A víbora do mar - Capítulo 16 - A fúria de Poseidon

    

            

            A escuridão ainda tomava conta do céu, mesmo que faltasse poucas horas para o amanhecer. Um vento forte começava a aumentar sua velocidade. As velas balançavam como se tivesse sendo arrancadas.

            Samantha estava sobre o cesto da gávea.

            Observava com a luneta o que chamara a atenção do amigo.

            Há longe havia luzes. Com certeza uma embarcação estava navegando por aquelas águas. Mas quem poderia ser? Poucos se aventuravam naquelas áreas, temiam a força daquele oceano.

            Fez sinal para que apagassem as iluminações do navio, ordenou que baixasse as velas.

            Sentiu um frio na nuca.

            Não demoraria para cair uma tempestade, apesar do perigo seria algo bom, pois assustaria os visitantes que deixariam rapidamente aquela parte.

            Fazia tempo que não sentia a adrenalina tão forte em seu sangue. Parecia que voltava no tempo, quando seguia, primeiramente ao lado do pai quando era apenas uma criança e depois sozinha, desbravando e enfrentando todos os tipos de perigo. Ela sempre fora um alvo cobiçado, não apenas de Sir Arthur ou do duque, mas de todos que buscavam um troféu para ser colocado em uma rara coleção.

            Cuidadosamente, desceu do cesto, encontrando o amigo a sua espera.

            Ele a olhava com curiosidade, talvez querendo questionar sobre o que tinha visto ao entrar nos aposentos, porém ela não faria, era bastante discreto quanto a esses assuntos.

            -- Não acredito que se aproximarão, creio que logo darão meia volta e retornarão, é preocupante navegar por aqui em um dia de tempestade.

            -- E você não está preocupada com isso não é?

            -- Na verdade é melhor enfrentar a fúria da natureza que nossos inimigos. – Respondeu arrumando os cordões do roupão que usava.

            -- Temos que alçar as velas, o vento está aumentando.

            -- Espero alguns minutos para isso.

            -- Mas não vai ser perigoso...

            Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Sim... Faça-me um favor. – Pediu, enquanto seguia até o timão. – Vá até meus aposentos e traga uma roupa para mim.

            Eliah a fitava com olhar curioso.

            -- E por que não o faz? – Desafiou-a.

            Samantha soltou um suspiro de exasperação.

            Estava claro que o pirata estava especulando o que tinha acontecido, afinal fora uma cena curiosa a qual ele tinha flagrado.

            A tenente a fazia perder a cabeça. Odiava quando ela a desafiava, mesmo estando em uma situação tão inferior naquele momento. Sempre tentava ter calma para não agir de forma inadequada, mas às vezes tinha vontade de lhe dar umas boas palmadas.

            -- Faça o que estou mandando! – Ordenou por entre os dentes. – Não faça comentários, não aceito seus olhares indagadores.

            O navegador assentiu, mas estava preocupado com a filha do Serpente por se mostrar tão perturbada.

            -- O mar que está tentando navegar é mais perigoso que todos nos quais já esteve...

             Ela viu o amigo se afastar, enquanto passava a mão nos cabelos em um gesto de irritação.

            Eliah estava certo.

            O desejo que sentia pela filha do duque começava a ficar tão incontrolável que temia que perder o foco da missão.

            Fechava as mãos ao redor do corpo tentando controlar as sensações de prazer que buscava usurpar sua paz.

            Não podia continuar com esse jogo... Transar com a militar seria entregar a alma ao castigo eterno.

            Caminhou até a poupa do navio, observando a água agitada, pois já sabia que a tempestade não tardaria. Era daquele mesmo jeito que se sentia.

 

 

            Mel estava na banheira ainda. Não tinha deixado o espaço, mesmo que estivesse frio.

            Olhou para a cama que fora arrumada por um dos bandidos que seguiam com a Lacassangner.

            Será que ela iria dormir ali?

            Usou a esponja para limpar os braços, enquanto olhava com desgosto para os trapos que fora transformado o caríssimo vestido de noiva.

            Ainda pensava que tudo isso passava de um pesadelo, que estava no transatlântico e que não demoraria a ter o avô para acompanha-la até o altar e entrega-la ao homem que seria seu esposo.

            Pensava em Juan e imaginava como deveria estar naquele momento. Decerto, desolado, era a segunda vez que o casamento era interrompido bruscamente.

            Por que Samantha Lacassangner fizera aquilo?

            Agora mais friamente conseguia ponderar sobre o ocorrido. A Víbora estava arriscando tudo apenas para atingir a sua família?

            Mesmo que não quisesse admitir, era uma ideia bastante complicada, pois a pirata não demonstrara essa sua raiva.

            Não demoraria para que toda a marinha seguisse ao seu resgate e dessa vez a imagem de boa moça da filha do Serpente desapareceria de uma vez por todas e isso seria bom para que pudesse fazê-la pagar por seus crimes. Conseguiria apoio para reabrir as investigações, teria acesso aos documentos que foram produzidos durante todos aqueles anos.

            Prendeu a respiração ao ouvir batidas na porta.

            Cerrou os dentes fortemente, mas para seu alívio não era a pirata, era o Eliah.

            -- Perdão incomodar, senhorita, mas vim buscar umas roupas para a Sam.

            A Santorini via o idoso buscando no baú os trajes.

            -- O senhor não deveria estar participando disso, sabe que será cruelmente punido. – Alertou-o.

            Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Faço o que a minha senhora ordena, tenho certeza de que ela sabe o que faz. – Respondeu, encarando-a.

            -- Senhora? – Arqueou a sobrancelha esquerda em desdém. – Não passa de uma vagabunda de quinta essa sua senhora. – Retrucou indignada. – Sem falar que está te colocando em risco... – Acomodou-se melhor. – Se me ajudar, eu diria que ela te obrigou a fazer isso.

