A víbora do mar - Capítulo 8 -- A espada
Os dias passavam tranquilos. A
tenente parecia mais dedicada à sua fisioterapia. Dedicava-se arduamente para
poder ganhar mais forças nos músculos. Há mais de um ano do acidente que lhe
vitimara, seu corpo já começava a demonstrar total reabilitação, menos suas
lembranças que pareciam cada vez mais apagadas. Havia uma lacuna entre os
episódios que se passaram no decorrer dos anos. Não conseguira lembrar dos
fatos que antecederam seu embarque no navio que buscava por Samantha
Lacassangner...Tinha a morte daquelas pessoas em sua consciência e isso a
torturava dia após dia. Levara a tripulação para o fim em uma caçada inútil?
Como fora capaz de agir de forma tão cruel com os marinheiros que lhe devotavam
tanto respeito?
--
Muito bem! -- Cris vibrava ao vê-la repetir pela quarta vez a caminhada no
pátio da fazenda.
A voz da amiga interrompeu-lhe os pensamentos que não costumava
repartir com ninguém, apenas os guardavam para si, revivendo-os a cada dia.
Mel
parou diante da cadeira, sob a grande árvore que sombreava a terra.
A
respiração estava ofegante, mas tinha um sorriso nos lábios.
--
Preciso de água.
Marina
aproximou-se trazendo um copo com suco, entregando a jovem.
A
bela tenente bebeu o líquido em grandes goles, em seguida tomou a mão da babá,
depositando um beijo.
Já
abria a boca para falar algo quando viu Matias, o capataz, se aproximar
esbravejando.
--
Nossas plantações foram queimadas, estive lá durante toda a tarde tentando
combater o incêndio. – Tirou o chapéu ao ver o olhar inquisidor da patroa. –
Perdemos o esforço de todo o trimestre... Sem falar nos empregados que ficaram
feridos.
Os
olhos dourados se estreitaram.
Fez um gesto para que lhe trouxessem as muletas, pois não
queria forçar mais os músculos. Rapidamente, Cris entregou-as.
--
Quem poderia ter feito algo assim? -- Indagou, levantando-se.
--
Há uma pirata, uma fora da lei como sua vizinha, o que imaginaria ter de bom?
-- O homem baixou o tom de voz imediatamente ao ver a expressão furiosa da
marinheira pela forma que falou. -- Perdão, tenente, mas a senhorita se negou a
permitir que as medidas fossem tomadas e agora estamos enfrentando esse
terrível problema. – Fez uma pausa. – Estamos enfrentando problemas sérios e
acredito que a colheita será um fracasso esse ano.
Mel sabia do que ele se referia. O ocorrido completara um
mês. Tivera que ouvir as broncas do duque e até mesmo o noivo a condenara por
ter evitado que o pior acontecesse.
Porém, não poderia permitir que os camponeses agissem de
forma tão vândala diante da fora da lei, mesmo que a odiasse.
--
Quais medidas? Eu não costumo agir como bandido, então não me venha falar em
seus métodos estúpidos e cruéis. – Repreendeu com rispidez. -- Saia daqui e vá
chamar o delegado.
O
homem assentiu, enquanto a Santorini tentava controlar sua raiva. Buscava
controlar a respiração que já se mostrava acelerada.
--
Não acredito que a Lacassangner faria algo assim? Por qual razão? -- A
fisioterapeuta questionou.
A neta de Sir Arthur focou o olhar nos trabalhadores que
retornavam. Estavam sujos de fuligem, exibiam decepções no olhar.
Fez um gesto para que um dos homens aproximasse.
-- Verifique se há feridos, chame o doutor Frederico para
prestar assistência.
O peão fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas antes
que seguisse, fora interrompido por uma pergunta.
-- Por que o Matias acusa a Víbora?
O empregado baixou os olhos. Parecia temeroso, depois
fitou a patroa.
-- Há dias estamos enfrentando alguns problemas com a
pirata...
Mel arqueou a sobrancelha esquerda.
-- De que falas?
Mais uma vez era possível observar o temor em sua voz.
