A víbora do mar - Capítulo 5 - A liberdade


Passava das oito da manhã.

As presas estavam no pátio tomando banho de sol. Algumas jogavam futebol, outras usavam jogos de tabuleiros para aproveitar a manhã. Durante o resto do dia, elas ocupavam-se com trabalhos manuais.

                A Lacassangner mantinha sempre distância, pois na maioria dos momentos era provocada e da última vez fora parar na cela de castigo. Na verdade, sempre, era colocada lá por ações que não eram suas.

                Observou tudo ao redor, viu as guardas a lhe encarar.

                Tirando o diretor que sempre demonstrava justiça em suas ações, todos os demais pareciam detestá-la, porém já estava acostumada, buscando manter-se o mais distante possível.

                Sentou-se um pouco afastada, sobre uma pequena elevação de pedras e abriu o livro que trazia consigo, retomando a leitura. Dobrou as pernas para ficar mais confortável. Gostava de ler e esse fora o único pedido que fizera ao advogado, que tivesse permissão para trazer alguns volumes.

                Todos foram presentes da esposa.

                Laura escrevia, criava histórias, dividia seu tempo entre a paixão pelos cavalos e pelas narrativas românticas.

                Soltou um longo suspiro dolorido.

                Nunca esqueceria da cena da mulher sem vida ao seu lado no leito, quando fechava os olhos revivia aquele episódio.

                O defensor estivera há dois meses ali, contara sobre algumas gravações que tinham sido encontradas e que talvez tivesse novas provas... Algo bom para reverter a condenação que ocorrera tão rapidamente.

                Ouviu alguns gritos e apitos, uma pequena confusão tinha ocorrido no outro pátio.

                 Não demoraria para retornar para dentro, mas isso não importava, queria apenas ficar sozinha.

                Fechou os olhos e concentrou-se além dos burburinhos, ouvia o mar, sentia o cheiro da água salgada que lhe trazia recordações de quando vivia a navegar.

               -- A  Sheika assassina agora pensa que é uma intelectual… Já perceberam que ela se acha superior… -- Uma das mulheres aproximou-se. – Assassina com diploma?

             Samantha já conhecia o grupo que estava diante de si, sempre apareciam para arrumar encrenca. Isolda era a chefe delas, já vivia ali quando chegara. Bastante alta, cabelos curtos na altura da nuca, era forte, já fora lutadora de boxe.

               Ignorou-as, voltando a ler, mas não demorou para a brochura ser retirada das suas mãos com violência, enquanto jogavam de uma para as outra como se fosse a bola que antes usavam no futebol.

              -- Ela acha que é melhor que a gente… só porque era amante da sheika... – Tocou-lhe a face. – Ah, ainda tá com a carinha machucada depois da última surra... Maculando a beleza da senhora Segabinazi...

                A neta de Sir Arthur tinha sido espancada por quatro das que estava ali, ficara desacordada no chuveiro, mas as mulheres não receberam nenhuma punição.

             -- Senhora? -- A outra provocou. -- Era a puta dela... Todo mundo sabe disso...vendeu-se...

              Samantha não falou nada, sabia que estava sendo vigiada, se fizesse algo, seria jogada na cela de castigo mais uma vez. 

              Levantou-se e já se preparava para se afastar, mas sentiu um puxão forte nos cabelos.

                -- A Sheika pagou quanto para te comer?

            A Lacassangner  cerrou os dentes, segurando o pulso da agressora de forma que ouviu o gemido da outra.

            Os olhos azuis pareciam frios como aço.

                Sempre aceitava as provocações e permanecia calada. Nunca se importara em ser espancada dia após dia, entretanto não permitia que ousassem falar algo sobre a esposa.

                -- Ora, o que vai fazer com a minha mãozinha agora? – Isolada provocou. – Vai levar nos peitos? – Provocou-a com um arquear de sobrancelha. – Faz muito tempo que não sente como é bom...

                Samantha apertou mais o braço da outra, arrancando-lhe um gemido mais alto, impedindo-a de continuar a frase que com certeza era algo vulgar.

