A víbora do mar - a revolta - capítulo 18

             Mesmo o vento se fundindo com a barulho do mar não era suficiente para quebrar o silêncio sepulcral que recaíra na embarcação. Os olhos dourados olhavam para os presentes como se estivesse mergulhada em um pesadelo que não tinha fim. O que se passava afinal? Fora tirada do próprio casamento, levada bruscamente e tratada de forma humilhante pela Lacassangner e ela estava sendo agradecida por isso?

            “Estamos eternamente gratos a você, Samantha, se não fosse por sua inteligência e experiência no mar, nesse momento a senhorita Olívia estaria nas mãos de bandidos perigosos.”

            Gratos?

            Estava realmente ouvindo essas orações?

            Fitou Miranda durante alguns segundos em busca de que aquilo tudo fosse um grande engano.

            Conhecia-a há muitos anos. Tivera a honra de fazer parte de um processo de treinamento coordenado por sua equipe e em muitas ocasiões encontrara-a de forma mais amigável que uma simples recruta. Até mesmo conversaram, criaram laços de amizade. Sempre deixara claro que seu maior foco em tudo aquilo era poder fazer a responsável pela morte da mãe ser responsabilizada. Ela sabia de toda a história, conhecia tudo o que ocorrera, então agora tudo parecia não fazer sentido em sua cabeça.

            Fitou a captora.

            Viu os olhos azuis a ponto de mergulhar dentro dos seus devido à intensidade que lhe olhavam. Havia aquele ar de superioridade, porém havia algo mais, algo que não conseguia decifrar, pois seu “id” vibrava apenas na raiva.

            -- O que se passa aqui? Estão loucos? – Indagou com as mãos na cintura. – Essa maldita pirata me tirou do meu casamento, arrastou-me de lá com meios escusos e reprováveis, manteve-me presa em um quarto... – Parou para tomar fôlego – Tratou-me de forma deplorável e eu estou ouvindo que estão gratos...

            A Maldonado tentou tocá-la, mas foi repelida violentamente.

            -- Essa Víbora deveria estar algemada – Apontou o dedo para a filha do Serpente – conte tudo o que fez, pelo menos uma vez em sua maldita vida assuma seus atos, suas ações...

            Miranda mirou a sheika que permanecia em silêncio, apenas a observar a Santorini.

            O que teria de ocorrido de tão terrível naqueles dias entre ambas?

            A chefe do departamento observava o olhar de indiferença da mulher que recebia inúmeras acusações, porém que não parecia interessada em defender-se mais uma vez. Apenas acompanhava o desenvolvimento dos atos como se fosse uma mera espectadora.

            Belinda aproximou-se e fora quase fuzilada pelo olhar mortal da tenente. A loira não parecia preocupar-se, apenas postou-se ao lado da falsa amante.

            -- Na verdade, acho que a falta de gratidão vem apenas da senhorita Del Santorra, afinal, se não fosse a Sam, com certeza estaria nas mãos de bandidos cruéis. – A agente defendia a outra.

            -- E quem chamou a concubina na conversa hein? – Mel questionou tentando manter a calma. – Não falo como prostitutas imundas. – Fitou o almirante. – Não acredito que aceite o que está acontecendo aqui. Não acredito que veio navegando por essas águas para prestar seus agradecimentos. – Voltou a encarar a Lacassagner. – Conte a eles como foram os nossos dias em seu barco e em sua ilha... – Desafiou-a.

            Samantha cruzou os braços.

            Sentia-se incomodada diante de toda aquela discussão. Não estava surpresa com a reação da jovem.

            -- Devo começar por qual dos acontecimentos a minha narrativa, senhorita? – Indagou com voz baixa.

            A marinheira sentiu as bochechas corarem.

            Sabia que ela insinuava o que se passara intimamente entre ambas. Teria coragem de contar as cenas vergonhosas?

            Respirou fundo e já se preparava para falar, mas o almirante antecipou-se.

            O militar que permanecera em silêncio durante todo o desenrolar da discussão, decidiu pronunciar-se:

            -- Realmente é o que a senhora Maldonado falou. – Suspirou. – O cruzeiro que você estava fora atacado por piratas, saquearam todos os convidados, mas o desejo deles não era apenas isso, queriam você, tenente, buscavam pela herdeira do duque... Se você estivesse naquele navio não sei o que poderiam ter acontecido...