-- Ela acusou o capataz de destruir propositalmente a
cerca que delimitava as terras da fazenda, também afirmou que tínhamos roubado
alguns animais...
-- E por que não me disseram isso? – Questionou tentando
controlar a fúria. – Eu acho que sou a dona desse lugar e que tudo o que
acontecer deve ser me avisado.
O peão manteve-se em silêncio e logo fora dispensado.
A babá trocou olhares com a fisioterapeuta. Era possível
perceber a preocupação de ambas.
-- Filha, não há provas que a pirata tenha feito algo,
deixe que o delegado faça as investigações e só depois tome as providências...
-- Eu mesma não acredito que ela tenha feito isso! – A fisioterapeuta
afirmou.
A Santorini colocou as mãos na cintura. Parecia ponderar
sobre os fatos que se desenrolavam diante de si. Não podia simplesmente ficar
quieta, era a dona daquele lugar, era responsável por aquelas pessoas,
precisava fazer algo para tentar encontrar a verdade daqueles fatos.
--
Não sei, mas não vou ficar divagando, vou até lá agora mesmo. -- Fitou Marina.
-- Traga as chaves do jipe.
A
empregada ainda pensou em protestar, mas diante do olhar inflexível, seguiu
rapidamente em busca do objeto.
--
Acho que você não deveria ir até lá.-- Cris falou calmamente. -- Está indo
acusar alguém sem provas.
--
Apenas irei questionar, não vou acusar, mas não vou deixar isso de qualquer
jeito, não posso simplesmente não tomar uma atitude. Quero saber o motivo de
ela sair por aí incriminando os meus empregados...
O
sol já estava baixo.
Samantha
tinha ajudado com os cuidados com os cavalos, alimentara-os e agora o deixava
no estábulo.
Essa
era a rotina que vinha seguindo, pois ainda não tinha conseguido pessoas para
trabalhar na fazenda. Alguns que foram contratados em uma cidade vizinha foram
amedrontados e acabaram partindo.
Não se importava em realizar aqueles trabalhos.
Distraia-se dos seus pensamentos, esquecia suas dores...
Não estivera mais na capital e esperava que demorasse a
retornar. O papel que desempenhava de mulher fatal era aborrecido para si,
ainda mais porque precisava entregar-se a farras que lhe deixava entediada.
Naquela noite teria uma reunião virtual com Miranda. Ela
daria as novas coordenadas que deveriam ser seguidas. A agente ficara furiosa
quando descobrira o ocorrido com os camponeses, exigindo que não saísse sozinha
da segurança da fazenda. A Víbora retrucara, não acreditara que aquelas pessoas
realmente fossem capazes de cumprirem as ameaças, mas quando tinha o duque e
Sir Arthur a encabeçar aquela revolta, todo cuidado era pouco.
E a tenente? Qual o papel ela desempenhava naquela
história toda?
Soltou um suspiro ao se recordar de como era uma mulher
corajosa, da forma que se impusera diante da multidão...
Passou a mão na face, estava suada.
A neta postiça do almirante lhe incomodava, havia algo
nela que lhe tirava o sossego...
Ouviu vozes no pátio. Terminou o que fazia, pois já
perdera muito tempo e logo anoiteceria.
Seguia
pela parte lateral da casa grande, havia uma piscina que fora limpada por Eliah
e agora parecia muito convidativa.
--
Veja, Lacassangner, você não colocou fé nos meus dotes de limpeza, agora te
mostro essa belezura. – O velho exibia-se.
Realmente
fora totalmente recuperada. Estava com os ladrilhos limpos, azuis e suas bordas
não tinham mais as ervas daninhas que tinha invadido o espaço. Era grande e
havia uma cascata que desaguava em seu retângulo.
--
Nossa… Esses dez anos na prisão te fizeram bem hein, pirata.
Ambos
riram do comentário.
--
Sabia que gostaria e por isso já trouxe uma roupa de banho.
A
voz de Belinda lhe chegou aos ouvidos.
Fitou-a.
A
bela mulher usava um minúsculo biquíni vermelho.
