A víbora do mar - Capítulo 1 - A traição

 

Depois de uma terrível noite de tempestade, o sol voltava a aparecer.

O grande navio A víbora do mar tinha ancorado, pois temia a magnitude da tempestade nunca vista nos últimos cinquenta anos.

A tripulação assustara-se e fora preciso que todos trabalhassem duro para manterem as velas alçadas e não serem tragados pela fúria da natureza.

-- Organizem tudo, seguiremos até o porto.

A voz feminina ordenava aos marujos que apenas assentiam, jamais contestariam uma ordem da filha de um dos maiores piratas dos sete mares. Desde a morte do Serpente, decidiram ficar com a jovem e servi-la, mesmo que ela não se dedicasse aos mesmos projetos que o grande pirata.

Samantha seguiu até a cabine, sentando-se, parecia cansada da noite que não dormira.

Abriu a gaveta, depois pegou o involucro.

Lia com atenção cada palavra que fora escrita no jornal. Aos poucos todos as conheciam e a temiam. Histórias terríveis eram contadas sobre a pirata Lacassangner. Sabia quem inventava aqueles enredos, seu próprio sangue fazia questão de criar a lenda da víbora...

Soltou um longo suspiro de exasperação.

Ouviu  batidas na porta, sabia de quem se tratava, então deu a ordem para que entrasse.

Seu fiel guardião não deixaria de ir até ali em busca de dissuadi-la das suas intenções. Ele sempre fazia aquilo, desde que era apenas uma criança.

-- Sam, você não deveria ir ao porto, sabe muito bem que seria a forma mais fácil de alguém conseguir te prender.

Ela cruzou as mãos entrelaçadas por trás da cabeça.

Agia preguiçosamente, mostrando a falta de temor.

-- Eu sei, mas não há acusações contra a minha pessoa, você mesmo sabe disso e eu também.

-- Acusações? – Indagou com os olhos bem abertos. – As pessoas te veem como uma verdadeira bandida, uma assassina sanguinária que sequestra e ataca gente inocente... Odeiam você. Se estivéssemos na idade média, com certeza antes de você ser queimada em uma fogueira, iriam arrancar cada um dos seus membros...

A jovem apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

-- Aquelas pessoas são capazes de qualquer coisa para colocarem as mãos em você. Sem falar que estamos tripulando O víbora do mar.

-- Seguiremos em barcos menores... Claro que não vou levar meu circo de horrores para a plateia.

A jovem abriu a gaveta tirando óculos com aros redondos e dourados, limpou-os com uma flanela branca, depois os colocou.

-- Fora as lendas que inventaram sobre mim, qual seria a acusação? – Indagou com voz tranquila. – Navego com um cargueiro que entrega produtos em diversos pontos do país.

-- Você é a filha do serpente do mar, sua origem já é algo complicado, ainda mais quando pensamos em Sir Arthur Santorini de Penalver... – Soltou um longo suspiro. – Seu avô sempre quis que você vivesse no anonimato, porém o que vejo é você querendo que todos saibam da sua identidade.

Samantha tamborilou os dedos impacientemente sobre a escrivaninha.

-- Eu navego , sou a comandante de uma das relíquias de Otávio Fernando Lacassangner, então descobrir minha identidade seria tão fácil quanto cobrir os pontinhos para uma criança no jardim da infância.

-- Sim, isso é correto, porém não vivíamos nesse país, mas agora parece que decidiu fazer morada nesse lugar e tudo por um romance irresponsável.

Eliah deixou a cabine irritado, pois sabia que a herdeira do grande pirata estava se arriscando muito, mesmo que nada houvesse de provas contra ela, mesmo que agisse sempre amparada pela lei, havia pessoas que assim que descobrissem sua chegada, fariam qualquer coisa para destruí-la.

 

 

O navio Atlântida estava atracado no porto principal. Tinha acabado de chegar de uma operação no oceano. Alguns piratas tinham atacados um cruzeiro e roubado os tripulantes.

Sir Arthur observava cada um dos prisioneiros que eram desembarcados. Há alguns anos tinha visto olhos tão penetrantes entre aqueles delinquentes.

Respirou fundo!

