A víbora do mar - Capítulo 13 - A enchente


            A banda tocava uma balada romântica.

            Alguns casais seguiam até a pista de dança, pareciam divertir-se.

            Fogos de artifícios coloriam o céu.

Os garçons seguiam servindo as melhores bebidas e todos aproveitavam a animada festa.

            Mel caminhava pelos corredores, sentia o coração disparado, batia tão apressadamente que temia ter um colapso.

            Ainda sentia as pernas trêmulas, mas gora havia indignação entre as suas sensações. Não acreditava no que tinha acontecido, na forma que a filha do maior bandido dos sete mares tinha ousado exigir que lhe mostrasse os seios. A imagem dos olhos azuis a lhe fitarem parecia uma verdadeira afronta.

            Deveria ter usado a espada, era isso que deveria ter feito, pois assim não enfrentaria tão grande humilhação.

            Parou no último degrau e ficou a observar os convidados.

            Se alguém tivesse presenciado o ocorrido como iria explicar?

            Todos iriam vê-la como motivo de chacota da sociedade. Humilhada pela maior inimiga da nação.

            Viu o avô distraído em uma conversa com alguns políticos, assim era melhor, pois não teria coragem de olhar em sua cara.

            Caminhou até onde estava o noivo, acomodando-se.

            -- Quer dançar, amor? – Juan perguntou beijando-lhe a mão.

            Ela encarou o Bragança por alguns segundos, buscando as mesmas sensações que sentira há pouco. Nunca se sentira assim ao lado dele. Nunca tivera a impressão que o toque do homem com qual casaria poderia deixa-la tão desnorteada.

            Fitou-lhe os olhos do irmão de Ester durante longos segundos.

Segurou-lhe a nuca, beijando-o de forma apaixonada. Exigira que ele correspondesse com o mesmo entusiasmo, porém havia mais surpresa que paixão no ato masculino.

            Alguns segundos depois, afastou-se.

            O empresário parecia chocado, pois conhecia bem a neta de Sir Arthur, sabia que ela não era tão atrevida e calorosa. Olhou tudo ao redor, não costumavam trocar carícias em público.

            -- Você está bem?

            Mel tomou um pouco da bebida. Viu do outro lado do salão a Lacassangner, ela parecia bastante interessada no sussurrar da loira em seu ouvido.

            Cerrou os dentes irritada, empertigando-se orgulhosamente em arrogância quando os olhos azuis a fitaram.

            Encarou-a durante alguns segundos, não havia sarcasmo no olhar feminino apenas uma expressão de indiferença.

            -- Então vamos dançar? – Insistiu.

            Ela fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Agradeço, mas estou com um pouco de dor de cabeça. – Respirou fundo. – Quero ir embora.

            Juan parecia mais uma vez surpreso.

            -- Mas, Mel, ainda está cedo, tenho um encontro com alguns empresários, logo virão até aqui... quero muito que te conheçam.

            A tenente levantou-se, viu o avô conversando com o almirante.

            -- Não estou me sentindo bem, quero apenas ir embora.

            O noivo viu perplexo a jovem afastar-se, seguindo para o estacionamento.

 

 

            -- Vamos a uma boate? –Belinda sussurrou em seu ouvido.

            Samantha parecia hipnotizada ao fitar a filha do duque. Viu quando a jovem beijou apaixonadamente o noivo e isso a incomodou tanto que se sentira irritada.

            Encarou-a por longos segundos, mas depois desviou o olhar, pois a presença dela a deixava desconsertada.

            Bebeu um pouco da bebida que lhe fora oferecida pela agente.

            -- Está tudo bem? – A loira segurou-lhe o queixo, buscava encontrar algo naquele olhar frio.

            -- Está tudo bem... – Esboçou um sorriso. – Vamos para outro lugar. Vamos dançar.

            Belinda notara a mudança na acompanhante e se sentia bastante curiosa, pois sabia que ele encontrara com a tenente. Não perguntara o que tinha se passado ainda, mas logo tentaria fazê-la falar.

 

 

 

                  Passava do meio dia. Havia um sol brilhante e as pessoas pareciam aproveitar o deus solar.

                 O duque de Del Santorre viajara durante toda a noite para chegar naquela região praieira.

                   Observava a costa marítima aparecer por toda a estrada. Seguia por entre minúsculas ruas que mal cabiam um veículo. Observou os pescadores seguirem com suas redes.

                    Estacionou sob um cajueiro.

                    Colocou os óculos escuros, em seguida deixou o carro.

                    Olhava tudo ao redor. Poucas pessoas viviam ali, tratava-se de um tipo de esconderijo para os que não queriam aparecer.

                        Precisara inventar uma desculpa não apenas para a esposa como para a filha, tentando justificar sua ausência na comemoração da noite anterior. Porém quando recebera o postal ficara preocupado com o andamento da situação.

                        Ouviu o som dos latidos de um cachorro que parecia esbravejar com uma criança que andava em uma bicicleta bem gasta pelo tempo.

                        Observou o relógio dourado no pulso, e logo percebia como demorara para chegar até ali.

                        A situação parecia cada vez mais complicada com o retorno da Lacassangner.

                        A filha de Iraçabeth era ainda mais bela que a mãe. Não deixaria de aproveitar um momento com ela quando finalmente a liquidasse, ou quem sabe ela cedesse a si e pudesse tê-la em sua cama para satisfazer a vontade de possuí-la.

                        Observou os sapatos bem cuidados, depois voltou a fitar a praia.

                    Permaneceu lá durante longos minutos até um homem aparecer. A barba era grande, quase cobrindo todo o rosto. Os cabelos estavam presos por um elástico. Usava roupas gastas pelo tempo. Deveriam ter a mesma idade.

                 – Que milagre, duque… – O desconhecido fez uma reverência exagerada.

                      Fernando olhava tudo ao redor, parecia desconfiar de tudo e de todos.

                     – Você me fez sair da capital, não compareci a um evento muito importante, então me fale logo o que quer, Tobias.

                  O pescador tirou um cigarro artesanal do bolso, acendendo-o e dando um trago como se tivesse todo o tempo do mundo.

                     – Tem um detetive na área…

                     O duque segurou o outro pelo colarinho, apertando-o forte.

                     – Chamou-me aqui quando está sendo investigado? – Questionou em tom baixo, mas ameaçador.