--
Não sabia que tinha retornado…
--
Retornei mais cedo, você estava tão ocupada em cuidar dos cavalos que não quis
incomodar. -- Entregou-lhe as roupas. -- Vista, fiz suco e alguns salgadinhos,
vamos aproveitar e usar essa piscina.
Samantha
fitou Eliah. O homem levantou as duas mãos.
--
Só tomo banho aos sábados, então não contem comigo, vou arrumar algumas
bagunças e depois deitar na minha rede.
A
Lacassangner assentiu, seguindo até o vestíbulo. Estava com muito calor e não
era uma má ideia aproveitar um bom banho naquele calor.
Mel
adentrou o espaço, mas foi parada na porteira que dava acesso à fazenda da
Lacassangner.
Observou
os dois homens parados, não ostentavam armas, mas sabia que traziam consigo em
alguma parte. Já se preparava para abrir a boca quando viu um homem idoso se
aproximar. Ele caminhava com dificuldade, puxava de uma perna, tinha os cabelos
longos e todo grisalho. A pele enrugada, mas parecia gentil, na juventude devia
ter sido bastante alto, agora já estava encurvado, mesmo assim tinha boa
estatura.
--
Quero ver a pirata! -- Exigiu.
Eliah
sabia quem era a jovem. Conhecia das tantas imagens que Miranda mostrara, era a
filha do duque e a neta querida de Sir Arthur.
--
Imagino que esteja a se referir a Samantha Lacassangner? -- Questionou com um
sorriso. – A sheika?
A
tenente ainda abria a boca para falar algo totalmente diferente, mas apenas
assentiu. Não queria problemas ainda, mas na sua ponta da língua havia outros
nomes para se dirigir àquela mulher.
--
E qual seria o assunto?
--
O senhor vai me deixar vê-la ou não?
O velho pirata a olhava com curiosidade. Sabia que fora
ela quem livrara a filha do Serpente de ser linchada pelos camponeses, também
sabia que ela odiava a Sam, pois acreditava que fora a jovem quem ordenara que
matassem sua mãe, mesmo assim era bastante diferente do almirante e do duque,
pois mostrava ter uma ética que eles nunca tiveram.
Viu o olhar impaciente.
--
Sim, por que não o faria? -- Fez um gesto para os homens. -- Deixem o carro
passar.
Os
guardas assentiram, enquanto Eliah seguia na frente e o veículo o acompanhava
estacionando em frente a casa.
Cris
fitou Mel.
--
Você vai mesmo falar com a Lacassangner? – Indagou perplexa. – Cuidado com as
palavras que usará, amiga... – Meneou a cabeça. – Isso não é uma boa ideia.
--
Não tenho medo dela! -- Abriu a porta, deixando o jipe.
Pegou
as muletas que usava quando precisava caminhar um pouco mais que estava
acostumada depois do acidente.
Observou
a construção. Estava sendo reformada pelo que via. Observou o grande estábulo
do outro lado, estava em melhor estado que o resto. Não havia trabalhadores
como na própria fazenda. A placa da entrada lhe chamara a atenção, pois realmente
a pirata ostentava o termo Víbora como se fosse algo que pudesse orgulhar-se.
--
Venha comigo. -- Eliah fez um gesto para que ela o acompanhasse.
Cris
seguiu junto com ambos e logo chegavam a lateral da construção. Havia uma
piscina grande. Uma mesa de plástico e três cadeiras.
Mel,
porém, não pareceu prestar atenção a esse detalhe, mas sim a bela mulher que emergia
da água como se fosse uma deusa do mar.
Viu
os olhos azuis tão intensos como os que viu pela primeira vez. Alta, com um
corpo sensual, as pernas longas se exibiam totalmente despidas.
Usava
um minúsculo biquíni que deixava os seios redondos à mostra. Recordava-se
deles... Limpara-os quando ela estivera delirando com uma febre que parecia
querer matá-la.
Observou a expressão forte.
Não parecia que tinha passado tanto tempo preso,
mostrava-se ainda mais bonita de quando a encontrara pela primeira vez.