-- Comandante...

O homem virou-se ao ouvir o grito.

Esperou o imediato aproximar-se. Viu-o fazer a reverência e já falava.

-- O víbora do mar está em nossas terras... Recebi informações que a pirata Lacassangner chegara ao porto.

Os olhos castanhos se abriram em espanto.

-- Sim, senhor!

O Santorini parecia perplexo.

Há mais de dez anos O serpente do mar fora morto em um confronto direto com a marinha real, porém apenas um dos navios tinham sido confiscados, mas outro ficara, pois não fazia parte dos objetos usados nas práticas do crime, era uma embarcação que poucos tinham vistos, mas sabiam que existia.

Seguiu por entre os presentes, caminhava rapidamente, contornando os comerciantes que esperavam as mercadorias.

 

 

            A limusine parou diante do internato de freiras.

            Sir Arthur não desceu imediatamente do carro. Ficou lá com seus pensamentos.

            Em breve livrar-se-ia de uma vez por todas da presença ameaçadora da filha de Iraçabeth. Deveria tê-lo feito isso quando conseguiu que seus homens matassem o serpente, porém a jovem conseguira escapar.

            Pegou o celular e viu a mensagem confirmando que o plano seria colocado em prática.

            Retirou um charuto, acendeu-o, deliciando-se com a marca cubana. Inalava o aroma, parecia satisfeito.

            -- Deseja que ligue para a madre, Sir? – O motorista indagou.

            -- Não, ela já sabe, apenas fumarei e depois irei buscar a Mel.

            Olívia Mel Santorini Del Santorro era filha do duque Fernando e sua afilhada, Marie. Quando Iraçabeth morrera, precisara traçar os planos para acalmar o genro, afinal, para ele era muito importante que sua esposa fizesse parte da família mais tradicional do país, então oferecera o sobrenome para a mulher que o desposaria.

            Tinha a neta perfeita.

            A jovem estudava naquele colégio porque a mãe insistira que não desejava que a garota fosse contaminada pela obsessão do pai pelos piratas, porém sabia que o duque estava esperando apenas uma oportunidade para que a única herdeira seguisse para a marinha. A ideia não o agradara inicialmente, pois sempre temeu por um confronto direto com a Lacassangner, esse era um dos principais motivos para livrar-se dela de uma vez por todas.

            Fez um gesto para que o motorista prosseguisse.

            Pararam na guarita e ao receber autorização, o veículo seguia lentamente pelo caminho arborizado até a frente do antigo casarão de arquitetura vitoriana.

            Um grande jardim com flores raras e árvores frutíferas eram cuidado pelas irmãs.

            Depois de uma semana de fortes chuvas, o sol voltava a aparecer naquela manhã de outono.

            O carro parou e o motorista apressou-se para abrir a porta para Sir Arthur.

            Não demorou para ouvir os passos acelerados de uma garota de catorze anos vir ao seu encontro, abraçando-o.

            Observou-a com o hábito rosa que era obrigatório para todas as jovens que estudavam na escola católica.

            -- Que felicidade vê-lo, vovô!

            O comandante sorriu, depois lhe tomou a mão, beijando-a. Fitou os olhos que realmente pareciam dourados.

            -- Vim busca-la para o casamento da Ester. Desejo que seja a minha acompanhante.

            -- Sério?! – Questionou em verdadeiro alvoroço. -- Claro que irei, pensei que iria com meus pais.

            -- Fernando decidiu levar a sua mãe em um cruzeiro, acho que está tentando uma reconciliação.  

            Mel permaneceu quieta ao ouvir isso. Sabia que sua mãe não queria continuar a relação com o duque, ela costumava dizer que ele vivia obcecado por piratas, que era o único objetivo que tinha era prender a víbora do mar.

            Sentiu uma sensação de incômodo só em pensar na perigosa e sanguinária fora da lei. Seu pai lhe contava os absurdos que aquela mulher fazia. Na verdade, toda a cidade sabia dos atos horríveis da pirata.

            -- Já falei com a madre superiora, então vá arrumar as suas coisas para irmos embora.

            A garota fez um gesto afirmativo com a cabeça, depositou um beijo estalado na face do avô e saiu em disparada.

