A víbora do mar - capítulo 15 -- O sequestro

A cobertura, no topo de um dos prédios mais altos do país, abrigava o escritório da defesa internacional. A instituição era responsável por desvendar crimes entre países de todo o mundo, elucidando crimes que conseguiam manter-se escusos dos olhos da humanidade. Sua sede ficava perto das frias águas do Norte. Eles não eram uma força judiciária, não contava com policiais, mas com agentes fortemente treinados para intervir sempre que era necessário.

Julie bateu à porta e depois de alguns segundos recebia a permissão para adentrar o espaço.

Encontrou a chefe do departamento debruçada sobre um extenso mapa. Os olhos exibiam enormes olheiras. Sabia que ela não retornara para casa nas últimas setenta e duas horas.

Colocou a bandeja sobre a mesa e só naquele momento conseguira a atenção da Maldonado.

-- Vai acabar ficando doente... – Disse em tom de reprovação.

Miranda encarou a ruiva que a mirava com aqueles olhos verdes que pareciam julgar todo o universo.

Conhecia-a há muitos anos.

Ambas serviram juntas à marinha, até decidirem seguir outros caminhos quando foram recrutadas para o departamento.

-- Você sabe que há algo estranho nos movimentos feitos por esses contrabandistas. – Apontou um ponto no catálogo. – Não nos antecipamos e agora podemos dar um tiro no escuro.

-- Então o melhor é esperarmos, vamos pagar para ver.

Mirando soltou um longo suspiro, enquanto bebia um pouco do café.

-- Conseguiu falar com o chefe da defesa marítima?

Julie acomodou-se.

-- Sim, consegui e recebi um “NÃO” bem enfático. Não farão nada diante de especulações.

-- Especulações? – Deixou a delicada porcelana sobre a escrivaninha. – Se tivessem nos ouvido nada disso teria acontecido, não teriam perseguido um homem inocente e destruído a vida da filha dele, tampouco a Santorini teria sido vítima de uma armação.

A ruiva permaneceu em silêncio.

Sabia como a amiga sentia-se culpada por não ter conseguido provar que o Serpente do mar não era o culpado dos crimes, fora por causa dele que ela abandonara o cargo de sucesso na marinha. Estivera ao lado dela durante todos os anos e quando ela perdera o rastro da Lacassagner, quase enlouquecera. Buscara-a dia após dia durante longos dez anos, tendo a obsessão de redimir-se do que fizera.

-- Darei um tiro no escuro! – Disse por fim. – Ligue para a Samantha, deixe os agentes prontos...

Julie levantou-se com os olhos arregalados.

-- Se estiver errada vai condenar novamente a Sheika!

-- E se eu tiver certa e não agir, ela vai ser condenada mais uma vez por um crime que não cometera.

-- Não estamos falando de qualquer um, estamos falando da família do duque, estamos falando do poderoso almirante...

-- Olívia está na mira desses bandidos, tenho certeza de que irão agir...

-- E se estiver errada vai acabar com o casamento da tenente... e vai levar a sua pirata preferida para atrás das grades mais uma vez. – Voltou a sentar. – O que não acredito que impactaria a ela, afinal, você fez tanto sacrifício para tirá-la daquele lugar, quando ela nunca quis sair.

Miranda abriu a boca para protestar, mas não encontrara argumentos para isso, afinal, estava claro que a filha do Serpente não se importaria em retornar para a penitenciária de segurança máxima. Estivera em sua companhia nos últimos meses e a frieza persistia em suas ações, a indiferença estava sempre presente nos olhos azuis, como se não tivesse ainda achado um sentido para estar viva.

Entendia como ainda sofria pela morte da esposa e como se via como responsável do que ocorrera. Viu-a no dia que fizera aniversário do assassinato da Laura, encontrou-a no cemitério, percebera em seus olhos como havia a dor e a culpa.

-- Miranda, reconsidere, vamos esperar o desenrolar das ações. – A ruiva apelou. – Podemos ganhar inimigos implacáveis se agirmos sem provas.