A
tenente empertigou-se ao vê-la se aproximar.
--
Ora, nem sabia que haveria convidadas para o chá da tarde. -- Ironizou com um
sorriso. -- E então, comandante suprema, o que deseja em minha humilde casa?
A
Santorini respirou fundo e já se preparava para falar algo quando viu a mesma mulher
que já tinha acompanhado a outra na festa. Todos sabiam que eram amantes. Os
jornais proclamavam isso...
Viu-a
se aproximar, abraçando-a.
--
Desejo falar contigo, Víbora.
--
Acho que deveria ser mais respeitosa, tenente, ao falar com a sheika. – Belinda
provocou.
Mel
relanceou os olhos em desagrado.
--
Retificando… preciso falar com a senhora Víbora…
A
Lacassangner exibiu um sorriso largo. A jovem era arrogante e orgulhosa em
proporções extremas. Seu porte e altivez demonstravam isso.
--
Gostei “do senhora”, deu um ar mais formal! -- Piscou. -- Sente-se, conte-me o
que deseja. – Apontou-lhe a cadeira. – Vamos conversar como velhas amigas...
Os olhos dourados viram o sarcasmo na expressão tão
bonita. Observou o ombro e viu a cicatriz que jazia ali...
Era a marca daquela bala que retirara da carne... Sempre
se perguntara o que teria acontecido se não tivesse feito... Teria morrido?
Havia tantos questionamentos em sua cabeça. Conseguira os
relatórios da prisão da Lacassangner. Realmente ela estivera trancafiada durante
muitos anos... Mas e o ataque ao navio que resultara na morte cruel da sua mãe?
-- Então? – Samantha indagou impaciente cruzando os
braços. – Qual o tema da nossa conversa? – Fitou a fisioterapeuta. – Perdoe-me,
senhorita, nem apresentei-me. – Segurou a mão de Cris de forma galante. – Sou Samantha
Lacassangner, mas pode me chamar de Víbora ou senhora Víbora...
A amiga de Mel pareceu fascinada.
-- Sou Cristina.
A Santorini fitou os olhos azuis. Eles eram sempre
imperiosos, altivos, indiferentes...
-- Não temos tempo para que a senhora exiba sua falsa
educação. – A filha do duque disse.
-- Falsa educação? – A filha do Serpente indagou com um
arquear de sobrancelha em tom de zombaria. – Fui educada pelos melhores
professores...
A tenente impacientou-se.
--
Só quero saber se foi a "senhora" que mandou incendiar minha
plantação.
A
Lacassangner cruzou os braços novamente sobre os seios. Mel viu a aliança que
descansava no anelar esquerdo.
Realmente era uma descarada... Exibia-se com inúmeras
mulheres e agia como se estivesse em luto pela esposa.
Pesquisara sobre a sheika que fora cruelmente
assassinada, mas não havia muita coisa clara sobre o ocorrido, apenas que
Samantha fora considerada culpada sem nem mesmo ser aberta uma investigação
mais aprofundada...
--
Só se foi o Eliah ou a Belinda porque nem trabalhadores há por aqui para fazer
esse tipo de favor...
Os
olhos dourados se estreitaram ainda mais.
--
Acha que estou brincando?
Samantha umedeceu os lábios demoradamente.
Estava tentando manter a calma, mas não gostara nada de
ser acusada do incêndio, ainda mais por alguns dos seus animais tinham sido
mortos no lugar do ocorrido.
--
E você quem pensa ser para vir até aqui me fazer acusações? -- Indagou por
entre os dentes. -- Não sou você nem seus capangas que fazem armações e buscam
destruir tudo que tem a ver comigo nessa terra isolada, então saia daqui e me
deixe em paz. – Falou aborrecida.
Não gostara do tom usado pela outra, sem falar que estava
sendo sabotada o tempo todo pelos empregados da Santorini, fora os inúmeros
roubos de animais.
A
tenente lhe fitou os olhos e depois de alguns segundos, afastou-se.
