A víbora do mar - Capítulo 9 - O incêndio

            O restaurante cinco estrelas tinha segurança em sua entrada. A fachada era toda de vidro fumê, as luzes iluminavam seu interior. Manobristas bem vestidos adiantava-se educadamente para estacionar os veículos.

            Mel seguia de braços dados com o noivo tendo a companhia da cunhada, Ester.

            Logo o gerente aproximou-se para cumprimenta-los, depois os acompanhou até sua mesa. No percurso, Juan fora parado por alguns empresários, trocando algumas palavras durante alguns segundos. Todos elogiavam o casal e perguntavam sobre a nova data do enlace. A filha do duque de Del Santorro apenas desconversava, pois não achava que aquele assunto desrespeitava a estranhos.

            O ambiente trazia um grupo de violonistas que tocavam as baladas românticas de forma delicada. Os caríssimos lustres pendiam sobre o teto, fazendo o restaurante lembrar os antigos palácios franceses.

            Sempre era um lugar bastante frequentado pela elite do país. Era possível encontrar ali, políticos, empresários, dentre tantos outros membros endinheirados.

            Seguiram até uma mesa perto da varanda.

            O Bragança de forma cavalheira, puxou as cadeiras para as duas damas que o acompanhavam, dando um delicado beijo nos lábios da noiva.

            Mel esboçou um sorriso.

            A tenente não gostara da ideia de ir até a capital, mas como era o aniversário de Juan, decidira fazer esse sacrifício. Também, aproveitaria para seguir até o escritório do almirante Ernesto, desejava lhe falar. Havia algumas perguntas que não tinham respostas e isso começava a incomodá-la. Cada dia mais parecia ainda mais distante das provas que precisava para provar a culpa da pirata.

            Sentia-se incomodada ao lembrar daquela mulher.

            Fazia uma semana que lhe chicoteara a face...

            Ainda conseguia ver os olhos azuis dominados pela fúria...Quando respirava sentia o cheiro de suor mesclado com outro tão feminino...O olhar que exibia um total desinteresse, exceto naquele dia, pois ela parecia queimar em fogo em sua raiva.

            -- Nosso melhor champanhe, senhor! – O garçom serviu as taças. – Cortesia por seu aniversário.

            O empresário agradeceu com um sorriso, depois bebeu um pouco do líquido.

            -- Perfeito! – Fitou a irmã e a noiva. – Provem.

            A Santorini observava a cunhada.

            Não era segredo que não simpatizava com a mulher, ainda mais depois do ocorrido com a filha do Serpente. Com os anos percebera que sempre estivera certa. A Bragança era a moça pela qual a fora da lei chamara em seus delírios...Ambas foram amantes... Olhava-a e ficava a pensar o que realmente se passara de tão grave entre elas naquela noite?

            -- Ficarei alguns dias na fazenda contigo, Olívia, meu irmão deseja que organize o casamento.

            A tenente bebericou um pouco do líquido borbulhante e só depois respondeu.

            -- Ainda nada fora resolvido sobre remarcar a data, já falei com o Juan que esse não é o momento, ainda estou me recuperando.

            -- Você está muito bem, até já anda sem muletas... – Ester retrucou. – Acho que deveria subir logo ao altar, afinal, tem muita mulher querendo estar no seu lugar, meu irmão é o melhor partido do país.

            Mel voltou a provar a bebida, sentia o delicado sabor, enquanto tentava não aparentar sua total irritação.

            -- Não tenho medo de concorrência. Ele deve saber o que deseja, não sou eu quem deva me apressar para não perder a partida. – Respondeu encarando a cunhada. —Na verdade, nem sabia que estava em um jogo. – Completou com um suave arquear de sobrancelha. – Qual o placar?

            Juan percebia o clima pesado entre as duas, então tomou a mão da noiva, beijando-a.

            -- Entre todas, minha escolha seria sempre você, meu amor...

            -- Ora, está vendo porque ela não se decide logo, deveria ser mais difícil, mano. – Brincou. – Sir Arthur a estragou e você segue o mesmo caminho... Todos falam como é mimada a filha do duque.

            A tenente já estava pronta para responder quando fitou a porta e viu a desagradável presença de Samantha Lacassangner.

            Prendeu a respiração ao fita-la.

            Como de costume estava em companhia da amante loira.

            Desviou o olhar, mirando o cristal da delicada taça por alguns segundos, mas depois voltou a encará-la.

            Usava um vestido dourado com alças finíssimas, circundando o decote bonito. Não era grande, mas também não era tão curto. Chegava um pouco abaixo do meio das coxas, deixando as pernas torneadas cobertas por uma finíssima meia preta a mostra. Os cabelos estavam soltos. As madeixas ondulavam-se no meio, deixando-os mais volumosos. Usava os delicados óculos que a fazia parecer aquelas intelectuais de universidades.

            Umedeceu os lábios, sentindo-os secos de repente.

            Observou ela cumprimentar outro casal e rir de algo que fora dito. Até os olhos azuis encontrarem-se com os seus. Eles tinham algo diferente naquele momento, de certa forma pareciam mais escuros e ameaçadores. Viu a boca abrir-se em um sorriso, os dentes alvos pareciam brilhar igual aquelas propagandas de creme dental.

            -- Não temos mais paz de frequentar um lugar como este sem ter o desprazer de encontrar essa maldita Víbora. – Juan reclamou.

            A Santorini viu o olhar encantado de Ester para a pirata, incomodando-se com o ato.

 

 

 

            Samantha queria ter escolhido não deixar a fazenda, mas as ordens de Miranda foram bastantes claras. Teria que seguir para a capital, logo teria uma reunião com o almirante Ernesto. Ele aceitara recebê-la, porém antes precisava exibir-se diante de uma plateia selecionada.