                     – Calma, comandante, já dei um jeito no tal homem…

                   Fernando o apertou um pouco mais e só depois o soltou.

                     – A sua filha quem o contratou… se ela chegou até mim, o que mais ela pode descobrir?

                  O Del Santorre praguejou alto.

                  Mel não sabia permanecer quieta, não aceitava o que era dito, sempre buscava por mais e mais. Começava a se arrepender de tê-la incentivado a seguir investigando a Lacassangner, antes ele mostrava as provas, agora ela fazia a própria busca.

                  – E o que fez com o detetive?

                  – Acordo e dinheiro… preciso de dinheiro.

                   Fernando assentiu.

                   Precisava pressionar a herdeira para que aceitasse o casamento, teria que tirá-la do país, deixá-la fora de toda aquela história até conseguir livrar-se de uma vez por toda das evidências que ainda existiam.

                  Estava agindo com cuidado, pois sabia quão poderosa a filha do Serpente era e como tinha aliados que seriam inimigos preocupantes.

                  – E como está a pirata? – Indagou com olhar guloso. – Sempre fui louco para descobrir se ela tem toda aquele charme e coragem na cama.

                  – Não seja idiota! – Voltou a segurá-lo pelo colarinho. – Só há alguém que irá possuir a pirata… essa pessoa sou eu, a Iraçabeth me deve isso. – Jogou-lhe o dinheiro. – Qualquer coisa manda um postal…

                 Tobias observou o militar afastar-se. 

                 Sabia que aquele homem sempre teve obsessão pela filha do Serpente, ele a queria, talvez fosse por isso que Sair Arthur nunca permitira que ele aproxima-se, nem mesmo o avisara que a prendera…

    



                   Estavam na sala de exercícios. 

                   Mel esforçava-se mais e mais para conseguir recuperar-se totalmente. Estava no centésimo agachamento da manhã.

                   A fisioterapeuta tomava nota e parecia bastante feliz pela amiga se mostrar mais esforçada nos últimos dias. Observou-a seguir para o levantamento de peso.

                      – Acho que estou indo bem? – Questionou enquanto tomava um pouco de água.

                   Cristina já abria a boca para responder, mas acabou ouvindo o som do celular e seguiu rapidamente até ele para ler a mensagem. Demorou alguns segundos para retornar.

                 – Por esse sorriso vejo que já fez as pazes com a Flávia…

                  – Digamos que ontem houve um sexo virtual…-- Disse mordiscando o lábio inferior-- claro que não é a mesma coisa, mãe eu peguei fogo…

                    A Santorini voltou a beber um pouco mais de água.

                       Na manhã anterior tinha voltado para a fazenda. Não quisera ficar lá depois do que tinha acontecido na festa que fora homenageada. Não conseguira dormir durante toda a noite, fora assombrada pela imagem da Lacassangner fechando-lhe o sutiã.

                  – Amiga, você não entende, mas é algo além das explicações…

                   Mel arrumava as luvas.

                   – Sou médica, entendo as sensações.

                    – E também sente? – Indagou com as mãos na cintura. – Você fala de sexo de forma muito técnica, muita frieza para falar de algo tão gostoso.

                      – Não gosto de falar sobre a minha vida sexual. – Rebateu enquanto alongava os braços.

                      – Eu já sou aberta para o sexo, amo sexo, acho que o prazer deve ser aproveitado… acho que sou um pouco pirata. – Gargalhou.

                     A tenente organizava os pesos.

                     – Por que diz isso?

                     Cristina aproximou-se.

                     – Não posso falar nada sobre a Víbora, então não vou falar porque eu estou dizendo isso... – Pegou um doce da bandeja. – Proibiu-me de falar da filha do Serpente.

                    Mel fitou o próprio reflexo no espelho e teve a impressão que as bochechas estavam mais rosadas.

                        Sentia o suor em sua face.

                        Pegou a toalha para se secar.

                       – O que houve dessa vez hein?

                       Os olhos da fisioterapeuta brilhavam.

                     – Estava vendo aqueles programas de fofoca e vi que ela estava em uma verdadeira orgia…

                 – E você quer ser assim? uma devassa? – Indagou em tom ríspido. – Não quero falar sobre essa mulher, realmente não me interessa.

                    A neta de Sir Arthur iniciou a sessão. Parecia bastante concentrada, mas em uma parte do cérebro havia uma revolta ainda maior por ter permitido que aquela maldita mulher chegasse tão perto de si. Sentia-se enojada ao se recordar das sensações que tentaram dominar seu corpo. Era uma vagabunda, uma desavergonhada que vivia de mão em mão.

                     Não queria nem pensar que Samantha existia, apenas ansiava por conseguir descobrir tudo o que envolvia aquela fora da lei, podendo fazer justiça por tudo o que lhe fora imposto.

                    – Mel, eu acho que você deveria conversar com a Lacassangner, eu não acredito que ela tenha agido contra sua mãe… você leu o relatório, ela fora feita escrava… fora levada para o outro lado do mundo…

                      – Não quero falar sobre isso, já disse que ainda ela é a única culpada de tudo. – Deixou os pesos no chão. – Por que a defende tanto?

                     – E por que a salvou do Heitor?

                        A jovem umedeceu os lábios demoradamente antes de responder. Não parecia ter pressa, apenas ponderava, enquanto observava os olhos curiosos da amiga.

                     – Salvei-a porque não iria querer que ele fosse preso ou meu nome envolvido nisso. – Voltou a tomar água. – Sabe muito bem que tudo que acontece com aquela mulher é jogado para cima de mim e da minha família.

                        Cris via como a militar estava chateada, mesmo assim voltou a questionar.

                     – O que ainda não entendi é como a  Víbora aceitou não fazer a denúncia… eu teria feito com toda certeza. Isso que fizeram com ela foi de muita crueldade, sem falar que se você não tivesse chegado, só Deus sabe o que teria ocorrido.

                     Mel seguiu até a janela, observava a movimentação que acontecia na fazenda. Os trabalhadores cuidavam dos animais, viu Marina vindo com uma cesta de fruta.

                   – Como a convenceu? – Indagou curiosa.

                    A tenente mordiscou a lateral do lábio inferior. Segurava firme o batente, sentindo o descontrole em seu interior.

                        Virou-se para a amiga.

                     – Mostrando os peitos!

                     Os olhos da fisioterapeuta pareciam querer pular de órbitas, enquanto sua boca abria.