            -- Quer que a traia? – Inquiriu indignado. – Jamais faria isso, ela não mereceria algo assim.

            -- Ela merece coisa muito pior.

            -- A senhorita não a conhece, não sabe o que já passou a filha do Serpente... Se a conhecesse não pensaria em fazer algo assim jamais.

            -- A conheço suficiente para saber o que é capaz de fazer, pois ela já fez comigo... – Falou por entre os dentes.

            O pirata não retrucou, sabia que seria inútil. Pedindo licença, deixou os aposentos.

           

 

            Mel abriu os olhos lentamente. 

           Tinha saído do banho e acabara caindo em um profundo sono depois de algumas horas, pois não tinha conseguido dormir desde que fora levada para aquele navio.

            Sentia-se cansada, preguiçosa.

            Olhou para o lado e não havia ninguém, sentiu-se aliviada por isso. Pois só conseguira relaxar quando percebeu que não teria acompanhante.

           Ouviu batidas na porta e achou estranho o fato, pois a porta estava fechada por fora, sabia disso porque tentara sair dos aposentos, mas descobrira em frustração que a pirata não era burra a esse ponto.

               Cobriu-se mais e logo viu Eliah se aproximar com uma bandeja com um delicioso aroma. Também estava faminta.

                 -- Boa tarde, tenente, dormiu durante todo o dia. -- Colocou a comida sobre a cama. -- Até pensei que tinha tido algum problema, só me tranquilizei depois que a Sam veio aqui e constatou que a senhorita apenas dormia.

                A filha do duque sentiu o rosto corar. Os olhos dourados abriram-se em preocupação.

                Não era algo bom saber que aquela mulher estivera ali, ainda mais por estar usando apenas um roupão e não tendo nada por baixo.

                  Sentiu um arrepio na nuca em imaginar…

               -- Não acredito que o senhor se envolveu nisso de novo! -- Ela o reprovou com o olhar novamente. -- Está arriscando morrer em uma cela. – Repetiu a repreensão.

                O velho sorriu, enquanto puxava uma cadeira e se acomodava.

                 -- Devo a minha vida a Lacassangner…

                 -- Entregou a sua vida a uma besta selvagem.

                 -- Besta? -- Ele indagou gargalhando. -- Ela é a filha do Serpente do mar… -- Comentou melancólico. – O pai dela fora um grande homem.

                    Olívia sentou, cuidando para se manter coberta. Pegou a bandeja e começou a comer a sopa.

                -- Deveria tomar cuidado, posso atacá-lo e depois fugir. – Alertou entre as colheradas. – Está gostoso...

                -- E para onde iria? -- Questionou -- Estamos distantes da costa, navegando em águas perdidas…

                -- Onde estamos? -- Indagou curiosa.

                -- Muito além do norte…

                Os olhos dourados pareciam perplexo.

                -- Ninguém navega por essas águas… -- Falou baixinho. – Ela está louca...

                -- A Samantha sim, não é a primeira vez, mesmo com todos os riscos… Ela foi criada praticamente nessa parte perigosa do oceano...

                O homem nem terminou de falar quando viu a jovem passar como um furacão pela porta vestindo uma toalha e tendo a espada nas mãos.

             

 

                 A Lacassangner estava na proa, olhava as águas negras do quase noite. Não havia estrelas no céu, nem lua, apenas veria logo a escuridão a escuridão, apenas as luzes artificiais que não demorariam a ser usadas para iluminar o grande navio.

                 -- Você está doida?

                 A bela morena se virou e viu a hóspede com ar desafiador, enquanto usava apenas uma toalha para cobrir o sensual corpo e apontava uma arma para si.

                 Observou-a com cuidado. Ainda tinha no rosto a marca da longa soneca que tirara. Estivera nos aposentos, vendo-a dormir tranquilamente.

                 Então ela decidira brincar com a espada novamente.

                -- Exijo que retornemos para a costa. -- Aproximou-se mais a ponto de encostar o aço no pescoço de Samantha. -- Vamos, pirata, retornaremos para costa agora mesmo. Ninguém navega por essas águas e não irei contigo.

               A verdadeira neta de Sir Arthur cruzou os braços sobre o colo. Sentia a ponta fina da arma encostada em sua pele. O aço era tão frio...

               Mel observou os olhos azuis. Não havia medo algum ali, apenas aquele ar de descaso como se nada no universo a afetasse.

                 Por alguns segundos se distraiu ao ver a roupa que a bandida usava. Uma blusa preta de gola alta com botões dourados, calça de couro preta e botas longas. Usava uma bandana nos cabelos que permaneciam soltos.

                   Como podia ser tão linda a filha do Serpente do mar?

                  Recordava-se de que quando era adolescente e ainda não a conhecia, várias vezes ouvira, nos eventos que costumava ir com o pai nas férias, que todos costumavam dizer que a Víbora na verdade era uma feiticeira que seduzia os marinheiros que ousavam lhe perseguir e essa era a razão por nunca ser presa.

                  Sempre achara ridículas essas histórias até tê-la em seus aposentos, ferida...

                  A voz arrastada e rouca da pirata lhe interrompeu as lembranças.

                  -- Pensei que tínhamos entrado em um acordo que não haveria ataques, tampouco tentativas de assassinato contra mim... Até tirei a coleira... – Provocou-a.

                  -- Coleira? – Repetiu indignada.  -- Nunca lhe prometi nada, pirata. -- Forçou mais a arma contra a pele da mulher. -- Nesse exato momento eu poderia matar a Víbora do mar, com certeza eu seria presenteada com honrarias… mais medalhas para as minhas coleções.

                  -- Ah, duquesinha, tudo isso por condecorações? – Indagou com descasos. – Pensei que fosse mais ambiciosa...