 

 

 

            -- Eu não irei a lugar nenhum contigo! – Marie esbravejava.

            Estava na sala de estar quando o marido chegou dizendo que sairiam para um cruzeiro.

            -- Estou tentando salvar nosso casamento, temos uma filha, pense nela.

            A afilhada de Sir Arthur levantou-se.

            Arrependia-se de ter aceitado casar com aquele homem depois da morte da Iraçabeth. Não podia negar que tinha ficado entusiasmada quando ele começara cortejá-la, ainda mais porque não acreditava que um duque pudesse querer algo sério com a simples filha de uma empregada do almirante, porém quando recebera o sobrenome do padrinho, percebeu que o único interesse do marido era manter seu vínculo com os Santorinis. Não havia sentimentos entre eles e só fora paceitar isso depois que a filha nascera.

            -- Estou pensando na Mel quando decidi que não quero mais nada contigo. – Aproximou-se dele. – Mandei-a para aquele colégio de freiras para que você não a envenenasse, vive obcecado por essa pirata, planta em uma criança o ódio que é seu.

            Fernando segurou-lhe a mão.

            -- Vamos tentar mais uma vez, levamos a Mel, quero que ela seja testemunha do nosso recomeço... – Fitou os olhos castanhos. – Vamos colocar nossa criança para fazer o curso de Medicina como ela deseja, vou mantê-la longe da marinha e longe desses bandidos...

            A mulher não conseguia acreditar nas palavras do homem que dormia ao seu lado por tantos anos, porém se fosse verdade, seria maravilhoso, ainda mais porque não desejava divorcia-se, pois sabia que a única herdeira que colocara no mundo ficaria devastada se isso ocorresse.

            O duque abraçou a esposa, sentia as lágrimas lhe molharem a camisa. Soltou um suspiro de satisfação.

 

 

            A cidade portuária recebia bastantes turistas, ainda mais naquela época do ano, cujas festividades de fundação trazia inúmeras apresentações artísticas.

            Havia um palco montado na praça principal, parques infantis como carrosséis faziam a alegria das crianças.

            Alguns navios de cruzeiros paravam para que os passageiros pudessem visitar a cidade histórica. As ruas de pedras eram atrativas, pois fora feita no início da idade média. Havia igrejas barrocas, museus que guardavam relíquias antigas, mas também havia casa de shows, cassinos, entre outras atrações.

            Havia apenas dois hotéis, mesmo assim era possível encontrar outros tipos de acomodações como pousadas e chalés para quem quisesse pernoitar.

            -- Onde você vai ficar?

            Eliah acompanhava Samantha, estava preocupado com a segurança da jovem.

            A Lacassangner estava acomodada no banco de trás de um táxi com seu fiel escudeiro.

            Ela olhava fascinada para as pessoas que pareciam se divertir nas bancas de jogos. Observava tudo com crescente interesse. Era a primeira vez que pisava naquele lugar. Na verdade, raramente saia do navio para a terra.

            -- Você não deveria ir até essa garota...

            O maxilar da Víbora do mar enrijeceu.

            Não queria que ninguém se metesse em sua vida, ainda mais quando se tratava da mulher que estava apaixonada.

            Há mais de seis meses tinham conhecido Ester. Viu-a em um cruzeiro e desde esse dia não conseguira pensar em mais nada a não ser na linda ruiva de olhos verdes. Ela era gentil, inteligente e apaixonada...

            Nunca sentira nada parecido por ninguém e a queria consigo. Encontraram-se várias vezes em seu navio. Um dos piratas era encarregado de pegar a jovem na cidade vizinha e entrega-la a si, passando fins de semana amando-se. Estava apaixonada, queria tê-la ao seu lado.

            -- Sam, é perigoso está aqui.

            -- Irei apenas falar com ela, estou usando peruca e com essa maquiagem não vão me reconhecer.

            O homem ainda abriu a boca para protestar, mas sabia que era uma tarefa perdida, então simplesmente fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            O veículo estacionou em frente a uma lanchonete. Ela colocou o capuz de e saiu.

            Respirou fundo, enquanto olhava tudo ao redor.

