lembrei de alguém que conheci há muitos anos.

                -- Deve estar me confundindo. – Disse guardando o celular na bolsa. – Preciso ir.

                Antes que conseguisse passar, a mulher lhe deteve delicadamente pelo braço. Não queria agir com grosseria, mas já se preparava para repeli-la quando a ouviu falar:

                -- Há muitos anos eu conheci uma jovem muito bonita, ela estava desesperada porque tinha descoberto uma gravidez...Vi-a na igreja, fiquei encantada com a beleza e com a forma gentil de tratar, nunca a esqueci, mas também nunca soube o que tinha acontecido, porém quando a vi, era como se estivesse vendo-a...

                A Lacassangner imaginou se tratava da filha de Sir Arthur.

                Sim, era muito parecida com Iraçabeth, do pai herdara fisicamente apenas os olhos que eram de um azul muito claro. Achava estranho que ninguém que conhecera a jovem herdeira dos Santorinis tivesse feito a associação.

                -- É a filha daquela jovem que nunca soube o nome?

                Samantha já se preparava para responder quando viu quem tinha acabado de chegar. Não acreditava que tinha que lidar mais uma vez com a birrenta filha do duque.

                -- E essa jovem morava aqui na capital? Fazia parte da alta sociedade?

                A pirata ouviu a voz intrometida.

                Mel tinha ouvido tudo o que a mulher dissera e sua curiosidade aguçara diante disso.

                -- Acho que sim, parecia fazer parte da alta sociedade, mas não lembro de tê-la visto em nenhuma das recepções onde frequentei... Era tão bonita que não teria esquecido... Passei anos me perguntando o que tinha ocorrido, culpei-me por não ter podido ajuda-la... Nunca mais a vi. –Suspirou. – Acredito que seja a filha dela... é idêntica a sua mãe... Espero que ela esteja bem.

                Samantha já pensava em negar, mas sentiu um beijo fraterno em sua testa. Sem mais, a desconhecida afastou-se, deixando as duas inimigas sozinhas.

                A sheika cerrou os dentes demoradamente. Pensara que não teria a desagradável presença da filha de Fernando mais uma vez naquela noite.

                Cruzou os braços sobre os seios pronta para o novo embate.

                -- Quem é a sua mãe? – Mel indagou assim que a outra se afastou. – Por que não contou para ela?

                -- Isso não é da sua conta!

                -- Por que não?

                -- Porque não é assunto seu, tenente, então não se meta! – Já se afastava, mas foi detida. – O que você quer?

                -- Quero saber como fez para sair do navio praticamente nua... – Provocou-a. – Depois apareceu aqui como se nada tivesse acontecido, como uma dama da sociedade.

                -- E não aconteceu... – Encarou-a. – Foi apenas um jeito de te distrair... – Esboçou um sorriso de canto de boca. – E deu certo... Você nem percebeu que estava sendo usada.

                Os olhos dourados estreitaram-se ameaçadoramente.

                -- Contarei tudo ao almirante...

                -- Conta! – Cortou-a – E eu conto que você não cumpriu seu dever de me impedir porque estava muito ocupada em me “revistar...” Mas não uma revista normal, estava me tocando sexualmente. – Foi rápida ao segurar a mão que já vinha em sua direção. – Se me bater, arranco seu vestido elegante e encho de palmadas sua bunda!

                -- Se ousar fazer...

                -- Vai fazer o quê? Usar sua espadinha? – Empurrou-a contra a árvore. – Vou voltar a dizer o que já tinha falado em outro momento. – Encarou-lhe. – O melhor é que mantenha distância de mim, não se meta em nada relacionado a minha pessoa, pois vai acabar sendo um alvo de toda essa história.

                -- É para eu ter medo das suas ameaças?

                -- Não, é para ter um pouco de juízo e se afastar.

                -- E se eu não fizer o que dizes, pirata?

                Samantha umedeceu os lábios demoradamente, enquanto a fitava. Era muito petulante e arrogante.

                -- Por que voltou, Víbora? Por qual motivo retornou? Não acredito que apenas retornara sem motivo algum, também não acredito que é apenas uma sheika, sei que estava procurando algo na embarcação, sei que ainda há algo lá que te interessa... O que é?

