A víbora do mar - Capítulo 6 -- O encontro

 

Os trabalhadores da fazenda DelSantorro. Voltavam dos afazeres. Levavam os animais para o estábulo, enquanto outros já começava a preparar-se para seguirem para sua casa.

Viram os carros estacionados no pátio da casa grande. Poucas vezes havia tanta visita de uma só vez.

Na sala, havia a presença dos três homens que se relacionavam diretamente com a tenente. Ninguém mais estava ali, Marina e Cris tinham ido até a cidade, foram enviadas pelo almirante.

Mel ouvia o pai e o avô e parecia cada vez mais perplexa.

Segurava o encosto da cadeira tão forte que seus dedos mostravam-se  embranquecidos.

Ouvia a narrativa e tinha a impressão de ter mergulhado em um espetáculo do circo dos horrores. Em sua cabeça as imagens misturavam-se, via o corpo da mãe sem vida, via a filha do maior pirata dos sete mares sobre sua cama...

Remexia-se no assento incomodada.

               Ambos lhe contavam sobre o acontecido e diziam como se ela soubesse de tudo aquilo, mas não havia nada em sua mente que pudesse corroborar com o que era dito.

              O noivo estava ao lado deles.

              Sir Arthur ouvia o duque relatar tudo.

              Infelizmente, houve sérios problemas e tiveram que adiar a ida até a fazenda, fazendo quase um mês depois. Todas as forças nacionais se uniram para o resgate da família de um dos homens mais importantes do mundo, mesmo assim não tinham obtido sucesso, precisaram deixar o país e só naquele momento retornaram.

                  -- Como essa mulher estava presa? Desde quando? – Questionou em perplexidade.

                Fernando a fitou com total reprovação.

                  -- Mel, você está agindo com uma criança. -- O pai a repreendia. -- Todos sabemos que o acidente causou danos terríveis a sua memória e com certeza não se recorda de tudo...

                Os olhos dourados ficaram ainda mais escuros.

                 -- Eu não poderia esquecer de algo assim, não entende que quando me arrisquei naquelas águas eu estava atrás dessa maldita pirata. – Bateu o punho fechado na cadeira. – Aquelas pessoas morreram, eu quase morri.

                -- Quantas vezes disse para esquecer Samantha Lacassangner? Você foi irresponsável e seguiu o obcecado do capitão em uma loucura! – Sentou-se. – Todo mundo sabia que ele tinha uma paixão doentia pela filha do maldito Serpente.

                Novamente a tenente já abria a boca para falar.

                 -- Não estava atrás dela, estava atrás dos cúmplices dela. -- Sir Arthur interviu com calma. – Esse era o objetivo daquele louco e você foi levada junto... Infelizmente, filha, era isso que ele queria, os relatórios mostraram isso.

                 Juan, noivo da jovem, agachou diante dela, tomando-lhe a mão, beijando-a.

               -- Acalme-se, meu amor, não deve se alterar, ainda não está totalmente bem, confie no seu pai e no seu avô, eles jamais mentiriam para ti.

               A tenente fitou a face bonita do rapaz que lhe olhava de forma complacente.

              -- Quer dizer que a pirata que matou a minha mãe está livre depois de dez anos presa e age como se nada tivesse ocorrido? -- Questionou de forma irônica. -- Eu mesma a farei pagar por tudo o que fez. 

                O almirante trocou olhar de preocupação com o duque.

             -- Prefiro que mantenha distância dela. -- O pai pediu. – Ela é uma assassina, mas para o mundo foi perdoada. – Levantou-se, passava a mão nos cabelos. – Não há provas para a justiça, apenas há o que sabemos... – Foi até a cadeira de rodas, abaixou-se. – Filha, nós vamos fazer essa mulher pagar, vamos fazer isso, mas não de qualquer jeito, temos um nome, somos respeitados em todo país... Ela é uma assassina, estava presa por ter matado a esposa... Ela fez isso para ficar com todo o dinheiro...

                Os olhos dourados abriram-se ainda mais em horror.

                -- Deve fazer o que estamos dizendo, seguir nossas recomendações... Não se arrisque mais uma vez.

                Mel odiava quando tentavam dizer o que ela deveria fazer, como se ela não fosse suficientemente adulta para tomar as próprias decisões.