                      Mel retirou as luvas, depois a camiseta, ficando apenas de top. O abdômen liso ficou à mostra, enquanto ela deitava no colchonete para o abdominal. Olhava para o teto, parecia buscar a concentração.

                – Está brincando? – Agachou ao lado dela. – É brincadeira não é? Não sei se não acredito que ela chegou a propor isso ou se não acredito que você aceitou.

                        A tenente fechou os olhos durante alguns segundos, depois murmurou.

                    – Não… – Sentou-se. – Mostrei meus peitos. – Limpou o suor. – A desgraçada falou isso, então você agora descobriu que aquelas coisas que falam dela é verdade. – Respirou fundo. – Ela teve coragem de me propor essa humilhação horrível.

                     – Como você não me contou isso? – Tomou um pouco de água. – Conta tudo pra mim.

                     – Não tenho o que contar, apenas mostrei. – Atalhou. – Mostrei os peitos!

                  – E ela fez o quê? – Dizia ainda mais curiosa.

                  A Santorini desviou o olhar, ainda sentia um arrepio ao se recordar dos olhos azuis tão intensos a lhe encarar. 

                   Ela a desejara?

                   Levantou-se impaciente.

                   – Não quero mais falar sobre isso! – Apontou-lhe o dedo. – Essa humilhação vai ser cobrada junto com tudo mais.

                 – Da próxima vez eu posso mostrar no seu lugar. – Gracejou.

                A militar lhe enviou um olhar de indignação, depois deixou os aposentos.

                  A fisioterapeuta gargalhava e engasgou, mas não parou de rir. Gostaria de ter presenciado essa cena. A neta de Sir Arthur toda orgulhosa e a pirata toda cafajeste exigindo a dívida.





                   – Fico muito feliz que as coisas estejam melhorando. Sem incidentes. 

                     Samantha estava sentada na poltrona, olhava para a tela onde Miranda aparecia.

                     – Gostei bastante de como está se comportando, vi as últimas notícias sobre a Sheika, isso é muito bom porque sai do radar dos inimigos, ninguém vai pensar que tem interesse em buscar verdades quando passa a noite em orgias.

                    A Lacassangner bebeu um pouco de suco de laranja.

                      Não tinha voltado para a fazenda. Fazia uma semana que estavam curtindo a capital. Permitira que Belinda fizesse tudo o que desejava, levando-a aos lugares que desejavam, porém não participava dos encontros sexuais, sempre seguia com a loira para os aposentos, assim se afastava das investidas femininas e masculinas.

                        – O duque não estava na homenagem a filha, achei estranho. – A pirata comentou.

                    –  Realmente, achei estranho, descobri que tinha viajado, mas o paradeiro é totalmente desconhecido.

                   Belinda aproximou-se, sentando-se ao lado da Lacassangner.

                    – Outro fato é que a tenente contratou um detetive particular, andou seguindo alguns passos da sua história. – A chefe continuava. – Também tem uma jornalista, acho que ela tem um tipo de ligação com a fisioterapeuta da Olívia, também andou buscando arquivos sobre sua vida.

                    Samantha cruzou as pernas.

                    Sentia-se incomodada só em ouvir falar da filha do Del Santorre. Ainda não conseguira recuperar-se da noite da festa. Seu corpo ainda reagia só em se recordar de como era delicada a pele da Santorini. Do aroma delicioso que sentira quando cortara nos dentes o fio solto do sutiã. Desejou depositar a boca nos pequenos montes, de passar a língua nos mamilos…

                    Agoniada, levantou-se, seguindo até a janela da cobertura.

                     Precisava livrar-se daquele desejo, não podia chegar a ansiar por aquela mulher…

                 – A Belinda terá que viajar durante alguns dias, você pode ficar aqui ou retornar para a fazenda. – Continuava Miranda.

                – Ficarei por aqui até o fim de semana, só retornarei porque preciso resolver alguns assuntos com o engenheiro.

                       Não foi apenas Belinda que ficara surpresa com o que era dito. As duas mulheres sabiam que a Sheika detestava ficar na capital.

                     Conversaram durante mais alguns minutos até encerrarem a chamada.

                   – Vamos para a piscina? – A loira abraçou-a pelo pescoço. – Vamos descansar um pouco, vou pedir comida e a gente pode beber um bom vinho.

                 A morena observou o olhar da agente. Era uma mulher muito bonita e sensual.

                    – Vou me trocar e te encontro lá. – Disse por fim.



                  Eliah seguiu até o povoado acompanhado de um dos seguranças. Não tinha interesse de andar com proteção, mas as ordens foram claras.

                      Samantha não tinha retornado ainda. Até ficara surpreso, pois ela não gostava de permanecer na cidade grande.

                      – Vou até o armazém vê se consigo alguns cereais, não precisa me acompanhar, volto logo.

                      O homem não parecera gostar do proposto, mas assentiu, esperando encostado no carro.

 

                      Mel e Cristina estavam acompanhando Marina nas compras. Ela encomendava tudo em grandes quantidades, pois alguns peões recebiam cesta alimentícias.

                      A esposa do dono serviu alguns refrescos para os ilustres clientes.

                     A tenente sentou-se ao lado da amiga. Observava tudo ao redor. Era tudo bastante arcaico. Havia de tudo um pouco, desde arreios para cavalos até balas em potes grandes. Quando se tratava de grandes quantidades, faziam a encomenda e ele mandava buscar da cidade vizinha.

                      Havia outras pessoas no interior da loja. Todos cumprimentaram-na, perguntavam por Sair Arthur e pelo duque, alguns mais abusados questionavam sobre o casamento.

                   Viu a porta abrir e o pirata que morava na fazenda da Víbora entrar.

                    Mel viu a revolta no olhar dos presentes. Ouvia os cochichos e os olhares atravessados.

                    O idoso caminhou até o balcão, cumprimentando a todos, mas ninguém respondeu.

                    – Preciso de grãos, estamos plantando e faltou, e para buscar na cidade vizinha vai demorar muito. 

                        – Aqui não vendemos nada para piratas! – O dono do estabelecimento falou. – Acho melhor que saia daqui antes que eu mesmo o tire.

                       – Senhor, eu preciso dos grãos, pagarei até um valor maior… -- Apelou o amigo de Samantha. – Tenho dinheiro...

                        -- Seu dinheiro não vale aqui, bandido!