-- Não tenho provas e não tenho como convencer essas pessoas que estou certa. – Declarou tristemente. – Há alguns anos eu os alertei para os riscos que a Santorini estava passando, falei sobre o doente comandante que tinha grande influência no meio deles, disse que ele agia movido pelo desejo doentio de encontrar a Samantha e que isso era muito arriscada... – Cerrou os dentes – simplesmente todos os relatórios da nossa inteligência foram ignorados e o resultado foi a quase morte da tenente. – Respirou fundo. – Organize a embarcação, faça tudo o que falei, vou colocar meu plano em prática.

-- E vai realmente usar a Lacassangner para isso? – Indagou em desespero. – Você está colocando um objeto inflamável perto de um possível incêndio. – Alertou-a. – Sabe que a Olívia tem mais ódio da pirata que todos, sabe que ela vive buscando por todos os meios uma forma de provar que ela é culpada por tudo o que aconteceu com sua mãe... Eu sempre te apoiei, vou continuar te apoiando, mas isso não significa que concordo com tudo isso.

-- E o que quer que eu faça? – Questionou impaciente. – Aponte-me alguém que possa fazer esse serviço, apenas uma pessoa que consiga navegar por esse mar sem ser pego... apenas um nome e eu desisto da Sam.

Julie umedecia o lábio superior demoradamente.

Ponderava, sabendo que a Maldonado estava certa. Não havia outro para desempenhar aquele trabalho, do mesmo jeito que não conseguira alguém para salvar a família do príncipe Ralf.

-- A Santorini vai ter ainda mais ódio da Lacassagner... – Falou tristemente – Eu que não fará diferença para a nossa sheika, porém não acredito que tanto sentimento negativo seja algo bom, tenho medo que ela também mergulhe nesse mundo de maldade de Sir Arthur.

-- Olívia tem um caráter invejável, não é um ser humano covarde como o duque nem como o almirante.

-- Mesmo assim...

Miranda apenas assentiu, voltando a ocupar a cadeira de couro.

Discou o número do celular da pirata, mas o aparelho apenas chamava. Redirecionou a chamada para Belinda e rapidamente foi atendida.

Os riscos daquele plano existiam, ela sabia disso muito bem, pois já estudara toda a ação, apenas torcia para que no final tudo terminasse bem e ninguém saísse ferido daquela perigosa empreitada.

 

 

A pequena lancha misturava-se a tantas que passavam pelo porto. O piloto acelerava e cada vez ficavam mais longe do transatlântico.

Samantha observava a noiva desacordada sobre a cama do luxuoso transporte. Parecia aquelas princesas dos contos de fadas.

Lentamente, livrou-se das roupas que usara para conseguir passar despercebida no cruzeiro.

Tomou um banho rápido e se vestiu.

-- Agora você está muito mais uma pirata que uma sheika...

A Lacassangner viu Belinda aproximar-se.

-- Miranda desejava lhe falar dentro de dez minutos... – Arrumou-lhe os cabelos por trás da orelha. – Eu adoraria ser sequestrada por ti... – A loira provocou – porém acho que terá problemas quando a tenente despertar... O santo dela não bate com o teu... E você acabou de estragar o dia mais feliz da vida de uma mulher.

A morena voltou a fitar o leito.

Não era preciso que lhe falassem aquilo. A relação entra ambas já era de desentendimentos e ódio, agora seria ainda pior, afinal, tirou-a do próprio casamento, estava levando-a para longe, agindo como a fora da lei que ela passara a vida perseguindo.

-- Vou tentar o contato com a chefe, não demore! – A agente avisou, deixando a cabine.

Samantha aproximou-se do leito, sentando-se, enquanto observava o rosto corado.

Segurou-lhe a delicada mão que estava protegida por uma luva. Retirou a espada da bainha.

Esboçou um sorriso.

A tenente sempre ostentava seu poder de espadachim.

Acariciou-lhe a face delicada, depois afastou-se.

 

 

 

Belinda estava na cabine e conseguira a ligação com a Maldonado.