            Quando viu a elegância do restaurante, imaginara que há alguns anos jamais seria permitido sua presença, tampouco seria permitido respirar o mesmo ar daquelas pessoas importantes.

            Assim que entraram foram cumprimentadas por um empresário que se mostrava interessado pela usina que tinha em suas terras e seguia desativada. Conversavam animadamente até ver a filha do duque. Não era surpresa para si aquele encontro, sabia que ela estaria lá ao lado do noivo e de Ester. Viu a ex-namorada e como sempre suspeitara, nada sentira, confirmando suas hipóteses de que aquela relação fora apenas um entusiasmo da idade. Não ia negar que estava ainda mais bela que antes, porém isso em nenhum momento lhe inquietara, diferente de como se sentira incomodada com os olhos dourados em sua direção.

            Parecia ainda mais altiva, sentada com as longas pernas cruzadas. Usava um vestido preto... E um decote e V.

            Ouvia o homem falar, porém continuava a analisar a inimiga.

            Da última vez que se encontraram chegara a perder a paciência com o atrevimento da tenente. Pensara em lhe tomar o chicote e usá-lo para amarrá-la em uma daquelas estacas, assim aprenderia a agir de forma civilizada e não como uma mimada da marinha.

            Seguiram até uma mesa que a deixava de frente com o trio.

            -- E então? Viu a traidora da sua ex? – Belinda questionou, enquanto provava o vinho, depois a ofertou.

            -- Não quero bebida, prefiro evitar.

            -- Fica muito mais sheika quando prova álcool. – Insistiu. – Só um pouquinho...

            Samantha não gostava de bebidas, não mais, na juventude abusava, porém depois de tanto tempo presa, gostava de manter-se sóbria. Mas diante da insistência da agente, fê-lo.

            -- Viu o olhar de ódio do noivo da mocinha? – acariciou-lhe a face. – Ele tem um grande interesse no casamento, soube que andou enfrentando problemas financeiros, maus negócios...

            -- Não sabia que o duque e Sir Arthur eram milionários... – Comentou bebericando.

            -- Não, porém, os nomes de ambos pesam bastante nesse meio...

            -- Não acho que ele queira casar apenas por isso... A tenente é muito bonita, tem um gênio ruim, mas é uma mulher sensual...atraente... – Falava, enquanto bebia.

            -- Quantos adjetivos... Não me diga que se sente atraída por ela... – A agente provocou com um sorriso.

            Os olhos azuis estreitaram-se de forma ameaçadora.

            Nenhuma mulher a interessava, ainda mais a filha do homem que a perseguira a vida toda.

            – Você conseguiu falar com os seguranças? – Questionou baixinho. – Não confio em deixar Eliah sozinho naquele lugar, temo que aqueles camponeses façam algo contra ele.

            Belinda colocou a mão sobre a dela.

            -- Falei mais cedo e estava tudo bem, acalme-se, meu bem.

            -- Queria que ele tivesse vindo com a gente, mas é teimoso, está em desespero por trabalhadores. Como se isso fosse possível, enquanto houver a ameaça de retaliação dos respeitados militares.

            -- Relaxe, vamos resolver isso também ou eu mesma vou ter que colocar a mão na terra para semea-la... – Usou o polegar para contornar o arranhão na face. – Sabe que ainda não engoli que esse corte fora feito por um descuido seu...

            A pirata voltou a fitar a mesa na qual a arqui-inimiga estava.

            Não contara para ninguém o que tinha ocorrido naquela tarde. Sabia que Miranda ficaria possessa se descobrisse que ela tinha estado sozinha e que enfrentara a tenente, sendo chicoteada e ameaçada com a espada.

            -- E por que eu mentiria?

            -- Não sei... – Aproximou-se, depositando um beijo em seus lábios. – Mas não deve esconder nada, sabe que sua segurança depende disso.

 

 

            Mel comia os aperitivos, mas parecia que não sentia o gosto. A desagradável presença da filha do Serpente terminara com um por cento da  sua animação. Bebeu um pouco mais de champanhe e ao fitar a mesa que era ocupada pela outra, viu a loira beijá-la.

            Remexeu-se incomodada.

            -- Tudo bem? – Juan indagou preocupado.

            -- Preciso... preciso ir ao toalete...

            O empresário levantou-se em um gesto de cavalheirismo, voltando a sentar quando ela afastara-se.

            -- Está vendo como está arredia? – Questionou à irmã. – Está obcecada por fazer a maldita pirata pagar por tudo o que fez que nem lembra que temos um compromisso.

            Ester não parecia prestar atenção a nada que estava sendo dito, pois sua atenção estava na bela mulher que ocupava a outra mesa.

            -- Já falei com Sir Arthur, com o duque, mas a Mel não escuta ninguém. Tem verdadeira obsessão por destruir a Víbora.

            -- Tentarei convencê-la...

            Estava distraída, vez e outra fitava a antiga amante que já mexera com suas emoções. Não podia negar que ao vê-la sentira um desejo enorme de tocá-la. Estava ainda mais linda e exibia um ar tão poderoso que chegava a ser um afrodisíaco para seus sentidos.

Em todos aqueles anos ficara pensando se ela estaria viva e quando ficara sabendo do seu retorno, ansiara por ir até lá, queria vê-la, tocá-la...

 

 

Mel apoiou-se na pia.

Sentia a cabeça um pouco tonta pelas taças de champanhe que ingerira. Se pudesse iria embora agora mesmo sem nem mesmo se despedir dos outros.

Havia algumas mulheres retocando a maquiagem, mas logo saíram deixando-a sozinha.

Molhou a mão na água e depois molhou um pouco a nuca, tentando relaxar. Sentia-se dolorida, tensa. Queria ter usado as muletas naquela noite, mas acabara sendo convencida a não fazer por seu “eu arrogante”. Não deveria se esforçar tanto, vez e outra sentia que perderia o controle dos membros inferiores.