                -- Não há nada que seja da sua conta... – Soltou-a. – Acredite, Santorini, você me faz perder a paciência, coisa que raramente acontece – Passou a mão pelos cabelos – eu não cometi nenhum dos crimes que você e sua família me acusa, acredite em mim e mantenha-se afastada de toda essa história, por favor.

                -- É apenas a sua palavra...Por que eu deveria acreditar?

                -- Por que seria muito crueldade do destino você sentir desejo pela mulher que acredita ter matado a sua mãe.

                Mel fitava com tamanha intensidade que parecia pronta para lhe invadir a alma.

                -- Esqueça-me, tenente!

                A Santorini a viu ir embora, caminhava ereta como se fosse uma rainha. A pose daquela mulher chegava a amedrontar de tanta segurança que exibia.

                Ainda sentia o cheiro dela, ainda sentia o toque poderoso queimar em sua pele.

               

 

 

 

                Naquele domingo o almoço aconteceria na mansão Del Santorra. O dia estava nublado, porém não havia previsões de chuvas fortes.

                O jardim bem cuidado exibia lindas espécimes de flores e algumas árvores frutíferas.

                O carro esportivo adentrou pelos portões, enquanto seguiam para estacionar de fronte os degraus de entrada.

                A construção exibia a pompa da dinastia da família do duque.

                Juan apressou-se para abrir a porta para a noiva.

                Mel gostaria de ter ido até a fazenda, ainda não tivera tempo de seguir para lá, por essa razão pedira que Cristina fosse buscar a babá. Estava com saudades da boa senhora e já estava cansada de receber reclamações por não ter ido vê-la depois de ter voltado do forjado sequestro.

                A tenente observava tudo ao redor.

                Não gostava muito de ir até ali, pois sempre se recordava da mãe e era uma lembrança que ainda lhe trazia muita dor.

                -- Vamos entrar, amor? – O empresário indagou segurando-lhe a mão. – Seu pai e avô já estão nos esperando.

                Ela olhou para o noivo por alguns segundos, depois fez um gesto de assentimento.

                Sabia que o Bragança queria que remarcasse a data do casamento, ele insistia o tempo todo para que fizesse isso, porém a herdeira de Sir Arthur não tinha nenhum interesse nesse enlace, ainda mais depois dos últimos ocorridos.

                Fazia dois dias que encontrara a Lacassangner no interior do navio. Ainda não conseguira entender o motivo de não ter dito para todos que ela invadira a embarcação. Seria uma prova concreta que mostraria que ela não era uma pirata regenerada, mas que continuava a agir de forma escusa atrás dos próprios interesses. Sabia que ela buscava algo naquela noite, mas ainda não descobrira do que se tratava, tampouco encontrara alguma coisa, sinal que não tinha encontrado.

                Soltou um suspiro de frustração.

                -- Tudo bem? – Juan questionou curioso.

                -- Sim, estou bem! – Apressou em dizer.

                Revistara-a e não encontrara nada ou será que não tinha feito direito. A maldita usara o charme para distraí-la...

                Não acreditava que tinha caído naquele jogo sujo!

                Meneou a cabeça para livrar-se das imagens perturbadoras. Não iria pensar naquela mulher nesse sentido. Já perdera muito o controle, mas não permitiria que isso ocorresse novamente. Não podia ser tão fraca a ponto de um desejo sexual lhe dominar. Era uma tenente, uma militar, saberia lidar com suas confusões. Deixaria a sheika com sua penca de amantes e não voltaria a tocá-la ou permitir que lhe tocasse.

                A enorme porta da frente foi aberta e uma empregada bem vestida atendeu-os.

                Seguiram até a sala e lá estava o pai e o avô. Cumprimentou-os com beijos, depois se acomodou na poltrona.

                -- O almoço logo será servido! – O mordomo avisou, depois se retirou.

                -- Confesso que estou faminta, acordei tarde e ainda não comi nada. – Mel se antecipou. – E onde está a Ana?

                Estranhara que a madrasta não estivesse presente nos últimos eventos ao lado do pai. Fazia tempo que não a via, desde que retornara da aventura no mar.

                -- Deve estar se arrumando... – Fernando respondeu sem parecer muito interessado. – Trazia uma garrafa de um caro vinho e começou a servir a todos.

                -- Eu vou até lá, quero que me ajude em algumas coisas. – Levantou-se. – Não demoro.

                Caminhou até a escadaria, subindo lentamente os degraus.