-- Você não seguirá com ela, preciso de você por perto, quero que acompanhe todo o desenrolar dos acontecimentos para mim.

A loira fez um gesto de assentimento.

-- Acha mesmo que o cruzeiro será atacado?

-- Não sei... – Suspirou.

A agente viu a porta abrir e lá estava a filha do Serpente.

-- Bem, Sam, agora você seguirá sem a Bel... Tenho outros planos para ela. – Dizia calmamente. – Eliah está no navio e tem consigo dois agentes que seguirá contigo.

A morena assentiu, enquanto sentava-se diante do timão.

-- Poderei contar a verdade para a tenente?

Miranda ponderava.

Inicialmente fora essa as ordens. Que contasse todo o plano, assim poderia enfrentar menos problemas, porém agora a situação mudara. Não podia esquecer quem era Olívia Santorini.

-- Infelizmente não...

Os olhos azuis permaneciam impassíveis.

-- Não acho que contar a verdade amenizaria a situação, sem falar que ela faria uma ligação entre a gente, e se chegasse aos ouvidos do duque ou de Arthur poderia ser problemático e perigoso.

-- Você decide...—Respondeu pacientemente.

-- Quero que tome cuidado, mais uma vez reafirmo que Olívia é uma inimiga a altura, não é qualquer uma, então não a subestime.

-- Não o farei!

Ouviram os marinheiros avisando que já podiam seguir para o navio.

-- Outra coisa... Afaste-se o quanto puder, pois assim que começarem as buscas, você será o alvo.

A sheika fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- No seu navio há um direcionador, saberei onde se encontra e quando for o momento, mandarei o resgate, fora isso não haverá contatos...

Novamente a morena apenas meneou a cabeça afirmativamente.

-- Que Deus a proteja...

 

 

Os aposentos estavam envolvidos na penumbra. Nada conseguia ver.

Mel mantinha os olhos fechados e enfrentava uma batalha para conseguir abri-los. Parecia que estavam colados. Pensava se estava mergulhada novamente nas águas frias, mas então se recordou do tom azul que a encarara.

Estaria em algum tipo de pesadelo.

Novamente tentou abrir os olhos e dessa vez obteve sucesso.

Olhava tudo ao redor.

Havia uma cadeira gasta pelo tempo, mais à frente uma tina de madeira. Inclinou a cabeça para o lado e viu uma pequena escrivaninha com alguns mapas sobre.

Tentou levantar-se e foi naquele momento que percebera que seus pulsos estavam presos por algemas em grades que foram coladas na parede.

Cerrou os dentes.

O que estava acontecendo?

Lembrava-se de estar pronta para o casamento, e depois apenas a escuridão.

Apurou os ouvidos, mas não havia sons. Não era onde deveria estar.

Voltou a examinar o lugar.

Um navio pirata?

Prendeu a respiração.

Ouviu passos, permanecendo atenta, não demorou para a porta ser aberta.

 

 

 A embarcação se afastava cada vez mais. As ordens da Miranda fora direta: esconder-se por aquele enorme oceano até que fosse dado o aviso para retorno.

             Já era noite, mas a Lacassangner seguia guiando o navio.

            Há quanto tempo não fazia aquilo?

            Era como se nunca tivesse parado de fazê-lo. Era como se ainda fosse a proclamada Víbora do mar, como se estivesse seguindo de porto em porto buscando mercadorias e sendo perseguida pela marinha real.

            Sentia o vento emaranhar-lhe os cabelos, estão pegou um elástico, prendendo-os em um rabo de cavalo.

            Estava com o radar desligado, algo que sempre fazia para manter-se afastada dos ouvidos da lei.

            O céu parecia um manto sobre si. Havia poucas estrelas e ela começava a imaginar que haveria uma tempestade em poucas horas.     

  -- Vamos nos afastar tanto assim da costa?

  A voz de Eliah lhe chamou a atenção.

   Começava a pensar que fora uma péssima ideia envolver o amigo naquele plano tão arriscado.

