A víbora do mar - Capítulo 10 - Conflitos
Já passava da meia noite. Ainda caia uma fina chuva.
Marina
estava sentada nos degraus da casa grande. Já tinha rezado para um infinito
número de santos. Sabia que se Mel não retornasse teria que ligar para Arthur e
Fernando e isso provocaria uma verdadeira guerra.
Com
o terço na mão continuava suas orações.
Não
havia mais fogo na fazenda. Realmente fora algo tão superficial que nem
demoraram para controlar.
Ouviu
o som dos pássaros noturnos e os cavalos agitando-se nas baias. O som das patas
de um animal contra o solo podia ser ouvido e logo quando a empregada levantava
a cabeça via a tenente trotando e parando em frente à casa grande.
A
Santorini tinha a impressão que saíra correndo a pé e não em sua montaria. Seu
coração parecia que participara de uma maratona. Nem lembrava de ter
guiado o animal, apenas montara e seguira.
Tinha
a impressão que seu corpo estava pegando fogo da mesma forma que o estábulo da
Víbora.
Só
em pensar naquela mulher sentia uma revolta enorme dentro de si. Odiava-a
tanto, ainda mais que antes. Desejava matá-la, ainda conseguira enfiar as unhas
em alguma parte da pele morena, mas não fora suficiente para aplacar sua
indignação.
Devagar,
desceu da montaria, sentia-se dolorida.
–
Santo Cristo, o que houve contigo?
Marina
olhava para a jovem em total surpresa. Os cabelos estavam em desalinhos. A
camisola sem a alça e o roupão encardido, como se tivesse rolado no chão.
–
Olha, babá, eu só quero tomar um banho, tirar esse cheiro horrível do meu corpo
e deitar na minha cama, então por favor não me faça perguntas nesse momento.
A empregada fez o que foi dito, pois nunca
tinha visto a filha de Fernando tão transtornada. Parecia que tinha em seus
ombros toda a fúria do universo. Percebia que mancava, então correu para trazer
as muletas, logo seguiam pelos corredores. O aposento da jovem ficava no térreo
devido ao problema de locomoção.
-- Espere aí, vou prepara a
hidromassagem.
Mel ainda pensou em discordar, porém seria
bom para tentar relaxar, pois tinha a impressão que a qualquer momento iria
explodir.
Seguiu
até a janela, observava as gotas de chuva no vidro. Passou os dedos pelo lado
de fora, como uma criança a brincar com a sombra. Observou a mão, viu o reflexo
da sua imagem. Os cabelos estavam em um verdadeiro desalinho, as roupas
destruídas.
Recordou-se de ter batido tão forte na cara
da filha do Serpente e logo em seguida ataca-la, mas acabara sendo contida,
humilhada...
-- Venha, filha, está pronto.
A tenente seguiu até o banheiro. Livrou-se do
roupão, depois da camisola em frangalhos e da calcinha, imergindo no líquido
perfumado. A temperatura estava morna, aquecendo sua pele fria.
-- Vou buscar um chocolate quente, não
demoro.
A neta de Sir Arthur assentiu com a cabeça,
não demorando para ficar sozinha com seus pensamentos. Usou a esponja para
esfregar os braços, depois o pescoço e quando chegou ao colo sentiu os seios
pesados, doloridos, pareciam feridos...
Fechou os olhos e logo via o olhar azul que
antes trazia um ódio mortal, mas naquele momento parecia fascinado, destituído
da arrogância, ao fitar seu seio desnudo.
Jogou longe o objeto que usava para
limpar-se.
Deveria ter batido com mais força!
Odiava a Víbora, odiava-a ainda mais que
antes, sempre que a via sentia uma raiva incontrolável, um desejo de destruí-la
pouco a pouco, fazendo-a sofrer, vendo-a afogada em dor...
Fechou as mãos ao lado do corpo, apertando-as
forte.
Samantha estava na sala de espera do
hospital. Já era de manhã quando conseguiram seguir para a capital.
Eliah estava fora de perigo.
-- Realmente a tenente fez um ótimo trabalho,
nesse quesito não temos o que discutir.
A voz de Belinda lhe chamou a atenção.
Desviou o olhar da agente que a fitava.