            A face da jovem demonstrava todas os sentimentos que passavam em seu interior: primeiro revolta, depois preocupação com o que era narrado e por fim o orgulho que parecia nunca ter fim.

            -- ... todos estão bem, seu noivo, seu pai e avô, não houve mortes, apenas o prejuízo material...

            -- Eu estive investigando essa organização criminosa durante longos meses e quando tive a suspeita do que fariam, pedi ajuda a marinha e até mesmo a polícia do seu país... – A chefe do departamento internacional dizia – porém não havia provas, eu não tinha provas, era apenas uma suspeita em um bilhão delas... – meneou a cabeça negativamente. – Fiquei de mãos atadas, não havia o que ser feito, então recorri a única pessoa que conhecia que podia fazer o trabalho antes e te manter a salva.

            Novamente Mel encarou Samantha.

            Não havia mais nada lá, apenas o azul frio e vazios.

            -- E por que não me falaram? – Indagou em revolta. – Não sei se recordam, mas sou uma militar. – Passou a mão pelos cabelos, arrumando-os. – Acha que fizeram certo, acham que foi uma boa experiência está nessa situação? – Umedeceu os lábios demoradamente, sentia-os secos. – Se havia essa suspeita, se havia esse risco eu teria feito algo, contrataria mais segurança, sei lá, pediria ajuda... mas preferiram me tirar do casamento como se fosse um saco de batatas...

            -- Olívia, a Lacassagner quisera te contar tudo, mas não permiti, na verdade eu não acreditaria que isso pudesse facilitar as coisas, tenho certeza de que não acreditaria na pirata que odeia... – Miranda retrucava – quanto à segurança, seu pai e seu noivo foram informados que o cruzeiro contava com pouca e que isso era algo perigoso, ainda mais sabendo que seu casamento tinha sido noticiado nos jornais do país.

            A Santorini viu Eliah mais atrás, ele tinha a gatinha nos braços. Ouvia tudo a distância e parecia preocupado.

            Olhava para o homem e pensava que ele sabia de tudo, que essa era a razão para seguir tudo o que era dito pela “sua senhora”.

            -- Não aceito as explicações de nenhum de vocês e agirei contra o que se passara aqui, afinal, não se evita um crime cometendo outro.

            Todos, exceto Samantha observaram perplexos a filha de Fernando afastar-se pisando duro. A sheika sabia que nada mudaria o que achava a jovem, ela sempre se mostrava inflexível, ainda mais em relação a si, tinha certeza de que nada poderia mudar a forma que encarava toda aquela situação. Na verdade, nunca esperara algo diferente, nem nunca acreditara que receberia algum tipo de agradecimento da jovem. A batalha que ela travava não tinha fim, não havia tréguas...

            -- Agradeço pelo que fez, Lacassagner! – O almirante estendeu-lhe a mão. – Perdoe a forma da tenente, acho que deve ter passado por maus momentos.

            Samantha ignorou o cumprimento.

            -- Preciso dormir um pouco, sinto-me esgotada. – Disse impaciente.

            Não queria confraternizar com ninguém. Não se sentia privilegiada pelos cumprimentos, não os desejavam, não era do seu interesse ganhar aqueles créditos, nem sabia o motivo de ter aceitado participar de tudo aquilo, sempre soube que seria apenas mais acúmulo de irritações.

            -- Depois nos encontramos... – Disse por fim.

            Belinda seguiu ao lado da mulher. Percebia como estava com expressão cansada. Tinha olheiras maculando sua beleza e parecia mais bronzeada que de costume.

            Caminharam pelo deck em silêncio, não falaram nada, apenas ficavam quietas, seguindo as escadas para a parte inferior.

            O navio da marinha era bastante moderno. Fora escolhido o mais moderno para seguir ao resgate da filha do duque. O assoalho era todo em marrom claro. Havia nas paredes fotos dos importantes generais no decorrer dos muitos anos de existência. Lustres enriqueciam a pompa da grande embarcação.

 Um quarto tinha sido reservado para a pirata. Quando chegaram diante dos aposentos viram a Santorini vindo em suas direções, mas não trocaram palavras, apenas o olhar fulminante da jovem a lhe fitar.

            -- Essa tenente é muito mimada! – A loira reclamava quando já estavam no interior dos aposentos. – Deveria ter deixado que fosse pega pelos bandidos.

            A morena nada disse. Realmente não estava com vontade de discutir sobre a falta de humildade da militar. Sentia-se mais cansada que imaginara e tinha a impressão que havia algo martelando em sua cabeça.

