A víbora do mar - Capítulo 11 - O duelo
O estábulo já estava pronto. Tinha sido feito em menos de
dois dias. As baias estavam sendo preenchidas com fenos. Samantha não parava um
só segundo, deixando tudo organizado para guardar os cavalos.
Caminhou
até a última repartição, era naquela que ficava Tempestade.
Apoiou-se
na porta, enquanto suas lembranças seguiam a tempos atrás.
Anos
antes...
--
Arrumem tudo, a sheika está chegando.
Samantha limpava os ladrilhos do castelo do sultão. Desde
que chegara àquele país, era escrava daquele homem. Não se recordava de como
foram seus primeiros dias naquele lugar distante. Nem sabia como tinha
sobrevivido a viagem de navio. Lembrava-se de ter sido jogada em um porão
escuro, enquanto sentia a infecção matá-la aos poucos. Tinha muito frio e não
havia nada para usar como cobertor. Quando fora entregue ao árabe, pensara que
tinha morrido e que experimentava outra realidade, pois ainda não entendia como
não perdera a vida depois de tudo.
-- O que faz aí?
A voz do secretário pessoal do homem mais importante do
país lhe tirou dos seus pensamentos.
Hajad deveria ter quase quarenta anos. Estava sempre ao
lado do regente e algumas pessoas diziam que ele nutria uma paixão secreto pelo
amo. Alto, de pele morena e olhos escuros como a noite, usava uma enorme barba
que lhe dava uma aparência mais velha. Ele quem a buscara quando chegara
naquele lugar tão distante.
-- Ela está limpando como as outras, senhor.
O chefe dos serviçais respondeu sem encarar o superior.
-- Levante-se, você dançará junto com as outras, é muito
bonito para se acabar na limpeza do castelo.
Samantha soltou um longo suspiro.
A única coisa que pensava era em fugir daquele lugar, só
isso passava por sua mente, desejava voltar para sua terra e fazer com que seus
inimigos pagassem caro por tudo o que tinham feito.
Ouviu as ordens que foram dadas e não demorou para ser
levada para o harém pessoal do Hain e fora lá que conhecera a esposa.
Dias atuais...
-- Senhora...
A Lacassangner estava tão distraída que não tinha visto o
peão chama-la. Virou-se para o homem. Aquele fora o empregado que levara para
trabalhar para si, enfrentando o capataz da Santorini.
-- Perdão assustá-la.
A pirata arrumou os cabelos.
Estava suada, sentia-se suja e cansada.
-- Diga, Domingos, algum problema? – Indagou,
encarando-o.
O homem tirou o chapéu em sinal de respeito.
Sentia-se muito grato por estar trabalhando ali. Tinha um
lugar para o filho e para a esposa, sem falar que sempre os tratavam com
respeito e diferente do que diziam, a Lacassangner não agia como o monstro que
todos pintavam.
-- Queria saber se já tem alguma forma de trazer os
outros empregados para cá, falou que tentaria resolver... – Disse sem fita-la.
– Estive na cidade, mas ainda tive que lidar com a perseguição de Matias...
Tenho medo...confesso...
Samantha tentara isso, até mesmo estivera na fazenda da
Santorini, porém nada conseguira ainda, pois sabia que se não participasse do
duelo, nada seria resolvido. Chegara a falar com o delegado, mas o homem agia
em comum acordo com Sir Arthur e sabia que nada faria.
Pegou o cantil, tomando um pouco do líquido.
A tenente era a única alternativa naquele momento.
Aceitara enfrenta-la, mas ainda não marcaram o dia,
talvez porque percebesse que aquilo não era algo certo a fazer, ainda mais que
sabia ser crime, Miranda ficaria furiosa se ficasse sabendo de algo assim.
Tentava também evitar um encontro com a herdeira de
Fernando. Sentia que perdia o controle quando estava diante da jovem arrogante.
-- Espero resolver tudo em breve. – Disse por fim. –
Tenha paciência e calma, não enfrente o capataz, logo teremos resolvidos tudo
isso.
O homem assentiu, depois pediu licença, afastando-se.
Tamborilava os dedos sobre a madeira que fechava a baia.
Pensava em como havia problemas naquele minúsculo lugar. Enfrentava todos os
dias a fúria de pessoas que nem a conhecia, via absurdos serem escritos em
panfletos sobre sua pessoa e nada fizera contra eles. Dia após dia Sir Arthur
inventava as mais bárbaras histórias, da mesma forma que um dia fizera com seu
pai, destruindo-lhe a vida.
O Serpente do mar sempre se mostrara forte, mas ela sabia
que ele sofrera dia após dia, culpara-se pela morte de Iraçabeth, condenara-se
pelo que tinha acontecido. Sempre que estavam juntos, olhava-o e via como havia
dor dentro dele...
Viu Belinda vir em sua direção.
-- Precisamos de trabalhadores ou vou acabar morrendo de
tanto serviço. – Queixou-se.
Samantha esboçou um sorriso.
-- Deixe que traga empregados de uma terceirizada... –
Tocou-lhe os ombros. – Essas pessoas desse povoado não virão para cá e o melhor
é que deixemos os Santorinis no canto deles, não devemos enfrenta-los aqui.
-- Essa gente está precisando de trabalho e não podemos
simplesmente deixar que Sir Arthur ganhe esse jogo sujo.
-- E o que pensa em fazer? – Segurou-lhe o queixo. – Acho
melhor manter essa carinha sem arranhões, então continue fazendo o que está no
seu papel...
-- Eu não sou uma atriz. – Disse dando de ombros. – Sou
uma pirata.
A agente observava os olhos azuis... A boca bem
desenhada, o nariz afilado...
Nunca na vida conhecera uma mulher com uma personalidade
como a da filha do Serpente. Sentia-se encantada e intrigada.
-- Senhora...
Um dos seguranças aproximou-se.
Ambas viraram-se para o subordinado.
-- Ester Bragança está aqui, disse que deseja vê-la.