                Tinha a impressão que a relação entre o pai e a advogada não estava nada bem. Cismara disso há alguns dias e por isso vinha pensando em falar com a mulher, quem sabe não podia ajudar, afinal, não fazia nem um ano do enlace para que estivesse afundando.

                Bateu à porta, anunciando-se e logo recebera a permissão para entrar.

                Ana era uma bela mulher, mas naquele momento parecia bastante abatida. Os olhos estavam fundos, havia olheiras maculando sua beleza, parecia que tinha chorado

                Recebeu o costumeiro e acolhedor abraço.

                -- Eu já ia descer! – A esposa disse tentando mostrar entusiasmo. – Só estava arrumando algumas coisas.

                A tenente a observava com curiosidade.

                -- Sim, papai falou, porém queria lhe falar em particular, por isso decidi vir aqui.

                A mais velha apontou-lhe uma cadeira, depois sentou na beira da cama.

                -- Não costumo me meter em assuntos pessoais, principalmente os relacionados à casamento, mas venho sentindo a sua falta nos últimos eventos e sempre que pergunto ao meu pai, ele desconversa. – Falava preocupada. – Está acontecendo alguma coisa? Posso ajudar em algo?

                A advogado desviou o olhar por alguns segundos e quando voltou a fitar a enteada, havia lágrimas em seus olhos.

                Mel preocupou-se, tomou-lhe as mãos.

                -- Diga-me o que se passa, tentarei ajudar.

                Ana umedeceu os lábios demoradamente e só depois falou:

                -- Não acho que possa, Mel, mas já me sinto bem por sua preocupação... Perdoe-me se quando retornou eu não fui até você, estão acontecendo tantas coisas... – Cerrou os dentes – estou cansada, sabe, não estou aguentando mais.

                A expressão de militar denotava confusão.

                -- O que houve?

                Um silêncio pesado caiu entre elas e só depois foi possível ouvir a voz entrecortada por soluços. Pensou em abraça-la para lhe dar conforto, porém decidiu esperar e logo ouvia o desabafo.

                -- Seu pai vive obcecado por Samantha Lacassangner!

                A jovem prendeu o fôlego diante da frase.

                Será que aquela mulher era uma maldição? Porque sempre tinha que lidar com tudo que era relacionado a ela?

                -- Acho que é algo normal, afinal, essa mulher foi responsável por coisas horríveis que aconteceram a minha família. – Tentou justificar. – É a suspeita de ter mandando invadir o cruzeiro no qual minha mãe fora vítima.

                -- Você acha mesmo? – Ana levantou-se. – A obsessão do seu pai é diferente, tenho certeza que não está relacionada a puni-la, mas tê-la para si! – Explicou irritada. – Seu pai deseja essa mulher,  o respeitado duque anseia pela pirata. Ele a quer para si!

                Os olhos dourados abriram-se em pavor.

                Do que ela estava falando?

                Seu pai desejava sexualmente a sheika?

                Não, claro que não! Aquilo era o maior absurdo que poderia acontecer. Nunca o Del Santorra sujaria-se com a acusada de tantos crimes.

                -- Acho que você está confundindo as coisas...

                -- Confundido? – Indagou perplexa. – Vamos ver o que vai pensar disso que descobri.

                Mel a viu pegar o notebook e depois ir em uma gaveta que era fechada com chaves e tirar um pen drive.

                Alguns minutos se passaram até ela conseguir acessar os arquivos.

                -- Veja você mesma!

                A Sanotrini aproximou-se relutante. Não desejava ver nada que pudesse comprovar aquelas suspeitas, preferia acreditar que a madrasta estava apenas tendo uma crise de ciúmes injustificável como ocorria com os seres apaixonados.

                -- Veja, olhe do que se trata!

                A militar respirou fundo e já seguia para ver o que a advogada dizia ser a possível prova.

                 Lentamente via inúmeras imagens da Lacassagner. Havia fotos em vários eventos, boates, até mesmo em trajes de banho, poses sensuais...nas recepções...

                Engoliu em seco.

                O que era tudo aquilo?

                -- Isso não prova nada...

                -- Continue olhando! – A mulher ordenou.

                A tenente o fez e mal olhava para a tela até chegar nos últimos arquivos.

                Aproximou-se mais do aparelho e foi com surpresa que viu o duque quando era muito jovem e tendo ao seu lado uma bela mulher...