            Tirou a jaqueta.

            Seu corpo estava dolorido, tenso...

            Os aposentos eram bem decorados. Apresentava-se bastante aconchegante. Uma cama de casal, uma escrivaninha, um grande armário tomava conta de toda a parede lateral. Havia uma porta que dava acesso ao banheiro. Havia chuveiro e água quente.

            -- Tome um banho, vou fazer uma massagem para que relaxe.

            Samantha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

 

 

            Mel estava deitada, não deixara o quarto desde cedo. Almoçara lá mesmo e só pensava em sair quando chegasse ao porto, o que levaria dois dias para que acontecesse.

            Ouviu batidas.

            Vestiu o roupão de seda sobre a camisola e foi atender.

            Miranda estava lá e trazia a gatinha nos braços.

            -- O senhor Eliah me pediu para que te entregasse.

            A Santorini estendeu os braços ao ouvir o miado da felina. Não tinha ido atrás dela, na verdade ficara tão chateada com tudo o que acontecera que esquecera do pequeno filhote. Sentiu-se mal por isso.

            Acariciou os pelos sedosos, depois lhe depositou um beijo.

            -- Vejo que se apegou ao bichinho... Adoro gatos, tenho três. – A Maldonado tentava manter um diálogo. – Eliah cuidou dela, mesmo que acredite que são seres amaldiçoados, ele o fez.

            -- Sim, é ignorante em suas crendices... que bom que não a jogou no mar.

            -- Ele não faria isso, ainda mais sabendo que a senhorita gosta do bichano. – Cruzou os braços. – Posso entrar? Gostaria de conversar contigo durante alguns minutos.

            Mel fitou a mulher durante longos segundos, parecia ponderar sobre o que deveria fazer. Não estava interessada em explicações, já tinha ouvido suficiente para aquele dia.

            Suspirando, fez um gesto para que a outra adentrasse.

            A Maldonado sentou em uma poltrona, enquanto via a jovem parada a sua frente tendo o pequeno animal nos braços.

            Sabia que a Santorini não era aquele ser inflexível e de temperamento tão difícil. Conhecia-a bem, costumava analisar pessoas e ela era alguém interessante para fazer isso. Tinha muito caráter, era gentil na maioria das suas ações, era bastante disciplinada, porém sempre tivera uma grande fraqueza e essa era o ódio que trazia por Samantha. Todos percebiam como a filha de Fernando mudava quando o assunto era a pirata. Parecia transformar-se, mudar de uma forma que chegava a ser assustador.

            Observou os cabelos úmidos e os pés descalços.

            Era muito bonita, parecia ainda uma garotinha com o olhar desconfiado.

            -- Estou aqui para lhe pedir desculpas... Sei que agi de forma que você condena, te entendo, juro que entendo, porém em alguns momentos apenas pensar não resolve problemas, temos que agir, mesmo que o ato não seja o que todos esperam.

            -- Como pode mandar essa Víbora para me sequestrar? – Questionou indignada. – Por que fez isso?

            -- Não tinha outra alternativa, acredite, Mel, não há ninguém mais experiente que a Samantha, eu sabia que ela conseguiria te manter afastada dos piratas... Vocês foram perseguidas, eles estiveram atrás de vocês... Deus, se eles tivessem se aproximado, se tivessem conseguido, teriam acabado com a vida da Lacassagner e não quero nem imaginar o que fariam contigo...

            Os olhos dourados que até aquele momento não demonstravam nenhum sentimento, pareciam mostrar um lampejo de angústia.

            -- E por que a pirata se arriscaria nessa empreitada? Acha mesmo que acredito que ela não ganharia nada com isso.

            A mais velha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Ela fez porque sabia que levaria a culpa do acontecido, você poderia estar morta nesse momento e ela seria considerada a culpada, como todos os outros crimes que lhe foram imputados. – Tentava manter a calma, depois voltou a falar. – Serei bem honesta contigo, não acredito que a sheika tenha feito nada do que a acusam, principalmente da morte da sua mãe e do atentado ao navio que você estava... Ela não fez e se você tentasse, pelo menos uma vez na vida, deixar suas emoções de lado e buscasse ver os fatos friamente, também duvidaria de que ela tenha feito.

            O maxilar da filha do duque enrijeceu, enquanto os olhos estreitavam-se.