                    Um homem alto e forte se intrometeu e já segurava o pirata pelo colarinho, mas Mel interferiu.

                     – Solte-o, Frederico, não é necessário isso.

                    Os olhares voltaram-se para a jovem.

                       O homem ainda olhou mais uma vez para a filha do duque e só depois soltou o idoso que saiu do armazém.

                     Cristina olhava para a amiga com uma interrogação. Parecia cobrar algum tipo de atitude, mas como ela não reagiu, a fisioterapeuta foi atrás de Eliah e a Santorini acabou seguindo-a a contragosto.

                    Encontraram o pirata na calçada.

                    – O senhor está bem?-- A fisioterapeuta questionou.

                    Ele olhou para as duas mulheres e fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                   – Não deveria ter vindo aqui, acho que a Víbora sabe bem que não são bem-vindos. – A militar repreendeu-o. – O que ela quer arranjar? Uma guerra? Quer que o senhor saia ferido?

                     – A Sam não está, ainda não voltou da capital, nem sabe que vim aqui, se soubesse levaria uma bronca. – Suspirou. – Estou organizando a fazenda para quando voltar, estamos plantando, sei que ela vai ficar muito feliz, porém não tenho grãos suficientes, então vim buscar aqui.

                     As pessoas já se acumularam na praça, os olhares não eram nada amigáveis.

                    – Acho melhor o senhor ir embora. – Mel avisou.

                   O pirata fez um gesto afirmativo com a cabeça e seguiu até o carro, deixando o povoado.

                   – Isso é um absurdo! – Cris dizia. – Não podem tratar ninguém assim.

                   A militar colocou as mãos na cintura, enquanto olhava tudo ao redor.

                   – O que você queria? Que fizessem festas para piratas?

                   – Você poderia ter pedido para que vendessem os grãos.

                    – Eu? – Indagou perplexa.  – Por que eu faria algo assim?

                   – Porque eu achei que depois de ter se exposto tanto, mudaria algo. – Provocou-a.

                    A Santorini afastou-se irritada.





                   Os poucos trabalhadores seguiam cuidando da plantação.

                      Outros seguiam trabalhando na cerca.

                     Samantha chegara perto das dez da manhã e já se inteirava de tudo o que acontecia.

                    Caminhava ao lado de Eliah, observando a construção que estava sendo feita para alojar as galinhas.

                       – Acho que você nasceu para isso, meu amigo. – A Lacassangner elogiava. – acho que quando tudo passar, seria um ótimo lugar para você viver.

                     – E você não? – Parou de caminhar para fita-la. – Não me diga que vai ficar na capital?

                  A morena colocou as mãos nos bolsos da calça. Sentia o vento frio lhe desarrumar os cabelos.

                    Não tinha ideia do que faria quando tudo isso passasse, não sabia qual o rumo tomar, qual caminho seguiria. Sentia que nada a prendia em lugar nenhum.

                       Seguiu até o curral, subindo na madeira para sentar e ver os cavalos. Hades tinha sido escolhido por ela para montar. Ele era um pouco rebelde, mas aos poucos conseguira domá-lo, aprendera com a esposa a fazer aquilo, a sheika era apaixonada por animais.

                        Sentia falta dela, das conversas, do jeito único que lhe tratava. Não entendia por que não a mataram junto, por que não fizeram o mesmo consigo? Para castiga-la, pois sabiam que seria pior seguir sozinha...

                        Fitou o amigo.

                   – Você foi fazer o que no povoado? Sabe que não deve ir até lá.

                   O velho se apoiou na madeira.

                   – Esses seguranças são fofoqueiros!

                  – Tudo o que se passa aqui deve ser relatado, ainda mais quando se trata da sua segurança.

                    – Fui até lá para comprar os grãos.

                      Samantha o fitou por sobre os ombros.

                  – Você deu viagem perdida… ninguém vai atender nenhuma das nossas precisões. – Dizia exasperada. – Conhecemos bem todos eles.

                        -- Sim, conhecemos, mesmo assim você não denunciou o que fizeram contigo naquele dia que te levaram.

                        O maxilar da sheika enrijeceu.

                        -- Não queria arrumar confusão.

                        -- Com a Santorini? – O pirata questionou com curiosidade.

                        Samantha deu de ombros.

                   – Quem me ajudou foi a tenente, ela me defendeu de um cara que quis me intimidar.

                   A morena desviou o olhar.

                 Não queria pensar na herdeira de Fernando. Faria como a Miranda dissera, apenas permaneceria em seu canto, esperando e seguindo o roteiro daquela história.

                 – Eu acho que a mocinha tem muito caráter, sempre age bem comigo. – Olhava o perfil inflexível da pirata com curiosidade. – Você não gosta dela?

                   Gostar?

                   Por que simpatizaria com alguém que a desprezava? Por que teria algum tipo de afeto pela herdeira de um dos homens que fazia de tudo para destruí-la?

                 Respirou fundo e teve a impressão de ainda estar vendo os olhos dourados perplexo, assustados, revoltosos quando cobrara a parte do acordo.

                   – Não tenho nenhum tipo de sentimento por ela, é tão indiferente para mim quanto um desses grãos de areia. – Saiu de onde estava, seguindo para o pátio.




                    Os relâmpagos iluminaram os aposentos da Santorini. Já passava das duas da madrugada. Ela sentou-se na cama com expressão assustada.

                      Seus olhos estavam tão abertos denotando total espanto. O coração estava acelerado, a camiseta que usara para dormir colado ao corpo.  

                        Dessa vez não fora a agonia de sentir-se afogando nas águas do mar do Norte. Não era o frio a lhe congelar a carne, não era o temor de não conseguir sobreviver. Os olhos que a assustavam agora não era dos homens que perderam a vida no ataque, agora era a réplica de um céu azul de uma noite fria de inverno que lhe perturbava a alma. Depois de tantos anos o que lhe invadia os devaneios era sua maior inimiga.

                        Um clarão iluminou todo o quarto e logo um estrondeante som cortava o céu.

                        Puxou o edredom ao sentir o vento frio que penetrava pelas janelas. Olhava a penumbra que os aposentos estavam mergulhados.

                        Ouviu o som dos animais assustados com a chuva.

                        Sentia a pele tremer, porém não era por estar enregelando.

                        Deitou pesadamente, mas depois se levantou para ir ao banheiro.