A loira fitou a sheika e viu como havia indiferença em
seu olhar, não havia emoções, apenas a frieza costumeira.
-- Deixou-a entrar? – A agente questionou.
-- Não, senhorita, ela está na porteira, porém afirma que
tem algo muito importante para falar.
Samantha voltou a beber água, depois deixou algumas gotas
caírem por seu pescoço, penetrando em sua camiseta preta, refrescando-se. Não
demonstrava nenhuma pressa em decidir o que deveria ser feito.
Era sabido que não tinha nenhuma vontade de encontrar a
irmã de Juan, não tinha nenhum interesse na ex-namorada, era tão insignificante
para si como uma desconhecida, porém Miranda acreditava que ela poderia ser de
grande ajuda, então deveria mantê-la por perto.
-- Leve-a para a sala, logo será recebida. – Ordenou.
O
homem assentiu, deixando-as sozinhas.
-- Acho que ela está aqui para jogar o charme sobre você,
sheika. – Arrumou-lhe a camiseta. – Está fedendo a suor, mas continua linda,
então acho que ela não vai se incomodar.
A morena arrumou uma mecha de cabelo que tinha se soltado
do rabo de cavalo.
-- Não irei ter envolvimento nenhum com a Ester, então
espero que não passe na sua cabeça ou na da Miranda algo assim.
A agente a olhava com curiosidade, parecia perscrutar-lhe
algo naquele olhar vazio.
-- Não sente mais desejo, Lacassangner? – Indagou bem
perto dos lábios carnudos. – Como passou tanto tempo sem tocar e ser tocada e
não ansiar por isso? – Segurou-lhe a mão e viu a aliança. – Observei você nas
vezes que saímos, havia não só mulheres, mas homens prontos para realizar seus
desejos carnais e você agia como se fosse uma pedra de gelo...
A filha do Serpente cerrou os dentes.
Não gostava de falar sobre sua intimidade, entretanto
sempre demonstrava que não tinha nenhum interesse sexualmente em ninguém.
-- Eu deixei bem claro que não haveria nada!
Belinda assentiu, vendo-a afastar-se.
Ester estava na sala.
Observava a casa simples. Não havia luxos, nem móveis,
apenas umas poltronas de madeiras com almofadas. O carpete estava um pouco
gasto, porém era limpo. O lugar estava bastante acabado. Sabia que ela herdara
a enorme herança da esposa, então vivia naquele lugar sem luxo por sua vontade.
Só naquele dia tinha conseguido uma boa oportunidade para
ir até ali. Estava entediada naquele fim de mundo, ainda mais tendo que lidar
com a enjoada da cunhada e sua amiga. Precisava convencê-la a casar com o
irmão, mas não precisava ser tão rápido, assim poderia ficar mais tempo próxima
de Samantha.
Fitou o relógio dourado que repousava no pulso.
Passava das dezesseis. Tinha aproveitado que a neta de
Sir Arthur tinha ido à cidade para falar com o advogado para seguir até ali.
-- Aceita um suco?
A irmã de Juan viu uma mulher aproximar-se de forma
educada.
-- Traga uma jarra, Eliza, estou com muita sede.
A voz da Lacassangner ordenou.
A empregada afastou-se, deixando as duas sozinhas.
Ester não falou nada de imediato, apenas olhava para a
pirata que estava parada diante de si.
Os anos a deixaram ainda mais bela.
Ainda se recordava de como ficara fascinada pela beleza
da fora da lei quando a viu pela primeira vez. Nem mesmo sabia do seu gosto por
ter relações com mulheres na época, mas desejara a filha do Serpente de
imediato e só sossegara quando conseguira seduzi-la. Recordava-se das vezes que
se amaram e guardava as lembranças que sempre acendiam seu desejo.
Observou o jeans surrado que era tão colado ao corpo
feminino que destacava as pernas torneadas. As botas de cano alto chegavam até
o os joelhos. Observou a camiseta que guardavam seios redondos... A pele morena
estava suada...
-- Precisava te ver, precisamos conversar... – Disse
simplesmente.
Samantha apontou a cadeira para ela sentar.
A Bragança era a última pessoa que desejava ver naquele
dia, mas já que estava ali, precisava agir com cortesia, pois ela poderia ser
útil futuramente.
-- Perdoe a decoração, mas ainda está sendo difícil
conseguir trabalhadores para a fazenda. – Acomodou-se também, cruzando as
pernas. – Mas me fale, por qual razão veio até aqui?
Ester olhava encantado para a antiga namorada.
-- Vim alertá-la para que tome cuidado com a Olívia. –
Umedeceu os lábios. – Ela está furiosa... Esbravejou muito por causa de um
processo, não entendi bem...
A Sheika cerrou os dentes.
Não gostava de falar da tenente, pois era como se
perdesse o controle dos pensamentos, então sempre evitava tudo relacionado à
filha de Fernando.
-- Minha cunhada está obcecada em te fazer pagar pela
morte da mãe...
-- Nunca ordenei para que isso fosse feito. – Falou calmamente.
– Quando tudo aconteceu eu estava quase morta depois de ter sido pega por Sir
Arthur... acho que você sabe disso... Não teria como agir assim.
A Bragança levantou com lágrimas nos olhos, indo até onde
estava a Lacassangner, agachando, tomou as mãos da morena nas suas.
O olhar indiferente de Samantha apenas acompanhava o
movimento.
-- Por favor, perdoe-me pelo que fiz... – Disse em
soluço. – eu era muito jovem, fiquei com medo... – Disse encarando-a – Não sabe
como quis ir contigo naquele dia, como desejei ter sido menos covarde...porém
ele me ameaçava, dizia como todos me rejeitariam se ficasse ao teu lado...
A Víbora ouvia tudo e novamente era como se não houvesse
sentimento algum dentro de si, não sentia nada diante da mulher que pensara
amar um dia, nem mesmo sentia condoída pela dor que via no olhar feminino.