            Alguns olhares voltaram-se para si.

            Era uma mulher bonita, ainda mais em sua calça de couro preta, botas de cano longo marrom, camiseta, sobretudo combinando com os calçados. Usava os cabelos presos em rabo de cavalo, tinha trocado os óculos transparentes por de sol estilo aviador.

            -- Venham, senhoras, senhores, crianças, venham destruir o serpente do mar...

            Um homem gritava no meio da rua. Ele usava uma roupa colorida e um chapéu estilo coco azul brilhante.

            Curiosa, aproximou-se, então viu um boneco amarrado em um poste e muita gente usando paus para destruí-lo.

            Exasperou-se, afastando-se.

            Sabia como aquelas pessoas odiavam não apenas o seu pai, como a sua própria pessoa. Sir Arthur criara inúmeras histórias, usando a população ignorante para amedronta-la e mantê-la afastada.

            Olhou de um lado para o outro. Nunca tinha ido até ali, mas conseguira um mapa e era ele que estava usando para seguir até o lugar que tinha marcado com a amada.

            Desceu uma ladeira e percebia que se afastava do centro. Não havia casas naquela parte, um muro enorme tomava quase um quarteirão e foi lá que viu o nome que a namorada tinha dito. Havia um portão grande dourado e era possível ver as pequenas cabanas no interior. Havia muitas árvores e um gramado verdinho que dava vontade de deitar.

            -- A senhorita Ester a espera na número quatro. – Um homem disse quando ela se apresentou na portaria.

            -- Obrigada! – Agradeceu com um sorriso.

            Seguiu pela alameda e ficou encantada com as cabanas em madeira. Pareciam casinhas de bonecas.

            Parou diante da porta e ficou pensando como seria maravilhoso se a amada aceitasse ir embora daquele lugar consigo. Dentro de umas três horas anoiteceria e gostaria de antes disso estar seguindo para o navio.

            Já se preparava para bater quando a porta abriu e foi puxada para dentro com brusquidão.

            Riu ao ver a bela ruiva. Nem pode falar nada e seus lábios já foram tomados em um beijo apaixonado. Abraçou-a, sentindo o corpo encher-se de desejo diante do arroubo sensual.

            Colocou as mãos sob a blusa da amante, gemendo ao sentir os seios em suas mãos.

            -- Estava morrendo de saudades, amor, quero ficar contigo agora. – Ester falou.

            A morena esboçou um sorriso.

            -- Também estou, louca por você... – Começou abrir os botões da calça jeans da jovem.

            -- Então não vamos perder tempo, vamos aproveitar...

 

 

            Eliah estava escondido entre alguns barcos.

            Já era noite e não tinha nem visto sombra de Samantha. Ela deixara claro que voltaria ao anoitecer para que voltassem para a embarcação, porém até agora nada tinha acontecido.

            Seguiu pelo píer quando sentiu uma pancada forte na cabeça e desmaiou.

 

 

            -- Quero que venha comigo, amor, podemos ir para longe...

            Ester levantou-se, enquanto buscava as roupas que estavam jogadas pelo chão.

            -- Não é assim, Sam, não posso simplesmente deixar minha família e seguir contigo.

            -- Como assim? – A Lacassangner enrolou-se no lençol branco e foi até ela. – Você disse que iria, que estava disposta a tudo para que ficássemos juntas.

            A ruiva seguiu até o frigobar e bebeu um pouco de água.

            -- Sim, eu disse, mas não é tão fácil assim, você é uma pirata...

            -- Não, eu não sou... – Negou. – Trabalho legalmente, apenas entrego cargas...

            -- Não é isso que dizem, todos falam totalmente o contrário, ainda mais em relação ao seu pai.

            Samantha cerrou os dentes.

            Talvez se contasse para a namorada quem era seu avô tudo pudesse ser diferente. A família dela aceitaria se soubesse que Sir Arthur Santorini era o pai da sua mãe, tudo poderia ser diferente.

            Aproximou-se, tomou os ombros da amada.

            -- Eu não sou uma pirata...

            -- Sim, você é uma maldita pirata...

            A porta fora aberta e a frase fora dita por um das figuras mais poderoso do país.