                        As luzes do cômodo acenderam automaticamente e ao olhar para o espelho viu as bochechas coradas. Estavam tão rubras que pensou se poderia estar febril.

                        Tocou a testa, mas não estava doente, mas ela preferia que estivesse.

            Observou os seios e viu os mamilos tão eriçados que chegavam a doer, empinando-se através do tecido. Livrou-se da camiseta, observando os pequenos montes, eles pareciam castiga-las, feri-la em seu âmago.

                        Meneou a cabeça em irritação.

                        Retirou a calcinha. Nem quis olhá-la, pois a sentira pegajosa, enojando-se.

                        Furiosa, pegou um frasco que estava sobre o suporte, jogando-a com tanta força contra o espelho que o partiu em vários pedações.

                        Odiava Samantha Lacassangner, odiava-a ainda mais depois do que acontecera no dia da festa. Odiava-a por ter proposto uma condição tão humilhante, odiava-a por tê-la ousado beijá-la e a odiava por existir em sua realidade.

                        Mordiscou o lábio inferior com tanta força que sentiu o gosto férreo do sangue. Os olhos dourados logo encheram-se de lágrimas, vertendo-os copiosamente como se trouxesse em seu interior toda a dor do universo.

 

                        As luzes do sol não conseguiram iluminar o novo dia. Durante toda a noite não houvera trégua, destruindo tudo o que estava a caminho.

                        Samantha e Eliah estavam sentados à mesa para o almoço. Ambos passaram a manhã toda em casa, pois não havia nada para fazer fora da sede, até mesmo tinha dado o dia de folga para os peões.

                        Vez e outra a morena ia até a janela, estava preocupada com as estruturas da usina.

                        O pirata a observava com atenção.

                        -- Sam, não deve ir até lá, é perigoso.

                        A morena apenas acomodou-se pesadamente.

                        -- Ainda vamos precisar de mais trabalhadores se quiser reabrir a usina. – Ele dizia.

                        Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Estava bastante interessada em colocar em prática aquele projeto, isso lhe ocupava a mente, distraia das suas preocupações.

                        Eliza aproximou-se com uma jarra de suco.

                        A mulher tinhas os olhos vermelhos como se tivesse chorado. Quando foi servir à patroa, derramou sobre a mesa.

                        -- Perdão... perdão, senhora...—Apressou-se temerosa.

                        Começou a limpar, mas dessa vez sujou ainda mais.

                        A filha do Serpente levantou-se, seguindo até a empregada, ajudando-a.

                        -- Calma, mulher, por que está tão nervosa?

                        A esposa de Domingos torcia os dedos em desespero.

                        -- Não é nada, vou limpar tudo, prometo!

                        Ela já se afastava, mas a pirata a deteve delicadamente pelo braço.

                        -- O que houve?

                        A empregada suspirou.

                        -- É que não sei se está sabendo, mas a barragem que corta o distrito da colina estourou e provocou deslizamentos...minha irmã mora lá com o marido e até agora não soube notícias.

                        Os olhos azuis estreitaram-se.

                        A barragem que a mulher falava ficava no caminho da sua usina, poderia comprometer a construção.

                        -- Vou até lá, preciso ver os estragos.

                        -- Não pode sair nessa tempestade.

                        A sheika ignorou.

                        -- Avise ao Domingos para preparar o jipe e mande que acople o reboque e coloque o garanhão negro lá, sele-o e coloque cordas e algumas cenouras para acalmar o Hades.

                        A mulher fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas não foi cumprir imediatamente o que fora dito.

                        -- Posso ir também?

                        Samantha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                        A empregada fez o que ela pediu, seguindo imediatamente para avisar ao marido.

 

 

                        -- Ainda tem muita gente para acomodar! – Cristina gritava para se fazer ouvir entre o barulho da tempestade.

                        Estavam na cobertura externa da capela. Lá havia  uma fila de pessoas que recebiam cobertores, comida e eram direcionados a um dos lugares que estavam sendo usados como abrigo.

                        Mel, Marina e a fisioterapeuta tinham seguido para lá ao amanhecer. A chuva não dava pausa e com o rompimento da barragem tudo ficara ainda mais complicado para os moradores daquela área.

                        -- Precisamos convencer  essas pessoas a saírem das suas casas. – O padre dizia. – Há duas famílias que insistem em continuarem na área de risco.

                        -- Só há um jeito, a gente vai ter que ir até lá convencê-los.

                        -- Filha, é perigoso! – A empregada foi até ela apavorada. – Não acredito que as barreiras que colocaram vai segurar por muito tempo.

                        Mel umedeceu os lábios, estava bastante preocupada com a situação e sabia que as autoridades não chegariam a tempo, pois as estradas estavam fechadas, sem falar que logo não demoraria para a água terminar de destruir tudo pela área da colina.

                        -- Eu sou da marinha, babá, tenho treinamento para esse tipo de situação.

                        -- Mas faz muito tempo que não participa de resgates, além do mais ficou bastante tempo sem treinamento. – A fisioterapeuta retrucou. – Vou contigo para te ajudar.

                        A jovem assentiu, pois realmente era verdade o que estava sendo dito.

 

 

                        A vicinal que dava acesso ao distrito estava totalmente inacessível. Havia água e lama para todo lado.

                        O automóvel seguia com dificuldade, mesmo com as trações nas quatro rodas.

                        O segurança dirigia o carro, parecia bastante apreensivo com a situação, pois sabia que deveria cuidar da vida da pirata.

            Samantha via tudo com crescente preocupação. A chuva caia ainda mais forte.

            Observou mais à frente uma árvore derrubada, impedindo a passagem.

            -- Teremos que dar a volta, senhora, seguiremos pela outra estrada.

            Ela fez um gesto negativo com a cabeça.

            -- Dê a volta e me encontre lá. – Dizia já descendo do carro. – Preciso ver o grau de riscos que se apresenta esse rompimento.

            O segurança mostrou-se preocupado e foi até onde ela estava. Viu-a abrindo o reboque e retirando o cavalo, afagando-lhe os pelos negros, acalmando-o.

            -- Irei até lá verificar os danos que foram causados à usina, depois retornarei para a fazenda. – Olhou para Domingos e Eliza. – Tentem chegar até lá, mas se perceber que é arriscado, retornem para a casa grande.

            -- Mas, senhora...

            Ela nem parecia ouvir os protestos. Colocou a capa preta e montou no garanhão, saindo em disparada.