                  -- Tudo isso pelo ódio que tenho por ti, pela raiva que trago em meu peito, por tudo o que fez e pior, por ter me tirado do meu casamento.

                  -- Você vai casar, tenente, prometo que pagarei tudo… -- Dizia calmamente.

                   -- Sim, vai pagar com o seu couro…será que vale algo a pele de uma víbora?

                 Samantha olhou de forma despudorada para o corpo da jovem coberto apenas por uma toalha. 

                 Ainda tinha nas lembranças como era bela e macia…

                 Tentando se livrar dos pensamentos se mexeu, tentando tomar a espada e a tenente tentando se defender, atacando-a, fazendo um movimento brusco com a espada ferindo a comandante do navio no abdômen que não conseguiu se esquivar do ataque.

                 Olívia percebeu o que tinha feito e antes que pudesse fazer algo viu Eliah vir ao socorro da Lacassangner.

                 Olhava a inimiga lhe fitar com total reprovação, os olhos azuis pareciam querer invadir sua alma.

                 -- Deus do céu… -- O homem comentou ao ver o sangue. – O que houve aqui?

                  Samantha levou a mão à ferida para sentir o sangue, enquanto dirigia um olhar furioso para a filha de Fernando.

                    Eliah apoiou-a em seu ombro, levando-se para a cabine.

                  Olívia tirou a espada e viu o líquido viçoso. Alguns dos piratas se aproximaram, mas nada fizeram, apenas a olhavam-na com receio.

                  Não tivera a intenção de feri-la, mas pensara que ela a atacaria e por isso reagira.

                  Suspirou passando as mãos pelos cabelos, em seguida jogou a arma no assoalho.

                   

 

                 -- Que Diabos aconteceu? -- Eliah reclamava, enquanto ajudava-a a deitar. -- A tenente tentou te matar, temos que buscar um médico.

                 Samantha abriu os botões da camisa e viu o ferimento. O corte foi superficial no início, mas se aprofundou um pouco mais no fim.

                 Ainda não acreditava que a maldita militar perdera a concentração agindo de forma tão instintiva.

                -- Traga água para lavar, e bandagem.

                -- Sam, deixe de teimosia, preciso cuidar de você.

                -- Eu o farei…Sou médica!

                A voz da Sanotrini invadiu a cabine. Ambos a fitaram, vendo-a altiva para no meio do quarto.

               Ela trazia um quite de primeiros socorros.

               Samantha fez um gesto para que o pirata saísse.

            -- Cuide da condução do navio, daqui a pouco volto a ocupar meu posto.

              O velho pirata meneou a cabeça em resignação, saindo dos aposentos, mesmo temendo um novo confronto e mais ferimentos entre as duas mulheres.

             A filha do duque soltou um longo suspiro, aproximando-se, sentou na cama. Observou a ferida e viu a marca que todos sempre falavam como sendo a da Serpente… Era um conjunto de pequenos sinais que ficavam perto do seio esquerdo e parecia realmente se tratar de uma serpente com duas cabeças.

           -- Pensei que fosse terminar de me matar… -- A Lacassangner debochou com um sorriso. 

            -- Eu vou cuidar da sua ferida porque não quero que morra assim… sua morte merece mais glória…

           Mel começou a assepsiar o machucado e viu os olhos azuis se estreitaram.

            -- Está doendo?

             -- Não… -- Respondeu desviando o olhar.

            Sabia que a impetuosa militar não fizera de propósito. Tinha certeza disso, ela não agia com covardia diferente dos parentes.

            A tenente continuou a cuidar do corte, fazia-o com cuidado e vez e outra sua atenção era chamada pela respiração acelerada da sheika o que fazia com que os seios cobertos pelo sutiã rendado roubassem sua concentração.

             -- Queria morrer? -- Questionou enquanto fazia ficar ereta para colocar as ataduras. -- Ou achou que não seria capaz de te ferir? Por que partiu para cima de mim?

              A víbora não respondeu de imediato, pois a Santorini estava tão próxima lhe colocando as bandagens que era possível sentir o hálito refrescante e o cheiro delicioso que vinha dela.

             Observou os olhos dourados, os lábios entreabertos... a toalha...Precisava de roupas para que ela usasse, seria muito melhor.

                Segurou-a pelo pulso tão forte, trazendo-para perto de si, fazendo-a sentar sobre seu colo. Mirava os olhos estreitarem-se em fúria, mas não se abalou. Com a outra mão, segurou-a pelos cabelos, forçando ainda mais a proximidade. Aquela mulher merecia um castigo... Ah, como merecia.

               Olívia já tentava se afastar, mas seus lábios foram esmagados por outros ainda mais macios que os seus. Ainda tentou não ceder, mas a forma que aos poucos a língua lhe acariciava não lhe deixaram forçar para lutar. Aos poucos o beijo se aprofundava.

                 A filha do duque sabia que deveria encerrar o contato, mas não era a primeira vez que ficava totalmente rendida ao toque dos lábios cheios da bela pirata. Esse fora o motivo para não se confessar no dia do próprio casamento. Como teria coragem de dizer ao padre que trocara beijos com aquela mulher e pior, que gostara da sensação que sentia quando o fazia.

                 Capturou-lhe a língua, fê-lo timidamente, mas depois já fazia com mais sofreguidão, chupando-a com vontade.

                 Sentia os seios doloridos e o corpo fragilizado com o contato. Sensível... moveu-se sobre o colo dela...

                 A Lacassangner quem encerrou o interlúdio, empurrando-a, em seguida encostando-se ao encosto da cama.

                 A Santorini quase caiu, mas conseguiu se segurar na cadeira. Sentia o rosto corado.

                 -- Próxima vez que me atacar eu não serei tão benevolente. -- Disse irritada. -- Não pense , tenente, que não seria capaz de te jogar nessas águas para que morra ou para que os tubarões te comam... Ouse fazer novamente algo do tipo para ver o que te faço.