Levantando-se, fez com que ela fizesse o mesmo.
-- Ester, já passou, todos cometemos erros...
-- Mas o meu erro custou caro, pois te perdi, perdi o
amor da minha vida...
A pirata permaneceu quieta, enquanto era abraçada pelo
pescoço, pensou em afastá-la, porém manteve-se ali, apenas sentindo as lágrimas
sobre sua pele.
Belinda viu a moto estacionar diante do portão, então se
aproximou curiosa.
Viu a motoqueira vestindo roupa de couro preta e
capacete. Quando levantou a viseira, reconheceu os olhos dourados.
Tinha a impressão que a filha do duque exercia uma
influência sobre Samantha. Percebia que a pirata perdia a calma quando tinha
algo relacionado a ela.
Será que a desejava?
Seria muita ironia se algo assim acontecesse.
Mel fora informada pelo advogado da família que estava
sendo processada pela Lacassangner, estava sendo pedido uma quantia exorbitante
pelos prejuízos ocorridos naquelas terras durante o incêndio.
Nem precisava dizer que ficara possessa, ainda mais
porque nada fizera para estar sendo punida. Pensara que quando a queixa fora
retirada, também não haveria outras importunações contra si, mas estava
enganada. Mais cedo recebera um telefonema do almirante Ernesto, ligara como
amigo da família, mostrava bastante preocupação pelo que estava acontecendo,
praticamente deixando claro que enquanto tudo isso estivesse ocorrendo ela não
poderia retornar ao seu posto na marinha, não seria bom para a instituição
envolver-se nessas polêmicas.
-- Chame a Víbora, quero falar com ela! – Ordenou.
Belinda apoiou-se na porteira, examinando bem a filha do
duque.
Realmente era uma jovem muito bonita, havia fogo em seu
olhar.
-- Ora... não sabia que hoje teria reunião de família...—Dizia
pensativa --Primeiro a cunhada... agora a senhorita. – Debochou. – Se soubesse
teria mandando preparar um chá para a confraternização.
A Santorini retirou o capacete, deixando os cabelos
caírem soltos.
Observava a amante da inimiga, devia ter muita pouca
possibilidade para aceitar se envolver com uma mulher como a Samantha, uma fora
da lei, uma pirata que pelo que ouvia não sabia respeitar ninguém.
Olhava tudo ao redor, observando os homens que a
encaravam.
-- De que falas?
Mais à frente conseguia ver o carro estacionado. Era da
sua fazenda.
-- A irmã do seu noivo está aqui... Imagino que o assunto
que ela veio tratar não seja o mesmo...ou será que é o mesmo?
Os olhos dourados estreitaram-se ameaçadoramente.
-- Não fique brava, tenente, pode ir até lá, tem minha
permissão, pode entrar, sinta-se em casa... Acho que vai ser um encontro
interessante...
Mel ligou a moto, seguindo até a frente da casa.
Desmontando, pensou se deveria realmente ter ido até ali,
porém diante do que estava acontecendo não haveria outra coisa a fazer nesse
momento. Não gostava de estar no mesmo lugar que a Lacassangner, sentia-se
terrivelmente incomodada com a presença dela, era como se a pirata profanasse
seu mundo.
Subiu
as escadas, a porta estava aberta, então apenas entrou e foi quando viu a cena.
A Bragança estava abraçada a sheika, as bocas estavam tão
próximas que pareciam que estavam beijando-se.
Sentiu-se incomoda com o que via.
Cruzou os braços e respirou fundo.
-- Espero não estar incomodando...
A voz de irritação chegou aos ouvidos das duas mulheres.
A Bragança afastou-se, mas Samantha não se moveu, apenas
virou-se para encarar a visitante indesejada.
Prendeu o fôlego ao vê-la com as roupas de couro que uma
vez fora lhe mostrado por Miranda em uma fotografia. As pernas torneadas eram protegidas
por uma calça preta que combinava com a jaqueta e por dentro era possível ver
que usava uma blusa de longa alta. Observou as botas próprias para aquele tipo
de transporte.
Os cabelos estavam soltos, o olhar exibia a irritação
costumeira na sua presença.
-- O seu marido deve ter ligado umas mil vezes e você
aqui? – Disse à cunhada. – Deveria ter avisado que tinha vindo até aqui ver sua
antiga...—arqueou a sobrancelha esquerda – amiga?
A irmã de Juan mostrava-se incomodada com a presença da
neta de Sir Arthur.
-- Tinha algo para resolver com a Sam... – A mulher
respondeu aborrecida. – Não sabia que tinha que justificar cada passo que dava.
-- Então quando chegar em casa, ligue para ele e diga
isso, aproveite e conte os fatos pretéritos... quem sabe ele não te ajuda a
resolver esses assuntos.
Os olhos verdes da irmã da Bragança estreitaram-se em
irritação.
-- Samantha, falo contigo depois. – Beijou a face da
pirata. – Haverá outras oportunidades. – Completou com um sorriso.
Mel brincava com as luvas que tinham nos dedos, enquanto
observava a cena ridícula.
Quando a outra foi embora, encarou os olhos azuis.
-- Cuidado para não deitar com ela e acabar com outra
bala no ombro.
A Lacassangner riu do comentário e da expressão irônica
da filha do duque.
-- Não estou achando graça, Víbora!
A herdeira do Serpente tomou um pouco do suco, enquanto
encarava a mulher que parecia prestes a lhe matar.
-- Quer um pouco?
-- Espero que da próxima vez o tiro pegue em um lugar
mortal.
-- Imagino que dessa vez não vou contar com suas mãos
delicadas para cuidar de mim... – Mordiscou o lábio inferior. – Nem sei se
sobreviverei.
-- Teria o maior prazer em te deixar sangrar até
morrer... – Retirou uns papéis do bolso da calça. – Acho que isso pertence a
ti!
Samantha viu as folhas jogadas em sua cara e nada fez,
apenas continuou a beber o líquido que parecia não estar mais tão doce.