Belinda
pareceu surpresa com a irritação da Lacassangner. Ela sempre se mantinha fria,
mas o fato de alguns animais terem sido feridos pareceu tê-la deixado furiosa.
--
A tenente acha que pode fazer o que quiser, mas se continuar com todo esse
nariz em pé vai ter problemas sérios. -- Samantha comentou. -- Veio até aqui
para me acusar.
--
Não acho que seja uma surpresa, levando-se em conta a forma que age. -- Colocou
as mãos sobre os ombros da bela morena. -- Vamos aproveitar o banho porque
temos que falar com a Miranda depois.
Marina estava nas escadas que dava acesso à casa grande.
Fazia tempo que Mel tinha saído e ainda não havia retornado.
Andava de um lado para o outro.
Não queria que a filha do duque confrontasse a
Lacassangner, não desejava que ambas travassem a batalha mortal por mentiras
que tinham sido criadas por Sir Artur e Fernando Del Santorro. Será que eles
não percebiam o risco que estava colocando a jovem?
E a filha de Iraçabeth?
Mentira para Mel há muitos anos dizendo que fora atacada
pela pirata, quando na verdade isso nunca tinha acontecido. Ainda se recordava
de como os capangas do almirante praticamente arrancaram a moribunda ainda
desacordada da cama. Fizeram com tanta violência que ela desmaiara
imediatamente. Tentara ajuda-la, mas fora empurrada por um dos homens.
Juntou as mãos diante da face fazendo uma prece
silenciosa e pedindo perdão por ter mentido.
Viu as luzes do jipe e logo o veículo estacionava no
pátio da fazenda. Esperou por alguns segundos até que as duas jovens deixassem
o veículo.
-- Estava muito preocupada! – Marina disse assim que
ambas se aproximaram. – Por que demoraram tanto?
-- Fui até o povoado, precisava falar com o delegado.
Seguiram para o interior da residência.
A tenente sentou-se em uma poltrona, enquanto Cris fazia
o mesmo.
-- O doutor Frederico veio, não havia nada grave com os
peões. – Fez um gesto para uma empregada trazer algo de beber. – E o que
delegado disse?
Mel não respondeu de imediato, começando a massagear a
panturrilha que estava dolorida pelo esforço que fizera.
-- Disse que abriria as investigações... Porém o senti
acuado...
-- Continuo não acreditando que ela tenha feito isso. –
Cris falou, enquanto abria um pequeno panfleto que fora entregue. – Estão inventando
coisas horríveis da Lacassangner... – Mostrou a brochura. – Aqui está sendo
inventado histórias sobre ela... Que atacava as mulheres... Sinceramente, com
aquela beleza toda, eu mesma não me importaria de sofre esse tipo de ataque.
A Santorini a fuzilou com o olhar.
-- Estou brincando. – Levantou as mãos. – Entretanto,
você acha mesmo que a Víbora precisaria coagir alguém a ficar com ela? – Veja essa
passagem que escreveram: “ A terrível pirata sempre barganhava por favores
sexuais. Gostava de tocar os seios das vítimas” – Gargalhou. – Essas pessoas
estão ficando malucas.
A filha do duque já tinha lido o folhetim que tinha sido
entregue por todo povoado. Realmente parecia ridículo de mais para ser
verdadeiro.
-- Isso não me importa, o que me interessa é que essa
mulher possa ser punida por tudo o que fez e vem fazendo. – Levantou-se. – Vou tomar
um banho. Não quero jantar, então boa noite.
-- Sam, você está se esforçando muito. – Eliah reclamou,
entregando-lhe um copo de água.
Já era quase dezesseis horas. Desde cedo, a Lacassangner
estava consertando a cerca. Não conseguira ninguém para executar o trabalho,
então ela mesma se propusera a fazer.
-- Não posso deixar desse jeito ou vamos perder todos os
animais para os Santorinis. – Jogou um pouco do líquido sobre a face. –
Precisamos contratar peões. – Soltou um longo suspiro. – Eu sei que há gente
querendo trabalhar aqui, porém tem medo do duque, devem estar sendo ameaçados. –
Entregou-lhe o copo. – Enquanto isso, vou tentar remendar essa parte, já seria
de muita ajuda.