                    Mel estreitou os olhos.

                    -- Da próxima vez eu vou estar muito feliz na plateia te vendo sendo enforcada. -- Esbravejou.

                    Samantha esboçou um riso de debochado, enquanto se levantava e seguia até uma bolsa, de lá retirou outra blusa, essa de mangas longas e na cor azul.

                    -- Na sua cabeça estúpida você acha que está no século dezenove… não pode me enforcar, filha do duque, o máximo seria me ver na prisão… -- Dizia enquanto abotoava a peça de roupa. -- Se voltar a me atacar, eu vou te prender nas masmorras desse navio, lugar onde muitos morreram comidos por ratazanas. – Falou cruelmente. – Ou te amarro em uma das velas para que aprenda a ter modos!

                  -- Quanto tempo vai me manter aqui? Quanto de resgate está pedindo? -- Indagou se aproximando.

                  Diante da pergunta inesperada franziu o cenho.

                  -- Resgate? -- Inquiriu ao arquear a sobrancelha esquerda em desdém. -- Não vale uma moeda furada. – Seguiu até a porta. -- Estou avisando, tenente, ainda não me conhece, não sabe como posso ser cruel.

                  Mel ficou lá parada, como se visse o rastro que a Víbora tinha deixado.

                  Sentia na boca o gosto dela... O sabor dos lábios cheios e sensuais... Por que se sentia tão fraca quando ela a tocava? Mesmo que nunca chegasse a admitir, sentia desejo pela pirata...

                   -- Vagabunda... maldita vagabunda do mar!

                

 

                   Todos os tripulantes e convidados do casamento da herdeira do duque de Del Santorra desembarcaram em meio ao pânico. Muitos dos pertences tinham sido roubados e foram ameaçados durante longas horas até que os piratas deixaram o Cruzeiro. Algumas das poderosas pessoas resolveram denunciar os responsáveis pelo evento e pelo navio pela total falta de segurança. Mostraram-se em total indignação com o que tinha se passado.

                 O Bragança era o mais alterado dentre todos.

                 Seguira até o comando da marinha. Culpava a todos pelo que se passara, argumentando que tudo isso era o resultado de eles terem acolhido uma fora da lei ao invés de puni-la.

                 -- A minha noiva fora levada pela maldita pirata e vocês nada fizeram ainda. -- Juan esbravejava diante da mesa do comandante geral. -- O que desejam? Que a maldita Víbora a mate? Todos sabem que essa mulher odeia os Santorinis, ainda mais depois que a Mel travou uma verdadeira batalha pelas terras que fazem parte da nossa fazenda.

                 O comandante não parecia se importar com o descontrole do jovem noivo. Tentava não perder a paciência em consideração à família que conhecia muito bem.

                  Estava inteirado dos acontecimentos, porém não podia imputar o que se passara a Samantha Lacassangner, não havia provas concretas sobre o ocorrido. O que entendia é que não apenas o duque como Sir Arthur tinham inimigos além da filha do Serpente.

               -- Tudo já fora feito, estamos em perseguição desde que soubemos do que se passou. A tenente é bastante valiosa, ninguém a jogaria simplesmente no mar.

               -- Não esqueça que já fizeram uma vez…

              Aquela fora a primeira vez que a voz do duque se fez ouvir.

              Ele mantinha-se de pé, observava tudo com grande atenção, parecia ponderar, a esposa estava ao seu lado e não parava de chorar.

             -- Estou tomando todas as providências, acredito que logo tudo será elucidado. -- Retrucou calmamente. -- Vão para casas de vocês e se tranquilizem, tenho tudo sob controle. -- Levantou-se. -- Eu mesmo acompanharei de perto todas as buscas e os culpados por isso serão responsabilizados.

               -- O senhor quis dizer a culpada! -- O empresário voltou a esbravejar. -- Aceitaram que essa maldita mulher retornasse a nossa terra, aceitaram-na como se fosse uma heroína, uma maldita pirata e agora vocês terão que se responsabilizar por tudo que acontecer com a minha futura esposa.

               Juan saiu, o duque também, mas Sair Arthur que passara todo o tempo a observar toda a discussão permaneceu lá.

              O comandante entregou-lhe um charuto, esperou-o acender, fez o mesmo com o que tinha entre os lábios, deu algumas baforadas, depois disse:

                  -- Não acredito que a sheika tenha algo a ver com tudo isso...

                  -- Defende-a? – Questionou tentando manter a calma. – Minha neta está em perigo, só Deus sabe o que pode acontecer... – Levantou-se. – Irei com vocês, quero fazer parte das buscas.

                  -- Até dois dias atrás o senhor não estava bem de saúde, então o melhor é manter o repouso para que não tenha recaídas.

                 -- Não terei recaídas! – Negou aborrecido. – Irei com todos vocês e se dessa vez ficar provado que essa maldita mulher tem algo a ver com o que aconteceu, eu mesmo a matarei.

                 -- Acalme-se, Sir, tudo está sob controle...

                  -- Espero verdadeiramente que tudo esteja no seu controle… -- Levantou-se, deixando a sala.

 

 

                 O avião particular aterrissou no aeroporto.

                 Miranda e Julie desembarcaram e seguiram para um hotel, não acharam prudente ir até a cobertura onde a Lacassagner costumava ficar.

                 -- Você estava certa! – Belinda foi logo falando ao vê-las entrarem.

                 A Maldonado fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                 -- A maldita marinha nada fez, nem mesmo conseguiram pegar os invasores. – Abriu o notebook. – Estou muito preocupada com a segurança da Samantha nesse momento. Acredito que irão até ela.

                A loira trocou um preocupado olhar com a Belinda.