            O cavalo não demonstrava temor, seguia trotando por entre as poças de lamas, atravessando o terreno escorregadio, ultrapassou a árvore caída.

 

 

            Mel e Cristina estavam na encosta. Usavam as capas para se protegerem da chuva, mesmo assim pouco estava servindo.

            Havia uma pequena casa feita de massapê. Não era tão grande e ficava bem na margem do rio que logo subiria e levaria tudo, pois a água da barragem seguiria por aquele trecho. Fazia meia hora que se encontrava ali. Já tinham convencido um morador a deixar o barraco, mas aquele último demonstrava total aversão a deixar o casebre.

            -- Senhor, está colocando todos em riscos com a sua teimosia. – A fisioterapeuta argumentava vendo o olhar impaciente da amiga.

            -- E quem vai me dá o que perderei aqui? – Questionou irritado. – Tudo foi construído com muito trabalho, não abrirei mãos das minhas coisas.

            A tenente soltou um suspiro de exasperação.

            -- E se o senhor morrer o que vai importar todos os bens? – Perguntou com as mãos na cintura. – Logo os entulhos que foram colocados para segurar a barragem não suportarão a força da natureza, veja que não para de chover, logo aquilo será inútil. – Explicava. – Vamos sair daqui, depois buscaremos reconstruir tudo.

            Em parte ela entendia o sentimento daquelas pessoas, sabiam como lutavam para conseguirem comprar os objetos e fazerem seu lar, porém o mais importante sempre seria salvar a vida.

            Observou o olhar da mulher do morador.

            Ela e os três filhos aglomeravam-se na estreita porta. Eram crianças que deveriam ter entre cinco e sete anos. Estavam sujos, pois o piso batido da casa já tinha lama. Olhavam assustado para tudo ao redor, porém o menorzinho brincava na frente, jogando um pedaço de linha no rio, agindo como se estivesse a pescar.

            Ouviram um estrondoso barulho.

            Mel só teve tempo de afastar-se quando a terra cedeu em seus pés e logo a água lamacenta subia de forma desproporcional arrastando tudo.

            Ouviu os gritos desesperados da esposa do homem e só naquele momento viu o garotinho tentando segurar-se, algo que era praticamente um milagre para a idade dele, a água buscava arrastá-lo.

            Sem pensar, a filha do duque jogou-se na correnteza, buscando resgatar o menino. Nadava contra a força da natureza até chegar ao lugar onde estava o pequeno. Segurou-o, depois buscava se manter firme, pois a força era bastante intensa. A chuva ficou ainda mais forte e o volume do rio logo a cobriria.

            A fisioterapeuta correu perto do deslizamento, olhava para a amiga e ficava ainda mais apreensiva. Viu os destroços que eram levados pela correnteza e ficou apavorada em pensar que poderia acertar a tenente.

            Gritava para o morador arrumar algo para poder resgatar os dois. Mas não havia muito que ser feito agora.

            Olhava ao redor tentando encontrar algo que servisse para ajudar.

            A Santorini começava a perder as forças, segurava-se em um galho que logo se partiria e levaria ambos. Tentava acalmar o garotinho que segurava em seu pescoço. Buscava uma alternativa, mas sabia que se alguém entrasse ali seria tragado pela força da natureza.

            Ouvia Cristina gritando por ajuda. Chamou-a para que ela se aproximasse.

            -- Preciso que pegue o garoto... – Dizia sentindo a água subir mais. – Não terei chance se estiver com ele, nem ele se salvará... – Dizia sentindo a água já em seu pescoço.

            -- E você? – Questionou assustada.

            -- Eu vou jogá-lo, aproxime-se, quero que o segure... pegue-o!

            A fisioterapeuta pediu para que o morador segurasse suas pernas para que pudesse se esticar para pegar o menino, faria o mesmo em seguida com a amiga.

            Estendendo-se o mais que podia conseguiu segurar a criança pelos braços, tendo que colocar muita força para puxá-lo. Depois de conseguir pegá-lo, sentou-se, entregando a criança que chorava para a mãe. Já se preparava para resgatar a Santorini quando ouviu outro barulho, dessa vez a barragem tinha destruído todos os obstáculos que estavam no caminho, jogando tudo para o rio.

            -- Mel! – Bradou em desespero.

            O homem a segurou puxando-a, pois a enchente estava muito alta, levando tudo. Ela tentava soltar-se, buscando ir ajudar a amiga. Gritava, chorando desesperada. Chamava pela filha do duque, temendo o pior. Então ouviu o trote de um cavalo que parecia se aproximar como o vento.

Viu a Amazônia prender uma corda na sela, jogando-se em seguida no rio. Olhava a cena com tamanha perplexidade, não acreditando no que estava acontecendo.

            Samantha se jogou e buscou a filha de Fernando. Mas a água estava tão forte que lhe turvava a visão. Chamou-a durante alguns segundos e foi quando a viu segurando em uma raiz. Lutando contra a natureza, foi até ela, segurando-a pela cintura.

            Viu os olhos dourados a lhe fitarem em total confusão.

            -- Segure em meu pescoço, tenente.

            A militar pensava se não estava tendo um sonho naquele momento, pois chegara a pensar que não teria como salvar-se da fúria da natureza.

            -- Está tudo bem, vamos sair daqui... – Sussurrou em seu ouvido.

            Tinha visto a cena toda a distância, viu quando a corajosa mulher se jogara para salvar a criança e como fora infeliz e quase afogara com as águas da barragem destruindo tudo ao redor. Desespera-se ao vê-la ser engolida pelo lamaçal.

            Mel olhava a Lacassangner, sentia o cheiro dela, o hálito fresco ao falar tão perto de si. Observava os lábios cheios, os olhos azuis fitando-a com tamanha intensidade que chegava a lhe tirar o fôlego.

            -- Como vamos sair daqui? – Indagou. – Logo essa lama vai cobrir tudo. A correnteza está muito forte.

            A pirata segurava na corda e sentia a dor na mão pela força que colocava no ato.

            -- Puxe o cavalo! – Gritou.

            A militar não parecia entender nada, mas logo sentia que se aproximavam mais da margem que já estavam bastante longe.

            Continuava abraçada a ela, estando tão perto que conseguia vê-la tão bem como quando estiveram juntas na festa.

            Passara tantos dias sem vê-la, nem imaginara que já tinha retornado das aventuras sexuais que em todos os jornais anunciavam.