            Lacassangner viu homens fortes e armados entrarem no pequeno chalé.

            Conhecia-o, sabia quem era o ser que lhe encarava com superioridade. Ela conhecia sua origem, conhecia o maldito sangue que corria em suas veias.

            O almirante foi até a ruiva sob o olhar perplexo da filha do serpente.

            -- Você foi maravilhosa, meu bem, agora vá até o carro que está parado lá fora e me espere... Vou te levar em casa, afinal, seu casamento é amanhã, deve estar linda e descansada...

            Os olhos azuis da pirata estreitaram-se de forma ameaçadora. Encarou a suposta namorada, mas a outra desviou o olhar, apenas deixando o quarto.

            O santorini fez um gesto e um dos homens lhe entregou um charuto, acendendo-o.

            -- Você realmente achava que a Ester Bragança, filha de um multimilionário iria realmente querer algo com a filha de um bandido? – Você é tão burra quanto seu pai... – Puxou a cadeira, sentando-se. – Vista-se, tem cinco minutos para isso ou a levo assim mesmo.

            Samantha olhava a cena que se desenrolava e não conseguia acreditar que realmente era real, pensava se tratar apenas de um dos muitos pesadelos que sempre tinha desde que era uma garotinha.

            -- Sacrificou uma jovem para me prender? – Indagou por ente os dentes. – O que quer? Como a convenceu a deitar com uma fora da lei? – Questionou com uma dor enorme no peito. – Criou tudo isso?

            -- Livrar o mundo da sua ameaçadora presença. – Fez um gesto com a mão. – Eu sempre digo que os meios justificam os fins... E esse foi o fim que busquei.

            Dois brutamontes aproximaram-se e seguraram a jovem, levando-a até o patrão.

            -- Vamos ver se é a nossa pirata. – O almirante posicionou-se a suas costas e puxou o lençol e perto das nádegas estava a  marca que fora feito a ferro quando a Lacassangner tinha apenas doze anos. – É ela... Marquei-a como se faz com o gado, assim nunca passaria despercebida... – Esboçou um sorriso cruel.

            -- O senhor é um desgraçado! – Tentou soltar-se. – Criou todo esse circo para me prender? Eu não fiz nada, não pode me levar! – Os olhos azuis estavam em lágrimas.

            -- Eu posso fazer o que eu quiser! – Falou bruscamente. – Vista-se ou te levo assim mesmo.

 

 

            Mel estava na limusine. Tinha saído com o avô, porém ele recebeu uma ligação e teve que ir até os chalés.

            Estava impaciente, ainda não tinha ido ver os pais.

            Baixou o vidro e olhou para o lugar pouco iluminado.

            Viu uma mulher aproximando-se e logo percebeu que se tratava de Ester.

            O motorista apressou-se em abrir a porta.

            Conhecia-a bem, seu pai era sócio do duque e sempre se encontravam nas comemorações da família. No dia seguinte seria o casamento dela.

            -- Oi, Mel, tudo bem? – A Bragança cumprimentou-a sem esconder a surpresa ao encontra-la ali.

            -- Sim...

            -- O que faz aqui? Está com Sir Arthur?

            A adolescente fez um gesto afirmativo.

            Em sua cabeça achava estranho que aquela mulher estivesse naquele lugar. Olhou-a de soslaio. Ela parecia nervosa. Mexia com as mãos todo o tempo e olhava fixamente para os chalés. Uma noiva iria até aquele lugar naquele horário?

            Pensou em questioná-la, mas sabia que seria deselegante.

            Passaram-se alguns minutos e viu o avô aproximar-se. Bem atrás viu alguns homens entrarem em outro veículo, levavam uma mulher algemada. Inclinou a cabeça para fora da janela e foi quando o olhar feminino virou-se e mesmo distante conseguiu ver um brilho perigoso no olhar.

            Arrepiou-se!

            Os trajes eram exóticos. O sobretudo chegava aos calcanhares.

            Sentiu a própria respiração acelerada e o coração bater descompassadamente.

            -- Quem é ela? – Questionou para Ester sem desviar os olhos da figura feminina.

            -- Não sei! – Respondeu dando de ombros.

