A víbora do mar - Capítulo 2 -- A dor


Um barulho de chuva podia ser ouvida. Era fininha, apenas parecia querer esfriar o tempo. A rua estava deserta, não havia pessoas naquela parte da cidade, apenas um cachorro seguia até uma árvore em busca de um refúgio para não se molhar. O silêncio foi profanado por miados nos telhados e corridas felinas.

Samantha sentia o corpo enfraquecendo, tinha perdido muito sangue e tentava estanca-lo com o sobretudo para não deixar pistas do seu paradeiro.

                    -- Eu preciso que me ajude… -- Repetiu com voz fraca. 

                 Apurava os ouvidos para buscar a presença inimiga. Tinha conseguido fugir quando um dos guardas a soltou para espancá-la. Conseguira rendê-lo, mas acabara sendo atingida   por um projétil. Nem sabia como chegara aqueles aposentos, apenas sabia que tinha seguido por alguns túneis e chegara ao corredor de carpetes vermelhos, entrando na primeira porta que avistou.

                   Cerrou os dentes para não gritar quando levou um soco pela criatura que parecia tão frágil, mas tinha bastante força. 

                     Viu-o correr até a cama, conseguiu detê-la, deitando-se sobre ela, segurando-lhe os pulsos sobre a cabeça. Não desejava ter ainda mais problemas, porém não poderia correr o risco de ser pega por Sir Arthur, sabia que o almirante não tinha planos agradáveis para sua pessoa.

                       Observou o rosto bonito e suavizado pela iluminação artificial. Fitou os olhos repuxados, a cor chamou-lhe a atenção. Os cabelos tinham cheiro de rosas.

                         -- Eu não quero te machucar, criança, só preciso que me ajude e logo vou embora daqui.

                        A jovem Santorini viu o suor na testa da pirata. O rosto estava tão corado, sentia a respiração acelerada da mulher. O corpo dela estava tão quente, parecia fogo. O que teria acontecido? Em seus sonhos sempre a imaginara velha e com uma expressão sádica, mas não era isso que via.

                        Samantha fechou os olhos, enquanto sentia o ferimento latejar tão forte que lhe tirou o fôlego.

                         Levantou-se, pressionava o ombro, cambaleou até perto da porta.

                        Mel pulou do leito e acendeu as luzes. Já se preparava para deixar os aposentos quando a viu buscando algo para conter o sangue e ao olhar para o assoalho viu a mancha vermelha em cada parte, seu pijama também estava manchado.

                      Aproximou-se. Viu-a abrir o sobretudo e a camiseta estava carmim do fluido da vida.

                             -- O que houve?-- Questionou horrorizada. -- Meu Deus! -- Exclamou ao ver o ferimento.

                             -- Preciso de algo para limpar… -- A Lacassangner seguiu por uma porta que levava ao banheiro.

                     A filha do duque correu até a porta, segurou a maçaneta, porém algo em seu interior a deteve, talvez fosse a curiosidade ao estar perto de alguém considerada tão perigosa ou talvez temesse que ela cumprisse a ameaça e lhe fizesse mal.

                          Inclinou a cabeça sobre o ombro, vendo a mulher retornar.

                       -- Preciso de uma caixa de primeiros socorros…

                      -- Vou chamar um médico…

                      -- Não! -- Caminhou até a porta, fechando-se na chave e guardando-a no bolso. -- Preciso apenas da caixa…

                       Mel assentiu e mesmo que soubesse que não deveria ajudar uma criminosa, foi até o banheiro e voltou com o que a pirata pediu.

                        Samantha puxou a cadeira diante da penteadeira, ficando de frente para o enorme espelho. Via os olhos avermelhados, estavam inchados das lágrimas que derramara pela pessoa que pensara que a amava. Tinha um corte na lateral do lábio inferior de quando foi estapeada pelos capangas.

                        Viu a garota parada atrás de si, olhando-a com temor, porém havia mais curiosidade na expressão.

                      -- Sua cama é maravilhosa, mas se eu deitar lá,  vou sujar seus lençóis macios… -- Retirou a camiseta com dificuldade, soltando um gemido abafado. -- Você não é uma dessas meninas que desmaiam ao ver sangue… ou será que é ?