            -- Então, acha que minha família mente, meu pai e meu avô inventaram coisas para condenar essa “santa”? – Debochou. – Ah, por favor...

            -- Nem o benefício da dúvida você consegue ter em relação à Lacassagner.

            -- Quer o quê? – Colocou a gatinha sobre a cama. – Que vá até o quarto da “sheika” e agradeça pelo que fez? Quer que compre flores ou quem sabe uma cesta de café da manhã e um cartão? – Parou diante dela. – Ah, por, favor, Miranda, essa pirata me tratou muito mal, humilhou-me várias vezes, prendeu-me em um quarto e ameaçou um monte de vezes de me jogar no mar para ser comida por tubarões.

            A chefe do departamento levantou-se.

            -- Imagino que você tenha se comportado muito bem... Até a atacou com uma espada.

            A militar umedeceu os lábios demoradamente.

            -- Fiz porque ela partiu para cima de mim, assustei-me e acabei agindo impulsivamente. – Justificava-se. – porém cuidei do machucado, coisa que poderia não ter feito.

            -- Fez porque sabe que fora culpada, agira de forma inapropriada.

            -- Olha, eu não quero ouvir mais nada! – Seguiu até a porta, abrindo-a. – Acho melhor que saia, assim evitamos uma discussão maior.

            A Maldonado assentiu, mas parou diante dela.

            -- Se procurar em seu interior, vai perceber que há muito mais que toda essa raiva... Sei que é inteligente e que mesmo que não deseje, sabe que a Samantha não é culpada... porém você prefere viver cega, fechar seus olhos para o que está tão claro em sua frente...Tem certeza de que sua raiva é apenas em relação aos crimes? Tenho a impressão que há algo mais em ti...

            Os olhos dourados sustentaram os da outra por alguns segundos, mas não tiveram força suficiente para fazerem até ela deixar os aposentos.

            Permaneceu lá, parada, apenas tentando não pensar na última frase que fora dita por aquela mulher.

            Não havia nada, nunca houve nada, apenas a raiva que sentia.

            Olhou no corredor. Estava vazio. Havia apenas o silêncio.

            Sabia que os aposentos da pirata ficavam um pouco mais a frente. Viu-a entrar lá acompanhada da amante intrometida.

            Quem aquela mulher pensava em ser para meter-se no ocorrido? Achava que deitar na cama da sheika lhe dava direitos...

            Entrou e fechou a porta, mas não se afastou, permaneceu lá, tinha as costas encostada à madeira.

            Fechou os olhos e seus pensamentos foram invadidos pelas cenas que buscava a todo custo esquecer. Dos lábios exigentes que ousaram tomar os seus por incontáveis vezes, das mãos atrevidas que profanaram sua carne em carícias perturbadoras...

            Odiava-a ainda mais depois de tudo aquilo, odiava ainda mais por essas afrontas...

            Ouviu o miado da gatinha que estava aos seus pés e parecia enrolar-se em suas pernas, pedindo carinho.

            Agachando-se, tomou-a nos braços.

            -- Está cansada também? – Tocou-lhe a barriga. – Acho que não, vejo que fora muito bem cuidada, está uma bolinha de pelos.

            Seguiu até a cama, deitando-se com a felina sobre si.

            -- Temos que pensar em um nome para ti...Hum... – Olhou-a com atenção. – já sei, Sorte...afinal, você apareceu naquela noite que quase o navio sucumbiu à fúria do mar...e diferente do ignorante dos piratas, sei que você é abençoada...

            O animalzinho pareceu gostar, tanto que se deitou dobre o abdômen da dona, pronto para dormir.

 

 

 

            Belinda estava na poltrona, lia um livro.

            Já era noite e desde cedo Samantha estava dormindo.

            Viu-a debater-se.

            Levantando-se foi até ela, já a tocava para acordá-la do pesadelo quando se assustou ao notar como estava quente. Tremia como se estivesse congelando.

            Pegou o cobertor, cobrindo-a, mas ela debatia-se e ficava livre dos lençóis.

            -- Sam, acorda... – Pediu.

            Os olhos azuis abriram-se, mas ela não parecia estar vendo a agente.

            Os lábios chamavam por Laura. Gritava em pavor, mergulhada em um pesadelo.

            Tentava segurá-la para que não se machucasse, mas ela era muito forte e estava sendo difícil.

            -- Sam, acorda, sou eu... – Chamou-a mais alto.