            A filha do duque percebeu o tremor na voz da pessoa que estava ao seu lado, fitou-a, porém rapidamente sua atenção estava na mulher que já sumia.

            Impulsivamente desceu do veículo, mas antes que pudesse seguir, foi detida pelo avô.

            -- Para onde vai?

            Mel viu o outro carro afastar-se, sentindo-se frustrada.

            -- Vamos embora, temos que tomar sorvete. – Beijou-lhe a testa.

            Ester fechou os olhos. Sabia que não deveria nunca mais cruzar com Samantha em sua vida. Sabia que ela não a perdoaria...

            Quando fora procurada por Sir Arthur que lhe oferecera muito dinheiro, pensara bastante antes de aceitar. Não podia negar que gostava da Lacassangner, porém seu pai nunca permitiria uma relação entre elas e não poderia conformar-se em viver fugindo, tendo uma vida medíocre com uma fora da lei.

           

 

            As pessoas brincavam nos parques. No palco havia declamações de poesias e menestréis que cantavam as aventuras do serpente do mar.

            As crianças aglomeravam-se em filas do algodão doce, salgadinhos e bolos coloridos.

            Sir Arthur cumprimentava alguns conhecidos, mas logo retornou para perto da neta que tomava outro sorvete enorme. Ela parecia distraída.

            -- Estou muito feliz por você está ao meu lado. Amanhã vamos ao casamento. Não queria que fosse ao cruzeiro com seus pais, mas Fernando adiou só para te levar, então vou aguentar a saudade.

            Sentaram-se à mesa.

            -- Sim, pelo menos ficarei um pouco com eles antes do período de provas.

            Algumas pessoas foram até o almirante e começaram uma curta conversa, depois se afastaram.

            -- Vovô, o que a Ester fazia nos chalés? – Indagou curiosa. – Ela parecia assustada.

            Sir Arthur tomou um pouco do suco que tinha pedido.

            -- Acho que é coisa de noiva... – Deu de ombros.

            A garota pensou em insistir, porém pela expressão do almirante, seria algo inútil.

 

 

            Em uma das casas mais antigas e luxuosa da cidade portuária havia uma movimentação estranha. A mansão de dois andares tomava quase todo o quarteirão. Cercada por portões, era quase uma fortaleza.

            O carro que estava no chalé seguiu pelos fundos, seguindo pelo porão. Aquela parte da casa não era usada há muito tempo, mas em outras épocas fora um lugar para prender rebeldes.

            As paredes eram de tijolos envelhecidos. Havia correntes. Uma mesa rústica com duas cadeiras. A iluminação era feita por luminárias.

            Um dos homens empurrou Samantha. Depois a pegou, acorrentando-a.

            -- Espero que esteja gostando das acomodações, pirata. – O homem debochou. – Fique tranquila, amanhã já deve voltar para o seu mar. – Disse rindo alto.

            A Lacassangner nada falou, veio todo o caminho calada. Permanecia quieta, tendo seus pensamentos presos na imagem de Ester.

            Ainda não acreditava em como fora tola em acreditar que aquela bela mulher realmente lhe queria.

            Cerrou os dentes demoradamente. Sentia uma dor em sua alma, era como se tivesse sido açoitada como quando era apenas uma garotinha de doze anos e fora levada pelo avô.

            Odiava Sir Arthur e tudo que ele representava.

            Nunca ansiara por fazer parte da família maldita dos Santorinis, só fora até aquela cidade porque achava que tinha um amor e acreditara que ficariam juntas.

            Fechou os olhos, sentindo a parede fria em suas costas, esfriando também o seu coração.

 

 

            Mel chegara à mansão do avô, mas Sir não a acompanhara, precisara resolver alguns problemas.

            -- Melzinha!

            A voz da governanta denotava felicidade ao ver a menina.

            A adolescente sorriu para a senhora rechonchuda de bochechas rosadas, seguindo até ela, abraçando-a.

            -- Olá, babá! – Segurou o rosto querido entre as mãos. – Você está linda!

            -- Olá, princesa, estou super feliz por estar aqui. – Beijou-lhe a face. – Está mais magra! – Disse em reprovação. – Aquelas freiras não estão cuidando de você – Falou com uma carranca. – Já disse pro teu avô para te tirar daquela escola, não vou deixar que seja uma madre rabugenta.