            -- Não esqueça que sou uma assassina... – Dizia pausadamente – se dizem que fiz o que fiz com a mulher que amava, imagina o que posso fazer contigo... Arrancaria tua pele imunda... mas acho que nem os raros gigantes que habitam o cela de castigo comeria... Porque você fede... fede a lixo...

                As outras já se preparavam para partir para cima da neta de Sir Arthur, circundando-a, mas ouviram a sirene e dispersaram-se, mas antes enviaram um olhar de ameaça, deixando claro que a conversa não tinha encerrado ainda.

                A pirata recolheu o livro, depois seguiu para a fila, já retornariam para o interior do presídio.





                -- Só mais um, mais um e a gente para.

               A tenente Olívia Santorini Del SanTorro estava deitada no colchonete, enquanto se esforçava para levantar as pernas. Sentia o suor correr por todo o rosto, ardendo-lhe os olhos.

                Cinquenta...

                Setenta...

                Fitava o teto, tentava concentrar-se, mas o desejo de parar começava a ficar mais forte.

               Depois de quase um ano em coma, despertara, mas mesmo não tendo nenhuma fratura, algumas funções do seu corpo tinham sido comprometidas, a locomoção fora uma delas. Os especialistas argumentaram que fora a falta de oxigênio no cérebro que acarretara as sequelas.

                -- Vamos, tenente, você é muito mais que cem elevações.

               A fisioterapeuta e amiga da jovem, Cristina Souza, fora contratada para cuidar da reabilitação da militar.

              -- Eu vou morrer, isso sim que vai acontecer… -- Disse sem fôlego ao terminar a sessão. 

                Cris gargalhou, enquanto anotava o progresso na prancheta.

              -- Você está evoluindo muito, em menos de seis meses você já consegue ficar de pé sozinha, em breve vai conseguir caminhar, vamos começar a testar as muletas em breve.

                A filha do duque abriu os braços, tentando controlar a respiração acelerada. Tinha a impressão que correra uma maratona...

                -- Eu sei que não é fácil, amiga, mas tudo depende do seu esforço... Vai se recuperar... – Entregou-lhe uma garrafa de água.

                Mel molhou o pescoço e só depois tomou alguns goles.

                A fisioterapeuta acomodou-se no outro colchonete.

             -- Que bom não é, mas tudo isso está sendo mais difícil que o treinamento da marinha… Daqui a pouco vai me fazer escalar as paredes -- Deitou-se de lado, encarando a amiga. -- Acha que vou voltar a caminhar? Que vou voltar a ser tenente que participava das operações, das competições?

             A fisioterapeuta segurou a mão da amiga.

             -- Claro que vai, não há lesões, logo vai se recuperar… passou tanto tempo em coma, acha que retornaria para desistir?

             Mel parecia ponderar, os olhos dourados estavam perdidos em lembranças e confusões que trazia na mente. Muitas memórias se apagaram com o período que passara desacordada, mas a assustavam em seus pesadelos.

              Batidas na porta antecederam a entrada de uma das empregadas da fazenda. Ela trazia uma bandeja com sucos e bolos.

             -- Chegou a melhor parte de tudo. -- Cris anunciou com entusiasmo, levantando-se. – Talvez eu termine seu tratamento com uns quilinhos a mais. – Colocou o que fora trazido no assoalho para que a outra também comesse. – Acho que a Marina é o ser mais gentil e maravilhoso do universo.

              A Santorini conseguiu sentar no colchonete e logo bebia o líquido e comia as iguarias. Estava faminta depois dos esforços que tivera que fazer em mais de três horas de exercícios.

              -- Seu noivo vai vir te visitar aqui na fazenda? – A Souza questionou colocando um pastel na boca. – Faz tempo que ele não aparece.

                Mel fitou a amiga. Sabia que ela não gostava de Juan.

              -- Nem sei, espero que não insista para eu ir até a capital… -- bebeu mais um pouco. 

              -- E já pensou no casamento?

              A filha do duque comeu mais uma fatia de bolo. Mastigava lentamente, parecia mais preocupada em degustar do que responder ao questionamento da amiga.