             -- Não sei se o senhor lembra, papai, eu não sou uma criança, sou a tenente da marinha nacional, então não me diga como agir, pois não irei aceitar.

             Manobrando a cadeira de rodas, a jovem deixou a sala.

             Juan seguiu atrás da noiva.

                Tinha deixado inúmeras reuniões para tentar ajudar a amenizar a situação. Também fora para que o casamento fosse remarcado de uma vez, tinha planos, tinha projetos e não poderia ficar naquele lugar isolado.

                Entrou nos aposentos, vendo a futura esposa parada diante da varanda. Via o olhar fitando um ponto distante do universo.

              -- Não deveria ter falado assim com seu pai e com Sir Arthur, você não é grosseira, amor, por que agiu daquele jeito?

               A tenente respirou fundo.

               Realmente não costumava agir assim, mas tudo isso a deixou bastante chateada. Ainda não conseguira processar todas as informações. Sentia uma raiva incontrolável fervendo dentro de si, parecia um vulcão que logo entraria em erupção.

                A pirata que passara a vida procurando estava presa em um país distante? Como isso nunca fora discutido?

                Sua memória ainda estava vaga, mas não teria esquecido um fato tão importante.

               -- Pedirei desculpas depois. – Disse por fim.

               O rapaz sentou e puxou a cadeira para perto dele.

              -- Quero que remarquemos nosso casamento o mais rápido possível, não aguento mais viver longe de você.

              Mel sentiu os lábios de Juan encostar nos seus. A carícia parecia apaixonada da parte do pretendente, mas a moça apenas se permitia beijar, pois seus pensamentos estavam bem distante de tudo aquilo.

              -- Estou ansioso para te ter ao meu lado, para te amar todos os dias da minha vida. -- Disse com a testa encostada a dela. – Eu te amo... Não sabe como tive medo de te perder...

             Os olhos dourados observavam os verdes.

                Por que não sentia a emoção forte que sempre era marca dos apaixonados? Nem mesmo as vezes que se entregara a intimidade fora tão explosivo como imaginara que seria.

                Sentiu-o tocar-lhe a coxa sobre o moletom, mas se sentiu incomodada, afastando o toque.

               -- Não quero me casar enquanto não me recuperar... Não desejo entrar na igreja em uma cadeira de rodas.

               Juan levantou-se e era possível ver a sua expressão de irritação.

              -- Quanto tempo devo esperar mais? Se não tivesse se arriscado naquela maldita viagem, agora estaríamos casados, mas você é teimosa. – Tentava controlar a respiração. – Acha que quanto mais ainda vou esperar para que possamos ficar juntos? Tenho minhas necessidades, Mel, apenas duas vezes se entregou a mim... Acha que posso viver assim?

              -- Se não quiser esperar, basta que termine.

              O homem pareceu indignada com o que fora dito, deixando os aposentos.

              A tenente soltou um longo suspiro, permanecendo quieta. Não queria falar em casamento naquele momento, ainda mais diante de tudo que lhe fora dito. Ainda não acreditava que a pirata retornaria ao país como se nenhum crime tivesse cometido.

              Sentiu um arrepio na nuca ao se recordar dos olhos tão azuis. Não havia nenhum ser humano naquele universo que odiasse tanto, que desejasse fazer pagar por tudo o que fez.

              

 

               -- Você tem um ótimo condicionamento físico. -- Miranda disse sem fôlego, enquanto se encostava a uma árvore tentando recobrar a respiração. – Acho que já se recuperou dos anos naquele buraco.

               Samantha parou diante dela, observando-a.

               Há quase três meses tinha deixado a prisão, conseguira resgatar a família do príncipe e nos últimos dias estava passando por um treinamento. Seguia intensamente sendo preparada para o retorno.

             -- Adorava correr na praia quando atracava o navio... – Pegou a garra da água, dando grandes goles. – Preciso estar pronta para ser jogada na fogueira não é mesmo?

            -- Sim, tem mesmo, está quase pronta para retornar… -- Fitou-a de cima a baixo. -- Gostou da fazenda que var ser sua? O Eliah irá para lá, começara a organizar tudo para sua chegada.

            A bela pirata deu de ombros.

            -- Para mim é indiferente. -- Colocou as mãos na cintura olhando o parque verde ao redor. – Poderia ser uma pequena casa que nada mudaria...