            A Lacassangner não respondia seu chamado, apenas virou a cabeça, voltando a fechar os olhos.

            Murmurava frases desconexas.

            Belinda seguiu até o interfone chamando Miranda que atendera prontamente.

            A loira pegou mais cobertores, dessa vez a morena não se moveu, permaneceu quieta.

            -- Meu Deus, está em brasa pura.

            Ouviu batidas na porta e foi atender.

            Miranda e Eliah entraram com semblante preocupados.

            -- O que houve? – A Maldonado foi até a sheika. – está com muita febre....

            -- Sim, ela tomou banho e apenas deitou, então a vi debater-se, está delirando...

            A chefe do departamento ouvia ela chorar baixinho, enquanto não parava de chamar pela esposa assassinada.

            -- Vá até os aposentos da Santorini, chame-a aqui! – Ordenou.

            Belinda pareceu não gostar da ordem, mas não havia outros médicos na embarcação.

            A loira saiu rapidamente.

            Eliah trocou olhares com a mulher.

            -- Não acho que a tenente venha...

            Miranda procurava algo que pudesse usar para tentar baixar a febre.

            -- Ela é médica, deve agir como uma.

            O velho lobo do mar nada respondeu, apenas seguiu até o leito.

 

 

            As luzes dos aposentos da filha do duque estavam apagadas.

            Ela adormecera depois do almoço e agora jazia lá deitada, apenas olhando para a escuridão que se apossava do lugar. Gostava de ficar em silêncio, apenas a pensar no nada. Sentiu as patinhas de Tempestade sobre si. Não conseguira ter um sono tranquilo. Tivera pesadelos com o acidente, mais uma vez estava lá debaixo d’água sem conseguir respirar, então sentiu uma mão segurando a sua...

            Queria voltar para a fazenda.

            Pela primeira vez cogitava a possibilidade de não remarcar o casamento com o noivo. Não desejava passar por tudo aquilo novamente. Não queria ter que ir a costureiras, não queria preocupar-se com listas de convidados...Não queria casar?

            Gostava do noivo, porém...

            Tudo aquilo estava cada vez mais confuso em sua cabeça. Precisava pensar friamente em tudo o que faria quando voltasse ao porto. Por que o pai e o avô não tinham ido ao seu resgate?

            Ouviu batidas na porta.

            Quem poderia ser?

            Ainda pensou em não atender, porém decidiu fazê-lo. Vestiu o roupão, acendeu uma das luzes e seguiu até lá, surpreendendo-se ao ver a loira parada lá.

            -- O que faz aqui? – Questionou empertigada.

            -- Miranda a chama nos aposentos da sheika.

            A tenente arqueou a sobrancelha esquerda em sarcasmo.

            -- Não costumo tomar chás da tarde com piratas e concubinas!

            Já fechava a porta, mas a loira conseguiu detê-la.

            -- A Sam não está bem, tem muita febre...

            -- E o que tenho a ver com isso?

            -- Pensei que além de mimada arrogante fosse médica!

            Mel fechava as mãos ao lado do corpo para manter o controle.

            -- Não irei a lugar nenhum! – Vociferou. – Jogue-a no mar quem sabe um tubarão a come.

            Belinda respirou fundo. Tentava manter a calma, mas não tinha a mesma frieza que a Lacassagner tinha ao lidar com a filha do duque.

            Já se preparava para leva-la pelos cabelos quando ouviu a voz de Miranda atrás de si.

            -- Por favor, Santorini, apenas venha vê-la, a febre está muito alta, pedimos um helicóptero, mas acredito que só chegará ao amanhecer. – Entregou-lhe uma maleta. – Peguei na enfermaria.

            Os olhos dourados pareciam prontos para negar-se mais uma vez, mas antes que falasse algo, a chefe do departamento continuou.

            -- Por favor, Mel, faça pelo respeito que um dia já tivera por mim.

            Ela cerrou os dentes demoradamente, enquanto fitava as duas mulheres. Depois fez um gesto afirmativo com a cabeça, segurando a maleta que lhe fora entregue. Iria até lá, decerto não devia ser nada sério.

            Miranda soltou um suspiro de alívio.

            Seguiram pelo corredor e entraram nos aposentos da pirata.

            Mel observava Eliah ao lado dela, tendo a cabeça da Víbora sobre seu colo, enquanto lhe cantava uma melodia em um tom baixinho.