            A garota cerrou os lábios para não rir, mas logo explodia em uma gargalhada.

            Sabia que a fiel empregada do avô era totalmente contra o convento.

            -- Bem, já que me acha desnutrida, porque não faz aqueles hambúrgueres monstros com batatas fritas. – Piscou o olho charmosa. – Enquanto isso tomo um banho e depois retorno para comer sua obra de arte.

            Marina lhe enviou um olhar de advertência, mas acabou assentindo.

 

 

            Os aposentos ocupados pela filha do duque na mansão de Sir Arthur era muito arrumado. Havia uma cama ao centro, escrivaninha e estantes com livros, formando uma minibiblioteca. Também havia uma varanda voltada para o jardim.

            Mel acabou o banho e seguiu para a cama vestindo apenas um roupão. Depois seguiu para frente do espelho. Observou a própria imagem por alguns segundos. Em breve faria catorze anos. Não sabia o que faria quando terminasse o ensino médio. Desejava fazer o curso de Medicina, porém o pai desejava que seguisse para a marinha.

            Despiu-se para ver o arranhão que tinha ganhado no ombro ao pular o muro do convento. Sua atenção foi presa pelo corpo de menina que já se transformava. Os seios já precisavam de sutiãs, alguns pelos já tomava conta do seu sexo. As colegas de quarto já falavam em relacionamentos e muitas fugiam à noite para encontrar com meninos... Não entendia ainda esse mundo. Não havia ninguém que conversasse sobre esses assuntos consigo.

            Ouviu um barulho de carro, então voltou a arrumar o roupão, seguindo até a varanda.

            Viu os mesmos homens que tinha visto no chalé e logo em sua mente veio a imagem da mulher que estava lá e chamou sua atenção.

            Ainda se recordava dos olhos que brilhavam perigosamente.

            Quem seria ela?

            Recordou-se de Ester e como ficara ainda mais nervosa ao ver a jovem.

            Meneou a cabeça e seguiu para fora dos aposentos.

 

 

            Samantha ouvia os capangas do Santorini vangloriar-se por tê-la pego. Como se ela se importasse com tudo que estava acontecendo. Aquelas pessoas eram tão presunçosas, por isso sempre era fácil livrar-se deles.

            -- Está com sede, pirata? – O homem jogou água na face dela.

            A morena exibiu um sorriso cheio de sarcasmo.

            -- Achou mesmo que aquela moça queria algo contigo? – Provocaram. – Saiba que amanhã ela vai casar com um conde.

            Todos riram.

            -- A víbora do mar está presa... – Tocou-lhe a face. – Você é muito gostosa... Posso te ajudar a superar sua desilusão.

            Ela virou a face.

            Tentava bloquear em sua mente a imagem da mulher que lhe traíra, apenas deveria concentrar-se em sair daquele lugar.

            Onde estaria?

 

 

            Marina gargalhava com as histórias que Mel contava.

            Ambas estavam na mesa da cozinha. A mais jovem ocupava um dos bancos altos, devorava um segundo sanduíche.

            A enorme bancada de mármore também tinha uma cesta de frutas frescas e um vaso de cristal com suco.

            -- O seu vestido para o casamento do ano já está pronto, então cuidado para não engordar e não durma tarde, quero que esteja linda amanhã, quem sabe não arruma um namoradinho.

            Mel parecia distraída quando comentou.

            -- A Ester não parecia se preocupar com descanso.

            A empregada parou o que estava fazendo e encarou a jovem:

            -- Como assim? – Questionou com cenho franzido. – Com certeza ela deve estar ansiosa e como é muito vaidosa, deve ter passado o dia cuidando da beleza.

            A adolescente fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto bebia um pouco de suco.

            -- Com certeza... de dia, mas pela noite não...

            -- Como assim? – Marina indagou com as mãos na cintura.

            Mel não gostava de fofocas, mas não conseguia controlar a curiosidade.

            -- Quando o meu avô me buscou no colégio, fomos passear e depois... Fomo até os chalés... A Ester estava lá.