               -- Talvez seja necessário que sigamos até lá...

               -- Não chegaríamos... Há uma tempestade em toda a área... Nem mesmo os experientes almirantes partirão até lá. – Julie alertou.

                Miranda levantou-se, andava de um lado para o outro, demonstrava total preocupação.

                -- Nesse momento teremos que confiar na experiência da Sam, eu tenho certeza de que ela saberá se cuidar. – Belinda tentava acalmar a chefe.

                A Maldonado tentava se convencer disso, mas começava a se assustar só em pensar que seria responsável por algo ruim que chegasse a acontecer a filha do Serpente do mesmo jeito que não conseguira salvá-lo, como também não conseguira salvar a mãe da Mel.

                -- Preciso de mais agentes, chame-os, Julie, também quero um navio e um helicóptero.

               A mulher fez um gesto afirmativo com a cabeça, seguindo para cumprir imediatamente as ordens que foram dadas.

 

                

               Mesmo não sendo noite ainda, a escuridão já tinha tomado conta do céu. As águas batiam furiosamente contra a proa, parecia querer destruir tudo que estivesse no seu caminho.

               A chuva caia como se fossem pedras, os pingos chegavam a doer quando batiam na pele.

               -- Mantenha as velas!

               A voz de Samantha vociferava, enquanto seguia de um lado para o outro para manter o navio em curso.

               Eliah tentava manter o timão, mas parecia uma tarefa quase impossível.

              

 

 

              A Santorini ouvia o barulho da tempestade, mas continuava presa na cabine, pois essas foram as ordens da Lacassagner depois do ocorrido mais cedo.

              Foi até o baú, escolhendo as roupas para usar, pois ainda seguia de toalha.

              Vestiu uma camiseta que chegava até a cintura, depois uma bermuda curta, não pegou as peças íntimas, pois não encontrou.

              Murmurou em irritação.

              Prendeu os cabelos com um elástico, depois caminhou até a porta.

              Forçava-a.

             Quase caiu ao sentir o impacto que o navio recebera.

              Praguejou alto.

              Não iria ficar ali, não enquanto algo terrível se passava.

               Sentou-se no leito. Ponderava o que poderia fazer para conseguir sair, mas antes que um plano surgisse em sua mente, viu a porta ser aberta e Eliah aparecer todo molhado.

               -- Preciso da sua ajuda, não estamos conseguindo sozinhos controlar a embarcação.

              Os olhos dourados demonstravam descaso.

              -- Ah, então agora a Víbora precisa da minha ajuda.

              -- Ela nem sabe que estou aqui, se soubesse seria capaz de me matar, porém nossa tripulação é pequena. A Sam está se virando em mil, sei que a senhorita é tenente e por isso vim aqui pedir que ajude.

              Ela parecia ponderar, exibindo o olhar orgulhoso e altivo.

              -- Se o navio for tomado pela tempestade, a senhorita será a primeira a morrer presa aqui!

              Sim, ela sabia disso, melhor seria subir e tentar ajudar.

              Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto seguia rapidamente pela porta.

 

 

               Os raios cortavam os céus com uma terrível fúria e os trovões lembravam os bombardeios de uma guerra.

               A Lacassagner estava escalando uma das velas, tentando-a mantê-la içadas, algo difícil naquele momento.

               Sentia a força do vento quase arrancando-a de lá. Segurava-se firme e começava a sentir dor no abdômen onde fora ferida mais cedo.

               Sabia que aquele tipo de tempestade seria capaz de destruir tudo em seu caminho e como não contava com uma tripulação experiente, fazia quase tudo sozinha contando com o apoio de Eliah.

               -- Sigam para verificar o bombordo, verifiquem os danos! – Gritava para ser ouvida em meio à chuva.

               Olhou para baixo e viu a Santorini seguir para a outra vela, escalando-a facilmente, depois buscando mantê-la aberta. Após alguns longos segundos, ela conseguia desenrolá-la, fazendo-a içar.

                Sentiu-se aliviada ao sentir o navio apresentar maior estabilidade.

                Seguiu até a última vela, fazendo o que a filha do duque já tinha feito. Porém essa apresentava um rasgão, precisaria de ajuda para remenda-la.

                Mel percebia o que se passava, então foi até a pirata para ajuda-la.

                Viu o olhar debochado em sua direção.

                -- Quem te soltou? – Sam indagou, enquanto fazia-a segurar o tecido para que pudesse iniciar a costura. – Deixei-te presa para não causar problemas.

                -- Bem, o Eliah que parece o único ser inteligente entre a sua tripulação me pediu ajuda... – Encarou-a. – Se fosse para salvar só a tua vida, eu nem teria me movido...

                A Lacassangner nada disse, usando sua concentração para remendar a vela, algo que não era tão fácil, pois a chuva caia cada vez mais forte, sem falar na ventania.

              -- Preciso que me segure... – Pediu – Estou sem estabilidade...

              A militar assentiu, então devagar, posicionou por trás dela, abraçando-a com uma das mãos.

              Olhava para baixo e estremecia só em pensar que a pirata poderia cair.

              As ondas batiam forte contra a proa, molhando a parte inferior da embarcação.

              O amigo de Sam corria para conseguir manter a direção do barco.

               Sabia como aquelas tempestades eram perigosas. Já enfrentara várias ao lado do Serpente e conhecia bem como podiam ser destrutivas. Observou as duas mulheres trabalhando juntas e sabendo que não duraria muito essa cooperação e paz.

                Depois de quase  meia hora, a Lacassangner conseguiu fazer o remendo e logo descia acompanhada da inimiga declarada.

                Ambas estavam molhadas e era possível ver o sangue no abdômen da pirata, mesmo assim ela não parava, continuava a tomar todas as atitudes para conseguir estabilizar o navio.

                Mel usava toda sua experiência para ajudar Eliah.