            Fitou a face avermelhada da mulher. Viu os lábios entreabertos... Parecia tão frágil como no dia que invadira seu quarto há tantos anos.

            Aproximou-se preocupada.

            Tocou-lhe a testa e ficou perplexa em como estava quente.

            -- Preciso de panos quentes e limpos... Está com um quadro de infecção. – Inclinou-se sobre ela. – Ela comeu algo? – Fitou os presentes sobre ombros.

            -- Não! – A loira respondeu. – Apenas tomou banho e deitou, queixou-se de dores no corpo... Eu ainda fiz uma massagem... – Alfinetou.

            Mel cerrou os dentes incomodada.

            -- Preciso de água quente e panos limpos. – Repetiu.

            Eliah levantou-se.

            -- Irei buscar agora mesmo.

            Ela assentiu, depois tirou o lençol e mais uma vez a morena começava a debater-se.

            -- Ajudem-me aqui, preciso ver a ferida no abdômen.

            Belinda foi até lá e segurou os braços da filha do Serpente.

            A Santorini encarou a loira por alguns segundos, então abriu o roupão e viu o ferimento que ainda não estava curado, mas não podia ser apenas ele a causar tudo aquilo.

            Afastou-se, depois foi até a mala, retirou de lá um frasco, depois uma seringa.

            -- Vou aplicar algo para acalmá-la, quanto mais se agitar, mais a febre vai aumentar.

            Miranda apenas assentiu. Confiava na jovem, mesmo diante de tudo o que havia entre as duas.

            Aproximou-se, mas Samantha voltava a debater-se e dessa vez fazia de forma muito forte. A Maldonado foi até elas para ajudar.

            A Santorini então ouvia ela balbuciar o nome da esposa... e depois chamara pelo seu...? Foi isso que ouvira... Ela sussurrara seu nome?

            Viu os olhos azuis a lhe fitarem...Estavam cheios de lágrimas e de dor...

            Prendeu a respiração por alguns segundos, enquanto viajava naquele olhar tão perdido.

            Sentiu algo tão forte em seu interior que desejou abraça-la, estreitá-la até senti-la relaxar...

            Aplicou a injeção, depois se afastou, enquanto via a amante tentar acalma-la. Observava a cena. A forma cuidadosa como a concubina parecia preocupada. Viu-a depositar um beijo sobre a testa da moribunda.

            Desviou o olhar.

            -- O que acha que pode ser? – Miranda questionou temerosa.

            Mel fitou a mulher, observando-a e tentando não pensar no desconforto que sentia.

            -- Acredito que deva ter desenvolvido um sintoma viral que possa ter evoluído para o início de uma pneumonia...não posso afirmar com certeza, porém a febre está muito alta e isso que me faz desconfiar.

            -- Já pedi o helicóptero, mas o tempo não está bom no porto, então teremos que esperar... Falei com o almirante, tem a enfermaria, mas parece que está passando por uma reforma, porém há medicamentos.

            Mel assentiu, enquanto buscava alguns analgésicos e antitérmicos.

            -- O importante é descobrirmos o que está causando a febre... – Encarou a loira que parecia bastante concentrada da amada. – O quarto está muito cheio, quero que saiam para que eu possa examinar melhor a pirata.

            -- Não vou te deixar sozinha com ela! – A loira negou-se. – Não confio nos seus métodos medicinais.

            As duas mulheres encararam-se em um desafio silencioso.

            -- Bem, então não terei como cuidar...

            Miranda enviou um olhar de advertência para Belinda.

            -- Ficaremos no meu quarto, qualquer coisa, a Santorini nos avisa.

            A tenente viu a outra mulher a olhar com expressão acusadora, mas nada disse, logo seguia junto com a Maldonado.

            Permanecia parada, então viu a porta abrir e lá estava Eliah com o que pedira.

            Apressou-se em ajuda-lo e logo se posicionava para começar as compressas.

            -- Vamos tentar controlar essa febre...

            O homem fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            Mel sentou-se próxima a ela, arrumou-lhe os cabelos e iniciou os toques. Ainda ouviu-a falar o nome da esposa, mas também ouvia ela lhe chamar... realmente ela pronunciava seu nome.

            Fitou a face vermelha e os pingos de suor sobre ela. Observou os lábios ressecados, o nariz afilado...Acariciou os cabelos negros.

            -- Ela está mal, tenente?

            A filha do duque viu a preocupação do idoso.

            -- Um quadro infeccional, porém vai ficar bem logo.