   -- Precisamos nos afastar, a Marinha estará atrás dos raptores assim que descobrirem o sequestro.

    O velho pirata colocou as mãos nos bolsos e foi até a proa, ficou durante alguns segundos e logo se voltou para a jovem.

     -- Você vai enfrentar a fera que horas? A Ellen esteve lá, disse que os olhos dourados pareciam soltar chispas de raiva. Questionara o que se passava e ordenara que a soltassem.

      A Lacassangner voltou a prestar atenção ao mar.

      Não seria comum encontrar embarcações por aquela parte. Poucas se aventuravam até aquela rota denominada, caminho do Diabo.

        -- Ela deve ficar acorrentada, é uma tenente e já comprovei como é inteligente e estrategista quando deseja algo. – Disse por fim.

        -- Eu acho melhor você ir até lá e falar-lhe. -- Pegou o timão. -- Sei que não pode dizer a verdade, mas não pode simplesmente agir assim, você a tirou do casamento. Arrepio-me só em pensar como ela vai te odiar ainda mais depois disso.

        A morena sabia bem disso e não permitiria que isso a afetasse.

        A neta de Sir Arthur conseguia ultrapassar barreiras que quase ninguém conseguia fazê-lo, então deveria tomar cuidado para que isso não fosse tão problemático.

        A filha do Serpente respirou fundo.

        -- Vou até lá...

        Eliah a observou afastar-se, fazendo uma oração silenciosa implorando aos deuses que pudesse evitar um confronto violento entre ambas as mulheres. 

         Meneou a cabeça negativamente, sabendo que teriam dias de tempestades e não era literalmente.






         Os aposentos eram extensos. Havia uma cama de casal, uma poltrona reclinável envelhecida, uma mesinha com uma cadeira.

          Olívia olhava tudo com atenção. Tentara inúmeras vezes se livrar das correntes que a deixava cativa sobre o leito.

          Não sabia quem estava por trás de tudo aquilo, mas havia os olhos azuis inconfundíveis que teve a impressão de ter visto quando perdera os sentidos.

           Cerrou os dentes.

          Já tinha esbravejado tantas vezes que sua garganta estava seca. Já se preparava para chamar por alguém por sentir sede quando viu a porta se abrir e não demorou para ver sua captora.

           A Lacassangner vestia-se totalmente diferente dos dias atuais. Lembrou-se de quando a viu na vila, de quando invadiu seu quarto sangrando.

           Observou as botas de couro negros, as calças do mesmo material, justas, presas aos quadris por cordões de forma cruzada, viu a blusa branca caída nos ombros. Andava com aquele ar arrogante, indiferente.

        -- Então a Víbora do mar decidiu voltar às origens. -- Comentou cheia de raiva.

         -- Pensei que não me reconheceria. -- Exibiu um sorriso debochado. -- Seja bem-vinda ao meu humilde navio.

         -- Você não sabe o que vai te acontecer, maldita pirata. -- Tentou se livrar das correntes, mas seu esforço foi em vão.

         -- Tenente, relaxe, aproveite seus dias comigo, não precisa ficar assim. Prometo que não vou amarrá-la em um mastro e açoitá-la durante horas... Bem que não seria uma má ideia.

          -- Como ousou me retirar do cruzeiro? Meu casamento...

          -- Prometo que quando tudo isso acabar eu mesma patrocinarei seu enlace, apenas se comporte e tenha paciência. -- Virou-se para a porta. -- Você precisa comer, precisa se alimentar, vou mandar que te traga algo.

         -- Não quero nada, prefiro morrer que aceitar algo que venha de ti!

          Aquela não era a resposta que a sheika desejava ouvir, afinal, estava tentando não arrumar uma guerra, tratando-a com gentileza e prometendo ressarci-la por todos os prejuízos, mesmo assim ela não mostrava nenhuma intenção de colaboração.

          -- Você quem sabe, volto mais tarde, essa é a minha cama, dormirei ao seu lado.

         -- Espero que seja comida por uma baleia.