            A governanta arregalou os olhos.

            -- Mas não foi isso que me chamou atenção... Havia uma mulher lá... Eu a vi... Os olhos dela pareciam hipnotizar...Eu não sei, mas tive medo...

            -- Meu Deus, Mel, você conta as coisas como se fosse uma história de mistérios e tramas mirabolantes... Podia ser escritora... Com certeza Ester foi resolver algo.

            -- Mas...

            -- Vá para o seu quarto, já está tarde, precisa descansar.

            A jovem soltou um suspiro de frustração, beijou a babá e seguiu para o quarto.

 

 

            O quarto estava envolvido na penumbra, enquanto a filha do respeitado duque lia um romance. Estava deitada na confortável cama, a luz da cabeceira estava acesa.

            Estava um pouco frio, por isso optara por moletom e calça.

            Começava a ficar sonolenta e por alguns segundos fechou os olhos cochilando, mas ouviu um barulho e chegou a pensar que fosse Marina com seu leite, por isso continuou deitada, tranquila. Voltou a fechar os olhos, mas abriu-os ao sentir uma mão sobre a sua boca, pressionando-a.

            Sentiu o ar faltar nos seus pulmões ao ver a mulher sentada em sua cama. Havia um corte na lateral dos lábios cheios, mas isso não tirava a beleza da boca bem feita. Observou os olhos que pareciam da cor do mar.

            Era ela!

            -- Calada!

            A voz baixa e rouca ordenou.

            Mel encarava o azul intenso. Examinava o rosto bonito, o nariz arrebitado... Estava suada e suja.

            -- Fique calada ou corto seu pescoço.

            Samantha tinha conseguido sair do porão e ao passar por túneis, entrara em uma passagem que deu direto naquele aposento.

            Olhava para a menina e tentava saber se era uma ameaça. Era apenas uma adolescente...

            Observou tudo ao redor, quando sentiu a mordida na mão.

            Cerrou os dentes para não gritar e foi quando a jovem saiu do leito e já seguia para a porta, mas a pirata conseguiu alcança-la, pressionando-a contra a porta. Viu os dentes cravados em sua pele.

            A menina tinha quase sua altura.

            -- Não vou te machucar. – Sussurrou-lhe no ouvido. – Porém se tentar algo, vou ser obrigada a te fazer mal... E não volte a me morder, pois sou capaz de te espancar até te deixar desarcodada... – Ameaçou-a.

            Mel sentiu um arrepio na nuca.

            Quem era aquela mulher?

            Fitou os olhos, eram os mesmos dos chalés!

            -- Preciso que me ajude... – Samantha pediu. – Não vou te fazer mal...

            A Santorini tinha a impressão que a mulher iria atravessá-la através da porta de tanto que a empurrava.

            -- A senhora está me sufocando...

            Samantha observou a garota, depois aliviou a pressão, mas voltou a colocar a mão sobre os lábios.

            -- Eu não sei se sabe quem sou eu... Mas eu sou uma mulher muito perigosa... A víbora do mar..

            Os olhos dourados arregalaram-se.

            Sim, ela sabia quem era, agora entendia o pavor que sentiu ao vê-la. Recordou-se das histórias que ouvia do seu pai, das pessoas que moravam ali.

            -- Eu estou ferida...

 

Comentários

  1. A história já começou pegando fogo😉😉😉

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    1. Sim, Anne, o fogo já começa a queimar no início... Assim a gente percebe os rumos desses caminhos que começam a se cruzar.
      Abraços!

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  2. Vamos embarcar nessa aventura? Já comprei minha passagem. 😉 Amei a capa!

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    1. Também amei kkkkkk achei que ficou muito legal a imagem da víbora sobre a imagem da protagonista... Fico feliz que esteja pronta para embarcar nessa nova aventura, vamos no navio...
      Abraços!

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  3. Como é maravilhoso ter mais uma história sua. Você sabe como sou sua fã.
    Eita que lá vem mais uma mulher forte e maravilhosa.

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  4. Sou fã da autora e amo as personagens. Ninguém consegue criar personagem tão sexy,perigosa e forte como vc Geh! Obrigada 🌻😘

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