                -- É A Lacassagner? – Questionou sobre os ombros à madrasta.

                Ana fez um gesto negativo com a cabeça.

                -- Essa é a Iraçabeth Santorini Villa Real!

                Mel fez um gesto negativo com a cabeça, depois minimizou as imagens, colocando a foto das duas lado a lado.

                Sentiu vertigem ao notar como eram semelhantes.

                Iraçabeth?

                Nunca em sua vida tinha visto uma foto da filha de Sir Arthur. Não havia imagens dela na mansão, quando era criança até questionara, pois sabia que ela fora a primeira esposa do pai, mas percebera que não era um assunto que gostavam de falar, então acabara não questionando. Mas agora vendo as duas fotos, tinha a impressão que era a mesma mulher.

                -- O seu pai é obcecado pela pirata porque ela é idêntica a primeira esposa.

                -- Isso é um absurdo! – Disse, levantando-se. – Como podem ser tão parecidas? – Passou as mãos pelos cabelos.

                -- Eu não sei, apenas percebo que esse é o motivo do Fernando a desejar tanto.

                --Questionou meu pai sobre isso? – Perguntou curiosa.

                -- Não, porque ele nem sabe que copiei os arquivos do computador pessoal dele.

                -- Posso ficar com o pen drive?

                -- Claro, não me interessa as fotos dessa mulher!

                Mel desligou o notebook, depois guardou o pequeno guardador de arquivos no bolso da calça.

                -- Olha, Ana, acho que você está enganada em relação ao que papai sente pela pirata, ele não poderia desejar essa fora da lei, isso seria o maior absurdo de todos os tempos. Decerto, há uma explicação lógica para tudo isso, então ne se precipite, acalme-se, assim que eu conseguir descobrir algo, te falo.

                Ana parecia relutante, mesmo assim acabou aceitando o que fora dito.

                Seguiram para a sala. Todos conversavam animadamente, porém a filha do duque parecia não apenas curiosa, mas preocupada com o que lhe fora exposto pela advogada.

                Por que não havia fotos da Iraçabeth na casa do avô? Por que Fernando nunca falara sobre a ex-esposa? Não havia registros, ninguém falava sobre a única filha do almirante, era como se fosse um assunto proibido, por quê? Lembrou-se de quando ainda era uma menina e em uma das brigas que presenciara dos pais, Marie falara algo sobre a irmã de criação, mas não se recordava.

                As duas mulheres eram idênticas, era como se estivesse vendo a mesma pessoa. Lembrou-se da mulher que encontrara na última festa que estivera, a senhora que conversava com Samantha, pois a achara parecida com uma jovem que encontrara há muitos anos, indagando se seria filha...

                Sentiu um arrepio na nuca.

                -- Tudo bem, Mel? – Juan questionou a olhá-la impaciente. – Todos já seguiram para a mesa e você está aqui, sentada.

                A jovem respirou fundo, depois seguiu ao lado do noivo.

                Sir Arthur puxou a cadeira para que ela sentasse ao seu lado.

                -- E como está os pacientes no hospital? – Indagou entusiasmado. – Fiquei tão feliz com seu retorno.

                Ela fitou-lhe demoradamente, olhava-o como se fosse a primeira vez que o via. Não queria nem pensar que suas suspeitas eram reais. Deveria ter uma explicação lógica para tudo aquilo.

                -- Está sendo ótimo, mesmo que seja provisório esse retorno, espero que logo consiga voltar definitivamente.

                -- Mas não deve pensar em algo definitivo agora, bambina, lembre que tem que casar e vai precisar de licença. – O duque falou servindo o vinho. – Acho que já podemos organizar tudo, pois já tivemos nossa vitória nos processos.

                -- Sim, verdade, conseguimos o valor que pedimos, claro que isso não apaga os traumas que minha noiva passou, mas pelo menos provamos que estávamos certos nas nossas acusações.

                Então, eles tinham saído vitoriosos contra a Lacassangner...

                Ela nunca quisera esse dinheiro, não estava interessado nisso, nem nada que viesse dela.

                Tomou um pouco do líquido, sentindo o álcool queimar-lhe a garganta. Depois trocou os copos por um de água. Ainda tinha a ressaca do dia que bebera quase todo o champanhe da recepção.

                -- Vamos remarcar nosso casamento, assim, antes que volte definitivamente para a marinha, teremos nossa lua de mel... – Juan disse, dando-lhe um beijo rápido nos lábios.