             -- Não sei, não quero casar até que esteja totalmente recuperada... Quero entrar andando na igreja e não em uma cadeira de rodas.

                Cristina sentiu o tom de tristeza que a outra usara.

             -- Eu te entendo, mas será que ele vai aceitar?

           A jovem deu de ombros, preocupando-se apenas em comer.

          



             Na manhã seguinte, Samantha estava em sua cela. Não conseguira dormir, algo que já estava acostumada. Seus pensamentos eram sempre os mesmos, seguiam por lembranças da mulher que lhe mudara a vida.

             Ainda se recordava da festa no palácio de um dos homens mais poderosos do país oriental. Estava sendo tratada como uma escrava. Fora levada para o estrangeiro e quase morrera de infecção devido ao ferimento à bala, mesmo assim sobreviveu e fora entregue ao sultão.

               Umedeceu os lábios demoradamente, estavam secos. Sentia-se cansada, imensamente cansada. Há dias vinha sentindo esses sintomas, mas acreditava se tratar da falta de sono.

                Levantou-se e logo sentiu tudo girar ao seu redor, encostou-se à parede de pedras frias.

            Ouviu a guarda chamar e já abria a boca para responder, mas não teve forças e depois disso seus sentidos se perderam.




               Miranda seguiu até o hospital.

               Fora avisada pelo defensor da Lacassangner o que tinha se passado. O atendimento não pôde ser feito na prisão, pois o estado dela parecia mais grave. A pirata fora transferida de helicóptero e depois de alguns processos de desintoxicação, Samantha parecia estável.

               A chefe do departamento de defesa internacional conseguiu autorização para visitar a detenta no quarto.

              Aproximando-se, viu os policiais que faziam a segurança do local, identificando-se, seguiu para o interior.

              Observou os olhos azuis em sua direção. Viu o pulso preso sobre a cama.

                Desde que a tinha visto na prisão trabalhava incansavelmente para conseguir convencê-la a aceitar a ajuda para deixar aquele lugar. Suas investigações tinham progredidos e logo as provas que tinham sido produzidas contra a jovem não valeriam mais nada e ela seria absolvida, porém antes disso precisava que aceitasse sua proposta.

              -- Como se sente depois de ter sido envenenada? -- A mulher perguntou com um sorriso simpático. -- Ainda não entendo como deseja continuar naquele lugar. -- Puxou uma cadeira, sentando-se. -- Está pálida, sheika.

              -- O que você quer aqui?

              -- Vim refazer a minha proposta… acha que sua história termina naquele buraco sujo? -- Arqueou a sobrancelha esquerda. -- Lacassangner, você tem a oportunidade de provar como não só você como seu pai foram vítimas de tramas terríveis… Não deve esquecer que a sua esposa sempre desejou que você pudesse limpar seu nome… A senhora Segabinazi, antes de ser assassinada, tinha contratado detetives, conseguira provas para limpar sua reputação. 

               Os olhos azuis se estreitaram de forma aborrecida.

               -- Como sabe o que a Laura queria e como sabe que eu era casada com ela e não sua amante como todos acreditavam?

                Miranda mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente, parecia ponderar até que falou:

               -- Eu fiz muitas investigações, descobri muitas coisas...

                -- E por que só depois de tantos anos decidiu se importar com isso? – Questionou com um arquear de sobrancelha. – Já estou naquele buraco, como dizes, a quase dez anos, então de repente a senhora aparece querendo que eu saia... – Meneou a cabeça em incredulidade.

                -- Porque só há pouco tempo descobri que era a esposa da Segabinazi, há pouco tempo fiquei sabendo que você é a Víbora do mar.

               A pirata nada disse, apenas observou o quarto branco. Fitou os aparelhos que ainda estavam conectados em seu corpo. Olhou para a janela e viu o  céu azul. Parecia tão azul que desejou ir até a janela para vê-lo.

                Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente.

               -- O que realmente deseja? -- Questionou fitando a estranha mulher. -- Eu não acredito que me ofereça algo sem desejar algo em troca. Por que a minha liberdade te interessa depois de tantos anos?