-- Ousou me processar pelo incêndio na sua fazenda? –
Indagou com as mãos na cintura. – Você é uma maldita pirata mesmo. Sabe bem que
não tenho nada a ver com isso, até a queixa tinha sido retirada e agora quer
sujar meu nome?
-- Apenas fiz o certo, afinal, sabemos bem que foram seus
empregados quem fizeram isso. – Retrucou calmamente.
-- Quais provas têm, Víbora? – Chegou mais perto. – Se eu
tivesse mandando incendiar não teria só queimado o seu cavalinho de estimação,
teria ordenado que fizessem quando você estivesse lá dentro.
Os olhos azuis escureceram, enquanto o maxilar enrijecia.
-- Ouse fazer... – Colocou o copo sobre a bandeja. – Não
venha até aqui com esse nariz empinado de tenentezinha de quinta achar que pode
me intimidar. – Apontou-lhe o indicador. – Saia da minha casa antes que eu
perca a minha paciência com suas provocações.
-- Tenente de quinta? – Indagou furiosa. – Trate de
mandar seu advogado cancelar esse processo, pois de mim você não vai ver um
único centavo, pirata vagabunda. – Pegou o copo, jogando o líquido contra o
rosto da Lacassangner. – Assim refresca mais rápido.
Samantha a segurou pelos braços, sabendo que deveria
tomar cuidado para não ser atingida, sentando-se, fê-la fazer o mesmo sobre
suas pernas. Mantendo-a cativa, tentando não ser rasgada palas unhas afiadas,
ouvindo os impropérios que saia dos lábios delicados. Abraçava-a pela cintura,
usando toda sua força para contê-la.
Sentia o aromada delicado dos cabelos soltos, o couro a
roçar em seu corpo.
-- Solte-me!
Mel tentava livrar as mãos, mas a pirata parecia ter
algumas técnicas que conseguiam mantê-la.
Suspirou!
-- Você é uma mimada, uma garotinha estúpida, idiota. –
Dizia exasperada. – Não entende que não sou sua inimiga, seja inteligente e
perceba como está cega em seu ódio sem sentido. – Encostou a cabeça em seu
pescoço. – Esqueça essa raiva...
A Santorini tentava soltar-se novamente. Arrepiou-se ao
sentir a respiração contra seu pescoço.
Samantha sabia que não conseguiria contê-la por muito
tempo, então conseguiu virar-se, deitando-a sobre a poltrona, posicionando por
cima dela. Segurava-lhe os pulsos sobre a cabeça. Via como ela demonstrava
raiva. Fitou os lindos olhos... Queimavam em raiva.
-- Não quero brigar contigo!
A filha do conde encarou os olhos azuis.
-- Desde que apareceu em minha vida só trouxe
desgraças... Mas vive como se fosse uma respeitável mulher, mas sabemos que não
é... – Esbravejou. – É a maldita Víbora que aterrorizava o oceano, filha do
maldito Serpente, maldito assassino...
A Lacassangner tentava controlar a própria raiva, mas
estava se tornando algo praticamente impossível.
Nada nem ninguém a tirava do sério como aquela militar.
-- Vou te fazer pagar por tudo...
-- Faça... Faça... Quem sabe isso não me faz sentir
algo... – Umedeceu os lábios. – Quem sabe assim eu não me importe com isso. –
Apertou-a mais. – Acha mesmo que alguma coisa me atinge? Acha que me atinge?
Você não tem ideia do que passei, não tem ideia mesmo para imaginar que suas
palavras surtem algum efeito em mim.
Mel observava o rosto bonito tão próximo do seu,
novamente viu a dor no lugar da indiferença, viu-a afastar-se, levantando-se
também em seguida.
-- Você é uma menina estúpida que acredita em tudo o que
te contam, acredita que eu matei a sua mãe, que ataquei seu navio, mas não
consegue parar pra pensar que está buscando a culpada errada, que eu possa não
ter feito nada disso, que há alguém lá fora cometendo essas barbaridades e
usando meu nome? – Fechou as mãos ao lado do corpo. – Você é uma burra!
A tenente respirou fundo, tentava manter o controle.
-- Amanhã mesmo a encontro para o duelo! – Avisou. – Se
você quiser ter empregados por aqui, compareça na colina – Apontou-lhe o dedo –
afaste-se da Ester ou contarei tudo para o meu noivo.
-- Eu acho que você deveria dizer isso para ela e não para
mim, afinal, não fui eu que fui até a sua casa atrás dela.
Mel saiu pisando duro, deixando uma Samantha frustrada e
enfurecida.
Não demorou para Belinda aparecer.
Quase fora atropelada pela tenente. Parecia que a jovem
tinha toda a fúria do universo dentro de si.
-- Tudo bem? – Observou tudo ao redor. – Teve problemas
com a Santorini?
A Lacassangner sentou-se, mas nada respondeu durante
alguns segundos.
A agente a observava com cuidado, parecia buscar algo em
seu olhar.
-- Você não consegue ser um iceberg com a filha do duque.
– Disse em constatação. – Consigo ver isso em seu olhar.
A morena umedeceu os lábios demoradamente.
-- Ela me tira do sério como ninguém nunca conseguiu
fazer. – Suspirou. – Irrita-me o fato de ela ser tão burra e arrogante.
-- Só isso?
-- E o que mais seria? – Levantou-se. – Vou tomar um
banho, estou cansada.
A fisioterapeuta estava sentada na poltrona dos aposentos
da filha do duque.
Tinha-a visto chegar e percebera o quão furiosa
encontrava-se. Ouvia-a contar cheia de revolta tudo o que estava acontecendo.
Sabia que de tudo o que era dito o que mais a irritava fora a atitude do
almirante Ernesto em demonstrar certa proteção para com a Lacassangner.