Mirou-se por alguns segundos.

Queria voltar para o seu posto na marinha, porém mais uma vez fora reprovada nos exames para comprovar que já estava recuperada para reassumir suas funções.

Bateu forte no mármore!

Desejava ir embora daquele lugar, voltar para a fazenda. Estava cansada da insistência do noivo sobre o casamento. Não desejava remarcar a data, não achava que esse seria o momento adequado, pois sabia que Juan tinha planos para deixar o país, logo não poderia seguir com as investigações. Só teria paz quando fizesse a justiça por sua mãe.

Viu a porta abrir e lá estava a Lacassangner.

Cerrou os dentes fortemente.

Viu-a aproximar-se do espelho, ficando ao seu lado, sentiu o cheiro dela. Observou-a retocar o batom.

Observou os olhos azuis através do reflexo do cristal e logo via o sorriso que ela exibia.

-- Preciso de mais base para disfarçar essa marca. – Samantha comentou, enquanto abria a bolsa e buscava esconder o corte. – Bem que acho que me deixou com uma aparência mais pirata que sheika.

A Santorini não movia um único músculo, apenas a olhava de forma desdenhosa. Perscrutando-a como se estivesse a buscar algo, então falou de supetão:

-- A Ester que você chamava quando estava delirando é a minha cunhada, não é?

A pirata não respondeu de imediato. Desenhava a cor dos lábios com paciência como se tivesse todo o tempo do mundo para aquele ato.

-- Delirei na sua cama? – Questionou com o cenho franzido. – Espero não ter feito nada de errado.

Por alguns segundos a militar recordou-se do beijo...

-- Responda o que eu perguntei! – Ordenou impaciente.

-- Ora, você é muito inteligente mesmo... Demorou esses anos todos para descobrir? – Debochou.

Mel deu alguns passos, posicionando-se atrás da filha do Serpente.

Ambas tinham praticamente a mesma altura.

-- Eram amantes, Víbora? – Indagou ignorando o sarcasmo. – Era amante dela?

Samantha deu um passo para trás, praticamente colando o corpo ao da filha do duque. Sentia o perfume... Sentia a raiva dela...Sentia a respiração dela contra sua nuca.

Inclinou a cabeça para fita-la.

-- Sim, éramos amantes... mas ela decidiu que seria melhor que terminássemos e me entregou a Sir Arthur... – Fitou os lábios da jovem. – Imagina se ela tivesse decidido que queria ficar comigo, hoje seríamos da mesma família. – Fitou os lábios rosados. – Já imaginou o almoço de domingo?

Mel suspirou de impaciência, mas arrependera-se, pois sentia o aroma feminino penetrar em suas narinas.

Afastou-se.

-- Com certeza a Ester deve ter percebido como seria uma loucura ficar ao lado de uma fora da lei...

-- Sim, provavelmente...horrível...

A filha de Fernando cruzou os braços.

-- Não acredito que alguém quisesse arriscar a reputação tendo algo como alguém como você... A sua esposa...

Samantha a segurou pelo braço.

-- Não abra a boca para falar sobre ela ou não respondo por mim.

Não tinha problema em fazer o papel que Miranda lhe ditava com os demais, porém era diferente quando se tratava daquela jovem, ela sabia como tirá-la da sua concha de indiferença.

-- Por quê? Disseram que você não era esposa, mas a amante... – Fitou a aliança.-- Não acho que estava tão bem assim para ter um status tão importante na vida de uma sheika.

-- Preocupe-se consigo mesma, acho que já está mais que na hora de aceitar o casamento com o seu noivinho e sair do meu caminho, enquanto ainda está inteira. – Soltou-a bruscamente.

Mel a viu deixar o banheiro, seguindo como se fosse a dona do universo.

 

 

Samantha seguia pelo corredor, tentava acalmar-se, mas sentindo o sangue arder em suas veias quando viu Ester vindo em sua direção. Passava por ela quando sentiu-a segurar sua mão.

Fitou-a.

Observou-a por alguns segundos em busca do sentimento que tivera há tanto tempo, mas não havia nada, nem mesmo rancor.

-- Sam... – A voz da outra soou baixa.

-- Olá! – Falou sem demonstrar nenhuma emoção.

-- Faz tanto tempo... Mas você continua linda.

-- Agradeço, mas estou um pouco atrasada, foi bom te ver.

Ester soltou um longo suspiro, mas nem teve tempo de lamentar-se, pois a cunhada estava bem atrás de si.

-- Não esqueça que é uma mulher casada, então cuidado com seus arroubos apaixonados.

 

 

 

A noite transcorreu tranquilo depois do encontro explosivo entre Samantha e Mel no toalete. Ambas não voltaram a se cruzar, apenas vez e outra os olhares encontravam-se. O da  filha do duque mostrava-se superior e desdenhoso, enquanto  a pirata mostrava total indiferença.

  Já passava da meia noite quando Juan deixou a noiva no pequeno apartamento que ela ocupava quando estava na capital. Não aceitara o convite do Bragança de seguir até a cobertura, não sentia desejo de ficar com ele. Estava chateada com o fato de ter que receber em sua fazenda a cunhada. Sabia que teria problemas, ainda mais depois de tê-la visto derreter-se pela Víbora.

 – Pensei que eu não teria companhia hoje.

 Mel observou a amiga deitada no sofá, tinha uma tigela de pipoca e a TV estava ligada em algum tipo de filme de terror.

A filha do duque acendeu a luz, caminhou até a geladeira e tomou água. Depois seguiu para se acomodar na poltrona. Nem mesmo buscou tirar o vestido de noite. Começou a massagear as coxas.

-- Eu te disse para usar as muletas, está abusando muito e pode ter uma piora.