                Ela apenas esboçou um sorriso, depois se concentrou no almoço.

 

 

                A fazenda da Víbora estava passando por reformas.

                O engenheiro estava ocupando-se de reformar a casa grande, enquanto deixava a usina pronta para começar a funcionar.

                Samantha estava montada no garanhão e percorria toda a extensão de terra ao lado de Belinda.

                Os trabalhadores tinham saído cedo para o campo. Agora estavam semeando e retirando as ervas daninhas. Era tudo muito extenso. O verde imperava majestosamente.

                Tudo estava correndo bem. Havia novos empregados trabalhando na semeadura, outros ficavam encarregados de cuidar do gado.

                -- Pelo menos, a paz está reinando por aqui.

                A loira comentou ao parar perto da morena.

                Via como ela estava mais feliz desde que conseguiram retornar ao lugar isolado. Via nos olhos azuis que estava menos aborrecida.

                -- Sim, temos que organizar tudo para que tenhamos sucesso com a reabertura da usina.

                -- Acredito que vai dar certo, tudo que você faz é bem feito. – Tocou-lhe o ombro nu exposto pela camiseta preta. – Gosto de vê-la assim, é como se não existisse a nuvem que encobre seus olhos azuis.

                Samantha a encarou por alguns segundos, depois voltou sua atenção para a beleza do lugar.

                Desde a última vez que encontrara a neta de Sir Arthur, decidira que o melhor a fazer era concentrar-se em seus planos na fazenda. Nunca ficara tão perdida diante de uma mulher como acontecera no porão do navio. Era acostumada a usar o próprio charme para livrar-se das inúmeras e perigosas situações quando vivia a navegar, imaginara que seria algo comum, porém o resultado fora terrível, perdera-se nas carícias e não conseguira manter-se neutra diante do desejo que ela demonstrara.

                -- Posso te fazer uma pergunta? – A agente inqueriu.

                A Lacassangner encarou a loira, tinha quase certeza do que ela indagaria. Fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                -- Você deseja a tenente não é?

                A sheika umedeceu os lábios demoradamente. Ponderava se deveria dizer o que sentia ou continuar negando, por fim falou:

                -- Sim, eu a desejo sexualmente. – Frisou a última palavra.

                --Tem certeza de que é apenas sexual?

                Os olhos azuis estreitaram-se.

                -- E o que poderia sentir por aquela mulher? É sexo, sabe bem que há muitos anos não me envolvo com ninguém, isso pesou um pouco.

                Belinda observava-a de forma perscrutadora.

                -- Nunca quis se envolver com nenhuma das mulheres que estiveram presentes em suas festas, nem mesmo quis ficar comigo, mesmo quando eu deixei claro que não teria problemas em dividir a cama contigo.

                Sim, era verdade em parte. Mas isso não significava que não sentira vontade de transar com a agente, apenas preferira deixar de lado as vontades do corpo, algo que não conseguia fazer quando se tratava da filha do duque.

                -- Sam, tome cuidado, a Santorini não é qualquer uma, ela pode te machucar.

                -- Acredite, a única coisa que poderá acontecer entre a birrenta e a minha pessoa é uma guerra na qual ela sairá fracassada.

                Belinda viu-a esporear o cavalo e sair a todo galope.

 

 

                Mel chegou no apartamento e encontrou Marina e Cristina.

                Recebeu um abraço apertado da babá. Permaneceu lá, sentindo-a chorar de emoção.

                -- Fiquei tão preocupada com o que aconteceu, pensei que tinha sido levado pelos bandidos. – Acariciou-lhe a face. – Queria vir para cá, mas seu pai me proibiu.

                -- Sim, eu sei. – Ajudou-a a senta na poltrona. – Mas estou bem, nada de ruim me aconteceu.

                Cristina foi até a cozinha e trouxe pizza.

                -- Comprei para mim e para a babá, pois pensei que passaria a noite com Juan. – Provocou-a. – Afinal, o coitado deve estar subindo pelas paredes.

                Mel lhe enviou um olhar enviesado. Depois seguiu até o quarto e voltou trazendo o computador portátil.

                -- Babá, preciso que me responda algo. Quero que veja umas coisas e depois me diga se não estou ficando louca.

                Marina parecia confusa.