               Miranda fez um gesto afirmativo com a cabeça.

               -- Você é muito inteligente, Lacassangner, é uma mulher poderosa… Quero que retorne ao seu país, que possamos elucidar essa organização criminosa que atua em inúmeros países… 

               -- De que fala? – Indagou em perplexidade.

                Depois de tudo o que passara, nunca tivera vontade de retornar, em nenhum momento passara por sua mente um possível retorno àquele lugar que se mostrava mais cruel que a própria prisão.

                Por algumas frações de segundos veio a sua mente a imagem do pai e de Eliah, mas também a de Sir Arthur...

               -- Samantha, você esteve quase uma década condenada, mas todos os crimes que estão acontecendo no oceano foram jogados para suas costas, continua sendo responsabilizada por tudo e pior, a Marinha nacional do seu país ignorou sua prisão, mesmo sendo você considerada a inimiga número um dos grandes comandantes.

                -- Há muitos piratas no mar, eu era apenas mais uma… Também não uso o sobrenome Lacassangner... – Disse pensativa.

                -- E você acha que isso justifica algo? Acha mesmo que seu avô te jogaria para cá e não procuraria saber o que se passa contigo?

                -- Há muitos piratas no mar... – Voltou a falar.

                -- Não igual a você… Seu avô armou para o seu pai, destruiu a carreira que ele tinha e fez o mesmo contigo… Sir Arthur, com certeza, deve saber muito mais do que seus bons modos na alta sociedade costumam mostrar… Ele é amado, bem visto, respeitado por todos… mas…

                -- Isso não me interessa! – Cortou irritada.

                Miranda levantou-se.

                -- Quanto tempo vai continuar entregue a própria dor… acha mesmo que sua esposa gostaria de te ver assim? Tornou-se covarde, medíocre… -- Acusou-a.

                Samantha fechou as mãos em irritação.

               -- Ela não está mais aqui para ver!

              -- E por isso decidiu se condenar àquele lugar cruel? Você foi envenenada, estava sendo envenenada aos poucos e por pouco não morreu, acha que isso é algo natural? Estão armando para te destruir. -- Respirou fundo. -- Olívia, tenente da marinha, filha do duque, partiu em sua busca, seguiu pelo oceano, fora atacada junto com a tripulação, muitos morreram, ela ficou em coma durante um ano e agora que acordou está tentando se recuperar das sequelas que teve… mas por que ela foi atrás de você se você estava presa? – Indagou exasperada. -- Há algo muito maior por trás de tudo isso, Samantha, e seu nome e o da mulher que amava nunca serão limpos enquanto não for feito justiça e colocar todas essas pessoas na cadeia.

                 A Lacassangner cerrou os dentes demoradamente.

                 -- Eu não me importo com nada disso.

                -- Nem mesmo se importa com seu fiel escudeiro, Eliah? – Decidiu jogar a carta mais importante  – Porque ele está morrendo dentro de uma prisão e acredito que o mesmo que se passou contigo logo se passará com ele, afinal, são testemunhas valiosas e tudo deve ser eliminado do caminho dessas pessoas.

               A pirata virou a cabeça para o lado, depois a fitou.

               -- Proteja-o então, não é a chefe não sei de quê… -- Argumentou aborrecida. – Poderia pelo menos fazer algo de útil...

               -- Tem medo de retornar? É uma covarde! -- Acusou-a. -- Pensei que fosse uma pirata destemida, a víbora do mar como costumava se intitular, mas vejo que não passava de uma presunçosa que se achava melhor que todos, afinal, foi por isso que caiu nas garras do seu avô, acreditando que era amada… Foi traída pela mulher que dizia te amar...

              -- Já chega! -- Samantha ordenou por entre os dentes. -- Então seja você boa e simplesmente resolva todo esse problema sozinha e esqueça que eu existo!

               Miranda assentiu, seguiu até a porta, mas pareceu se arrepender, voltando-se para ela  antes de sair.