                -- Bem, não é uma mansão também, está praticamente abandonada... Vai ter que investir para que possa viver ali...

            Havia inúmeras árvores, e a pista de corrida, não havia casas naquela parte.

             -- Vai à festa que o príncipe vai organizar no seu país, você é uma convidada de honra... Já até pensei no vestido que vai usar...

              Os olhos azuis demonstravam descaso.

              -- Você tem um closet cheio de vestidos, quero que use e aproveite a beleza que lhe foi dada... Entendo que não deseje isso, mas aceitou o que foi proposto, então...

              -- Farei o que você mandar, desejo que tudo seja resolvido o mais rápido possível.

             Miranda fez um gesto afirmativo com a cabeça.

              -- Você viu os artigos que te mandei? Reconheceu a Olívia? Quero que se aproxime dela, quero que você mesma perceba com quem está lidando.

              A sheika apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                -- Achei-a uma mulher normal como qualquer outra...

             A agente ficou em silêncio durante alguns segundos até falar:

             -- Eu a treinei… Ela tinha acabado de entrar na marinha quando o almirante me pediu para treiná-la… Ela é incrível, inteligente, com uma força interior enorme… uma perita com espadas… mas tem um ponto muito fraco, o ódio e o desejo de fazer você pagar por tudo o que fez.

                A Lacassangner colocou uma mecha de cabelos por trás da orelha.

               -- Não ataquei esse navio, tampouco dei ordens para fazê-lo.

              -- Infelizmente não há prova disso para te livrar da acusação, da mesma forma que não há provas para te condenar… mas isso vai ser resolvido também.

              -- Não me importo em provar nada para ela... Tampouco terei paciência com a filha mimada do duque.

              Miranda fez um gesto negativo com a cabeça.

              -- Acho que ela é uma pedra enorme no seu caminho… acha que você foi responsável pelo navio destruído, pelo atentado que tirou a vida da mãe dela.

              -- Não tenho medo da tenente e tampouco me importo com o que pensa... – Retrucou calmamente.

             -- Mesmo assim, tome cuidado, tenho certeza de que se existisse enforcamento de piratas no nosso século, seu pescoço seria candidato ganho.

              -- Não se preocupe, tomarei cuidado, mesmo assim não me assusto com menininhas que usam fardas.

               -- Ela vai estar na recepção, receberá uma medalha por sua bravura, então será a primeira vez que se encontrará com ela, o duque estará lá junto com Sir Arthur, vai ser um verdadeiro escândalo.

               -- Eu estou pronta para tudo, nada vai me abalar, acredite, não me importo com essas pessoas, tampouco me importo com o que pensam de mim, eu só desejo fazer o que você deseja e poder viver longe disso tudo.

                A agente fez um gesto afirmativo com a cabeça.

                Às vezes tinha a impressão que estava lidando com uma pedra de gelo. Não havia sentimentos, emoções nunca eram demonstradas.

                Soltou um suspiro de impaciência ao fitar a filha do Serpente.

                -- Vamos voltar a correr?

                Samantha assentiu e já saia na frente.

                

 

               A sala de exercícios que fora montada na fazenda contava com equipamentos de última geração. 

              Mel estava na rampa e dava passos segurando nas barras. Sua amiga e fisioterapeuta vibrava com o avanço. Não era um trabalho fácil. Há muitos meses seguiam nessa dura rotina e entendia como era difícil para a jovem tenente, mesmo assim admirava sua força e entusiasmo que sempre estavam presentes nas sessões.

               -- Você está maravilhosa…

               A tenente levantou a cabeça e havia lágrimas em seus olhos e um sorriso lindo em sua face.

               Refez a caminhada por mais três vezes até parar e deitar no colchonete.

              --  Em breve não vou precisar da cadeira. -- Dizia olhando para o teto. -- Quero muito isso, quero voltar para o meu trabalho... Quero terminar o internato...

              Cris se deitou ao lado dela.

              -- Sabe que vai demorar um pouco, ainda estamos distante do ponto.

             A tenente virou a cabeça para fitá-la.

             -- Eu sei, mas acredito que tudo vai se resolver logo e vou voltar para minha vida. Sinto falta dos campeonatos de esgrima, do mar…dos pacientes...

          -- E deseja voltar para conseguir fazer a pirata pagar por tudo não é?