         O riso alto da Lacassangner podia ser ouvido deixando a filha do duque ainda mais furiosa.




        Todos os convidados estavam reunidos no salão onde ocorreria o matrimônio, mas não havia a felicidade prevista para aquele dia. Piratas reviravam o transatlântico em busca da herdeira do duque. Homens renderam todos os presentes, espancaram e roubaram, porém pareciam interessados em uma vítima em potencial.

            -- Ela não está, procuramos em todas as partes e não há nenhuma sombra da tenetizinha. – Um dos bandidos sussurrou no ouvido do líder.

           Todos usavam máscaras para evitarem ser reconhecidos. A imagem estampada em suas faces tinha a forma de serpente.

            O noivo jazia deitado, enquanto uma bota suja lhe pressionava a cabeça.

            -- Onde está a sua noivinha? -- Um dos invasores indagou. -- Como há uma festa e um casamento sem ter uma noiva?-- Pressionou mais forte.

            -- Deixe-o!

           Todos se viraram para ver o homem alto e mesmo idoso, continuava a trazer a energia da juventude.

           -- Ora, que honra conhecer o grande cavaleiro real, Sir Arthur Del Campanare. -- Fez uma reverência. -- Tão dedicado a sua causa, pena que nunca tenha conseguido capturar o Serpente do mar… apenas a cria dele por pouco tempo… -- Apontou-lhe a arma. -- Quantos homens me perseguiriam se lhe matasse nesse momento? A Minha amada Samantha ficaria muito feliz se o fizesse… acho que valeria a pena…

         -- Então está macumanado com a Lacassangner? -- Arthur questionou furioso. -- Está a serviço dela?

         O homem não respondeu, apenas gargalhou.

        -- Recolha as doações desses gentis cavalheiros, sei que são homens devotados a Deus e gostam de fazer caridade… Depois seguiremos atrás da nossa recompensa.

 

     Samantha estava na proa, já era madrugada, não tinha retornado à cabine, tentava evitar mais um confronto com a tenente.

     Não tinha como contatar Miranda, então não sabia o que tinha acontecido com transatlântico. Desejava que tudo pudesse ser resolvido o mais rápido possível para poder retornar e devolver a filha de Fernando. Só em pensar em passar dias tendo-a ao seu lado era agora perturbador. Não apenas pela guerra pessoa que ela travava contra si, mas pelo desejo que sentia. Precisava sufocar a vontade de tocá-la, sabia que se entregasse a essa ânsia, tudo estaria perdido. Não poderia nem mesmo cogitar a possibilidade de perder a cabeça novamente.

     -- Acha que virão atrás? -- A voz de Eliah lhe interrompeu os pensamentos.

     -- Não me importo com a Marinha, conheço-os bem para saber como são incompetentes, porém não posso dizer o mesmo sobre os possíveis invasores… Devem ter percebido que tiraram a tenente antes deles, são espertos…Se realmente as uspeitas da Maldonado estiver certa, teremos companhia em breve -- Olhou para o céu, guiando-se. -- Vamos navegar para o Norte, vamos seguir até a ilha da Serpente, é melhor…

    O pirata observava para o horizonte escuro com a luneta.

     -- Sabe que uma tempestade se aproxima, não é uma boa ideia irmos para essas partes.

     -- Se formos interceptados por esses piratas não teríamos sequer uma chance, estamos em números menores… É melhor enfrentar a fúria da natureza que os homens.

     O velho lobo do mar sabia que ela estava certa, conhecia bem a Lacassangner e confiava em sua inteligência para enfrentar o perigo.

     -- Vamos seguir sim. -- Caminhou até o timão. -- Agora eu acho melhor que vá descansar, não deve ficar a noite toda acordada, eu assumo agora.

      Samantha olhou-o por breves segundos, depois meneou a cabeça afirmativamente. Realmente estava cansada. Não conseguira descansar ainda, sentia o corpo dolorido, ansiando por umas boas horas de sono, mesmo assim sabia que não poderia ter aquele luxo no momento, talvez quando chegasse a ilha fosse possível, porém agora não.