                        A filha do serpente do mar encarou a adolescente. Notava que havia coragem em tão pouca idade, pois se fosse outro já teria gritado por ajuda. Será que ela já tinha ouvido as histórias absurdas que inventaram sobre a víbora do mar?

                           Observou o pijama de ursinhos que ela usava, as pantufas rosas. Os cabelos eram uma mistura de cobre com negros. Tinha lábios bem desenhados e os dentes eram tão alvos que pareciam brilhantes.

                         -- De quem é  essa casa? -- Indagou desconfiada. 

                        -- Não responderei nada, na verdade  eu quem tenho que fazer as perguntas. -- Mel cortou de forma desafiadora. -- Diga logo o que precisa antes que grite e chame alguém para levá-la para a prisão. 

                          Samantha esboçou um sorriso irônico, mas se arrependeu ao sentir a fisgada no ombro. 

                         -- Acho que se já tivesse que fazer, já o teria feito… mas caso eu esteja enganada, se ousar gritar por ajuda, adianto que pagará caro por isso… te dou para os tubarões.  -- Ajeitou-se na cadeira. -- Ajude-me a tirar o colete… -- Pediu com a respiração acelerada. – Faça uma boa ação... Um dia será recompensada...

                    Mel aproximou-se empurrada.  Tentou retirar a peça,  mas a pirata não conseguia levantar os braços, então impaciente,  pegou a tesoura que estava sobre a mesinha e cortou e logo deparava-se com um delicado sutiã preto em seda. Pouco cobria dos seios redondos… Havia uma tatuagem de uma serpente pequena sobre o colo bem feito. Era tão delicada a imagem que nem parecia tratar-se de um animal tão perigoso. 

                        Samantha segurou-lhe a mão. Ambas encararam-se por alguns segundos.

                      --Ajude-me  a limpar...mas antes eu preciso de uma bebida forte. -- Observava tudo ao redor. -- Tem bebida aqui?

                     -- Não! 

                 Samantha resmungou algo em linguagem imprópria.

                 Não podia esperar para retirar para agir, pois aos poucos seu corpo perdia as forças.

                     -- Então me dê analgésicos… espero que funcione…

                     Mel seguiu até o banheiro e voltou com uma cartela de comprimidos. 

                       A pirata tirou vários e o engoliu sem nenhum líquido. 

                       A garota parecia perplexa, mas nada disse. Viu a ferida com atenção,  tinha sido um tiro. Mesmo com a pressão que a outra fazia, ainda sangrava muito.

                     -- Jogue álcool na perfuração! -- Ordenou. 

                      A Santorini não se assustava com ferimentos. Desejava ser médica, então era comum para ela deparar-se com machucados. 

                         Fez o que fora dito, observando a expressão forte da mulher, viu uma veia pulsa na lateral do pescoço esguio.

                        Samantha cerrou os dentes fortemente ao sentir o ardor. Parecia que tinha colocado fogo em seu corpo.

                      Respirou fundo!

                      Sentia o interior tremer.

                      -- Quero que coloque seu dedo dentro da ferida e puxe o projétil…

                  A palidez apossou-se da face da adolescente. 

                  -- Está louca? Você não suportaria a dor…

                  A Lacassangner meneou a cabeça afirmativamente.

                 Ela nem imaginava o quanto já tinha aguentado e aquela seria apenas mais uma, poderia matá-la, mas não morreria sem lutar como sempre fez desde que era uma menina sonhadora.

                  -- Eu aguento… -- Dizia com a respiração acelerada. -- é a única chance que tenho de sobreviver… eu sei que não é uma tarefa fácil, mas apenas faça, feche os olhos e faça o que estou dizendo, ela não penetrou tão fundo...eu já perdi muito sangue… se não retirar logo, vou morrer de infecção…

                 Novamente se encararam. A filha do duque parecia buscar algo nos olhos da perigosa invasora.

                       -- Deixe que eu chame um médico…

                        A pirata fez um gesto negativo com a cabeça. 