O pirata não voltou a retrucar, pois sabia que seria uma
discussão vã, pois ninguém a dissuadiria de fazer o que se propunha.
Mel tinha acabado de terminar os exercícios. Estava
deitada, sentindo-se mais forte por ter conseguido terminar todos os círculos
daquela tarde. Conseguira caminhar por mais de uma hora sem sentir o incômodo e
a fraqueza costumeira.
-- Quero voltar a treinar com a espada...
Cris massageava-lhe as panturrilhas.
-- Bem, pelo que estou vendo, não vai demorar para fazer
isso... Juan quem vai ficar feliz, o casamento estará mais que próximo agora.
A tenente remexeu-se incomodada.
-- Só o farei quando estiver totalmente recuperada.
A fisioterapeuta a fitou.
-- Você disse que quando conseguisse andar, casaria e
isso você já consegue. – Encarou os olhos dourados. – Não deseja se casar, Mel?
A jovem cobriu os olhos com o braço. Passou-se alguns
segundos e só depois falou sem mirar a amiga.
-- Fiquei chateada com a última conversa que tive com
ele, falou sobre necessidades...-- Sentou-se. – Quais necessidades? Será que
sexo é o mais importante? Fala o tempo todo sobre como sente a minha falta, mas
parece que a única coisa que interessa é deitar sobre mim.
-- Mas é normal, veja, faz mais de um ano que você está
em processo de recuperação, fora o tempo que ficou em coma, não é estranho que
ele deseje te tocar novamente.
Mel respirou fundo.
-- Não sou um objeto, sou um ser humano.
Cris posicionou-se de frente para ela, observava-a com
atenção crescente.
-- Não quer casar-se com ele?
Os olhos dourados pareceram temerosos por alguns segundos
e quando já abria a boca para responder, ouviu batidas na porta.
Marina entrou.
-- Matias deseja lhe falar.
A Santorini tinha quase certeza de que se tratava de um
novo problema. Fez um gesto para que deixasse ele entrar.
Com a ajuda da fisioterapeuta, levantou-se.
Não demorou para o capataz aparecer.
-- Perdão, tenente, mas vim lhe contar sobre algo que
está acontecendo.
Mel não gostava do peão, porém o mantinha ali por vontade
do duque.
-- O que se passa?
-- A Víbora está na divisa das fazendas desde cedo, está
colocando estacas onde não deve. – Disse com raiva. – Fui até lá e me desafiou,
não fiz nada porque a senhorita me proibiu de agir, porém não deve deixar que
aquela mulher faça o que tem vontade, são suas terras...
Fazia pouco mais de quinze dias do incêndio e agora já
tinha um novo problema envolvendo aquela fora da lei.
A tenente prendeu os cabelos em um coque.
Sentia-se frustrada por não ter conseguido mais
informações sobre Samantha. Pedira que fossem enviados alguns arquivos, mas fora
negado o acesso, sem falar que ainda levara uma bronca do superior.
Suas investigações tinham fracassados e agora tinha que
lidar com a presença dela naquele lugar.
-- E então, tenente? Posso ir até lá com alguns homens?
A Santorini fitou a amiga.
-- Sele o meu cavalo, eu mesma irei ver o que essa pirata
está fazendo agora.
-- É perigoso que vá sozinha, deixe que a acompanhe.
A jovem parecia sem paciência.
-- Faça apenas o que eu disse e nada mais que isso.
O homem pareceu não gostar, mas apenas assentiu, deixando
o cômodo.
-- Essa mulher tornou-se um tormento na minha vida. – Foi
até um dos armários, retirou a cinta na qual a espada estava, pondo-a na
cintura.
-- Mel, acho desnecessário que leve isso.