                Ela nunca estivera em uma situação daquelas, pois sua função na marinha estava mais ligada à medicina, mesmo assim recebera treinamento para essas ocasiões.

                Por mais de duas horas ficaram naquela situação até que a chuva amenizou e o perigo parecia ter passado.

                -- Está sangrando... – O pirata alertou a filha do Serpente. – Sua ferida reclama do esforço que fez.

               Mel aproximou-se depois de terminar de ajudar a jogar a água para fora da embarcação.

               -- Tenente, a senhorita foi de grande ajuda. – O velho dizia. – Sou muito grato por ter se prontificado.

               Ela olhou de esguelha para a sheika.

               -- Acho melhor que você vá descansar, Sam, não está bem ainda.

               -- Eu vou apenas tomar um banho e retorno para cuidar da embarcação. – Fitou a filha do duque. – E você vem comigo, Santorini, não confio em ti dando sopa por aí.

               A jovem já ia retrucar, mas teve a mão segurada pela da Lacassagner. Ignorou o frenesi que passou por sua espinha.

               Seguiram pelo corredor, enquanto a outra aumentava os passos, praticamente arrastando a jovem que ficara tão chateada que tentou se soltar, porém já estava perto da porta, então Samantha já fê-la entrar, trancando a porta atrás de si.

                -- Nunca mais saia me arrastando assim! – Apontou-lhe o dedo.

                A filha do Serpente nem respondeu.

                Seguiu até perto da cama, retirou a camisa, depois a calça, ficando apenas com o sutiã e a calcinha.

                Samantha passou os olhos pelas ataduras e viu o sangue.

                Cerrou os dentes porque sentia dor.

                Mel estava do outro lado do quarto, tentava ignorar a captora que exibia o corpo sensual como se fosse normal e não parecesse uma deusa vingativa e arrogante.

                Ouviram batidas na porta e pensou se ela se cobriria para ir lá abrir, mas não foi isso que fez. Via perplexa ela seguir até lá, abrindo-a.

                Dois dos tripulantes entraram, cada um carregava dois baldes com água flamejante.

               Depois de alguns segundos ficaram sozinhas.

               -- Você não tem vergonha mesmo, né? – Indagou com as mãos na cintura. – Age como vagabunda.

               Os olhos azuis encararam os dourados com irritação.

               -- Ajude-me aqui, antes que perca a paciência! – Vociferou. – Não estou interessada na opinião que tem sobre mim.

   -- E por que acha que vou te ajudar?

   -- Porque você usou a espada para me machucar e eu não te fiz nada ainda, mas não deixou de passar pela minha cabeça te amarrar na prancha e esperar que os tubarões te comam.

   -- Eu deveria ter deixado essa embarcação afundar contigo dentro.

   -- E contigo também, claro...Ou a pombinha da paz ia sair voando? – Começou a livrar-se da bandagem sozinha, cerrando os dentes para evitar gemer com o incômodo.

   Os esforços que tinha feito acabara por deixar o pequeno ferimento mais inflamado. Inclinou a cabeça para observar com atenção. O corte tinha sido superficial, mesmo assim precisava de cuidados, pois estavam no mar e isso poderia aumentar as chances de uma infecção.

   Mel estava do outro lado do quarto, apenas observava tudo e ficava a lutar com seus próprios pensamentos que a recriminava pelo que tinha feito. Soltou um suspiro de resignação, depois caminhou até onde ela estava.

   -- Tome banho e passarei o unguento que Eliah me deu. – Disse por fim.

   Samantha inclinou a cabeça para fita-la por alguns segundos, em seguida terminou de se livrar das roupas sem se importar em tê-la tão perto de si. Depois deu as costas, seguindo até a tina, entrando. Inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos.

Estava um pouco cansada, os ombros doloridos e os braços dos esforços empregados para não deixar que o navio fosse levado para além da rota traçada. O bom de tudo aquilo fora o fato de não ter mais por perto os navegantes desconhecidos.

Tudo aquilo podia ter sido mais fácil se tivesse uma tripulação experiente ao dispor. Não podia negar que tivera grande ajuda da filha de Fernando. Ela fora de grande importância para não terem perdido o total controle da embarcação. Se não fosse tão arrogante e mimada poderiam ter um pouco de paz.

 Ouviu os passos dentro dos aposentos, então a fitou.

 -- Tire logo essa roupa e venha tomar um banho quente antes que pegue uma pneumonia. – Falou ao vê-la enrolada em uma toalha.

   -- Farei-o quando você sair.

   -- Não seja boba, nem mesmo irei olhar para ti, sinta-se segura, não vou molestá-la.

   -- Como se não tivesse feito outras vezes...

   -- Sim, fiz, mas não farei mais. – Esboçou um sorriso. – Vou até fechar os olhos para que sinta à vontade.

   A Santorini observou-a por alguns segundos, realmente ela parecia interessada em cumprir o que tinha dito.

   A água estava quente, conseguia ver o vapor, era tudo o que seu corpo precisava naquele momento. Estava se sentindo enregelada.

   Lentamente, despiu-se e pé a pé seguiu até a tina.

   Soltou um gemido de prazer ao ter a carne aquecida. Inspirou o aroma que vinha do líquido.

    Ainda não conseguia acreditar em tudo o que tinha acontecido. Às vezes pensava se tratar apenas de um pesadelo e que ainda estava em seus aposentos no luxuoso transatlântico esperando o avô para leva-la até os braços de Juan.

    Tamborilava os dedos contra as próprias pernas que estavam encolhidas, evitando qualquer contato com a raptora.

    Curiosa, ouviu-a ressonar de forma delicada.

    Tinha adormecido!