A fisioterapeuta sabia que ela estava irritada por não ter conseguido permissão para retornar à marinha. Entendia a frustração da amiga.

Foi até o freezer, pegou um saco de gelo, entregando-lhe, depois retornou para o sofá.

– Achei que o Juan iria te sequestrar…

  – Acredito que essa era a vontade dele, porém não era do meu interesse.

 Cristina fitou curiosamente a amiga.

 – Sinceramente eu não sei como você aguenta passar tanto tempo sem sexo. – Meneou a cabeça negativamente -- Eu mesma já não estou suportando ficar longe da Flávia, estou pensando em ir até ela. 

  Cris namorava uma jornalista que fazia doutorado no exterior.

   – E eu ainda não sei o que de tão especial tem no sexo. – Pegou a tigela e começou a comer pipoca. – Teremos uma convidada na fazenda por alguns longos dias.—Pegou o controle, mudando de canal.

    – Quem? – Indagou curiosa.

    – A Ester…

    – Sua cunhadinha gentil e agradável?

    – E você quer saber a cereja do bolo?

    A fisioterapeuta sentou-se com as pernas cruzadas. Os olhos brilhavam.

    – Me conta…

    Durante longos minutos, a Santorini narrou tudo o que aconteceu quando ela era adolescente. Como ocorrera seu encontro com a pirata, de tê-la em seu quarto escondida e da suspeita que por fim fora elucidada ao ouvir que realmente a irmã do noivo e a fora da lei tinham sido amantes.

     – Meu Deus! – Cristina disse no final da narrativa. – Você salvou a vida da Víbora?

     Mel ficou calada.

     Fora a primeira vez que falara sobre aquilo com alguém. Nunca tivera coragem de expor o que se passara. Envergonhava-se de ter cuidado da Lacassangner.

      – Mas como ela atacou a babá? Acho praticamente impossível para alguém nessas condições agir assim e fugir.

   A Santorini recordou-se da própria Samantha ter negado ter feito isso, porém Marina não mentiria, não inventaria algo assim.

    – Você acha que a Ester quer reatar o romance? Você acha que a Víbora aceitaria depois de ter sido traída?

    – Olha, Cris, eu não sei… mas não vou aceitar esse tipo de safadeza em minha fazenda.

     – E se você usasse o caso das duas? Poderia ter a tua cunhada como aliada… enquanto ela se deita com a pirata, descobre tudo que você precisa... ui que delícia...

     A filha do duque pareceu incomodada em imaginar as duas mulheres juntas.

     – Jamais aceitaria algo assim e digo mais, se a Ester correr atrás da bandida, eu mesma avisarei ao Juan. – Levantou-se. – Vou tomar um banho e dormir.

     Cristina pareceu surpresa com a irritação da amiga, não era justificável ficar furiosa com algo assim. Seria até bom para ela, conseguiria ter informações…

      Pegou a tigela e voltou a comer a pipoca, mas não conseguiu concentrar-se na película, pois algumas ideias começavam a surgir em sua cabeça.




       Na manhã seguinte, Samantha seguiu até o escritório da marinha. Fora recebido por alguns soldados e não demorou para seguir para o interior da elegante sala.

       O homem idoso, recebeu-a com um sorriso simpático. Levantando-se, estendeu a mão para ela.

        – Sempre tive curiosidade de conhecer pessoalmente a famosa Víbora do mar… Não se importa que a chame assim?

            Ela fez um gesto negativo com a cabeça.

        – Senhor almirante. – Cumprimentou-o de forma séria.

        – Sente-se!

        A pirata o fez como fora dito.

        – Tenho tanto interesse quanto você para que tudo seja resolvido. – Entregou-lhe um envelope grande e amarelo. – Aqui está o que solicitou. 

         Samantha fez um gesto afirmativo com a cabeça.

         – Conheci o seu pai, senhora, e nunca entendi o motivo de ele ter deixado uma promoção iminente para seguir para o lado que não estava alinhado à lei.

         – Um dia tudo será esclarecido, senhor.

            O militar a olhava com curiosidade.

            O governo começava a pressionar sobre o caso daquela mulher, ainda mais depois que ela caiu nas graças do príncipe Ralf.

            – E quanto a você? Quem foi sua mãe?

            O maxilar da morena enrijeceu.

            – Pense em mim como alguém que tivera apena um pai e ele foi o Serpente do mar. – Disse orgulhosamente.

           O almirante tinha algumas suspeitas, mas percebia que seria praticamente impossível que a bela mulher sentada a sua frente lhe falasse algo. Percebera como era fechada em seu interior, mesmo que buscasse demonstrar algo totalmente diferente com a mídia.

            – Quero lhe pedir uma coisa, senhora Sheika.

            A Lacassangner assentiu.

             – Tem alguém que tenho muito carinho, mas que é uma pedra em seu sapato.

             A outra arqueou a sobrancelha em curiosidade.

            – A tenente Olívia Mel Santorini Del Santorro.

            Os olhos azuis estreitaram-se ao ouvir o nome da filha do duque.

           Começava a perder a paciência com a filha de Fernando. Sempre que a encontrava perdia o controle que conseguia ter com todos e isso era aborrecido para si.

           Na noite passada tivera que lidar com a petulância da militar e chegara a pensar que o melhor seria evitá-la.

         – Gosto muito da filha de Fernando, é uma mulher honrada e que já passara por inúmeras situações. Sei que ela tem uma verdadeira obsessão pela senhora e gostaria muito que tentasse se esquivar sem que isso torne-se algo mais preocupante.

       – Eu apenas sigo os passos da lei, mas acredito que o senhor deveria tomar cuidado para que a neta de Sir Arthur não coloque na lama o nome da preciosa e respeitada marinha real.

       – Qual das netas? – O almirante questionou com um sorriso.