            Viu umedecer os lábios. Viu apavorada quando um pedaço de caibro lhe feriu a têmpora.

            A Lacassangner sentiu o impacto, mas tentava a todo custo proteger a militar dos escombros que viam em suas direções.

            Aos poucos aproximaram-se e primeiro fez com que a neta de Sir Arthur saísse, depois foi a sua vez.

            -- Meu Deus! – Cristina exclamou ao abraçar a amiga. – Nunca mais faça isso, quase morri aqui em desespero. – Dizia em prantos.

            A jovem esboçou um sorriso, buscando respirar normalmente. Sentia o corpo dolorido como se tivesse sido açoitada. Perdera a capa enquanto tentava não ser levada pela água. Sentia as botas cheiam de lamas, dificultando o caminhar.

            -- Temos que sair daqui, logo tudo isso vai ser levado pela água.

            Cristina assentiu.

As crianças e a mulher já tinham seguido até a capela, só ficou o homem para ajuda-las.

            A fisioterapeuta viu a mão ferida de pirata.

            -- Precisa cuidar disso. – Falou assustada.

            -- Cuidarei em breve. – Montou. – Levo vocês duas comigo. – Estendeu as mãos.

            O homem já corria na frente, enquanto as três seguiam no grande garanhão.

 

 

            Marina estava na frente da capela. Tinha acolhido a mulher e as crianças e entrara em desespero quando ela dissera que Mel tinha se jogado no rio para salvar um dos meninos que fora levado para longe. Estava desesperada temendo que algo ruim pudesse acontecer com sua menina.

            Sentiu uma mão sobre seu ombro.

            -- Tenha calma, filha, tudo vai ficar bem, vamos continuar a pedir a Deus que proteja a tenente.

            Permaneceram lá fora e depois de algum tempo viram um grande cavalo aproximar-se.

            A chuva ficava mais forte e quando o animal aproximou-se viu com perplexidade de quem se tratava.

            -- É a Víbora... – Disse baixinho.

            O reverendo observou a mulher com um porte orgulhoso montado no garanhão. Já ouvira falar muito sobre a jovem, mas era a primeira vez que a via. Conhecia a família de Sir Arthur há muito anos, conhecera sua esposa e sua única filha e olhando para a visitante, mostrava total incredulidade.

            Samantha desmontou e em seguida as duas mulheres faziam o mesmo.

            Caminharam rapidamente até o abrigo, protegendo-se da chuva que caia forte.

            A empregada abraçou a tenente.

            -- Fiquei em desespero quando me contaram que pulou naquele rio. Estava louca foi?

            -- Eu estou bem, preciso apenas de um banho para me livrar dessa lama. – Desvencilhava-se.

            -- A Samantha apareceu e conseguiu salvar a Mel, babá, foi um milagre a presença dela.

            Marina e o padre olhavam para a pirata.

            -- Obrigada por ter ajudado-a. – A mais velha disse observando os olhos azuis.

            --Não foi nada! – Observou tudo ao redor. – Agora preciso seguir até a antiga usina, vê os estragos que foram feitos na estrutura.

            Mel apenas a olhava, nada dizia, parecia desconfortável com a presença dela.

            -- Não deve ir agora – O padre disse – Tome um banho, sua mão está ferida e sua têmpora também, deve cuidar, quando a chuva passar pode seguir até lá. – Olhava-a com curiosidade. – Vá com a Santorini até a minha casa, tem água no chuveiro, ela cuidará das suas feridas, eu levarei seu cavalo para o estábulo e cuidarei dele.

            -- O padre está certo, Lacassangner, precisa de um banho, vá. – Cristina incentivou. – Quando chegar lá ela cuidará do seu machucado.

            A militar apenas assentiu, mas não dissera uma única palavra. Não sabia o que dizer, nem mesmo agradecera por ela ter salvo sua vida. Não queria que todos tivessem insistidos para que ela ficasse, deveria ter ido embora, assim ficaria mais tranquila.

 Caminhando na frente, seguiu tendo bem atrás de si a pirata.

            A fisioterapeuta olhava ambas se afastaram. Percebia como a amiga mostrara-se incomodada com a presença da mulher, mesmo depois de ter se jogado nas águas para não permitir que ela fosse levada pela correnteza.

            Ainda mostrava-se perplexa com a coragem da filha do Serpente. Ela parecia não temer nada, mostrava-se tão orgulhosa, fascinante, apenas agindo como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Ainda tremia ao pensar o que poderia ter acontecido com a neta de Sir Arthur, ainda sentia o nervosismo em seu corpo.

            Viu Marina aproximar-se, entregando-lhe um copo com chá.

            -- Obrigada, babá! – Sentou-se na cadeira. – Acho que estava precisando disso.

            A empregada ainda tinha os olhos vermelhos do pranto que derramara.

            -- Não sei o que eu faria se tivesse acontecido algo com a minha menina.

            A fisioterapeuta lhe segurou a mão.

            -- Agora está tudo bem, graças a Deus e a pirata tudo terminou bem.

            Marina mostrou-se curiosa.

            -- Por qual razão a Víbora se arriscara pela inimiga?

            Cris apenas fez um gesto negativo com a cabeça. Ela mesma não entendia nem a ação da pirata, tampouco a da amiga que nem mesmo mostrara-se grata pelo o que a filha do Serpente tinha feito.

            Bebeu o chá devagar, sentindo-o aquecê-la.

           

 

 

            A Santorini tinha tomado banho e já estava aquecida com um atoalhado roupão preto.

            Estava no quarto e Samantha tinha entrado no banho há alguns minutos.

            Pegou o kit de primeiros socorros para cuidar da mão machucada.

            O aposento não tinha luxo, apenas contava com uma cama estreita e uma cadeira. Também havia uma rede enrolada e presa no armador.

            Viu a porta abrir e lá estava a sheika usando um roupão idêntico ao seu.

            -- Acho que agora não tenho mais lamas. – Disse aproximando-se. – Vejo que você também está limpinha. – Sentou-se na cama. – Vai cuidar da minha mão agora, doutora?

            Mel puxou a cadeira para perto, arrumando os objetos que usaria.

            A neta de Sir Arthur permanecia em silêncio, mas não conseguiu esconder a surpresa ao ver o machucado na mão direita. A corda ferira bastante.

            Começou a limpar os ferimentos, vez e outra os olhares encontravam-se.