     Observava os cílios longos protegerem os olhos fechados. O nariz não muito grande, todo moldado de forma altiva. Desceu até os lábios que se mantinha entreabertos, deixando um pouco dos dentes alvos de fora. Lembrou-se com desgosto de como eles eram macios contra os seus e como pareciam destruir todas as suas defesas.

      Como podia gostar do beijo da maior inimiga?

      Antes parecia um pouco complicada de provar que a filha do Serpente era culpada por todos os crimes que não fora punida, mas agora com o sequestro tudo ficaria mais fácil para condená-la... porém...

      Em sua mente não fazia sentido que ela mesma a tivesse levado, não se importando em esconder a própria culpa...

      Aquela mulher era uma incógnita...

      Teria sido ela mesma quem ordenara a morte da sua mãe?

      E se não fora ela quem atacara a babá?

      Ainda se recordava das manchetes que tinha lido sobre a pirata ter sido levada como escrava de um poderoso sultão...

      Sentiu a perna dela roçar na sua, encolheu-se mais.

      -- Não vou te morder, tenente...

      A voz baixa e rouca tinha um tom de provocação.

      -- Acho que poderia passar longas horas aqui, dormindo, tendo a minha frente uma eficiente marinheira... – Fitou-a. – Nem sei se a espada ainda estar por aqui, temi ficar sem meu pescocinho.

      Mel relanceou os olhos em exasperação.

      -- Então a gente tem uma trégua, bela tenente...

      -- Não, não temos, porém esperarei o momento certo para te fazer pagar por tudo.

      Um sorriso travesso pairava sobre os lábios rosados da pirata.

      Ela puxou a perna da filha do duque e mesmo sob protestos iniciou uma delicada massagem no pé.

      -- Você é a pior pessoa que já tive o desprazer de conhecer! – Disse irritada.

      -- Eu não estou fazendo nada de mal, apenas uma massagem... Você vai gostar, então sossega e aproveita.

      -- Aproveitar? – Indagou com um arquear de sobrancelha.

      -- Sim, melhor que gastarmos energias com brigas.

      A Santorini ficou em silêncio por alguns segundos. Realmente os dedos longos e delicados tocavam de forma relaxante seu pé.

      -- Para onde estamos indo, Víbora? – Perguntou curiosa. – Nos afastamos bastante de uma rota normal para os navios.

       Samantha acariciava a pele delicada, sentindo aos poucos desejo acender.

       Fechou os olhos tentando se concentrar.

       -- Já ouviu falar na ilha da Serpente?

       Os olhos dourados abriram-se em perplexidade.

       -- E esse lugar existe?

       -- Claro que existe... – A Lacassangner a fitou. – Não apenas existe como eu fui criada lá até quase meus dez anos.

       -- Uma ilha deserta?

       -- Sim! – Disse ao levantar-se e deixar o recipiente.

       Mel não desviou o olhar a tempo, então viu perto das nádegas da captora uma marca que dava para perceber que fora feita a ferro.

       Levantando-se foi até ela, vendo-a cobrir-se com um roupão, fez o mesmo, amarrando-o.

        -- Você tem uma marca...

        Samantha a fitou por alguns segundos. Observava com cuidado a linda mulher.

        -- Sim, tenho várias. – Seguiu até o baú, tirando de lá uma pequena garrafa. Abrindo-a, deu alguns goles.

        A Santorini a olhava de forma desconfiada.

        -- Há uma marca perto do seu bumbum...

        A Lacassagner não respondeu de imediato, seguindo até o leito, sentou-se, depois a fitou.

        -- Em um dos meus aniversários, acho que treze anos, fui sequestrada e para que sempre soubesse quem eu era, marcaram-se com ferro quente a imagem de uma serpente...a marca da besta, diziam, eu me acostumei a chamar da marca da víbora...

        Mel ouvia tudo, vendo-a falar tão naturalmente e só pensava como foram cruéis em submeter uma acriança a tamanha tortura.

        Não desejava sentir outro tipo de sentimento que não fosse a raiva e o ódio pela sheika, mas não conseguia parar de imaginar uma garotinha assustada diante de tanta maldade... Como conseguira suportar?

        Desviou o olhar ao vê-la levantar e começar a se vestir.

       Por que a incomodava tanto a nudez daquela mulher? – questionava-se internamente.

      -- Venha cuidar do machucado, tenho que ocupar meu posto!

      -- E desde quando você me dá ordens? – Aproximou-se. – Olha o tom que fala comigo, não sou sua empregada.

      -- Não? – Provocou-a com um arquear de sobrancelha. – Faça logo isso ou vou abrir uma denúncia de tentativa de assassinato.

      Mel relanceou os olhos.

      Pegou o kit de primeiros socorros e já se preparava para arremessar contra ela, mas a pirata fora rápida, segurando-lhe o pulso, jogando a militar sobre a cama, pondo-se sobre ela.

      -- Maldita Víbora! – Vociferava.

      Samantha apenas ria, deixando-a ainda mais brava.

      -- Solte-me!

      -- Só se prometer que não vai jogar nada em mim!

      -- Vou te jogar um vaso, assim quebro a tua cabeça de uma vez.

      A morena gargalhava.

       -- Calma, tenente... – Sentou-se sobre a cintura dela. – Se continuar a agir assim vou ter que voltar a colocar sua coleira.

       Os olhos dourados pareciam soltar chispas de raiva.

        -- Pirata dos infernos...

        -- Sabe que às vezes tenho vontade de cortar a sua língua...

        -- Então corta... Vamos ver se é tão mulher para isso...

        -- Sim...

        Antes que a outra pudesse reagir, sentiu os lábios comprimidos contra os seus. Manteve os olhos abertos, apenas observando a forma sensual como a mulher lhe tocava. Mantinha a boca fechada, impedindo o acesso, mas isso não parecia perturbar a outra. Ela usava a língua para passear, fazendo-o calmamente.