 



        Dois dias depois, Mel seguiu até a fazenda.

       Acabara não sendo recebida pelo almirante, pois o militar precisou viajar com urgência para resolver alguns problemas que surgira em outro porto. Pensara em apelar para que ele intercedesse para seu retorno, mas teria que deixar essa conversa para outra ocasião. Pensara em pedir ao pai e ao avô, mas sabia que nenhum dos dois fariam qualquer coisa nesse sentido, não enquanto ela não aceitasse remarcar o casamento.

   Retornara sozinha, pois Cristina teria que resolver alguns assuntos e só chegaria no final da semana. 

   O jipe estacionou diante do pátio e sua surpresa foi ver os carros parados lá.

    Pegou as muletas para apoiar-se, pois como a viagem fora longa, sentia-se cansada.

    Lentamente subiu as escadas e ao entrar em casa, viu Sir Arthur vindo ao seu encontro, abraçando-a.

     – Bambina, que saudades!

     – Se eu soubesse que estavam por aqui eu não teria viajado. – A jovem beijou o mais velho na testa enrugada.

     – Seu pai voltava da lua de mel e passou por aqui, mas acho que hoje mesmo segue para a capital.

     – E o senhor?

     – Provavelmente ficarei até amanhã. – Segurou-lhe a mão. – Tome um banho para que possamos almoçar juntos.

     Mel assentiu, subindo as escadas, pois ansiava ficar com a família depois de longos dias distantes.

     Encontrou Marina em seu quarto guardando algumas roupas.

     -- Menina, você veio dirigindo desde a capital? – Questionou indignada, mas recebeu um beijo e pareceu ficar mais calma. – Rum, você é muito teimosa.

     A tenente já sentava, enquanto se livrava das botas e depois da camiseta.

    Observava a empregada arrumar o armário e lhe entregar um roupão limpo.

    Ficou pensando no que a Cristina falara sobre ser quase impossível que a Víbora tivesse atacado a Marina e depois ter fugido do estado que se encontrava. A própria Samantha negara o fato, mas ela poderia estar mentindo como já acontecera nas vezes que negara participar dos crimes que ocorreram.

A senhora viu o olhar distraído da garota.

-- Tudo bem, filha?

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, livrando-se da blusa, ficando apenas de sutiã.

-- Babá... – Começou relutante. – Você tem certeza de que a filha do Serpente te atacou e depois fugiu...

A mulher deixou algumas peças de roupa cair, estava nervosa. Em todos aqueles anos a filha de Fernando nunca ousou duvidar do que lhe contara.

-- Por que está perguntando isso?

Mel livrou-se dou short, depois seguiu até o banheiro.

-- A Cris falou que seria praticamente impossível que a Samantha fizesse isso quando estava tão mal e pensando bem como médica, ela tinha perdido muito sangue...

Marina não respondeu, ficou nos aposentos esperando que a jovem retornasse do banho.

Sim, naquela época ela era uma menina e acreditaria em qualquer coisa que fosse dito, mas agora era diferente, ainda mais depois da fisioterapeuta ter questionado sobre os fatos que foram narrados.

Viu-a retornar vestindo o roupão, enquanto os cabelos estavam presos em um coque.

-- Poderia me contar o que aconteceu naquele dia?

Marina soltou um longo suspiro, fazendo um gesto afirmativo.

-- Naquele dia eu fui até o quarto e quando abri a porta, algo me atingiu e quando despertei, a pirata não estava mais lá.

Os olhos dourados pareciam confusos.

-- Você não a viu então?

-- Não, porém pensei que só ela poderia ter feito aquilo... – Terminou de guardar as roupas. – Vou descer, tenho que organizar o almoço.

Mel ainda abriu a boca para protestar, mas a deixou ir, enquanto ficava a pensar no que acabara de ouvir.

 




  – Não precisa se envolver em nada, filha, essas pessoas odeiam a pirata, então elas podem agir  como quiserem. – O duque dizia na mesa do almoço. – Novamente incendiaram nossas plantações enquanto você estava fora, logo não haverá trabalho para ninguém.

   Mel cortava o pedaço de carne.

   Desde que encontrara o pai, apenas recebia broncas.

   – Seu avô e eu tomamos todas as providências. Falamos com o delegado. Caso a Víbora chegue perto das nossas terras, vão atirar sem dó nem piedade.

   – Ela estava na capital, eu a vi, como pode ter feito isso? – Perguntou ao fita-lo.

   – O pirata está lá e agiu sendo comandado pela outra como faziam quando viviam a atacar os navios.

A Santorini fez um gesto afirmativo com a cabeça, demonstrando concordar com tudo o que duque dizia, mas na sua cabeça começava a surgir novas dúvidas, confundindo-a ainda mais.

        



   Já era noite. 

   Samantha não aceitara esperar por Belinda e seguira para a fazenda. Seguiu até o heliporto, Miranda tinha deixado o piloto de sobre aviso para seguir com a Lacassangner. Deixar-lhe-ia em uma cidade vizinha e um dos seguranças iria até lá para busca-la. A pirata deixara claro que queria retornar, afinal, já tinha cumprido todos os compromissos que fora acordado para aquela semana.

Adentrou a aeronave, acomodando-se, afivelou o cinto.

Sentia-se sufocada na capital, ainda mais quando precisava seguir de farra em farra ao lado da agente. Algumas mulheres foram apresentadas a sheika, elas pareciam interessadas em participar do harém fictício que Belinda inventara.

Passou a mão pelos cabelos.

A única coisa que desejava era que toda aquela história terminasse. Ansiava por seguir para longe daquelas pessoas.

Ouviu o aviso do piloto informando que decolariam.

Inclinou a cabeça, fechando os olhos, tentando dormir, coisa que fazia muito tempo que não conseguia fazer.