-- Eu não fiz nada! – Dizia pela quinta vez. – Essa
maldita mulher está sendo protegida, a maldita assassina está sendo preferida
da sociedade que deveria condená-la. – Livrou-se da jaqueta.—uma sheika nada, é
uma pirata desgraçada que arruinou a vida da minha família...
-- Talvez ajam assim porque não há provas contra ela. –
Cris falou. – Eu sei que você não aceita, porém não há nada que possa
incriminar a Víbora.
-- Minha mãe foi cruelmente assassina, você sabe disso...
– Dizia com lágrimas nos olhos. – Será que nunca haverá justiça?
Cristina foi até ela, abraçando-a.
Sentia as lágrimas quentes lhe molharem o ombro. Não
demorou para ouvir os soluços esboçados pela dor que a acompanhava por todos
esses anos. Conhecia a filha de Fernando desde a adolescência, sabia como foram
difíceis os dias sem a mãe, como havia tristeza em seu olhar e mesmo que muitas
vezes agisse com muita arrogância, sabia que aquela era apenas uma forma de se
proteger.
Seguiram até a cama. A amiga sentou-se, apoiando-se na
cabeceira, depois a tenente deitou a cabeça em seu colo, mergulhando em um
pranto incontrolável.
Samantha tinha acabado de sair do banho.
Seguiu até o armário, pegou uma calcinha e uma camisola
de seda prateada.
O item era curto, delicado, expondo quase todo o corpo.
Irônico como ficara quase dez anos usando apenas as roupas da prisão e nunca se
importara com isso.
Respirou fundo e teve a impressão que ainda tinha em sua
pele o cheiro da filha do duque de Del Santorro. Mesmo toda água do mundo não a
livrara do aroma da tenente.
Passou a mão pelos cabelos, sentindo a maciez dos fios.
Observou-se no espelho e notou os mamilos intumescidos.
Pareciam botões de rosas.
Cerrou os dentes ao lembrar de como sentira desejo quando
esteve sobre o corpo da inimiga.
Isso era o maior absurdo que podia acontecer em sua vida.
Sentir-se atraída por uma mulher que a odiava sem falar que seria praticamente
impossível ter algo com a Santorini. Jamais teria algo com a herdeira do homem
que fora responsável pela morte do pai.
Mel desceu e encontrou Cristina e Ester sentadas na mesa.
O café da manhã estava sendo servido.
A jovem tinha despertado ainda pouco, então tomara um
banho e estava pronta para ir ao encontro da Lacassangner. Não tivera uma
boa-noite de sono, descansando apenas ao amanhecer.
Observou a irmã do noivo.
Ainda não a tinha confrontado sobre o encontro da tarde
anterior, pois não descera para jantar.
-- Foi a última vez que você foi até a Víbora, se voltar
a acontecer eu mesma contarei toda a sua história para o Juan.
Ester a fitou demoradamente.
-- E o que você vai dizer ao seu avô? – Indagou com um
sorriso. – Ele me ligou pedindo para que me reaproximasse da Samantha.
Os olhos dourados estreitaram-se.
Ela
apoiava-se no encosto da cadeira e apertava tão forte a madeira que era
possível imaginar como estavam os seus dedos por baixo das luvas que usava.
-- Vai entrega-la na cama como da outra vez? –
Provocou-a. – Ou vai pelo menos arrumar um lugar mais formal.
A Bragança tomou um pouco de suco.
-- Primeiro darei para ela bem gostoso... Afinal, eu
adoro misturar negócios com prazer...
Cristina viu o olhar aniquilador da amiga e pensou em
intrometer-se para evitar um confronto maior entre as duas mulheres, porém Mel
deixou a sala, afastando-se.
-- Eu acho melhor você não a provocar. – A fisioterapeuta
avisou. – Sir Arthur pode ter requisitado seus serviços, mas não deve esquecer
que a tenente não costuma seguir os planos nem do pai tampouco do avô... então
é melhor tomar cuidado. – Levantou-se. – Perdi até a fome.
A área abandonada ficava distante das sedes da
fazenda. Havia
algumas árvores, elevações de pequenos morros verdejantes que tornava o lugar
um belo espaço para piqueniques.
Um
vento frio parecia pairar no ar. Não havia sol naquela manhã, apenas nuvens
carregadas anunciando chuva.
Mel
estacionou a moto, enquanto observava o lugar plano.
Tinha
proposto enfrentar a pirata, mesmo que soubesse que não deveria tê-lo feito,
porém a vontade de fazê-la pagar por sua petulância lhe corroía por dentro, o
anseio de fazê-la ir embora daquele lugar daria um pouco de controle para si e
paz para aquelas pessoas. Cada dia mais sabia que não demoraria para algum
morador enfrentar a filha do Serpente. Sabia que o pai incentiva isso...
Desmontou do veículo.
Passara toda noite sonhando com a maldita pirata. Via-a
sobre seu leito, lutando para sobreviver como ocorrera há tantos anos.
Cerrou
os dentes fortemente.
Seria
capaz de quebrá-la toda pela fúria que invadia seu ser.
Por
que essa mulher retornou ao país?
Poderia
ter morrido na prisão ou sido enforcada.
Sim,
o pescoço delicado ficaria lindo em uma corda na praça pública.
Lembrou-se
do olhar desdenhosa que sempre exibia, da forma indiferente que agia como se
nada a atingisse.
Arrumou
a trança na lateral do ombro.
Observou a
espada. A lâmina estava bastante afiada. Cuidava bastante daquela arma, pois
era relíquia da família de Sir Arthur.
Pensou no avô e no que Ester tinha dito.
Realmente ele estaria usando-a novamente para chegar a
Víbora? Mas qual seria o plano?
Não concordava com esses truques... mas era a pirata
maldita, então se fosse possível destruí-la assim, talvez devesse deixar...
Por que tinha tanta raiva quando pensava na cunhada ao
lado da maldita fora da lei?
Respirou fundo.
Mexeu as pernas como uma forma de exercitá-las. Sabia que
deveria tomar cuidado, a amiga deixara claro que não estava pronta para esse
confronto...