                       -- Faça,  por favor, faça… -- Segurou-lhe a mão nas suas. -- É uma criança ainda… -- Disse ao observá-la meticulosamente.

                         Mel empertigou-se, afastando-se. 

                         -- Tenho quase quinze anos, não sou uma criança!

                         Samantha umedeceu os lábios. 

                         -- Eu jurava que você era bem mais jovem, parece uma garotinha com essas roupas…

                          -- Diga-me logo como devo fazer isso, quem sabe você não morre e eu serei conhecida por isso. -- Disse irritada.

                 Um sorriso desenhou-se nos lábios da Lacassangner.

                -- Seria uma morte tão idiota quanto a do próprio Hércules... – Dizia pensativa.   -- Esterilize suas mãos...depois coloque o dedo indicador e procure...retire-a e pronto, tudo estará acabado. -- colocou a mão no bolso e retirou um isqueiro de lá. 

                       A filha do duque respirou fundo e já se inclinava para fazer o que fora dito, mas foi detida por Samantha. Mais uma vez os olhos encontraram-se.

                     -- Seja delicada… Use o indicador como se estivesse a acariciar algo frágil...

                     Mel arrumou alguns fios que se soltaram da amarra de rabo de cavalo que usava. Fitou a porta por alguns segundos, pensava se não era melhor chamar a babá ou um médico, alguém que realmente pudesse ajudar, temia fazer algo de errado e piorar ainda mais a situação.

                 -- Faça... Eu sei que vai conseguir...

                 A adolescente umedeceu os lábios por alguns segundos e depois fez o que fora pedido.

                     Começou a tatear a ferida devagar e quando começou a penetrar a carne, fechou os olhos. Sentia o líquido escorregadio, a abertura mínima e forçava a entrada para encontrar o que procurava.

                 Ouviu um gemido baixo.

                 Como aquela mulher podia aguentar tanta dor?

                       Samantha pegou o sobretudo e levou à boca, mordendo forte para não gritar. Sentiu a vista escurecer, estava tonta, pensou que ia desmaiar. A perna tremia e logo a sentia adormecer.

                     -- Não estou encontrando…

                 A voz da garota parecia soar distante.

                 Pensou na namorada, pensou em como fora boba em acreditar que alguém igual a ela desejaria realmente ter algo sério com uma mulher que era considerada uma fora da lei.

                 Arrependia-se de não ter ouvido Eliah, arrependia-se de ter acreditado no ser humano quando sempre tivera exemplos que não eram seres confiáveis...

                 Precisava chegar ao porto. Precisava voltar ao Víbora do mar e sair daquela terra.

                 Sentiu uma fisgada forte no ombro.

                 Mel continuava a busca e a pirata tinha a impressão que passara uma eternidade naquela caça.

Algumas lágrimas corriam na face da Lacassangner, mordeu forte  o tecido.

            Segundos passaram-se e a Santorini sentiu o metal.

                 A euforia tomou conta de si.

 Teve um pouco de dificuldade, mas a retirou.

 Viu  sangue cobrindo sua mão. Fitou a mulher, ela estava com os olhos fechados. Chegou a pensar que ela tinha desmaiado, porém o mar azul abriu-se, viu as lágrimas banhando a face bonita. Ela era tão linda, parecia aquelas princesas de contos de fadas. Nunca pensara que a víbora do mar tivesse aquela aparência. Sempre a imaginara diferente.

                         Mel pegou o lençol e pressionou contra o ferimento.

                   -- Queime… -- Samantha Ordenou, entregando-lhe o isqueiro.

                   A adolescente parecia perplexa com o pedido.

                   -- Queime! -- Voltou a ordenar.

                   Mel fez o que ela tinha dito e a viu perder as forças diante da dor. Segurou-a e com muito esforço a levou até a cama deitando-a. Percebia como a pirata estava fraca.

                    Segurava firme o ferimento para tentar conter o sangramento.

                     -- Ester… -- Balbuciou.

                      Mel tocou-lhe a face e estava muito quente.