 

 

 



 A Santorini estava lendo na biblioteca. O pai e o avô já tinham partido. Imprimira alguns arquivos sobre o Serpente do mar, buscava entender o pirata para conseguir desvendar os mistérios que cercavam aquela história.

Girava de um lado para o outro na cadeira, tentando entender alguns fatos que seguiam desconhecidos.

Voltou a examinar um trecho sobre ele ter servido a marinha... mas depois havia uma lacuna e apenas faziam referência ao pirata. Não havia nada sobre a mãe da filha dele... Quem seria?

Ouviu gritos no pátio e seguiu até lá, mesmo vestindo apenas o pijama de seda, com o roupão.

             Chegou à frente, parando no topo da escadaria e viu os peões correndo.

   – O que houve? – Indagou.

   Matias aproximou-se.

    – Queimaram a fazenda da Víbora e o fago se alastrou para a plantação. Estamos tentando conter para que não aja tantos prejuízos.

     – E como isso ocorreu? 

     – O velho tentou incendiar a plantação que fazia limite e acabou se alastrando até às terras dela e como havia muito feno foi rápido e terrível o estrago.

     Prendeu os cabelos, enquanto ouvia os gritos dos trabalhadores buscando água para livrar-se das chamas.

        – Traga o meu cavalo! – Ordenou já descendo as escadas.

        – É perigoso, senhorita, fique aqui, estou cuidando de tudo!

         – Traga o meu cavalo! – Repetiu por entre os dentes.

         O capataz mesmo contra a vontade fez o que foi mandado.

          A Santorini olhava o fogaréu que se mostrava ao longe.

          Não podia permitir que esses fatos continuassem a acontecer, ainda mais em suas terras.

           – O que se passa? 

           Mel viu a babá vindo só de camisola e com uma touca nos cabelos.

           – Santo Deus, o que houve? – Indagou horrorizada ao ver o fogo.

           A jovem não respondeu, pois seu cavalo tinha sido trazido.

            – Te explico depois, agora tenho algo para fazer.

           Marina ficou desesperada ao ver a filha do duque montar e sair em disparada na escuridão.

            A empregada segurou o braço do capataz.

             – Para onde a Olívia foi?

             – A tenente é muito teimosa, disse que não deveria sair, mas ninguém a domina.

             Marina olhava os peões correndo pelo pátio da fazenda com baldes, colocando-os sobre a camioneta e seguindo para as plantações.





             Eliah estava dentro do estábulo.

             Estava dormindo quando o incêndio começou. O segurança tinha seguido até a cidade vizinha para buscar a Lacassangner.

             Ouvia os animais buscando salvar-se nas baias. Corria tentando libertar a todos, mas a fumaça estava sufocando-o. Caminhou por entre as chamas, buscava libertar o cavalo de Samantha, sabia como ela amava aquele animal, era a única coisa que tinha de lembrança da esposa.

          Tentava chegar até o garanhão, mas parecia algo totalmente impossível. Um caibro caiu sobre si e não teve como desviar, caindo desacordado no meio das chamas.



            A filha do duque apeou em frente à casa grande. Viu o fogo no estábulo, estava em total descontrole.

           Buscou por alguém, chamando, mas não havia ninguém.

            Entrou na casa, mas nada encontrou.

            Caminhou até a entrada do estábulo, cobrindo a face com o braço pela quentura. Havia bastante fumaça. Sentia os olhos lacrimejarem.

            Gritou para ver se havia alguém lá dentro.

           Tentava aproximar-se, mas o fogo estava muito alto. Viu um corpo caído.

           Apavorou-se!

           Parecia ser o pirata. Tentava arrumar um jeito de ir até ele, quando viu um carro aproximando-se e logo a Víbora saia correndo do veículo e adentrava o espaço que pegava fogo, Mel ficou perplexa ao ver a coragem da  mulher. Olhava apreensiva, buscando saber o que acontecia, olhava e temia pelo pior. Alguns minutos se passaram e logo a via sair do estábulo arrastando um homem que estava desacordado. O segurança a ajudou a leva-lo até a frente da casa, deitando-o.

          A Santorini seguiu até lá.

         – Afaste-se antes que acabe com sua vida maldita com as minhas mãos. – A morena dizia, ajoelhando-se ao lado do amigo.

                    Samantha ordenou que o homem fosse busca o médico na cidade.

         Mel com muito esforço, agachou.

         – Eu sou médica… deixe-me ajudá-lo... Não acredito que alguém do povoado venha até aqui.

          A Lacassangner passou a mão nos cabelos, estava em desespero. Seu corpo estava agitado, sua mente mostrava-se confusa.

        – Traga água para mim e um pano, faça rápido. Cuidarei dele.

        A morena olhava para o estábulo e tinha a dor em seu olhar. Encarou a neta de Sir Arthur, seguindo rapidamente para buscar o que ela pedira.

        Mel ouvia as batidas do coração de Eliah, depois o posicionou de lado. Sentiu as primeiras gotas de chuva e logo ganhavam mais força.

                    Sentiu-se feliz por isso, pois ajudaria a respiração do velho.

        Ouviu-o tossir e agradeceu a Deus por isso. Ele tivera muita sorte de ter sido retirado do estábulo.

          – O cavalo da Sam… – Ele disse com voz fraca. – Preciso salvar…

        A Santorini olhou para o estábulo praticamente destruído.

        – O senhor precisa ter calma, foi um milagre não ter morrido lá dentro.

       Os olhos negros do homem olhavam surpreso para a jovem. Reconheceu-a.

       Samantha aproximou-se trazendo o que fora pedido, mas a água parecia desnecessário já que a chuva fizera o trabalho.

        Mel usou o tecido para colocar envolta do pescoço do moribundo.

         – Acho melhor que o levemos para dentro.