-- Por quê? Estou lidando com a Víbora, vou lá sozinha,
então preciso ter alguma segurança. – Calçou as botas de canos longos. – Estou cansada
de ter que lidar com essa maldita pirata, estou cansada de não ter as
informações que preciso, de saber que uma assassina está solta e que nada está
sendo feito para que isso mude. – Levantou-se. – Meu avô está viajando, meu pai
não voltou ainda da lua de mel, e eu estou aqui de mãos atadas tendo que lidar
com essa mulher.
-- Então decidiu agir com arbitrariedade? Vai se
comportar como esse monte de gente ignorante?
-- Talvez seja essa a única linguagem que a filha do
Serpente entenda.
Cristina a viu deixar os aposentos e seguiu atrás, sabia
que a amiga estava fora do seu rígido controle.
Samantha continuava o trabalho. Eliah lhe ajudara a
fincar as estacas e agora ela só estava a prender o arame farpado. O amigo
tinha retornado para a sede da fazenda para cuidar dos animais. Belinda tinha
seguido até a cidade vizinha para comprar mantimentos, pois no povoado ninguém
vendia nada para a sua fazenda.
Bebeu um pouco de água do cantil.
Logo o sol se poria e queria adiantar o trabalho que com
certeza só seria terminado no dia seguinte.
Sentia o cheiro de suor. A camiseta branca estava colada
em sua pele. Os cabelos pareciam que tinham sido banhados.
Voltou a martelar para prender a cerca.
Não tinha problemas com trabalhos pesados. Costumava
cuidar do navio pessoalmente. Aprendera com o pai a fazer consertos.
Ouviu trotes e ao levantar a cabeça viu a amazona vindo
em sua direção.
Imaginara que os capangas a chamariam, afinal, já
estiveram lá mais cedo fazendo ameaças e como não surtira efeito mandaram a
filha do duque.
Soltou um suspiro de exasperação.
Viu-a aproximar-se e notou que ela trazia a espada na
cintura. Sabia que ela era campeã de esgrima, mas não imaginara que ela iria
demonstrar a técnica diante de si.
Teve vontade de rir, mas não o fez ao fitar a expressão
aborrecida da mulher.
Voltou a fazer o que estava fazendo, tentando ignorar a
jovem, mas logo ouvia a voz de comando que era própria da tenente.
-- O que faz, Víbora? – Mel questionou apeando o animal
bem próximo das estacas. – Não sabe que não pode mexer em nada dessa divisa sem
a presença de um fiscal da prefeitura?
Samantha não respondeu, nem a fitou, apenas continuou a
pregar os grampos.
Realmente ela estava certa quanto à presença do fiscal.
Samantha já pedir a presença de um, mas como tudo naquele povoado lhe era
negado, isso não foi diferente, então decidira agir sozinha, pois seus animais
estavam sendo feridos e roubados.
-- Não sabe seguir regras? Acha que está no mar agindo
como uma bandida maldita?
A filha do Serpente tentava ignorar as palavras. Pregou
outro prego.
Mel pegou o chicote que usava e como a outra não parara o
que fazia, usou-o para bater contra a estaca, assim interromperia o trabalho,
mas seu cálculo fora errado e acabou batendo contra a lateral da face da
pirata.
Ambas se encararam.
A filha de Fernando já abria a boca para explicar que não
fora sua intenção, mas a Lacassangner cerrou os dentes e logo jogava o martelo
longe, seguindo rapidamente até o cavalo, praticamente puxando a filha do duque
do bicho de forma grosseira.
A Santorini cambaleou, mas conseguiu se manter em pé,
ficando alguns centímetros afastada.
-- Como ousa? – Indagou com a mão no cabo da espada.
-- Como ouso? – Samantha aproximou-se mais. – Veio aqui
chicotear a minha face? Acha mesmo que é quem? – Indagou furiosa. – Ah, tinha
esquecido de quem é filha.
-- Não ouse falar da minha família! – Advertiu-a
ameaçadoramente.
A filha do Serpente chegou ainda mais perto.
-- E o que vai fazer? – Indagou com um arquear de
sobrancelha. – Vai usar o seu brinquedinho para me atacar? – Chegou ainda mais
perto e dessa vez, cobriu a mão dela que estava no punho da arma. – Você e seus
capangas estão começando a abusar da minha paciência. – Segurou-a a outra mão dela,
pressionando-a contra a estaca. – Estão roubando e ferindo os meus animais,
destruindo o que é consertado propositalmente.