A última coisa que desejava naquele dia era
ter alguma lembrança daquela mulher.
-- A Miranda conseguira falar com o
governador, uma queixa fora feita contra a fazenda Santorini, essas pessoas
terão que ser responsabilizadas pelo o que fizeram.
A loira sentou ao lado da pirata.
Desde que a encontrara percebia que ela tinha
voltado a se fechar naquela concha impenetrável, voltava a ser a reclusa que
parecia que nada de fora conseguia atingi-la.
-- Você não tem ideia de como me sinto triste
pelo o que aconteceu com o seu cavalo, sei como gostava do Tempestade... –
Tocou-lhe a face. – Sempre soube que essa história não seria fácil, mas a
crueldade dessa gente está me surpreendendo. – Disse com pesar. – Graças a Deus
nada de grave aconteceu com o Eliah, graças a você. – Observou os arranhões e
as marcas de queimaduras superficiais na pele morena. – Tem certeza de que não
deseja ser examinada pelo médico?
Samantha respirou fundo, enquanto fazia um
gesto negativo com a cabeça.
-- Eu estou bem, não há feridas externas para
serem cuidadas. – Levantou-se.
-- Assim que o doutor liberar nosso paciente,
seguiremos para a cobertura. – Segurou-lhe a mão. – A Miranda está vindo para o
país, deixou claro que deseja te ver, então ficaremos por aqui.
A morena
apenas deu de ombros.
Sabia que a chefe do departamento
internacional iria até ali porque temia o que poderia acontecer depois do que
se passara na noite passada. Devia temer que como filha de um dos homens mais
perigosos do mundo poderia reagir.
No fundo, a Lacassangner sabia que era e
continuaria ser a Víbora, a pirata que fazia coisas cruéis e que não temia a
nada nem a ninguém...
Passou a mão pelos cabelos.
-- Acha que o delegado vai fazer algo contra
a família Santorini? – Questionou com as mãos na cintura. – Óbvio que nem mesmo
agirá em uma investigação.
-- Dessa vez não vai ser assim. – Belinda foi
até ela. – Não esqueça quem você é.
-- Uma pirata? – Indagou com zombaria.
-- Não, você é uma sheika, é poderosa e
esquece isso... Não estou te culpando, apenas dizendo que seu comportamento
permite que essas pessoas ajam desse jeito.
A Lacassangner olhou para aliança que
continuava em seu anelar. Havia tanta coisa para ser descoberta, principalmente
quem tirara a vida da sua esposa de forma tão cruel.
-- Sim... eu sou uma sheika...
Mel não conseguira dormir direito, passara
toda noite tendo sonhos perturbadores.
Há tempos tinha ouvido o galo cantar.
Percebera quando os trabalhadores chegaram para mais um dia de labuta. Não
ouvira mais chuva, sinal que o sol já devia ter tomado seu lugar no céu.
Cobriu-se mais.
As cortinas estavam fechadas, então as luzes
da manhã não penetravam seu casulo.
Pegou o controle da TV, ligando-a, buscando
algo que pudesse lhe chamar a atenção. Não tinha planos para aquele dia, apenas
desejava manter-se ali, ficar naquele lugar sem ninguém para perturbá-la. Viu o
aparelho móvel tocar, sabia que era o noivo, mas não desejava falar-lhe, estava
cansada de ouvir sobre o casamento, de como teriam que remarcar, que ele tinha
necessidades masculinas...
Soltou um longo suspiro.
Ouviu batidas na porta e pensou em fingir
dormir, mas ao ouvir a voz da babá, permitiu sua entrada.
Observou o semblante preocupado da emprega,
então se sentou na cama.
-- O que houve?
A senhora hesitara em ir chama-la, porém não
conseguira encontrar outra saída.
-- O delegado Almeida está aí, parece que tem
uma queixa contra ti.
-- Contra mim? – Repetiu perplexa.
A mulher fez um gesto afirmativo com a
cabeça.
-- Parece que tem a ver com o incêndio de
ontem.
Mel respirou fundo. Seguiu até a cama,
pegando o roupão de seda, vestiu-o lentamente, amarrando-o, deixou os aposentos
tendo Marina bem atrás de si.