                Cristina ouvira toda a história contada pela a amiga. Temia pela segurança dela, pois sabia que ela não se importaria em se arriscar mais uma vez em busca do objetivo.

             Mel soltou um longo suspiro.

             Há mais de um mês ficara sabendo do retorno da Samantha, mas até agora nada de ela aparecer. Todo dia acordava ansiosa imaginando se a famosa fora da lei já tinha chegado e receberia um telefone do pai e do avô contando.

              Sim, desejava retornar para poder unir as provas e fazer aquela mulher pagar por tudo o que fez.

             -- Você sabe qual o meu maior desejo, não nego, não sossegarei até provar a culpa da bandida desgraçada.

              Ficaram em silêncio durante alguns segundos, até a fisioterapeuta voltar a falar.

             -- Já sabe qual roupa vai usar na festa do príncipe?

            -- Não queria ir, sinceramente, não me interesso mesmo por essa recepção, mas como ele é uma celebridade internacional e a Marinha tem negócios com seu país, irei, só por esse motivo.

              -- Vai ser lindo, toda a corporação vai estar lá.     

              Mel deu de ombros.

              Ainda estava abalada com os últimos acontecimentos e a última coisa que desejava era sair da tranquilidade da fazenda, porém sabia que não teria como se negar a ir, não mesmo, ainda mais pela patente que ocupava.

              -- E a obra da casa na árvore? – Cris indagou.

              -- Está tudo pronto para começar, vai ser ótimo para relaxar, colocar uma rede, ler um livro, ver as estrelas…




               O salão principal do clube das forças militares estava recebendo ilustres convidados. Havia segurança cercando todo o lugar, ainda mais depois do crime que fora cometido com a alteza.

               Os manobristas cuidavam dos carros de último modelo, enquanto os convidados seguiam pelo gramado bem aparado e se acomodava em uma das mesas que fora arrumada para recebê-los.

                Aquele era um evento anual cujos oficiais eram premiados por suas bravuras e heroísmo e naquele ano o príncipe dos países altos estaria presente, honrando ainda mais o evento. Ele vinha em agradecimento pelo apoio que recebera para o resgate da esposa e do filho.

                 Uma banda fora contratada para animar a festa.

                  Ainda era dia, mas não demoraria para o sol ser encoberto definitivamente pela escuridão da noite. As luzes já estavam sendo acesas.

               Olívia estava sentada ao lado do noivo, do pai com sua noiva e do padrinho. Ocupavam a mesa principal.

               O almirante se aproximou sorridente, sentando ao lado da tenente e lhe tomando a mão em um delicado beijo.

               Ernesto Mattias era um senhor de quase sessenta anos. Alto, cabelos todo grisalho e de sorriso fácil, mesmo diante do posto que ocupava. Era bastante respeitado não só no país, mas também fora dele. Conhecia-o desde que era apenas uma criança, estava acostumado a vê-lo com o pai ou avô.

               -- Não tenho honra maior em vê-la aqui essa noite.

               A jovem o abraçou pelo pescoço.

               -- Sinto saudades de ganhar do senhor no xadrez.

               Ele riu alto, enquanto ocupava a cadeira ao seu lado.

                -- Estou esperando ansioso por sua volta, mas deve estar bem antes de retornar, quero que fique totalmente recuperada para voltar ao seu trabalho... Terá muito trabalho, mocinha.

              -- Pois não vai demorar, estou conseguindo dar alguns passos e já me manter de pé, acho que não vai demorar para que me veja pelo mar. – Contava com entusiasmo.

                Ernesto lhe segurou a mão, acariaciando-a, parecia pensativo e depois de alguns segundos falou.

               -- Sei que os acontecimentos novos devem ter te deixado irritada… mas eu preciso que aja como sempre fez, com disciplina e se mantenha afastada de problemas.

               Uma sombra passou pelos olhos dourados. A expressão descontraída se tornou séria.

             -- Está falando da pirata…

             -- Olívia, não deve esquecer que mesmo em licença deve obediência à instituição que serve. -- Repreendeu-a.

             -- Essa mulher não pagou pelos crimes que cometeu… -- Disse exasperada.

             -- Ela passou dez anos presa!

             -- Por matar a esposa? Por ter sido responsável pelo assassinato da minha mãe, por ser a principal suspeita de ter explodido a fragata ou por ser uma fora da lei... -- Falou por entre os dentes.