Mel observava os olhos azuis tão próximos aos seus. Os
lábios carnudos que falavam perto da sua boca, fazendo-a sentir o hálito amentado.
Não esboçou nenhuma reação, apenas a fitava. Fitou as mãos sobre as suas.
-- Não vim aqui para guerrear contigo, tenente, mas vejo
que esse é o seu desejo. – Umedeceu os lábios demoradamente, parecia tentar ser
paciente. – Saia do meu caminho, mantenha-se distante... – Apertou-a mais. –
Ainda tenho gratidão por ti, por ter me salvado quando apareci sangrando em seu
quarto, acredite, não tenho mágoas por ter me entregado ao almirante...
-- Entregado você? – Interrompeu-a perplexa. – Você fugiu,
até machucou a babá que cuidou de ti e para completar ainda mandou seus
bandidos invadirem o navio e matar a minha mãe.
Os olhos azuis pareciam confusos.
-- Está louca! – Exclamou em surpresa. – Eu estava tão
fraca que não conseguia nem mesmo me mexer sozinha, como iria atacar alguém?
Como pode inventar tantas mentiras?
Mel viu o corte que chicote fizera na lateral da
bochecha. Havia um fio de sangue.
-- Afaste-se de mim, Víbora! – Ordenou.
A Lacassangner fez o que fora dito, mas antes lhe
desarmou, jogando a espada longe.
-- Olha, tenente, o melhor é que a senhorita vá embora,
acho que já foi muito por um dia. – Seguia para continuar com o conserto que
fora interrompido.
-- Ainda não viu nada, isso não é nem o começo do inferno
que será a sua vida...
Samantha a fitou novamente.
-- Você acha mesmo que pode transformar minha vida em um
inferno? – Esboçou um sorriso. – Quando você era adolescente senti que fosse
mais inteligente...
-- Vamos ver se quando eu a fizer pagar por tudo o que
fez vai continuar com esse sorriso...
-- Vai mandar me enforcar na praça do povoado? – Indagou com
um arquear de sobrancelha. – Ou no pátio da sua fazenda para que possa ver e
regozijar-se? – Debochou.
-- Quem sabem... – Pegou a espada e lhe apontou. – Posso usar
a sua cabeça de enfeite no meu escritório.
Samantha seguiu para mais perto, segurou a lâmina,
guiando-a até o peito.
-- Pronto, se você fizer um delicado movimento, poderá transpassar
minha carne e perfuraria meu coração e você acabaria com a história de uma
vez... – Encarou os olhos dourados. – Faça, tenente... Depois é só dizer que
foi em legítima defesa...
A militar via o desafio nos olhos azuis, via os belos
lábios desenhados com um sorriso de canto... A respiração...
-- E então? Estou esperando...
-- Você não sabe com quem está lidando... Acredite,
Víbora, eu sou uma inimiga terrível.
-- E você não pense que sabe quem sou eu... Se acha mesmo
que conhece a filha do Serpente, está muito enganada...
Continuaram a encarar-se por longos segundos, travavam uma
batalha silenciosa e perigosa até que a Santorini se afastou, seguindo até o
cavalo, montando-o.
-- O seu trabalho será inútil, pois enquanto o fiscal não
vir até aqui, eu mesma ordenarei para que os meus peões derrubem a sua cerca.
A Lacassangner fechou as mãos ao lado do corpo, enquanto
via a outra sair a todo galope.
Aaaah, estou tão feliz que esteja de volta. Fiquei preocupada, entrei no site inúmeras vezes para ver se havia voltado. Bem-vinda de volta 😃
ResponderExcluirAgradeço pela recepção e pela preocupação. Mas estou muito bem, apenas não estava com tempo para me dedicar a minha grande paixão que é a escrita.
ExcluirAbraços!
Essa história vai longe. Essa tenente está merecendo umas boas tapas.
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