            Ele ficou em silêncio, observando a filha do Serpente, depois falou:

            -- Quando ela esteve presa foi envenenada...

            A Santorini fitou o pirata curiosa.

            -- Envenenada?

            -- Sim...Já sofrera tanto...queria que um dia ela pudesse ser feliz... – Disse com lágrimas nos olhos. – Sofreu tanto quando perdeu a esposa e sofreu ainda mais por se sentir culpada...

            -- Sentia-se culpada?

            -- Sim... a Sam acordou e a sheika estava ao seu lado, morta...ela não lembrava o que tinha acontecido...havia sangue em toda parte...

            -- Como não? – Indagou surpresa.

            -- Não, não sabia e por aceitou ser presa, aceitou ser condenada...

            Mel viu as lágrimas que agora o amigo da pirata vertiam, condoeu-se e não gostou disso. Não desejava sentir nada além de raiva pela mulher que mais uma vez precisava da sua ajuda.

            Continuou os procedimentos.

            Eliah ficou lá, não teve coragem de manda-lo sair, pois percebia como o homem estava preocupado e como amava a mulher que via como filha.

 

 

            Algumas horas depois a febre não cedera.

            A Santorini fizera vários procedimentos, porém não conseguira controlar. Estava preocupada, pois temia que fosse algo mais sério.

            Fora até a enfermaria e pegara alguns objetos que seriam úteis.

            -- Entrei em contato com o piloto, não terá como vir ainda. – Miranda dizia apreensiva.

            Mel estava organizando o suporte para colocar o soro.

            -- Continuaremos tentando até que possa ser levada para algum hospital. Devem fazer alguns exames para que consigam descobrir o que está causando tudo isso.

            A Maldonado assentiu.

            -- Se quiser fico com ela, não sei se deseja algo... – A mulher dizia apreensiva. – Estou muito grata por tudo o que está fazendo.

            A filha de Fernando fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Pedi para Eliah alimentar a Sorte, continuarei aqui para acompanhar o caso. – Disse cruzando os braços. – Acredite que estou fazendo tudo o que está ao meu alcance para cuidá-la... como você disse, sou uma médica e devo agir como uma.

            Miranda esboçou um sorriso, depois deixou os aposentos.

            A tenente seguiu para regular o soro, depois ficou a fitar a jovem moribunda.

            Ela tremia, embora estivesse coberta com dois edredons. Pegou meias e colocou em seus pés.

            Sabia que ela não estava bem, via os espasmos...

            Sentou-se na cadeira.

            Ponderava o que poderia estar causando tudo aquilo. Medicou-a e estava esperando que fizessem efeitos, mas até agora não via progresso.

            Acreditava se tratar de uma pneumonia, mas não tinha certeza...

            Levantando-se, foi até a mesinha e colocou um pouco de água em um copo e bebeu.

            Viu Samantha voltar a se debater.

            Suspirou!

            Livrou-se do roupão e depois da camisola, seguiu até o leito, abriu o robe que a Lacassagner usava, deixando-a nua. A pele ardia, parecia uma fogueira. Conseguiu abraça-la, fazendo-a colar as costas em seu abdômen.

            -- Vamos, Víbora, não acredito que uma simples febre vai te derrubar... – Acariciou-lhe as costas. – Depois sua amante vai vir aqui esbravejando que estou tentando te matar... – Colou os lábios em sua nuca. – Sempre se envolver nesses tipos de problemas...Ainda lembro quando invadiu o meu quarto... eu fiquei pasma quando disse quem era...

            Ouviu-a sussurrar em seus delírios.

            Novamente chamava seu nome e o da esposa.

            Aos poucos ela tremia menos e o choro que sempre acontecia entre um e outro devaneio acalmaram um pouco.

            Permaneceu ali durante um bom tempo, acabara cochilando.

 

 

            -- Eu não confio na tenente! – Belinda dizia andando de um lado para o outro nos aposentos de Miranda. – Ela a odeia.

            -- Sim, odeia, mas é médica e tem caráter!

            -- Tem tanto caráter que nem agradeceu pelo que foi feito, apenas ameaçou denúncias.

            -- Você tem que entender que não é algo fácil essa situação, a Santorini já passou por momentos difíceis e tudo se mostra cada vez pior...

            -- Por que a defende tanto?

            -- Porque eu não estou interessada emocionalmente na Sam e consigo ver os fatos com clareza.