              -- Seu advogado tem o meu contato… Se aceitar o que estou te propondo, terá também a liberdade do Eliah, ele já está velho, merece ter uma vida digna, ainda mais depois de ter se doado tanto, primeiro com seu pai, depois ao seu lado… Ele foi pego por sua irresponsabilidade... Sua aventura amorosa custou caro para ele...

               Samantha a viu deixar o quarto e permaneceu quieta, buscando o controle dos seus pensamentos e da sua raiva.

               Não tinha nenhum interesse em retornar ao país do Serpente, tampouco desejava voltar a ver Sir Arthur nem todas aquelas pessoas. Convivera durante anos com o desprezo de todos. Seu pai lhe protegeu enquanto tinha vida, não a levava ao porto, mas quando ele morreu, decidira seguir com seus próprios pés e talvez esse tenha sido um dos seus maiores erros.

                O que faria se deixasse aquela prisão? Não tinha anseios, perdera o interesse em tudo aquilo com a morte da única mulher que lhe amara de verdade. 

                 O veneno podia ter sido mais potente, assim teria terminado com sua agonia de uma vez por todas.

                  Lembrou-se do velho amigo, Eliah, de como se acusara de todos os atos para livrá-la, de como se condenara para salvá-la.

                  Viu a porta abrir e uma mulher jovem vestido branco se aproximou.

                  -- Colocarei antibiótico novamente, ainda precisa recuperar as forças antes de retornar à prisão.

                  A Lacassangner nada disse, apenas viu a moça injetar o líquido direto em sua veia.

               Fechou os olhos, desejando esquecer toda aquela história e voltar para o mundo sombrio que tinha em seu interior.

     

 

              Já era noite na fazenda Del SanTorro.

O céu estrelado tinha sido encoberto por nuvens carregadas e a chuva caia forte. As luzes do pátio ainda estavam acesas. As casas dos empregados, pequenas construções, e circundavam a casa grande, pareciam frágeis diante da força da chuva.

              Os cavalos vez e outra reclamavam, pareciam assustados.

              Um grito ensurdecedor cortou os sons noturnos.

              Olívia jazia sentada com os olhos arregalados. Olhava para os aposentos, via as cortinas serem balançadas pelo vento. Apenas as luzes externas faziam sombras no interior.

              Passou a mão na testa. Estava suada. Senti o coração bater de forma acelerada.

              A porta foi aberta e logo Marina aparecia e acendia as luzes.

             A empregada olhou para a jovem, via como parecia assustada, aterrorizada.

            -- O que houve, Mel? -- Aproximou-se, sentando na cama. 

            A tenente estava com os lábios entreabertos, parecia hipnotizada.

             -- Filha, fale comigo. -- A mulher insistiu.

            Só naquele momento parecia que Olívia tinha percebido a presença da outra. Fitou-a.

             -- Pesadelos? -- a mais velha questionou lhe tocando a face.

             -- Sim… -- Encarou a mulher. -- Eu estava sob a água, não conseguia respirar… como… como quando aconteceu... E eu vi aqueles olhos azuis... Eu vi a assassina da minha mãe... – Disse enrijecendo o maxilar.

                A babá sabia que nada poderia dizer. Sabia que se falasse algo para a Mel ou desmentisse a ligação que afirmara que fora atacada pela pirata, nunca mais chegaria perto da sua menina.

            -- Meu anjo…

            Mel se permitiu abraçar pela empregada.

            Sentia-se bem nos braços da antiga babá, ela sempre lhe confortava.

            Antes os pesadelos ocorriam o tempo todo, mas com o passar dos meses se tornara raro, mesmo assim sempre que acontecia lhe deixava em verdadeiro pânico.

           Ainda vivia com o trauma de tudo o que aconteceu e com o desespero de ter perdido alguns episódios em sua memória, deixando lacunas e questionamentos sem explicações em sua vida 

            -- Vou buscar um chocolate quente, meu bem. -- Beijou-lhe a face. -- Com certeza vai se sentir melhor.

       -- Está bem. -- Esboçou um sorriso. -- Com certeza vai me fazer dormir bem melhor.