      Evitara encontrar a tenente, mas sabia que não poderia delegar essa função aos outros membros.

      -- Vou tomar um banho e descansar, mas não levarei mais que duas horas.

      -- Não, Sam, você precisa dormir mais, está praticamente na ativa há mais de vinte e quatro horas.

      Ela não respondeu dessa vez, dando apenas de ombros, seguiu pelo grande navio.

       Não demoraria para amanhecer, estava frio, o mar calmo, sentia o cheiro da maresia e era como se voltasse aos anos de outrora.

        Caminhou pelo deque e logo descia as escadas, seguindo pelo corredor, parou diante da porta dos aposentos.

         Viu um dos agentes que fazia guarda.

          -- E então?

          -- Não comeu, tampouco quis tomar banho, está com os pulsos feridos porque fica se debatendo, tentando se livrar das correntes... Afrouxei as correntes... – Disse temeroso.

           E quem disse que seria fácil?

          -- Pode descansar, assumirei o posto.

           -- Está certo!

          Samantha adentrou o espaço e lá estava a Santorini.

         Conseguiu desviar-se do ataque a tempo, conseguindo imobilizá-la sobre o assoalho.

         Tinha a respiração acelerada.

        Segurou-lhe as mãos sobre a cabeça, posicionando-se entre as suas pernas para conseguir detê-la.

         -- Solte-me, maldita Víbora do mar. --  Gritou enfurecida a tenente.

          -- Como solto…

         A frase foi interrompida por uma cuspida.

         Os olhos estreitaram-se ameaçadoramente.

         -- Essa não é a educação que a filha de um duque deve ter recebido. -- Fitou e viu os pulsos presos na corrente. -- Então afrouxaram sua coleira…-- Levantou-se. -- Se voltar a me atacar te faço caminhar na rampa, estou te avisando. – Apontou-lhe o dedo em riste. – Essas suas atitudes não são dignas de uma militar.

         Olívia não se levantou, estava sentindo-se fraca, tinha usado as últimas energias no ataque. Olhou para o teto, tentando manter a calma, mesmo sabendo que a vontade que tinha não era de confraternizar com a inimiga.

         -- Você está fedendo a peixe! -- A pirata comentou. -- O seu lindo vestido já não é tão lindo assim, noivinha.

        -- Você vai pagar o vestido… vai pagar por tudo...

        Samantha seguiu até a tina de madeira oval. Tinha sido preparado o banho que não fora usado pela prisioneira.

        -- Levante-se, retire essa roupa e vamos tomar um banho, não vou querer que fique aqui com esse cheiro podre.

         A tenente levantou-se, tentou arrumar os cabelos, mas não pudera fazê-lo, pois os pulsos estavam presos.

         Olhou com tristeza a roupa caríssima. O branco já fora perdido. Com certeza a maquiagem também já tinha borrado.

         Conseguira convencer um dos piratas que estivera de guarda de afrouxar as correntes para que pudesse usar o banheiro e fora assim que maquinara o ataque à pirata que não surtira o efeito que pensara.

        -- Eu vou fazer questão de te jogar em uma cela suja…

        -- Pensei que preferisse me enforcar em praça pública. -- Falou, enquanto se livrava da blusa. – Lá no povoado, aquela que fica de fronte a igreja... – Provocava-a.

       -- Seria um sonho… -- Disse a lhe fitar os olhos azuis.

      A Lacassangner esboçou um sorriso, mas nada disse, ocupando-se em se despir.

       Olívia viu a mulher totalmente nua diante de si. Havia uma tatuagem em formata de serpente com asas bem próximo à virilha...

        Desviou os olhos do corpo totalmente pelado, pois sentiu um arrepio na espinha.

        Samantha seguiu até a tina, entrando, sentou-se, sentindo o corpo relaxar no líquido perfumado.

       -- Venha, tire esse vestido ridículo, vamos tomar um banho.

       -- Está louca se  pensa que vou tomar banho contigo.