                -- Ela não matou a esposa... foi acusada injustamente por um crime que nunca cometera... Nunca houve provas contra ela...

                -- Provas?

                -- Sim, sempre a acusaram, mas nunca foi mostrado uma evidência...

              Já abria a boca para continuar a discussão quando ouviu a música cessar e todos os convidados se levantarem. Sentia-se inquieta, de repente, todos decidiram advogar pela mulher que por anos fora considerada uma inimiga da nação.

                Pegou o copo que estava sobre a mesa e tomou um pouco do líquido.

                Soltou um suspiro de aborrecimento. Queria voltar para a fazenda, ir embora, estava cansada, irritada com todo o teatro que se desenrolava.

Ao virar a cabeça viu que era o ilustre príncipe que chegava, caminhando pelo carpete vermelho, mas não fora o homem de meia idade que lhe chamou a atenção, mas a mulher com um vestido longo e azul que o acompanhava.

Engoliu em seco.

               Mesmo com muitos fatos que ficaram escondido em sua memória, aqueles olhos da cor do mar sempre estiveram em suas lembranças. Ainda tinha vivo em suas mãos o sangue do ferimento… Se não tivesse a ajudado poderia ter a mãe ao seu lado...

                “Não me traia...”

                “ Com os cumprimentos da víbora do mar...”

                Tentava controlar a respiração, pois começava a ter a impressão que tinha corrido uma maratona.

                Passara a vida procurando-a...

                Ainda sentia as águas a lhe sufocar quando fora jogada para fora da fragata com a grande explosão, ainda sentia o ar não lhe chegar aos pulmões.

                Desviou o olhar...

                Observava as expressões dos presentes diante da convidada...

                Sentia o coração pulsar acelerado.

            Voltou a fitar o ser que destruíra sua vida...

            Não havia mudado nada. Ainda esboçava a arrogância em seu arquear de cabeça…Eram quase da mesma altura. Magra, mas com os ombros bem definidos e as pernas que vez ou outra era tocada pelo tecido logo do traje caro. Os cabelos estavam soltos, usava um delicado par de óculos dourado, redondos, deixando-a mais intrigante.

 O olhar da outra focara no seu por alguns segundos, depois se desviaram.

             -- Essa vagabunda foi convidada para festa!

             A indignação do duque foi ignorada por Ernesto que caminhou até os convidados que chegaram.

             -- Não acredito que o príncipe Ralf trouxe essa maldita fora da lei com ele. --  Sir Arthur levantou-se. -- Vamos embora daqui.

                Passara a vida toda tentando manter aquela mulher fora da sociedade, pintando-a como a inimiga número um de todos, mas tinha a impressão que começava a perder o controle da situação.

                Por alguns segundos teve a impressão de estar vendo a própria filha.

            Outro comandante interferiu.

            -- Seria uma falta de respeito se fizéssemos isso, o melhor é ficarmos aqui.

            A tenente nada disse, apenas permaneceu calada durante toda a discussão.

            Samantha Lacassangner estava de volta ao país depois de mais de dez anos.



            A pirata ficará surpresa quando o príncipe foi ao hotel busca-la. Imaginou que seguiria sozinha, mas fora avisada pela recepção que havia um homem à sua espera.

                Quando a limusine estacionou diante do clube, recordara-se do pai, ele falava daquele lugar, dizia que poucos eram convidados para as recepções, fora ali que ele conhecera Iraçabeth, na época um simples marinheiro que ficara encantado pela filha de um dos homens mais poderosos do país.

                Aceitou o braço que lhe era estendido e seguiram lentamente.

                Ainda não acreditava que tinha aceitado retornar. Em sua mente, ainda estava fechada na cela de castigo, ainda estava ouvindo o barulho do mar batendo na parede de pedras do presídio.

             Conseguia sentir o olhar de todos sobre si. O desprezo, a raiva acompanhava cada passo que dava, mas uma em especial lhe chamara a atenção. Não era diferente dos outros, exibia o mesmo desdém...

                Ouviu o príncipe sussurrar algo em seu ouvido e acabara perdendo a figura que lhe chamara a atenção.

              Algumas pessoas se aproximavam para cumprimentar a realeza e mesmo que não quisessem tiveram que fazer o mesmo com ela já que o homem fazia questão de incluí-la em toda conversa.