          Marina saiu, deixando a jovem tenente sozinha.

 

 

                Fazia uma semana do retorno de Samantha ao presídio. O advogado da pirata tinha entrado com um pedido de investigação sobre o ocorrido, pois a envenenação tinha sido tratada como uma simples intoxicação alimentar.

             A presidiária fora avisada da visita do seu defensor, seguindo mais uma vez para o parlatório. Através do vidro viu que não se tratava do advogado, mas da mulher que vinha lhe questionando nos últimos dias.

             Pensou em levantar e sair dali, mas viu uma folha colada ao vidro. Aproximou-se, lia com atenção e depois de alguns segundos soltou um longo suspiro. Sentou-se, pegando o telefone para manter o contato. 

              -- Ok, senhora, aceitarei o que está me propondo, mas o Eliah deve ir comigo. -- Falou logo.

              Miranda esboçou um sorriso.

              Sabia que aquela era a última tentativa que faria, não haveria mais nada que pudesse fazê-la mudar de ideia. Lembrava-se do diário sheika falando como era determinada a bela pirata.

                             -- Você é muito perspicaz, e eu conto com isso para poder resolver todos esses crimes e provar a sua inocência em muitas acusações, quanto à sua dívida com a sociedade, você pagou durante quese dez anos, agora é hora de deixar esse lugar frio.

              Samantha cerrou os dentes, pressionando-os com força.

              -- Sabe que não me importo em ficar aqui, não há nada para mim fora dessas paredes, não me importo de passar o resto da minha vida enjaulada, mas o homem que se sacrificou tanto por mim não merece morrer dentro de uma cela suja, esse é o único motivo de aceitar sua proposta. -- Frisou a última frase.

             -- Eu sei, pirata, sei muito bem, o seu caráter chega a ser inflexível, mesmo assim eu fico muito feliz por ter aceitado. -- Levantou-se. -- Em breve você deixará essa prisão e nos encontraremos fora daqui para que te prepare para o que te espera.

               -- Não tenho medo de nada nem de ninguém. -- Disse de forma arrogante. -- Já passei por tanta coisa que nem sensibilidade tenho mais.

                Miranda apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, despedindo-se, deixou a sala.

               




             Os empregados corriam de um lado para o outro. A mansão de Sir Arthur ficava na grande cidade portuária e por ser bastante grande, havia um verdadeiro batalhão de empregados.

              O comandante da marinha estava no escritório, examinava alguns papéis, mesmo na reserva, ainda trabalhava na inteligência da força militar.

              Ouviu batidas na porta e uma das empregadas apareceu:

              -- O duque de Del Santorro está aqui.

              Arthur pareceu ponderar sobre a visita, mas imaginou que deveria ser algo sério, ainda mais para fazê-lo ir até ali uma hora daquelas.

              Desde o acidente da Mel, a relação entre os dois homens estava abalada, pois o comandante criticou a forma como o pai da jovem agiu.

             Viu o homem alto entrar no escritório.

              Aquele fora o pretendente escolhido para desposar sua filha, obrigara a única herdeira a contrair casamento com um dos homens mais poderosos do país, imaginou que isso resolveria seu problema, mas tudo pareceu uma bola de neve.

             -- O que o traz aqui? -- Sir Arthur questionou se levantando.

             O duque não respondeu, apenas lhe entregou uma carta.

             Havia um timbre oficial do outro país e as palavras eram sucintas.

              O comandante sentou. Parecia perplexo com o que tinha acabado de ler.

             -- Se a tivesse matado , isso não estaria acontecendo. -- O pai da Mel bateu o punho contra a mesa. -- E agora ela está livre, vai retornar e o que será de nós e da minha filha?

              -- Você me culpa? Não fui eu quem culpou a pirata pelo ataque ao navio! Desde esse episódio a Olívia viveu empenhada em capturar a Lacassangner e isso quase a matou.

              -- Você vai me ajudar a  fazer com que a Mel acredite que ela sabia que a sua maldita neta estava presa… vamos usar a amnésia para isso.