        A Lacassangner fez um gesto para um dos seguranças ajudarem, enquanto seguia até o lugar do incêndio. Nem sentia a chuva lhe molhar, apenas parecia perdida com o seu olhar para tudo que fora destruído.

        Não teria como salvar mais nada, nem a si mesma...





             Mel cuidava de Eliah.

            Conseguiu uma caixa de primeiros socorros e limpou as queimaduras. Não tinham sido graves, apenas a inalação da fumaça que fora mais crítico, entretanto já parecia melhor. Fora um milagre a chegada da Víbora, isso ajudou-o.

              – O senhor teve muita sorte, poderia ter morrido dentro daquele estábulo. – Disse terminando de cuidar, cobrindo-o. – Como foi parar lá dentro?

              O pirata nada disse, mas havia lágrimas em seus olhos.

              – Não precisa ficar assim, já está bem, só precisará ir até o hospital para fazer alguns exames, mas não há nada sério. – Tranquilizou-o, segurando-lhe a mão. – Foi um milagre, então considere isso como um renascimento.

              Sentiu-se tocada pela fragilidade que ele demonstrava.

              – Eu queria… – Disse em soluços – ter salvo o cavalo da Sam, sei como ele era importante para ela… – Falou desconsolado. – Mas não pude...

             – Não fique assim, ela pode comprar outro animal. – Disse irritada. – Está com medo que ela brigue por causa disso? – Seguiu até a janela. – Além de pirata é sovina é?

          Do quarto podia ver o fogo que ainda persistia diante da chuva fina, mas aos poucos parecia perder as forças. Viu-a lá, acocorada como se não se importasse em se molhar. O olhar estava fixo nas ruínas da construção.

          – Descanse, vou falar com a Víbora e avisar que deve te levar ao hospital.

                  



       Samantha jazia parada no mesmo lugar. Sentia que aos poucos tudo que estava relacionado à sua esposa era tirado de si. O cavalo fora presente de casamento, recebera-o com grande entusiasmo, pois marcava o recomeço para si, uma nova vida que ansiara muito por viver.

         Por que deixara a penitenciária e aceitara o plano de Miranda? 

        Não havia nada de bom em toda aquela história, apenas o sentimento crescente de raiva que começava a dominar em seu interior. Começava a desejar não apenas a justiça pelo o que fora feito ao seu pai, mas a vingança pelo que estava sendo feito nesse momento. Odiava aquelas pessoas, odiava a todos e faria questão de destruir um por um.

         Saiu pisando duro pelo pátio, entrando na propriedade, encontrou a tenente que saia dos aposentos de Eliah.

          Segurou pelos ombros, pressionando-a forte contra a parede. 

         Os olhos dourados abriram-se em pavor ao ver a face transfigurada da mulher. Parecia possuída por uma força demoníaca. Os cabelos estavam colados à nuca, a respiração estava ofegante. A chuva a tinha deixado ensopada.

           – Está louca…

          – Calada! – Samantha disse por entre os dentes. – cale a boca e apenas escute.

           Mel tentou livrar-se das mãos que a apertavam, mas a pirata usava todo o corpo para subjugá-la contra o concreto.

           – Não me calo, não manda em mim, Víbora!

           Os dentes alvos abriram-se em um sorriso ameaçador.

           – Sim, a partir de agora você vai conhecer a Víbora, você e todos os malditos que são seus cúmplices… antes tinha consideração por sua pessoa, afinal, não tem culpa por ser uma maldita idiota, porém depois de hoje, até mesmo você pagará muito caro pelo que fez.

           A filha do duque tentou livrar-se novamente, mas sem sucesso algum.

          Sentia a respiração dela tão perto da sua, fitava os olhos azuis que agora se mostravam tão escurecidos como o céu em dia de tempestade. Estavam tão perto que conseguia observar cada detalhe do rosto da pirata. Os lábios eram cheios, enfeitando a boca bonita. Os cabelos negros estavam soltos, havia fuligem em sua bochecha e testa. Percebia que chorara pois a face estava vermelha.

          – Não tenho medo! – Falou mais alto. -- Não sou aquelas pessoas que você aterrorizava… sua dívida comigo é grande.

           – Que dívida?

          Antes que Mel pudesse responder, foi arrastada pela mão. Pensou em tentar libertar-se, mas já sentia as pernas fraquejarem pelo esforço demasiado, o melhor seria seguir com ela.

          Passaram por um corredor. A casa estava toda deteriorada, mas era muito limpa e organizada. 

           Pararam diante de uma porta que fora aberta pela pirata. 

           Samantha empurrou a jovem sobre o leito de forma violenta. Depois trancou a porta com as chaves, colocando-as no bolso da calça.

            – Está louca por acaso? –Indagou apoiada nos cotovelos.

            A Lacassangner nada disse. Apenas seguiu por uma outra porta lateral.

             Mel sentia o coração bater acelerado. Ainda não tinha forças suficiente para enfrentar fisicamente aquela mulher. Era praticamente impossível, pois sentia já dificuldade em se manter de pé sem as muletas por ter forçado tanto.

              Ouviu o barulho de água. Ela deveria estar tomando banho.

              Observava tudo ao redor. A cama era ampla. Não havia luxo. Apenas um armário antigo que devia servir para guardar as roupas e uma cadeira.

              Levantou-se, buscando apoio, tentando fazer os músculos reagirem. 

             Quando fora até ali, pensara em confrontar o homem pelo ataque que tinha sido feito às terras, mas agora percebia que não tinha sido como Matias falara. Seria impossível o fogo que fora concentrado apenas no estábulo da Lacassangner seguir até a plantação.

             Seguiu até a porta e ao tocar a maçaneta, sentiu uma mão sobre a sua e o cheiro de sabonete suave penetrar suas narinas. Ela estava bem atrás de si, não colada ao seu corpo, mas tão próxima que podia sentir a energia que saia do corpo feminino.