        Sentiu o aroma de rum e isso parecia embriagar seus sentidos ainda mais.

        Fitou os olhos azuis que pareciam de feiticeiras.

        Então cedeu, permitindo que os lábios se unissem em um beijo avassalador.

        Tinha a impressão que uma descarga elétrica percorria cada parte de si, empurrando-a para um abismo, no qual, não temia mergulhar.

        Dessa vez, fora a herdeira do duque quem capturou a língua da inimiga, tomando-a para si como se lhe pertencesse.

        Samantha lhe soltou as mãos e logo as tinha sobre seu corpo, sentindo-a lhe acariciar.

       Buscou as amarras do roupão, abrindo-o, procurou os seios redondos. Sentiu o desejo aumentar de forma tão dolorosa que a vontade era de livrar-se das roupas, sentir o sexo feminino contra o seu... Tocá-lo... Sentir o gosto...Esfregar-se a ele... Sim, ela também a queria, era possível sentir o delicioso aroma de desejo...Remexeu-se sobre o corpo feminino, buscava de alguma forma amenizar aquela fome...

       A Santorini segurava os cabelos macios, mantendo-a ainda mais perto de si.

       Afastou as pernas, assim acomodando-a de forma mais prazerosa.

       Sim, a verdade era que queria aquela mulher, sentia um desejo que nunca imaginara sentir em sua vida. Nunca pensara que existisse algo tão poderoso como a vontade de ir mais além, mesmo sabem saber o que encontraria.

       -- Estamos amaldiçoados!

      Mel se afastou e Samantha viu Eliah entrar nos aposentos gritando. Trazia um pequeno gato debaixo dos braços.

       A Lacassagner sentiu a dor no abdômen pela brusquidão do empurrão. Sentou-se no leito, enquanto olhava para uma tenente tão corada quanto um algodão doce de morango.

       Passou a mão na face, tentando recobrar o controle.

       -- Estamos amaldiçoados! -- Repetia o pirata. -- Veja o que estava escondido no navio. Por isso quase morremos...

        A Víbora cruzou os braços sobre os seios. Sentia-se grata e irritada pela interrupção.

      -- É apenas um filhote, deve ter entrado no porto. -- A tenente se aproximou, tomando o felino nos braços. 

      Era um animal que não devia ter mais de três meses. Bastante peludo e de cor preta, tendo apenas as patinhas brancas e um sinal no olho esquerdo que era verde.

      Ouviu-o miar.

      Não costumava ter animais, pois o pai sempre dizia que era uma distração que pessoas inteligentes não deveriam ter.

      -- Vamos jogá-lo no mar, gatos não trazem boa sorte, todos os piratas sabem disso. -- Voltou a falar o mais velho fazendo o sinal da cruz.

     A filha do duque olhava para o homem com ar de incredulidade.

     -- É um filhote! – A militar falou em defesa, depois fitou a mulher que há pouco lhe devorava a boca. -- Você não vai permitir que joguem ele no mar! -- Ordenou.

     Eliah olhava de uma para outra com olhar de reprovação.

    -- Você só pode estar louca, Lacassangner! – O pirata disse meneando a cabeça negativamente. – É uma pirata!

     O velho deixou o quarto, pisava duro e parecia contrariado.

      Samantha soltou um longo suspiro.

     Os piratas, mesmo nos dias atuais, conservavam crendices tão antiga quanto a criação do mar e uma dessas era que gatos eram seres amaldiçoados que jamais deveriam seguir em um navio. Devido a isso era normal as grandes embarcações estarem sempre infestadas de ratos.

    -- Não estamos na idade média!

  A morena deu de ombros. Nunca acreditara nessas crenças, mas seu pai jamais permitiria que um felino subisse no Serpente do mar.

   -- Não me diga que vai cuidar desse animal? -- Samantha Indagou, enquanto se levantava. -- Só te aviso que se ele ficar andando por aí, Eliah vai jogá-lo fora, ele acredita muito nessas coisas.

    A tenente acariciava os pelos macios, mas novamente sua atenção se desviou para a pirata que prendia os cabelos com um elástico.

     Umedeceu os lábios demoradamente. 

     Por que sentia aquela agonia quando estava perto daquela mulher? Tinha a impressão que a pele estava queimando, os seios doíam, pareciam implorar pelo toque que fora interrompido.

      -- Se ele o fizer, vai ser mais um crime para você se responsabilizar.

      Samantha colocou os óculos transparente, fazia-o lentamente, parecia buscar paciência.

      -- Ah sim, tinha esquecido que estou cometendo um crime por ter te tirado do seu casamento ridículo.

        -- Ridículo? -- Indagou aproximando-se. -- Seus crimes serão contabilizados.

        -- No acúmulo formal ou matéria? -- Piscou debochada. -- Não vou dormir aqui, prefiro ficar lá fora, aqui é um perigo, tenho medo de não me controlar e te jogar na água para ver se os tubarões te comem.

       Mel ainda abriu a boca para retrucar, mas sabia que o melhor seria se manter em silêncio, pois a discussão seria eterna.

 

Comentários

  1. Que obra incrível.
    Tão bom ficar ansiosa por algo.
    Você é tão talentosa, querida autora.
    Louca pelo próximo capítulo.

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  2. Que nome a Mel dará ao gatinho? Com certeza fará uma linda homenagem a Sam, “Mamba Negra”? 🤭
    Não, mas o que o Eliah atrapalhou não estar no gibi, que ódio! kkkkkkk
    Ansiosa pelo próximo capítulo.
    Bjssss!

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  3. Estou tão ansiosa para vê essas duas chegarem as vias de fatos. Geh, como é bom ter mais uma história sua. Sou fã de sua escrita.

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  4. Eu estou totalmente rendida a essas duas, que personagens lindas, eu sinto todas as emoções, amo isso.

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