Viu
o cavalo negro aparecer e a mulher sobre ele.
Apertou
forte o cabo da espada.
Conseguia
ver de longe o sorriso brincar nos lábios rosados e grandes. Os olhos azuis
brilhavam como um dia de verão.
Viu-a
se aproximar, desmontar e prendeu o fôlego ao ver a roupa que usava. Vestia-se
da mesma forma que o fazia quando era pirata. Sabia disso, pois tinha visto
inúmera fotos da filha do Serpente nos arquivos da marinha.
A
saia longa de couro marrom era solta e não se prendia nas pernas, conseguia ver
as botas que chegavam ao joelho. Na parte de cima havia uma blusa verde com
botões em seu decote e prendia-se na cintura. Os cabelos estavam soltos, as
pontas se ondulavam. O vento soprava os fios, pairando em sua face.
Samantha
aproximou-se.
Viu
a jovem tenente vestida em seu traje de esgrima, menos o protetor facial,
apenas a roupa branca prateada colava-se ao corpo bem feito.
Tentou
não prestar muita atenção nas formas bonitas, não desejava sentir a mesma
agonia que lhe apossara no dia do incêndio. Na tarde anterior quando a prendera
na poltrona, desejou-a...
--
Bom dia, comandante suprema da galáxia.
Mel ignorou o deboche.
--
Acho melhor me poupar das suas provocações, pirata, afinal, eu posso rasgar
essa sua cara todinha com poucos golpes.
A
Lacassangner meneou cabeça, enquanto tirava a própria espada da bainha.
Observou a arma. Eliah tinha seu brinquedo favorito guardado.
--
Se eu ganhar quero a sua espada também…Achei bonita...
A militar ensaiou um ataque, mas Samantha não se mexeu.
--
E se eu ganhar você vai entregar a sua fazenda, sair dessa região, nunca mais
chegará perto da Ester e cancelar o processo.
A
pirata mordiscou a lateral do lábio inferior.
-- A Ester não estava no pacote... Você está pedindo
muito, eu quase nada terei de recompensa.
-- Problema seu... Afinal, o maior interesse em conseguir
vencer é da sua pessoa para conseguir trabalhadores... Ou vai ter que usar suas
mãos de sheika para plantar sua terra e cuidar do gado...
-- E o seu não conta? Até a sua linda cunhada está no
pacote. Quer tudo, fazenda, cancelamento de processo...
-- Aceita ou não o acordo? – Indagou com expressão séria.
Miranda
e Belinda não imaginavam que isso estava acontecendo, mas a garota do duque era
tão atrevida e desafiadora que resolveu lhe dar uma lição.
--
Sim, farei o que você quiser…mas não acredito na sua vitória... – Chutou uma
pedrinha.
--
Coitada, acha mesmo que tem chance contra mim? Não sei se sabe, mas sou campeã
de esgrima...
Samantha
jogou os cabelos para trás com um gesto de cabeça, não parecia se importar com
a presunção da jovem.
--
Vamos começar logo, vai chover e não quero ficar molhada...
Mel
relanceou os olhos em irritação.
Em
guarda, a jovem tenente fazia uma pose digna de filmes de ação, enquanto a
Lacassangner apenas exibia um sorriso e esperava para o que estava por vir.
Sabia que a filha do duque era boa, a própria Miranda dissera inúmeras vezes
isso, sempre falavam de como manejava com destreza a lâmina, até já tinha visto
algumas gravações de apresentações.
Tirou uma mecha de cabelos da face.
Já
se preparava para fazer uma gracinha, mas teve que ser rápida para se defender
de um ataque, por um triz não foi ferida.
Prendeu o fôlego.
A
militar arqueou a sobrancelha esquerda em desafio.
A
pirata tentava se defender, mas a Santorini parecia estar ansiando para
cortá-la em pedaços, pois seguia atacando-a.
--
Calma, comandante, se me matar como vai explicar hein… -- interrompeu a fala
para se esquivar.
--
Espero que agora aprenda com quem está lidando. – Voltou a se posicionar para o
ataque.
--
Tudo isso só porque quer que eu saia da região?
Mel
foi tão incisiva que Samantha tropeçou em uma pedra, caindo de costas. A
tenente já vinha com tudo contra ela, mas a morena rolou, enquanto tomava
distância e tentava se levantar.
Ouvia
os sons furiosos que saíam dos lábios da tenente, pareciam uma fera enjaulada
querendo devorá-la.
Conseguiu
se levantar e voltou a se proteger dos ataques.
Os
sons das espadas se chocando no ar parecia uma melodia de uma guerra medieval.
Ambas executavam uma dança naquela guerra pessoal e infinita.
O terreno que estavam era plano e a grama era boa para
amortecer a queda.
-- Você é fraca, Víbora, se tivesse me enfrentado antes,
teria sido presa, com certeza não teria feito a marinha de palhaça.
Samantha
mais uma vez foi encurralada na árvore e daquela vez não conseguiu se livrar da
ponta da espada que passou em sua face lhe causando um arranhão na bochecha.
Mel
esboçou um sorriso de superioridade, levantando a cabeça em desafio.
A
Lacassangner levou o dedo ao machucado e sentiu o líquido pegajoso. Observou o
sangue e pareceu não gostar nada do que estava vendo.
--
Já chega de brincadeira, garotinha de farda.
A
Santorini chamou-a com um gesto com o indicador.
Samantha
mordiscou o lábio inferior demoradamente.
Sabia que ela não brincava, sentia a fúria que ela
expressava, mas também percebia que não tinha tanta concentração e controle
como deveria ser. Talvez não fosse digno da sua parte agir com provocação, mas
também não poderia correr o risco de ser derrotada, havia muita coisa em jogo.
Conseguiu defender-se de um novo ataque.