            – Está fechada, tenente, está se esforçando inutilmente.

           Salmantha afastou-se.

           A Santorini virou-se para ela.

            Os cabelos estavam molhados, usava um roupão atoalhado preto. Estava parada próxima a cama.

             – Vai ficar aqui até que amanheça, vai cuidar do Eliah – Apontou-lhe o indicador em riste-- até que o helicóptero possa levá-lo até a capital.

            Os olhos dourados abriram-se em espanto.

           – Não sei se sabe, pirata, mas não pode manter alguém contra a vontade em sua casa.

           – E você acha que eu ligo com a sua lei? – Questionou com as mãos na cintura.--você  e seus empregados provocaram tudo isso, então agora vai cuidar dele.

            – Eu não fiz nada!

           – Fez quando permitiu que as pessoas que vivem sob a sua administração cometessem crimes como o que ocorreu essa noite. 

           – Está muito enganada se acha…

           – Já chega! – Interrompeu-a. – Vai ficar e cuidar do Eliah, então trate de se acomodar, enquanto vou ver como ele está e ai de você se não deixa-lo totalmente bom.

            – Vão vir atrás de mim!

            Samantha seguiu até a porta, abrindo-a para sair.

             – E você acha que isso me amedronta? – Indagou calmamente. – Acho bom tirar essa camisola, está suja e molhada.

              Mel a encarou por alguns segundos, porém nada falou, apenas observando a mulher deixar os aposentos.

             Nem tentou abrir a porta, pois sabia que estava fechada. Seguiu até a cama, sentando-se.





            Marina olhava pela janela e ficava cada vez mais preocupada. Fazia tempo que Mel tinha saído e ainda não retornara. Estava começando a entrar em desespero. Talvez fosse melhor falar com o Matias e pedir para que ele fosse até a fazenda da pirata, porém se fizesse isso, arrumaria um novo problema ainda mais sério. Temia uma guerra ainda maior depois de tudo o que acontecera antes. Sabia como o Del Santorro e Sair Arthur estavam tentando envenenar cada dia mais a tenente. Esse fato a asssutava, pois sabia que a Lacassangner não era realmente a vilã que todos pintavam.




            Depois de quase uma hora, a Santorini viu a porta abrir e lá estava a pirata. Trazia no rosto a expressão inflexível.

              Samantha tinha ficado com Eliah durante algum tempo. Tentava consolar o amigo por ele não ter conseguido salvar o cavalo. Parecia tão desolado com tudo o que aconteceu que não parecia de importar com os machucados que ganhara em arriscar a vida. Aquele homem era o mais próximo que sempre tivera ao seu lado como sinônimo de amor.

                Fitou a filha do duque. Estava de pé e a olhava de forma desafiadora. Só naquele momento percebera que a jovem usava um roupão de seda que chegava no meio das coxas. A cor dourada combinava com os olhos e os reflexos que tinha nos cabelos. Nos pés tinham apenas uma pantufa. Devia ter tentando secar-se, pois não estava como antes.

                – Ligue para a minha fazenda e avise a Marina que estou bem.

                – Você não manda aqui, tenente, então baixe o seu nariz e aja como um ser humano humilde quando se dirigir a mim.

               Mel cerrou os dentes fortemente.

                – Vai arrumar um problema ainda maior se não fizer o que…

                – Não me importo! – Interrompeu-a. – já tenho bastantes problemas para me preocupar com um a mais.

               Samantha sentia a cabeça fervilhar pelos últimos acontecimentos. Estava tão furiosa com o que se passou naquela noite. Pensava o que poderia ter acontecido se não tivesse retornado, o que teria ocorrido com Eliah?

              Seguiu até o armário, pegando uma camisola.

              – O que estava fazendo aqui? – Indagou encarando-a. – será que foi a senhorita que incendiou o estábulo? É assassina também? Saiu ao seu avô postiço ou ao seu papai?

          Inesperadamente  foi atingida por um tapa na face a antes que pudesse reagir a jovem travara um ataque contra si, usando os conhecimentos militares que tinha, mas Samantha fora muito bem treinada e conseguira livrar-se, segurando-a e ambas caindo sobre o chão, tendo a Lacassangner sobre a Santorini, ora a outra subjugando-a, enroladas em uma briga, testando quem sairia vitoriosa. Depois de rolarem por alguns segundos, a pirara conseguiu detê-la.

         Samantha conseguiu segura-lhe os braços sobre a cabeça, enquanto posicionava entre as pernas femininas.

        -- Não esqueça que eu também fui muito bem treinada, tenente! – Sentou-se sobre o quadril dela, conseguindo paralisá-la.

       -- Não sabe o quanto te odeio, quanto desejo te destruir... – Esbraveja a militar. – Se estivesse com a minha espada, já tinha te deixado em pedaços.

       -- Você deveria agradecer, porque a minha vontade é de te colocar em um tronco e te chicotear como fez com o meu rosto.

      A jovem tentou soltar-se novamente e o movimento fez com que a alça da camisola cedesse e um pouco do seio ficou a mostra.

     A sheika observou o mamilo intumescido e sentiu algo tão forte em seu estômago que causou vertigem.

     Fitou os olhos dourados, depois se afastou, levantando-se.

     Mel a observava parada encostada na porta. As bochechas estavam coradas.

     Conseguiu pôr-se de pé, arrumando a roupa e prendendo os cabelos.

     Sentia o corpo tremer... Algo a incomodara no olhar da Lacassangner, algo que preferia nem recordar.

    Viu-a abrir a porta, depois se afastar.

    -- Vá embora! – Expulsou-a. – Nunca mais pise nas minhas terras.

           

                   


 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21