                      -- Eu preciso ir embora… -- Samantha tentou levantar, porém não tinha energia, continuando deitada. -- Preciso ir embora…

                      -- Vai morrer se sair daqui… nem mesmo consegue ficar de pé. -- Fê-la colocar a mão sobre a ferida, pressionando.

                       -- Espera que já volto…

                       Antes que pudesse afastar-se, a outra lhe segurou firmemente pelo pulso. Mel ficou perplexa diante da força que a pirata ainda demonstrava ter.

                     -- Eu vou jogar você… jogar…

                     -- Sim, sim, eu sei que via me jogar para os tubarões, mas não vou fazer nada, apenas vou pegar água quente para tentar diminuir sua febre. -- Tocou-lhe a face. -- Pegarei no chuveiro,  não vou sair do quarto…

                            Samantha a apertou ainda mais.

                      -- Não me traia...por favor… prometa que não vai me entregar....

                      A garota via o pavor na face doente, via o desespero nos olhos bonitos.

                          -- Prometa… -- Voltou a pedir com voz fraca.

                          Mel fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                      A Lacassangner não falou nada, apenas ficou calada e voltou a deitar.

                      A cama era macia e confortável,  por alguns segundos ela imaginou que tudo aquilo fazia parte de um sonho ruim, um dos pesadelos que a perseguia desde que era apenas uma menina.

                      Sua mente estava tão confusa que pensou que ainda estava presa no mastro do navio e o ferro quente lhe marcava como se fosse um animal.

                       Gemeu em uma dor que era tão insuportável que não podia ser apenas a do ferimento de bala. 

                          A imagem da namorada veio lhe assombrar mais uma vez… As juras de amor, as carícias trocadas e a frieza no olhar bonito ao lhe entregar para Sir Arthur.

                        Mel se aproximou e a viu debater-se no leito. Havia muitas lágrimas. Molhou o tecido e colocou sobre a testa.

                      Ouvia a pirata sussurrar frases desconexas, não fazia muito sentido, porém acreditava que era algo ruim, pois a bela pirata se derramava em prantos.

                        Seguiu até o ferimento, ainda sangrava. Usou gases para fazer um curativo, usando ataduras para prender o ombro. Viu o sutiã sujo de sangue. Não podia deixá-la com ele. Devagar para não machucá-la ainda mais, livrou-a da peça íntima. Observou os seios, pegou uma toalha, molhou-a, iniciou a limpeza do colo e se sentiu fascinada com a beleza da fora da lei.

                     Ouvia-a chamar novamente por Ester. Será que estava falando da Ester que casaria na manhã seguinte? A Ester filha do multimilionário?

                         Viu o corpo tremer descontroladamente. 

                         Levantou-se e buscou lençóis para cobri-la.

E se morresse?

                     Ligou o aquecedor do quarto, depois ficou ao lado da mulher como sua mãe fazia quando estava com febre. Abraçou-a para lhe esquentar. Não podia ficar ali sem fazer nada. A pirata estava muito mal, temia que algo pior acontecesse. O melhor seria chamar a babá, pediria que a ajudasse, deviam chamar um médico ou levá-la ao hospital.

                     Abraçou-a. Sentia a respiração quente contra seu rosto.

                      -- Ester… 

                      A Santorini viu os olhos se abrirem, porém pareciam não enxergarem nada, parecia ter o ódio presente, havia uma insanidade em sua íris.

                     Assustou-se e já se preparava para se afastar,  mas foi segurada violentamente pela nuca e sua boca foi esmagada em um acesso de fúria. 

                         Mel tentou empurrá-la, sabia que estava delirando, mesmo assim estava apavorada com o ato.

                           Da mesma forma que o ataque começou,  terminou e logo a pirata desfalecia envolvida em tremores.

                        A filha do duque levantou-se, tocou a boca...

                            Ouviu batidas na porta.

                       Não titubeou ao ouvir a voz da babá, buscou as chaves que estava no bolso do sobretudo, rapidamente abriu a porta.

                     Marina viu o espanto no olhar da garota e ao fitar a cama viu a mulher deitada.

                        Cobriu a boca com a mão, deixando a bandeja com um copo de leite cair no chão. 