              Voltou a buscar os presentes e logo viu Sir Arthur cheio de ódio a lhe mirar, mas não era ele que lhe importava. Voltou a observar a jovem de pele delicada, cabelos mesclados entre o negro e loiro, luzes que iluminavam de forma a aperfeiçoar ainda mais sua face. Estava em uma cadeira de rodas...

                 Aproximaram-se mais e foi nesse momento que viu os excêntricos olhos dourados.

                Sentiu um arrepio na nuca.

                -- Conhece a tenente Del Santorro? -- Ralf pareceu interessado na distração da jovem ao acompanhar o olhar.

               -- Tenente Del Santorro… -- Falou baixinho.

               Nas fotos que lhe foram mostradas não conseguiu fazer nenhuma ligação, mas ao vê-la agora, percebia de quem se tratava. Era a mesma garota que lhe ajudara a tirar o projétil que lhe penetrou a carne.

                Era ela a filha do duque?

               Arrumou os cabelos.

                Aquela era a adolescente...

                Recordava-se de quando invadira os aposentos, da forma como a menina demonstrara coragem ao enfrenta-la, de como agira com valentia ao procurar a bala em sua carne...

                Ela o entregara ao avô?

                Um garçom aproximou-se, entregando-lhe uma taça, mas ela recusou educadamente.

                Olhava tudo ao redor, havia tanta gente...

               Quanto tempo teria que ficar naquele lugar?

               Caminharam a receber mais cumprimentos e em seguida se acomodaram em uma das mesas principais.

                Miranda tinha avisado para ela agir naturalmente, mas fazia muito tempo que a pirata ficara isolada, então se sentia sufocada naquele ambiente.

                 Para sua surpresa, tanto o pomposo avô como o duque se aproximaram para cumprimentar o príncipe, mas apenas recebera um olhar de desprezo e ódio, ela apenas retribuiu com um sorriso cheio de sarcasmo.

                 Aquelas pessoas achavam que realmente podia atingi-la?

                Sir Arthur a vendeu como escrava para o oriente, jogara-a em um navio quando estava lutando para sobreviver...

                Chegava a ser patético a raiva que estava presente em seu olhar. Sabia que voltaria a tentar destruí-la...

             Recebeu a taça das mãos do príncipe. Ele tinha bebido um pouco e dado para ela, o homem sabia que deveria tomar cuidado, afinal, todos ali odiavam a bela mulher.

              Com certeza a chefe do departamento lhe falara sobre a pirata não beber nada em nenhum evento, pois todos eram potenciais inimigos.

                Aceitou e bebeu um pouco.

                Há muitos anos não bebia nada que tivesse álcool...

               Samantha ouvia os elogios que Ralf fazia a seu respeito, sobre sua coragem em ter arriscado a vida para salvar sua esposa e seu filho que não estavam presentes por motivo de saúde, mas que se sentia muito bem acompanhado ao lado da Lacassangner.

                Os jornalistas pareciam interessados em captar todos os ângulos da bela fora da lei que durante anos viveu no mar.

                 -- A Samantha foi absolvida pelo crime, então acho que não haverá problemas para que todos esqueçam a pirata, agora é uma sheika, o título que recebeu devido ao casamento que contraiu...

                 Alguns burburinhos foram ouvidos e de repente alguns sorrisos mais simpáticos foram dados em sua direção.

                 Ela não se iludia com aquilo, sabia que era o poder que fascinava aquelas pessoas vazias. Também não desejava ser uma sheika...

                 Tomou mais um pouco do líquido e ao virar a cabeça encontrou a tenente a lhe olhar com ar de indignação.

                 Era uma menina ainda, mesmo que os tentasse as insígnias de heroína da pátria.

                 -- Gostou da sua inimiga?

                 A voz baixa falou ao seu ouvido.

                 A pirata nem teve tempo de levantar a cabeça e já tinha sentada ao seu lado a agente que ficaria consigo durante todo o tempo. Na verdade, Belinda, era uma acompanhante de luxo bem treinada e que ocuparia o cargo de amante oficial durante todo o plano.

Alta, olhos verdes, cabelos loiros, exibia uma beleza perigosa, mas era bem mais letal em seu trabalho.

                 -- Nem me viu entrar. -- Tomou-lhe a mão nas suas. -- Você está maravilhosa, pirata.