               -- Sua filha não é burra!

               -- Ela não tem porque desconfiar do pai e do avô, isso é impossível.

              Arthur assentiu.

              -- Amanhã mesmo viajamos para a fazenda, o noivo dela também irá, quero que esse casamento aconteça o mais rápido possível.

 

   

 

              O barulho do helicóptero enchia o ar. Ele aterrissou na pista do presídio. Fazia um mês desde quando Miranda tinha estado ali. Demorara mais do que imaginara, pois as provas da inocência da Lacassangner precisaram ser analisadas e só quando tudo fora aceito pelo juiz, considerara a mulher inocente do assassinato de Laura. O processo voltava a ser aberto e as investigações seriam retomadas.

                A Maldonado sentia-se culpada em parte, pois se soubesse de quem se tratava antes, há tempos teria tirado a mulher daquele lugar.

              Samantha caminhava de cabeça erguida até a aeronave. Não levava nada consigo a não ser os livros que fora presente da esposa.

              Conseguirá ser inocentada do crime, mas ainda não sabia quem cometera o crime, apenas fora mostrado a imagem de um encapuzado. Havia a cena de ambas desmaiadas, mas  o resto ainda não parecia claro. Quem teria matado a Sheika? E por qual razão? Ela era o ser mais doce e gentil que já conhecera, sempre educada e generosa com todos...

                Sentia as pernas trêmula...

              Em nenhum momento olhou para trás.

               Viu a loira a lhe acenar, mas não fez meu gesto até chegar perto.

               -- Desculpe ter demorado um mês para te resgatar, mas aconteceram muitas coisas nesse intervalo, coisas que ainda não foram resolvidas.

               -- E o Eliah?

               -- Ele encontrará com a gente na cobertura, não se preocupe, eu jamais deixaria de cumprir minhas promessas.

                A Lacassangner nada disse, apenas subiu na aeronave, sentando-se, afivelou o cinto de segurança.

                Miranda sentou de frente para ela. Colocaram os protetores de ouvidos.

                O helicóptero começava a tomar altitude e Samantha olhava maravilhada para o mar.

               Era o lugar mais fascinante para ela. Adorava a água, adorava navegar pelo mar revolto, enfrentar a fúria de Poseidon e sair vitoriosa lhe fazia sentir superior.

               -- Você é muito boa como pirata não é? -- Miranda questionou de supetão. -- Talvez eu esteja ficando louca, pois o que vou falar nada tem a ver com a sua função nessa nova vida, porém algo está acontecendo e nada consegui, mesmo tendo ajuda de toda a Marinha, militares altamente treinados… porém você é filha do Serpente... – Dizia encantada. – Você e seu pai são lendas para muitos...

               Os olhos azuis pareciam confusos diante das palavras.

                -- Você é uma das melhores… é a melhor na verdade… se eu pedir para que use pela última vez esse dom você o faria?

              -- De que falas? 

              -- Lacassangner, rainha dos mares, a família de um príncipe árabe foi sequestrada por piratas, um homem tão poderoso que poderia até mesmo mudar a rotação da terra se assim desejasse… -- Gargalhou. -- Um exagero da minha parte, mas realmente é um dos homens mais poderosos do mundo… eles foram sequestrados em um cruzeiro e há dias estamos trabalhando nisso, mas parece que os bandidos foram engolido por essas águas… alguns bons combatentes foram abatidos, não sei mais o que fazer, juro que estou em desespero, algo que não acontece comigo… você conhece o mar... as ilhas... não só isso, é melhor que todo o batalhão que tenho a minha disposição… se você obtiver êxito, não tem ideia de como sua imagem vai mudar para os países aos quais você deu tanto prejuízo.

           -- Eu não me importo com nada disso. -- Voltou a olhar para o mar. -- Mas também não tenho nada a perder, então farei o que me pede, e se a família do seu príncipe estiver vivo, trarei de volta.

             Miranda sabia que ela conseguiria, tinha certeza disso. Depois de tantos dias em desespero, conseguiu sentir a esperança voltar a reinar em seu coração.

 

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