            Samantha queria ter ido embora, não desejava estar tão próxima da militar, pois era como se não tivesse controle das suas emoções. Observava os lábios rosados, estavam entreabertos.

            Baixou o olhar e viu a curva dos seios pela abertura do roupão.

            Cerrou os dentes.

            -- Está doendo? – Mel indagou fitando-a.

            -- Não... – Respondeu incomodada, mexendo-se.

            -- Se não ficar quieta vou acabar te machucando! – Repreendeu-a.

            Continuou a cuidar da mão, limpando-a, depois colocou um curativo e em seguida uma bandagem. Em seguida deu atenção ao corte que estava em sua têmpora.

            Observou os cabelos negros, os olhos que pareciam sempre tentar lhe analisar.

            -- Deve limpar sempre e trocar os curativos, vou te dar um remédio para evitar infecções. – Disse levantando-se.

            -- Acho que não vai ser necessário. – Procurava algo. – Minhas roupas?

            -- Te emprestarei outras. – Voltou a pegar as bandagens. – Deixe-me ver o corte no seu ombro. – Pediu tentando agir como uma profissional.

            Sabia que ela tinha uma ferida naquela parte porque a blusa que ela usava fora rasgada bem naquela parte.

            Observava a expressão da sheika, parecia não estar nenhum pouco interessada em fazer o que lhe falara.

            -- Eu tenho outras coisas para fazer, então poderia fazer o que te disse?

            A Lacassangner a encarou por alguns segundos, depois desamarrou o nó do roupão, deixando totalmente despido a parte frontal do corpo. Ela não parecia incomodar-se com a nudez, sentia-se à vontade. Diferente da Mel que olhava paralisada para a pele nua e bronzeada. Via a marca do biquíni nos seios, devia ter aproveitado muito bem a estadia na capital.

            Encarou-lhe, buscando não a fitar abaixo dos ombros.

            Passou a mão pelos cabelos.

            -- Não acho que tenha sido sério, mas a senhorita é a médica, então veja você.

            Mel assentiu, depois se aproximou para examinar o corte. Evitava que os dedos tocassem na pele sedosa. Sentia os olhos azuis a fitarem. Sentia a respiração contra a face, estava tão pesada, parecia ter dificuldade para fazê-lo.

            Limpava-a com cuidado, mas percebia que tremia, sentia um arrepio percorrer a nuca. Percebia que a outra a perscrutava minunciosamente.

            -- Não deveria ter se jogado naquele rio, tenente, poderia ter acontecido algo pior. – Murmurou.

            Os olhos dourados a fitaram.

            -- Faria novamente, não deixaria uma criança ser levada pelo rio.

            -- E seria levada também? – Indagou com um arquear de sobrancelha.

            -- Isso não importa! – Continuou a limpar o corte. – E você, pirata, por que foi até lá?

            Os olhos azuis pareciam querer invadir os dourados.

            -- Porque não se faz guerras com mortos.

            Antes que a Santorini pudesse responder algo, sentiu a mão feminina acariciar-lhe a nuca e logo a puxava para si, colando os lábios. Não os moveram, apenas mantinha-nos pertos. Ambas se encaravam.

            A sheika sabia que deveria parar, aquele era um terreno perigoso, mas sentia tanta vontade de senti-la mais uma vez, queria provar o sabor dela novamente, e depois não voltaria a fazê-lo, esqueceria aquela mulher de uma vez por todas.

            Mel tentou empurrá-la, buscando o resto de sanidade que lhe restava, mas foi surpreendida por um abraço. Espalmou as mãos contra os seios dela, mas sentiu como uma descarga elétrica passasse por sua espinha.

            -- Víbora...

            Samantha esboçou um sorriso, depois a tomou para si.

            Agora a boca da pirata forçava uma reação e não demorou para que ela reagisse. Aceitou que os lábios lhe dominasse mais profundamente, tocando-se apaixonadamente.

            A filha do duque sentia a língua forçar a entrada, fazendo de forma tão deliciosa que acabou cedendo ao pedido e nesse momento foi como se estivesse sendo dominada por todas as forças do universo. A sensação em seu corpo era ainda mais poderosa de que as águas que quase a arrastaram para longe... Afogava-se novamente...

            Segurou-lhe a nuca, trazendo-a para mais perto de si.

            As línguas encontraram-se em uma união de desejos. Samantha dominava a carícia, aprofundando ainda mais, parecendo querer muito mais que aquele toque. Sabia que não deveria fazer aquilo, que deveria afastar-se, porém depois pensaria nisso, agora iria aproveitar aquele momento. Capturou a língua, chupando-a, sugando-a com toda vontade que tinha em seu ser, queimando em uma vontade incontrolável de tê-la para si.

            Mel gemeu contra a boca da inimiga, apertando-a mais.

            Sentiu os polegares acariciarem os seios sobre o tecido e desejou senti-los em sua pele.

            O que se passava consigo?

            Sentiu as mãos sobre as amarras do seu roupão...

            Prendeu a respiração, tinha a impressão que estava hipnotizada, perdida entre as sensações que seu corpo demonstrava.

            De repente ouviram o barulho de uma bandeja caindo no chão. A tenente afastou-se, fechando o roupão, Samantha fez o mesmo, enquanto observavam o olhar perplexo de Marina e o curioso da fisioterapeuta.

 


 

Comentários

  1. Gratidão a você Geh, por disponibilizar suas obras primas para nós simples mortais.

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  2. Te amo autora. Não sabia que tinha história nova.

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  3. Que capítulo incrível. Eu adoro a Cris haha eu acho muito divertido o fato dela passar na cara da Mel que se tivesse oportunidade, adoraria ficar com a Sam. Que trabalho lindo, autora. Não canso de admirar o teu trabalho. Um dia desejo ter um impresso autografado.

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  4. Que capítulo intenso, autora você nos prende com a sua escrita nos deixa sempre com gostinho de quero mais! Ansiosa pelos próximos capítulos. Parabéns por todo o seu trabalho, você é incrível.

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  5. Só eu que leio olhando para barra de rolagem da tela? ah! Não acaba kkkkkk e depois vem a crise de ansiedade pelo próximo capítulo. Efeito Geh, gostinho de quero mais! 😉

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    1. "gostinho" 😉 Amei o capítulo! Bem que poderia deixar um extra, em homenagem ao dia dos namorados 😗 kkkkk fui bjs.

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