Não era qualquer pessoa, era uma militar e
sabia que para que a lei chegasse até a si, deveria passar por seu superior, o
que não tinha acontecido.
Abriu a porta do escritório e encontrou o
homem sentado. Conhecia-o bem, pois era amigo de infância do avô.
-- Senhorita! – Almeida disse, levantando-se.
– Bom dia!
-- Bom dia, senhor!
Ela ocupou a cadeira de couro, enquanto
observava o representante da lei.
-- Sinto-me constrangido por ter vindo até
sua fazenda para falar sobre esse delicado assunto, mas estou recebendo pressão
do governador para que consiga resolver esse crime.
-- Imagino que esteja a falar do incêndio...
-- Sim, a senhora Lacassangner a acusa junto
com seus empregados de ter feito isso.
A tenente cerrou os dentes, enrijecendo o
maxilar.
-- Não tenho nada a ver com o ocorrido,
também tinha fogo aqui. – Disse calmamente.
-- Sim, eu sei, mas ela deixa claro que a
senhorita age permitindo que seus empregados cometam barbaridades e nada faz. –
Remexeu-se incomodado. – Ela não te acusou diretamente, acho que sabe o posto
que ocupa, entretanto fez isso com os seus empregados. Terei que interroga-los,
Olívia.
Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.
-- Vou ter que falar com o advogado da
família para acompanhar os atos.
-- Sim, com certeza, deve fazer isso mesmo.
Miranda olhava para Samantha.
Estavam no escritório da cobertura. Desde que
chegara tenta inúmeras vezes manter um diálogo com a outra, mas não estava
sendo fácil. Ela apenas jazia sentada na cadeira, tinha um lápis na mão,
observava-o como se fosse algo muito interessante.
Não tinha como deixar de ir até o encontro da
Lacassangner depois do que tinha ocorrido. Ela sabia que o cavalo que morrera
no incêndio era o único bem que ela tinha da esposa. Amava o animal e o tinha
como uma lembrança especial.
-- Eu entendo o que aconteceu, entendo tudo o
que se passou, mas não deve permitir que isso lhe tire do seu objetivo.
-- E o meu objetivo é qual? – Indagou
calmamente.
Mirando soltou um suspiro de impaciência,
pois olhava para a pirata e via a indiferença em seu olhar.
-- Detesto quando fico diante de ti e você
age como se nada te abalasse, preferiria que demonstrasse o que sente, assim
seria muito mais fácil.
-- E o que eu sinto? – Questionou
encarando-a. – O que eu sinto de acordo contigo? – Levantou-se. – Continuo do
mesmo jeito que antes, continuo com o meu objetivo.
-- Deixe a Santorini, não acredito que ela
tenha feito algo contra ti, também não sabe de nada do que se passa.
Samantha segurou o encosto da cadeira
incomodada.
Não desejava pensar naquela mulher, não
desejava nem mesmo vê-la.
-- Então, tire ela do seu plano, afinal, por
que devo estar nos lugares que ela está? Por qual razão devo fazer isso? Você
vive pedindo para poupá-la, mas faz o possível para que nossos encontros
ocorram.
-- Porque desejo que se entendam, anseio que
a Olívia veja que você é uma vítima de toda essa história, mas isso está cada
vez mais difícil de acontecer. Estão sempre em guerra.
-- Eu não estou em guerra com ela, porém não
permitirei que uma arrogante aja como se pudesse fazer tudo o que viesse na
cabeça. – Levantou-se. – No final, essa tenente é uma mimada estúpida, uma
garota idiota que pensa que o universo gira em torno dos seus passos.
-- Ela foi criada por seu avô para ser
exatamente assim!
-- Esse homem não é meu avô!
-- Sim, ele é, é o pai da sua mãe. –
Insistiu. – Acho que não vai demorar muito para que todos saibam disso, talvez
isso ajude na sua aceitação.
-- Você acha mesmo que vou ser aceita? –
Desdenhou, acomodou-se novamente. – Você quer descobrir quem estava por trás de
todos esses crimes, anseia por elucidar as mentiras que me rodeiam, mas ainda
não entendi o maior motivo para isso, apenas por presunção? O que faz esse
objetivo ser tão importante?