                Observou-a colocar o pequeno conector no notebook e logo via as fotos que apareciam. Ficou pasma com as últimas imagens. Levou a mão ao peito como se estivesse a sentir dores.

                A fisioterapeuta posicionou-se por trás da poltrona.

                -- A Lacassangner ao lado do seu pai? Ela não envelheceu nada, é imortal?

                Mel encarou Marina. Via o pavor nos olhos da babá.

                -- Você sabe que essa não é a pirata, sabe que essa é filha do meu avô, não é?

                Cristina acomodou-se sobre o braço do sofá. Parecia perplexa, olhava fixamente para a tela.

                -- Como a Víbora é a cópia da filha de Sir Arthur.

                A médica viu o olhar horrorizado da empregada. Segurou-lhe as mãos.

                -- Babá, diga-me o motivo de as duas se parecerem tanto... Eu sei que sabe, não é comum duas mulheres serem praticamente idênticas... Você serve ao vovô há muito tempo, conheceu-a, então me fale.

                Marina meneou a cabeça.

                -- Por favor, filha, não me pergunte nada sobre isso. Não posso falar. – Levantou-se. – Você nunca deveria ter visto isso.

                Os olhos dourados cerraram-se, vendo a senhora tentar afastar-se, mas não a deixou fugir, segurou-a pelo braço.

                -- Fale-me, babá, diga-me que mistério é esse! – Ordenou. – Conte-me o motivo de meu avô nunca falar sobre a Iraçabeth, por que não há nada sobre ela em lugar nenhum, como se tivesse sido tragada pela terra com tudo o que viveu.

                -- Filha, há coisas que devem permanecer enterradas com os mortos... Ela ficara muito doente... Foi muito triste...

                Mel e Cristina trocaram olhares.

                -- Conte-me o que se passa ou vou até o vovô e farei questionamentos, irei lá agora mesmo, vamos ver se ele vai ter um ataque como você!

                Seguia para a porta, mas a voz de Marina a deteve.

                -- A Iraçabeth é a mãe da Samantha Lacassangner! – Disse de supetão, depois cobriu a boca com a mão como se quisesse impedir que as palavras saíssem.

                Cristina caiu sentada, enquanto Mel fitava a babá em espanto. Encostou-se à porta. Respirava fundo, tinha a impressão que o ar não chegava aos pulmões.

                -- Filha?

                A empregada sabia que não tinha mais como negar o que tinha dito. Vivera todos aqueles anos sufocada com aquele segredo, escondendo-o de todos, mesmo que soubesse que um dia teria que falar, só não imaginara que seria para a amada Mel.

                -- Sim, filha, ela é filha da Iraçabeth. – Disse sem conseguir segurar as lágrimas. – Por isso não há fotos, quadros...Tudo fora queimado quando ela morreu, a existência dela fora varrida...

                -- Babá, isso não pode ser verdade!

                Marina sentou-se na poltrona, cobriu o rosto com as mãos, desatando-se a chorar.

                Cris olhou para Mel, parecia mais perplexa que a tenente.

                -- Vocês são irmãs?

                -- Não! – A Santorini negou enfaticamente. – Não! – Ela não é filha do meu pai é?  Diga, babá, quero saber toda a história.

                -- Filha, seu avô e seu pai vão me matar se souberem que te contei.

                -- Não falarei nada para ele, prometo! – Disse agoniada. – Conte-me a verdade.

                Marina respirou fundo, depois começou:

                -- Iraçabeth se apaixonara por um tenente, Otávio, apaixonara-se loucamente por ele, mas o almirante não aceitava, não achava digno da filha.

                -- Parece até novela das seis! – Cristina intrometeu-se. – Continua, está ficando mais emocionante.

                -- Sir Arthur queria que ela casasse com seu pai, um duque, e acabou acontecendo, casaram-se...

                -- Babá, Otávio é o Serpente do mar?

                Marina fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                -- Mas como? Ela fugiu com o pirata? – A fisioterapeuta indagou. – Era casada e fugiu, que babado!

                -- Ele a sequestrou...Não sei mais nada, apenas que a Lacassangner é filha da Iraçabeth.

                Mel sentia-se pasma diante de toda aquela história.

                A Víbora era a neta do seu avô...

                -- Como Sir Arthur pode odiar a própria neta? – A fisioterapeuta questionou. – Ele a persegue, faz tudo para destruí-la....