                        Viu o sangue por todo quarto.

                       --  Virgem Santíssima, o que houve aqui.?

                       Antes que a filha do duque pudesse falar algo, a Lacassangner começou a se debater em espasmos assustadores.

                       Marina foi até ela, ficou perplexa ao ver a jovem sobre o leito. 

                       Iraçabeth? 

                       Teve a impressão de estar vendo sua menina que morrera tão jovem e desgraçada por ter se apaixonado por um homem proibido. 

                       Ouviu os lábios trêmulos chamar pelo pai e assustada, molhou o pano em água quente e colocou em sua face quente.

                       -- Quem é essa mulher,  Mel, e o que aconteceu? Está doente...

                      A adolescente ainda tremia diante do ocorrido ainda pouco. Seus lábios tinham sido machucados, sentia o sabor de sangue.

                     -- O que houve? -- Encarou a garota.

                     A Santorini respirou fundo, parecia sufocada. Alguns segundos se passaram diante do olhar inquisidor da empregada de Arthur até a explicação começar ser passada. 

                      A mais velha ouvia as informações dadas de forma suscita, toda narrativa era falada entre exclamações e gemidos da moribunda, nada parecia ter perturbado a babá  até ser revelado a identidade da invasora.

                      -- É a víbora…

                      As palavras faziam eco por todo o quarto, enquanto Mel continuava seu enredo, Mariana seguia novamente até o leito e olhava a jovem lá deitada…

                       Sabia de toda a história. Sofrera  tanto com a perda da única herdeira da importante família,  rezara tanto a Deus para que amolecesse o coração do patrão e trouxesse a neta bastarda para viver ao seu lado, porém tudo fora vão, o contrário acontecia, pois sabia como ele nutria ódio mortal filha do pirata.

                     Limpou uma lágrima solitária que descia.

                     -- Agora entendo a movimentação que está acontecendo no porão… -- Disse. -- Sir está procurando por ela…

                   A jovem foi até a janela e viu homens vasculhando e saindo em carros.

                    -- Essa mulher vai morrer, precisamos chamar um médico. -- Mel disse assustada. -- Mas se o vovô entrar aqui vai levá-la. -- Passou a mão pelos cabelos em desalinhos. -- Mas esse é o certo, levá-la, afinal, é uma pirata perigosa, fora da lei. -- Disse enquanto evitava olhar para o ser que parecia tão frágil, sendo consumido pela febre.

                    -- Fique aí é feche a porta, vou buscar unguento e linha para costurar a ferida, continue usando água quente para tentar baixar a temperatura... Fique aí, vou fechar a porta por fora.

                      A Santorini ainda abriu a boca para protestar, porém a empregada já tinha ido embora. 

                         Seguiu até a porta, apoiando as costas na madeira. Sua cabeça estava confusa, preocupada com tudo o que estava acontecendo e assustada em imaginar que o avô levaria a jovem para uma prisão, talvez tivesse mais chances de sobreviver se ficasse ali, porém tinha a sensação de estar traindo sua família.

                 Suspirando, foi buscar mais água quente.                         

                 Sentou-se na beira da cama e voltou a colocar o tecido sobre a testa. Arrumou os lençóis para mantê-la aquecida. 

Acariciou a face...

                      Viu os olhos azuis abrirem-se. 

                      Nunca se fascinara por aquela tonalidade, sabendo que apenas se tratava de uma deficiência de melanina na gestação, mas os daquela mulher tinha algo a mais que um simples azul. Pareciam perdidos, tristes…

                      -- Estou… -- Samantha tentava controlar o tilintar dos dentes que batiam sem parar. -- frio...muito frio…

                      A garota foi até o armário e pegou algumas meias, vestindo-as.

                       -- Vai passar… vai ficar bem…

                       Mel viu os olhos fecharem-se novamente.

                 Viu a porta abrir-se.

                       -- Sou eu, trouxe as coisas.

                   A mais velha entrou com,  alguns apetrechos dentro de uma cesta.

                    -- Darei pontos na ferida ou vai ficar pior. -- Disse baixando o lençol e expondo o ferimento. -- Você vai ter que segurá-la, pois temo que vai se debater muito. --Falou, enquanto usava alguns produtos para fazer a higienização do material que usaria.