       -- De que tem medo? Pensei que fosse a destemida tenente, agora está aí, fedendo a peixe podre e sem querer tomar um banho.

       -- Jamais tomaria banho contigo. – Repetiu por entre os dentes.

       -- Prometo que só usarei minhas mãos para esfregar suas costas. -- Disse-lhe mostrando a esponja. -- O que vou te dizer, Santarini, é que se continuar sem tomar banho e com essas feridas nos pulsos pode te render uma infecção… mas não vou insistir… você é uma médica, sabe muito bem disso.

       Olívia sabia que aquilo era verdade, conhecia bem os riscos.

      -- Qual o motivo de ter me sequestrado? Voltou a ser uma pirata? Seu teatro durou tão pouco... De mulher respeitada... Uma vagabunda!

      A Lacassangner soltou um longo suspiro.

      -- Não vou te fazer nenhum mal se colaborar e logo te devolvo ao seu noivo, pago até a festa… -- Observou o vestido rasgado. -- Compro algo branco e virginal para que use... – Falou relanceando os olhos em desprezo.

      -- É uma bandida… -- Caminhou até ela,  estendendo os pulsos. -- Solte-me.

      Samantha sabia que seria um perigo, mas também poderia significar uma trégua.

      Encarou-lhe os olhos estreitados.

      Mesmo descabelada continuava linda.

      Poderia tentar fazer do jeito dela, mostrar que não havia ameaças, assim teria paz naquela convivência.

      Ponderava por alguns segundos, enquanto a outra continuava com os braços estendidos para si. Sabia que não devia confiar nela, estava claro que a Santorini não sossegaria jamais.

        Levantando-se, deixou a tina delicadamente, expondo sua nudez completamente.

       A filha do duque observou os seios redondos, os mamilos estavam eriçados, havia pingos enfeitando a pele bronzeada.

      Viu a barriga lisa, mas antes de chegar ao perigoso triângulo, encarou os olhos azuis que pareciam ainda mais misteriosos naquele momento.

       Sentiu a face corar.

        Observou-a pegar as chaves, mas antes de soltá-la, avisou:

        -- Você pode tentar sair, vai me atacar, vai fazer o que quiser, mas só te digo, se tentar e não conseguir, eu te amarro nos porões desse navio, te acorrento lá junto com os ratos, então faça a sua escolha.

        Olívia não respondeu, apenas a encarava desdenhosamente, enquanto batia a ponta do pé sobre a madeira.

        Passou-se alguns segundos, sentindo o olhar perscrutador sobre si, depois sentiu os braços livres.

        A Lacassangner voltou para a banheira de madeira, sentando-se e continuando o banho.

       A tenente começou a limpar os pulsos.

      -- Acha mesmo que me renderei a você e aos seus bandidos? -- Levantou a cabeça orgulhosamente. -- Eu sirvo a Marinha real e jamais aceitaria de bom grado ser sua prisioneira.

       -- Então tente… -- Retrucou calmamente, enquanto passava sabonete pelos ombros. -- Estamos em alto mar, em terra de ninguém...Se tentar algo, simplesmente nos perderemos nessas águas e você nunca retornará para "sua marinha". -- Enfatizou as últimas palavras.

      -- Vou te cortar em pedaços pequenos com a minha espada.—Avisou-a. – Será um prazer...

      -- Então a pegue, comandante suprema, sem roupa facilita ainda mais o seu trabalho. -- Estendeu a perna, apoiando-a sobre a tina. -- Vamos ver até que ponto a senhorita é burra... Idiota...

      A Santorini pegou a arma que jazia sobre um baú.

      Aproximou-se. Os olhos que exibiam sempre um belo dourado, agora estavam escurecidos pela raiva.

      Samantha levantou-se e não demorou para tentar se livrar dos ataques filha do duque. Livrou-se de um soco e virou-a de costas, apertando-lhe a carne machucada, até ouvi-la gemer, deixando a espada, agachando-se na banheira e tendo-a a sua frente, prendendo-a entre suas pernas e tentando lhe deter as mãos que tentava lhe arranhar. 