            A loira corou.

            -- Não tenho interesse emocional, confesso que sinto desejo e tenho carinho, apenas isso.

            -- Assim espero, não deve se interessar pela Lacassagner, acabaria sofrendo.

            -- Eu sei muito bem disso, por esse motivo não perco meu tempo, porém isso não significa que não goste e que deseje seu bem.

            -- Tenha calma, eu confio na Mel, ela tem aquele jeito de mimada, mas é uma garota maravilhosa.

            A agente relanceou os olhos em irritação.

 

 

 

            Havia apenas a luz da luminária na cabeceira da cama.

            Samantha sentia uma agonia em seu interior, uma angústia e um desespero que pareciam querer tirar seu controle. Estava frio, muito frio, mas sentiu um abraço que a aquecia sua pele como uma fogueira em meio ao gelo.

            Tentou abrir os olhos, mas sentia dificuldade.

            Sentiu a mão em sua cintura, tocou-a. Era macia e delicada...

            Quem estava ali?

            Inspirou e sentiu um aroma conhecido.

            Conseguiu despertar, viu o suporte que estava com soro. Retirou-o e depois se virou, então viu a jovem que dormia ao seu lado. A luz artificial iluminava o rosto bonito. Observou os lábios entreabertos.

            Estava sonhando?

            Usou o polegar para contornar a boca bonita e foi quando os olhos abriram-se.

            -- O que houve? – Tocou-lhe a face. – Ainda está com febre! – Tentou levantar-se, mas Sam a deteve.

            -- O que está acontecendo? O que está fazendo aqui? – Questionou em voz baixa.

            -- Miranda mandou me chamar, você não estava bem e ainda não está.

            A Lacassangner parecia desconfiada.

            -- Estou dolorida... Parece que fui atropelada por um trator... – Encarou-a. – Está muito frio...

            -- Acho que você está com pneumonia...

            -- Pneumonia?

            -- Talvez... Delirou durante horas...

            A morena parecia fascinada com a mulher deitada ao seu lado. Olhava-a com atenção, achando-a ainda mais linda.

            -- Delirei?

            A militar assentiu.

            Sentia a mão tocar a sua e teve a impressão que uma corrente elétrica percorria todo seu corpo.

            Fitou os lábios tão próximos dos seus. A respiração estava quente... Os olhos estavam vermelhos...

            Tocou-lhe a face, depois lhe segurou a nuca, puxando-a mais para perto. Chegou mais perto e logo tocava a boca bonita com a sua.


 

Comentários

  1. Ei Geh, volta aqui, não termina assim não, é maldade. Rsr

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  2. Não... Não acredito que vou ter de esperar mais 2 dias kkkkkkkkk que maldade.

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  3. Desde já corrente de oração para ninguém atrapalhar.🕯️🙏
    Sorte, amei o nome da gatinha.

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    Respostas
    1. Letícia mulher faça a corrente daí que eu faço daqui kkkkkk porque é possível sim alguém atrapalhar.
      Não temos um minuto de paz kkkkkk
      😘

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    2. Estou fazendo daqui. Toda as energias positivas para que ninguém atrapalhe 😂😂😂😂
      Se não eu mesma entro na narrativa e jogo o Eliah do navio 😂😂😂😂

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    3. Miga os tubarões kkkkkkkk vc vai ser enquadrada no estatuto do idoso kkkkkkkk
      Pensei em três possibilidades que possam interromper o momento tão aguardado por nós: O Eliah, a Belinda, o ferimento abrir ou sangrar e para tudo. 😡
      Daqui a pouco a Geh vai dizer aquele famoso bordão: “só pensa naquilo” kkkkkkkkk

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    4. Kkkkkkkkkkkkkkkk Sorry, autora.
      Mas se um deles interromper, que sejam jogados do navio 😂
      Acho que a ferida não abre, pois não é tão problemática, porém acho que serão interrompidas novamente. Creio que pela Belinda.
      Esperando para que possamos especular mais, Gi.

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    5. Não, já pensou se no bem-bom a Sorte aparece pulando em cima delas? kkkkkkk se isso acontecer, ela vai perder uma vida das sete que tem. kkkkkkkk

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  4. Autora por favor,na melhor parte não. Essa Mel tem muito o que aprender e deixar essa raiva para as pessoas certas.

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  5. Aaaaaah traga um novo. Poooor favor. Depois de ver Stranger things, estou devastada.

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