                       -- Você sabe fazer isso, babá? -- Perguntou preocupada e curiosa.

                     -- Sim, antes de trabalhar aqui eu fui auxiliar de um médico, aprendi muito e saberei fazer.

                 A jovem levou a unha do polegar à boca e ficou a mordiscar.

                 -- Seu avô chegou e está no jardim, não acredito que vai subir aqui, porém caso faça, não deverá abrir a porta.

                 -- Eu não sei se isso está certo...

                 A empregada a fitou em um pedido silencioso de colaboração.

                       Mel nada disse, apenas observava a babá limpar a abertura feita pelo projétil. Viu a víbora se mexer incomodada, então se deitou ao lado dela, tentando acalmá-la. Abraçou-a pelas costas, enquanto sussurrava em seu ouvido palavras de encorajamento.

                       Observou quando os pontos começavam a ser dados, colocando mais pressão para que Samantha não se livrasse do toque e acabasse se machucando. Ouvia-a chamar novamente por Ester. 

                          Marina trocou olhares com a filha do duque em interrogação, depois voltou a dar os pontos.

                           Em determinado momento, a Lacassagner exaltou-se a ponto de cravar as unhas no braço que circundava sua cintura.

                    Mel cerrou os dentes para não gritar. Voltou a sussurrar e logo a pressão na sua carne diminuía. 

                         A empregada terminou o árduo trabalho e já passava o unguento.

                          Seguiu até a mesinha e pegou a caneca que deixara lá. 

                        Mel deixou o leito.

                         -- Ela precisa beber esse chá, vai ajudar a combater a infecção. Me ajude aqui.

                        Fizeram a jovem inclinar a cabeça e mesmo que ela selasse os lábios para não permitir o acesso, conseguiram fazê-la ingerir.

                      A adolescente seguiu até a poltrona, sentando-se.

                           -- E agora o que vamos fazer? -- Questionou ao ver Marina se aproximar.

                             -- Precisamos esperar e continuar dando o chá e cuidando do ferimento. 

                                -- Pensei que fôssemos chamar o meu avô. 

                               -- Se Sir Arthur levá-la, ela vai morrer…

                               -- Mas ela é uma pirata, babá, ela é a víbora do mar… você já ouviu as coisas terríveis que dizem que ela já fez?

                            -- Ela é um ser humano nesse momento, alguém frágil que precisa de cuidados para se recuperar, depois vemos o que vamos fazemos.

                      A adolescente entendia a preocupação da empregada, mas sabia que não poderia aceitar aquela mulher em sua casa.

                   Ouvia-a gemer e seguiu até a cama. A pirata tentava levantar, buscando livrar-se dos cobertores.

                         Mel antecipou-se, fazendo-a se acomodar novamente. Percebia que a doente não estava em seu estado de consciência. Delirava em palavras e ações. 




                        -- Idiotas! -- Arthur esbravejava no jardim.

                        Algumas rondas tinham sido feitas pela região e nada fora encontrado.

                       -- Vá até o barco, fale com o pirata que a entregou e veja se ela apareceu por lá. 

                         -- Ela está ferida, Sir, não tem como ter ido tão longe. -- Outro buscava acalmar o almirante. -- Uma hora dessas deve ter se desmanchado em sangue.  

                          O Santorini segurou o homem pelo colarinho.

                          -- E onde está esse maldito sangue que não vi em parte alguma? -- Apertou-o mais. -- Vocês só tinham que mantê-la presa até amanhã quando a entregaria ao comerciante do oriente, mas seus homens não conseguem manter as mãos distantes de uma mulher bonita. -- Empurrou-o. -- Vou matar cada um de vocês se não encontrarem a pirata.

                       Os capangas seguiram rapidamente para continuarem as buscas.

                     Sir Arthur olhou para a luz acesa no quarto da neta.

                 Não podia permitir que Samantha ficasse livre, ainda mais quando Mel estava ao seu lado, seria uma grande ameaça para a vida da adolescente.

 

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