     -- Maldita Víbora!

    A pirata gargalhava ao ouvir o antigo apelido, achava engraçado como ela pronunciava com o sotaque arrastado.

    O ataque prosseguia, mas a Lacassangner conseguira bloqueá-los, então só restava esperar que ela se cansasse.

  -- Está suja, tenente, sinto o cheiro nesse vestido em farrapos. -- Sussurrou-lhe ao ouvido. -- Por que não para de lutar… Uma trégua…

   A Santorini sentia os pelos da nuca se arrepiar com a respiração contra seu pescoço. Não entendia o motivo de se sentir tão descontrolada diante daquela mulher, era como se estivesse perdida em seus próprios desejos secretos. Sentia-a às suas costas.

    Não respondeu, apenas continuou com as mãos em sinal de defesa, apenas parada, percebendo apenas naquele momento que estava dentro da tina, presa entre os braços da pirata, sentindo o corpo nu colado ao tecido em frangalhos do vestido caro. Observou as pernas longas se enrolar em sua cintura, como se fosse uma serpente a prender sua presa.

     Sentiu as mãos soltando as suas e logo percebia-as em seus ombros, enquanto se livrava do traje riquíssimo. Rasgando-os bruscamente.

      -- Deixe-me ajudá-la a se livrar dessa roupa… Já está toda molhada, tenente… -- Voltou a lhe falar ao pé do ouvido.

      -- Você é uma maldita pirata… -- Disse baixinho.

      -- Sim… Eu sou a Víbora…

      Mel já ia voltar a retrucar, mas sentiu os dedos longos livrando-a dos minúsculos prendedores frontais da cinta liga que usava por baixo do vestido do traje.

       A Lacassangner  sentiu um estremecimento abaixo do quadril, o desejo que tentava esconder em seu mais profundo íntimo. 

        Há quanto tempo não se entregava aos prazeres da carne?

      Sentiu como se uma descarga elétrica percorresse todo seu ser quando roçou nos seios pequenos e redondos. Recordou-se do dia na casa do padre, de tê-los acariciados.

       Eram lindos!

      Cerrou os dentes para não gemer.

       Sabia que não deveria, do mesmo jeito que não deveria tê-la beijado, pois seu anseio era sentir o sabor dos lábios rosados.

     A filha do duque fitou as mãos bronzeadas, viu os próprios seios se intumescerem diante da aproximação. Não tinha nenhuma reação, só olhava o que acontecia como se fizesse parte de um filme que passava diante de uma tela.

     Tentava não respirar, pois sentia o cheiro dela e era um aroma delicioso.

     Encarou os olhos azuis, os lábios entreabertos... Os dentes alvos...

     Como alguém podia ser tão bonita...

     Antes que pudesse falar algo, a porta foi aberta abruptamente e Eliah apareceu.

     O velho lobo do mar ficou perplexo com a cena e também constrangido.

      Mel sentiu o rosto em chamas.

      O homem pigarreou e por fim disse:

      -- Preciso que venha urgente até a proa. 

     Samantha viu que havia preocupação na expressão do companheiro. Quando viu-o se retirar, levantou-se da tina. Caminhou até o roupão que estava preso em um cabide, vestindo-o, seguindo até a porta, mas antes de sair, virou-se.

     -- Aproveite o banho, a água está uma delícia... Cuidado para não ficar muito molhada...

    A Santorini fechou as mãos com tanta força tentando não apenas controlar a raiva, mas também algo que há tempos tentava sufocar.

   Furiosa começou a retirar a roupa da pele, não parecia se importar em rasgá-la, pois o tecido caro aos poucos virava apenas tiras destruídas.


 

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  1. A cada dia mais apaixonada. Não há o que fazer, essas duas são maravilhosas juntas. Espero que o rosto da Sam fique intacto kkk

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  2. O jeito que a Sam provoca a Mel haha, adorooo, ansiosa pra chegar a parte que Mel vai admitir seus sentimentos pela Víbora que tanto odeia.

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