--
Você continua sendo a garotinha que cuidou da minha ferida... Em sua cabeça
passa realmente que é uma poderosa tenente... Se fosse assim não teria sido tão
burra e caído em uma emboscada... – Incitou-a. – Seguiu para a morte com
aqueles homens e agora busca me culpar por isso...Precisa crescer e assumir
suas responsabilidades...
Mais
uma vez a neta de Sir Arthur partiu para atacá-la, mas dessa vez a Víbora se
desvencilhou e com um golpe preciso conseguiu desarmá-la, rapidamente pisou na
espada para ela não pegar.
Já
abria a boca para sentenciar sua vitória, mas Mel a atacou, derrubando-a sobre
o terreno. Rolaram durante alguns segundos.
--
Pare, tenente… -- A morena pedia, tentando não rir do ataque.
A
militar estava furiosa, só queria arranca-lhe a pele toda, tirar aquele sorriso
do rosto.
-- Maldita Víbora...
A
Lacassangner conseguiu posicionar-se sobre a oponente, prendendo as pernas da
jovem entre as suas, depois segurou-lhe os pulsos.
--
Você é louca?
--
Como? – Indagou em confusão e indignação.
--
Era uma luta de espadas e não de cabelos, está louca é?
Samantha
mirava os olhos dourados que pareciam soltar chispas de raiva, depois fitou os
lábios entreabertos.
A
respiração de ambas estavam aceleradas.
--
Solte-me! -- Mel exigiu. -- Solte-me. -- Tentou se livrar do toque.
--
Vai me atacar? – Indagou encarando-a.
--
Sim, irei! –Tentou soltar os braços. – Maldita pirata, vai pagar caro por tudo.
A filha do Serpente tentava acalmá-la, pois não queria
machucá-la.
--
Renda-se e cada uma de nós poderá voltar para casa, está começando a chover,
melhor nos apressamos… -- desviou o olhar porque parecia hipnotizada pela boca
bonita. – Você perdeu, apenas aceite...
-- Jogou sujo... Não agiu certo...
-- Não tenho culpa se te falta controle...
-- Odeio você... – Buscou livrar os pulsos.
Samantha precisou usar o peso do corpo para subjugá-la.
-- Você perdeu, então se renda, tenente! – Ordenou.
Os olhos encontraram-se em uma batalha silenciosa.
Samantha fitou a boca dela mais uma vez...
Os lábios eram desenhados. Cheios. Via os dentes alvos,
sentia o hálito refrescante contra si e a respiração acelerada.
--
Eu nunca me renderei a você.
Novamente
a jovem tentou se livrar do corpo que a mantinha cativa. A Lacassangner fez um
grande esforço para mantê-la sobre si, mas os movimentos estava deixando seu
desejo atiçado depois de tantos anos. Queria tocá-la, mesmo que não devesse,
ansiava por senti-la sabendo que seria o mesmo que dançar na beira de um precipício...
--
Para! -- Ordenou. – Para com isso!
Mel
já soltava impropérios quando os lábios foram esmagados por outros tão cheios
como os dela.
Os
olhos dourados ficaram arregalados. Permaneceu imóvel durante alguns segundos.
Teve a impressão que um raio lhe atingira naquele momento.
Tentou
repeli-la, mas logo a boca se apossava da sua de uma forma delicada. Traçava o
caminho com cuidado, circundando seus lábios com a língua como se estivesse a
conhece-la, como se estivesse a observar suas reações. Sentia o cheiro dela, de
repente sentia o corpo que não mais a machucava em submissão, mas roçava em si
como uma gata ao esfregar-se nas pernas do seu dono.
Suas
lembranças a levaram para a noite que fora tomada por aquela mesma boca. Sempre
fora assombrada por isso, pois parecia que algo dentro de si tinha sido
roubado.
Lentamente foi cedendo, sentindo a maciez
dela, sentindo a delicadeza do toque...
Sentia
um tremor em suas pernas.
Samantha
sentia os seios colados aos seus.
Teve a impressão que algo dentro de si parecia alarmar
como se estivesse sendo alertada para o que estava acontecendo.
Nunca em sua vida imaginara que desejaria logo a filha do
duque de Del Santorro... Nunca imaginara que poderia desejar novamente...Como
ela conseguira despertá-la?
Sentia
o corpo ansioso por mais, mesmo assim procurou se controlar, encontrou a língua
da jovem, mas ela não permitiu o contato.
Sentia-se frustrada.
A
chuva começava a cair mais forte, molhando-as, mas a Lacassangner a mantinha
ali.
--
Solte-me, pirata! -- Mel conseguiu falar contra a boca dela. – Solte-me ou vou
te matar... – Dizia com a respiração acelerada.
--
Eu venci e quero outro prêmio agora… -- Continuava prendendo-a.
Os
olhos dourados pareciam curiosos. Encarou os azuis. Observou-os brilharem...
--
O que quer? – Indagou receosa. – Já tem a minha palavra que terá os
trabalhadores... –Tentou livrar-se. – Solte-me, Víbora!
Samantha observava a boca que parecia apenas ser feita
para xingá-la.
--
Quero isso...
Antes
que Mel protestasse, ela voltou a beija-la e dessa vez conseguiu mais
facilmente o que queria. A neta de Sir Arthur tentara resistir, mas acabara
cedendo ao toque insistente.
As línguas encontraram-se, batalhavam como antes fizera
as espadas.
A
militar fechou os olhos, parecia hipnotizada pela forma que a mulher lhe
tocava.
Permitiu-a dominar a carícia...
Deixou-a toma-lhe a língua... Chupando-a impetuosamente.
Nunca
em sua vida sentira algo parecido, nunca sentira um desespero de continuar a
senti-la. Novamente tentou se livrar, mas não para empurrá-la como antes,
queria abraçá-la e estreitar o contato, não parar até poder saciar aquela fome
que se instalava em seu interior. Sentia os seios doloridos...
De repente abriu os olhos como se despertasse de um
transe.
Viu a Lacassangner interromper o contato,
fitando-a demoradamente, depois levantou.