                 Samantha arqueou a sobrancelha em deboche, mas permaneceu quieta.

                No início rejeitara a ideia de ter aquela mulher ao seu lado, mas nos últimos três meses se acostumou com a presença feminina.

               Belinda fez um gesto de respeito para o príncipe que lhe retribuiu com um sorriso misterioso.

                -- Você está com uma cara de tédio, minha ama… -- A loira provocou. -- Acho que precisa de um harém, afinal, é uma sheika. -- Levantou-se. -- Dança comigo. -- Piscou ousada.

               A Lacassangner gostaria de dizer não, de ir embora daquele lugar o mais rápido possível, mas aceitara viver tudo aquilo, então agora deveria incorporar a personagem.

               Tomou todo o conteúdo da taça e foi em direção à pista de mãos dadas com a bela agente.

       

 

             Mel recebia os cumprimentos dos representantes do alto escalão da marinha. O príncipe Ralf foi até ela, agachando, beijou-lhe a mão respeitosamente.

              -- Senti sua falta no último campeonato de esgrima, tenente... Não há nenhuma que se iguale a sua perícia.

              Ela esboçou um sorriso tímido.

               -- Espero retornar o mais breve possível.

               O homem se acomodou em sua mesa e logo o duque começou.

               -- Sinceramente, vossa alteza, acho que não deveria ter vindo até aqui tão mal acompanhado.  

                O árabe arqueou a sobrancelha.

              -- Acho que o senhor ouviu quando eu falei que a Lacassangner já pagou sua conta com a sociedade, devo a ela a minha vida e meu pedido para que ela recebesse o perdão em sua terra foi aceito, então aconselho a todos vocês que esqueçam o passado e vivam o  presente.

               Sir Arthur e o pai da tenente ficaram calados, mas não aconteceu o mesmo com Olívia. Levantando a cabeça de forma orgulhosa falou:

                -- Essa mulher não pagou tudo o que fez, vossa alteza, tenho todo o respeito por sua pessoa e entendo o perdão que fora dado a pirata, mas nada me impedirá de buscar as provas para poder mostrar que a filha do Serpente ainda deve muito no meu país e eu a farei pagar… -- Esboçou um sorriso. -- Óbvio que de acordo com a lei, infelizmente não se pode mais enforcar piratas nas praças públicas, o que é uma pena. – Manobrou a cadeira de rodas. -- Com sua licença, mas preciso ir à toalete.

             O clima na mesa pareceu pesado, mas logo Juan iniciava uma conversa para poder descontrair.

               

 

                Mel não conseguiu ir longe, na verdade seguiu para o interior do salão, sorte que estava vazio, então parou a cadeira, tentando levantar, mas sentia-se cansada, suas pernas não pareciam ter forças.

                Sentia-se sufocada com a presença daquela mulher.

                Tinha a impressão que estava vivendo um pesadelo. Jamais imaginara que o cenário mudaria a ponto de uma assassina ser a convidada de honra de um círculo tão restrito de pessoas que seguiam e cumpriam a lei.

          Inclinou a cabeça, fechando os olhos, começou a massagear as têmporas.

          Só queria sair daquela mesa, não aguentava ouvir o príncipe defender e exigir que todos aceitassem a Samantha, sabia que tinha sido arrogante e petulante, mas não costumava engolir sapos em sua vida, sempre estava disposta a retrucar.

             Não aceitava nada que fora dito e não sossegaria até que pudesse fazer sua justiça.

              -- A senhorita está bem?

              A filha do duque abriu os olhos e diante de si estava a víbora que povoara sua mente durante toda a vida. Primeiro na infância, ouvindo a história que contava de uma garota filha de um perigoso pirata, depois quando ela mesma assumira o posto que era do seu pai.

               Os olhos continuavam tão azuis quanto antes, mas havia uma sombra neles.

               Nada mudara naqueles anos. Continuava a ostentar a beleza de sempre. 

                Recordou-se de quando a viu nos chalés, mesmo na escuridão sentira a força que ela demonstrava, sentira a presença perturbadora. Observava-a, parecia buscar algo em seu olhar, parecia querer penetrar em sua mente... Como tinha coragem de ir até ali depois de tudo o que fizera?

              -- Como ousa se aproximar de mim? – Desajeitadamente afastou a cadeira. -- Não dirija suas palavras a mim.