                A tenente permanecia apenas quieta. Em sua cabeça havia inúmeros pensamentos, questionamentos que sabia não poderem ser sanados por Marina. O pai e o avô lutavam contra a filha do Serpente há tantos anos...

                Observou a tela do computador, viu a foto das duas mulheres.

                Samantha sabia que era neta de Sir Arthur? Será que ela sabia disso?

                Lembrou-se de quando questionou sobre quem era sua mãe e ela desconversara.

                -- Filha, não se meta nessa história, siga sua vida, case-se e esqueça a pirata. – A babá aconselhou. – Há muita desgraça relacionada a ela e a sua origem...

                Mel fez um gesto negativo com a cabeça.

                -- Há algo mais em tudo isso e vou descobrir!

                Sorte apareceu miando, seguindo para se roçar nas pernas da dona. Pegou-a, colocando em seus braços.

                -- Irei falar com a pirata, quero saber o que ela sabe.

                -- Não faça isso, Melzinha, melhor não comentar sobre isso.

                -- O que quer que eu faça então?

                A empregada nada disse, apenas depositou um beijo na face da jovem, depois foi para o quarto. Não podia dizer ou fazer mais nada.

                -- Estou passada com toda essa história, pensei até que vocês eram irmãs! – Cristina dizia comendo uma fatia de pizza. – Imagina se fossem irmãs?

                -- Para de falar asneiras, Cris, você parece criança, não entende a gravidade de tudo isso?

                -- Sim, eu entendo, ainda mais quando penso que o almirante odeia a própria neta.

                -- Por que odeia a própria neta? – Repetiu. – Ela é filha da Iraçabeth...

                -- Quem te deu esses arquivos?

                -- A Ana, disse que meu pai está obcecado sexualmente pela Samantha...

                -- Não acredito! – Comia mais. – Seu pai também deseja sexualmente a pirata?

                -- Também? – Indagou irritada. – Já te disse para deixar de falar besteiras, não tenho nada com aquela mulher.

                -- Você a deseja, Mel, confesse!

                -- Eu não vou confessar nada, estou cansada das suas insinuações. – Respondeu irritada.

                -- Insinuações? Você mesma me confessou que esteve com ela algumas vezes.

                Mel colocou a gatinha na poltrona, levantando-se.

                -- Eu não quero falar sobre isso, não me interessa!

                A fisioterapeuta a olhava com curiosidade.

                -- Agora você sabe que a Samantha é filha de Iraçabeth Santorini, acredito que agora você vai começar a rever suas opiniões sobre a Víbora.

                -- Rever? – Indagou ainda mais chateada. – Isso não muda quem ela é muda?

                -- Muda o que dizem dela, muda o que inventaram dela esse tempo todo, talvez ela seja uma vítima de tudo.

                -- Vítima?

                -- Mel, você imagina como deve ser para a Lacassangner ser desprezada pelo próprio sangue? Meu Deus, tudo isso é mais que uma tragédia para alguém.

                A herdeira do duque sentia-se confusa. Nunca pensara em sua vida que se depararia com algo assim. Sim, a amiga estava certa, tudo o que descobrira parecia ter mexido com suas convicções.

                Deus, o almirante perseguia a neta... Falava em destruí-la sem nem sentir dor na consciência...E o seu pai?

                Não queria nem imaginar que ele desejava a pirata de forma como ela mesma desejava...

                O que faria agora?


 

Comentários

  1. A Mel sentiu agora.
    Caramba, tô louca pra ver o que irá acontecer. Você é ótima em nos deixar ansiosa por mais.

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  2. Eita que agora ficou tenso! Altas revelações.
    Imagina a cabeça da Mel tendo que lidar com os sentimentos nutridos pela Sam e o desejo de vingança, desejo este alimentado pelas mentiras do avô e do pai, as duas pessoas em que ela mais confia, complicado.

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  3. Até que enfim a Mel vai sair daquelas besteiras q só ela acredita.
    Só espero que a tenente seja desprezada um pouco pela Sam,bem que merece.
    As revelações estão só no começo,e quero ver a Mel rastejando para entrar na vida da pirata.
    Que venha logo esse capítulo,pois estou numa ansiedade terrível.

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  4. Os segredos vindo a tona, espero que agora a Mel venha olhar de forma diferente pra Sam. que Trabalho lindo dessa Autora.

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