Observou-a encharcada. Os cabelos colados à nuca.
Ambas
se olharam como se nunca tivessem se vistos e só naquele momento realmente se
dessem conta do que havia feito.
A chuva caia mais forte, ouvia-se o barulho da fúria da
natureza molhar a terra.
A filha do Serpente sentia-se fraca como nunca se sentira
antes. Sentia-se traída por si mesma, por seu corpo que dominara seus atos.
Há quantos anos isso não acontecia?
Na verdade nem sabia se em algum momento sentira-se tão
fragilizada como quando sentira os lábios da militar...
Olhou para o céu escuro, depois fitou a inimiga.
--
Acho melhor você ir embora, tenente, a chuva não parece que vai dar trégua. --
Falou friamente recolhendo as espadas. -- Acho melhor também que esqueça que eu
existo e pare de se intrometer em coisas que não são da sua conta ou falarei
com o seu superior. – Dizia como se nada tivesse acontecido. – Não desejo encontra-la
mais em meu caminho, então se afaste de mim!
Mel
soltou um suspiro de impaciência, depois se pôs de pé.
--
Eu deveria ter colocado mais força no ataque, assim teria arrancado fora a sua
língua.
Samantha
levou os dedos ao corte na lateral da face.
--
Teria me matado?
A
Santorini se apressou em negar com a cabeça e completou com a voz baixa:
--
Preferiria colocar você para ser enforcada em praça pública.
--
Que lindo da sua parte... – Guardou as armas no cavalo. – Mas não haverá outra
oportunidade como esta.
A
Lacassangner caminhou até o garanhão, montando-o e saindo em disparada.
--
Maldita pirata! -- Disse por entre os dentes. –Isso não acaba por aqui!
Eliah
e Belinda esperavam na varanda, era possível ver a preocupação em suas faces.
Uma tempestade caia e nenhum tinha ideia de onde tinha ido a Lacassangner,
ainda mais sem os seguranças.
--
A Samantha abusa da sorte, ela sabe muito bem o que aconteceu da última vez. --
A mulher reclamava.
O
velho pirata nada disse. Conhecia bem a filha do amigo, sabia que não havia
nada que a detivesse, agia por sua conta e vontade na maioria das vezes.
Ouviram
trotes a se aproximar e lá estava a mulher sobre o cavalo. Estava molhada
devido à chuva.
Um
dos seguranças correu até ela, ajudando-a a desmontar, levando o animal para o
estábulo.
--
Quando a Miranda ficar sabendo que saiu sem avisar. -- Belinda falou quando a
via subir os degraus. -- Onde estava hein?
--
Preciso de um banho, preciso tirar essa roupa.
--
Estava bancando a pirata? -- A agente voltou a esbravejar. -- Está ferida?
--
Eu não banco a pirata, eu sou uma pirata. -- Entregou as duas espadas a Eliah.
-- Guarde-as na minha coleção.
Sem
dar ouvido as reclamações, seguiu para o interior da casa, caminhando pelo
longo corredor até o quarto. Despiu-se ali mesmo, em seguida caminhou até o
banheiro. Um sorriso brincou nos seus lábios ao ver a tina de madeira rústica
com uma perfumada água.
Eliah
era maravilhoso!
Adentrou
o continente, sentindo os músculos relaxar.
Não
sabia ainda se as dores foram dos movimentos que fizeram para se defender dos
ataques da tenente ou pela vontade de tomá-la para si.
Há
quantos anos seu corpo deixara de reagir aos prazeres da carne? Por que agora
essa garota mimada lhe despertava anseios adormecidos?
Passou o polegar pelos lábios... Era como se ainda
sentisse o gosto dela...
Mirou
a aliança que ainda repousava em seu anelar esquerdo, sentia-se uma traidora,
estava traindo a memória da única mulher no mundo que a amara verdadeiramente.
Nunca
deveria ter aceitado a oferta da Miranda, se estivesse enclausurada nas paredes
frias da prisão nada disso estaria acontecendo.
Umedeceu
os lábios demoradamente.
Viu
a porta se abrir e lá estava Belinda com a espada que trouxera nas mãos.
--
Onde você conseguiu a espada da Olívia Santorini?
Samantha
não respondeu de imediato, pegando a esponja passou pelo pescoço delicadamente.
--
Ganhei em disputa justa.
Os
olhos verdes da agente se abriram em perplexidade.
--
Duelou com ela?
--
Sim… A tenente é muito boa…
A loira meneou a cabeça.
--
Estou vendo, quase te arrancou a face.
--
Realmente… -- Passou a água na ferida e sentiu arder. -- Porém perde o controle
logo, duas palavras e ela se desconcentra.
--
Ela poderia ter te matado. – Disse preocupada. – Ela é campeã de esgrima...
A
Lacassangner sorriu.
--
Acho que sim, mas sou muito boa com a espada, não esqueça que meu pai
sequestrou os melhores espadachins para garantir isso.
A
mulher meneou a cabeça.
--
Não vou contar a Miranda o que se passou, ela seria capaz de vir até aqui.
--
Eu mesma falarei, não tem problema, não temo.
--
Pois deveria, ainda mais que saiu sem vigilância.
--
Não sou prisioneira, nem sou irresponsável, sei me cuidar, mas para que não
fique tão chateada, tentarei não agir fora do seu controle. -- Levantou a mão direita em promessa. – Comece a organizar tudo, vamos receber empregados para a
fazenda.
A
agente assentiu, enquanto observava a bela mulher a se banhar.
Era
tão linda que poucas pessoas seriam capazes de resistir aos seus encantos.
Aaaah eu tô louca aqui. Estava esperando por esse bendito beijo e não me decepcionei.
ResponderExcluirO amor se fez na guerra, que delícia! Apesar de toda raiva que Mel sente, já percebeu que as coisas que falam a respeito de Sam não estão se encaixando.
ResponderExcluirMês de São João e nada mais justo que coloque fogo na fogueira. 😉