             Samantha mordeu a lateral do lábio inferior.

             Não era mais uma adolescente, era uma mulher que esbanjava força e arrogância.

             Viu quando ela tinha deixado a mesa e sentira uma vontade incontrolável de ir até ela, desejava ter certeza de se tratar da mesma garota da noite que fora atingida.  Também seguira o que a Miranda dissera, que quando tivesse oportunidade, aproxima-se para sentir o grau do desafio que enfrentaria ao lidar com ela.

               -- Afaste-se de mim! -- Mel pronunciou por entre os lábios.

                A víbora cruzou os braços sobre os seios.

                Então era realmente verdade, tinha uma inimiga impetuosa... Será que ela se recordava de tê-la ajudado?

               -- Calma, senhorita Santorini…

               -- Sou a tenente da marinha real, então dirija-se a mim com respeito. – Disse levantando a cabeça. – Não costumo falar com foras da lei...

               A Lacassangner relanceou os olhos em irritação. Pela primeira vez em muitos dias, irritara-se com a petulância da mimada Del Santorro

              -- Ah, sim, perdão, comandante suprema do mar e do universo, apenas imaginei que estava passando mal, esse foi o motivo de eu ter me aproximado.

                Os olhos estreitaram-se ameaçadores.

              -- Nem se eu estivesse morrendo aceitaria a sua ajuda... Não gosto de piratas... Ah, sim, só quando estão presas... ou penduradas em estacas...

                -- Estamos no século XXI, não se pode mais enforcar pessoas...

               Samantha fitou os olhos dourados e eles estavam tão escuros que pareciam negros.

               Não lembrava tudo o que aconteceu naquela noite que fugira e fora parar no quarto da adolescente, mas ainda sentia o toque temeroso, mas seguro lhe retirando a bala.

                Não era mais uma garotinha, era uma mulher muito bonita. Fitou o vestido preto que delineava as formas femininas bem feitas…

                Soltou um longo suspiro de impaciência.

                -- Tampouco podem ser queimadas na fogueira...

                -- O que acho uma pena... Não acredito em forma melhor para se livrar de gente como víboras...

                -- Lembrarei isso no futuro, tenente. -- Piscou, afastando-se.

             A filha do duque cerrou os dentes tão forte que só percebeu o ato quando o maxilar doeu.

               Não acreditava que ela tivera o descaramento de ir até ali.

                Eu seu interior fazia uma prece a Deus para lhe tirar o pensamento de prazer ao imaginá-la enforcando na praça pública como se fazia antigamente.

                  Segurou a medalha em forma de coração que trazia na corrente de ouro que carregava no pescoço. Havia a foto da mãe em seu interior.

                    Nunca pensara em sua vida que traria em seu peito tanto ódio por alguém e odiava a si mesma por tê-la ajudado naquela noite, deveria ter gritado, ou deixando-a se esvaziar em sangue.

 

 

                 -- Agora você tem certeza de que a tenente será uma pedra no seu caminho? -- Belinda questionou ao ver Samantha deixar o salão.

                A pirata olhou para o estrelado céu.

                -- Quanto tempo mais vou ficar aqui nessa festa?

                A agente se apoiou em seus ombros, olhando-a.

                -- Daqui a pouco vamos embora, mas não para o hotel, vamos a uma boate… e não adianta fazer essa cara de má, não tenho medo dessa sua carranca. Tem que seguir as regras do jogo.

                 -- Sabe que aceitei isso pelo Eliah, preferiria ficar naquele presídio.

                 -- Tudo isso porque levou um belo fora da comandante suprema do universo? A Olívia te odeia, então entenda que ela não vai aliviar para ti, tome cuidado.

                 -- Acha que tenho medo dessa garotinha? – Indagou exasperada.

                 -- Não a subestime, ela irá te perseguir... Até te deixou irritada... Acho que tem gelo derretendo...

                Os olhos azuis pareciam soltar chispas mortais.

                 -- Que faça, não tenho paciência para menininhas que se acham só porque tem uma patente.

                -- Olhe como ela te olha com ódio. -- Depositou um beijo em sua face, enquanto lhe sussurrava no ouvido. -- Olhe…

                Samantha viu a filha do duque a lhe observar da porta, mas não demorou e logo passou por entre eles com muita raiva.

 

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