-- Apenas quero fazer justiça por tudo o que
aconteceu durante esses longos anos.
Belinda estava no escritório, mas nada
falara, apenas observava as duas mulheres buscarem um entendimento. Percebia
como a chefe perdia a paciência diante da postura que Samantha exibia.
Realmente, voltará para o interior da sua concha, apenas respondia com total
frieza, exibindo uma total falta de sentimentos por tudo que era colocado.
-- Vai voltar para a fazenda, mas vai manter
distância da Santorini.
-- Nunca fui até ela, sempre ela vai até
mim...
Miranda apoiou as mãos sobre a escrivaninha.
-- Esse último encontro foi explosivo, atém
mesmo se pegaram em uma briga de criança.
Um sorriso perigoso brincou nos lábios da
Víbora.
-- Ela me atacou, fê-lo como uma pirralha de
colégio, ousou me estapear, depois partiu para cima de mim, óbvio que tive que
me defender.
-- E por que não se mataram? Por que pararam?
A Lacassangner cerrou os dentes.
Ainda se sentia amaldiçoada pelo desejo que
aflorou seu corpo ao observar o delicado seio. Os movimentos que ela fazia sob
seu corpo lhe deixaram desejosa... Há quantos anos não sentia isso? Desde que
tudo o que passara com a esposa pensara que nunca mais voltaria a sentir
atração por ninguém, mas algo mudara naquela noite... ansiara por sentir os
lábios rebeldes, de calar a boca que xingava, subjugando-a com seu prazer.
-- Porque não sou uma criança, sou uma
mulher, apenas agi para me defender.
-- Espero que isso não volte a acontecer. –
Bebeu um pouco de água. – A Ester deve ir atrás de ti em breve, talvez seja boa
para usar e descobrir os planos, ela deve estar desesperada pelo seu perdão,
com certeza faria qualquer coisa para isso.
A pirata nada disse, apenas ficou a ouvir
Miranda falar.
-- Precisa se esforçar mais! – Cristina
dizia.
Mel estava deitada sobre o acolchoado, tinha
acabado uma sessão de quase três horas de fisioterapia.
-- Mais do que fiz hoje? – Indagou cobrindo a
face com o braço. – Você quase me matou.
A amiga a olhava.
O corpo estava ensopado de suor.
-- Mas também vem abusando bastante e agora
sente as consequências.
-- O que queria? – Indagou sem a olhar.
-- Deixa eu ver, tenho uma lista aqui – pegou
um caderno – 1. Não ir para jantares sem suas muletas ; 2 : não dirigir da
capital até aqui; 3: não se agarrar com a pirata em uma briga de lavadeiras...
A fisioterapeuta agachou.
-- Você é louca, Mel, como pôde bater nela? –
Retirou-lhe o braço da face. – Eu queria ter visto essa cena.
Mel nada respondeu.
Arrependia-se de ter contado para a
confidente o que aconteceu naquela noite, claro que tinha omitido o momento
constrangedor diante do olhar da pirata.
Há duas semanas tudo tinha ocorrido. As
investigações não conseguiram provar nada e no final, a queixa tinha sido
retirada. Não tivera o desprazer de encontra-la novamente, apenas ficara
sabendo que estava na capital, não tinha retornado ainda.
-- A Ester parece cada vez mais entediada...
Acho que deve ter se arrependido de vir até aqui, afinal, a amada dela não
voltou ainda. – Cris comentou.
A cunhada tinha chegado no último final de
semana e realmente parecia sempre aborrecida.
-- Quero só ver como vai ser quando ela
retornar. – A fisioterapeuta disse, depois seguiu até a mesinha e pegou um
envelope, colocando-o sobre o abdome da amiga. – A Flávia enviou para ti.
Mel sentou-se com os olhos dourados bem
abertos. Tirou as folhas que tinham dentro de invólucro e lia cada parágrafo
com intenso interesse. Tinha pedido para a amiga que buscasse algumas
informações sobre a pirata, pois pouco conseguira descobrir na internet.
Cristina arrumava a bagunça que fizeram na
sala de exercício, depois fitou a filha de Fernando, observava o olhar
abismado.
-- O que houve?
A tenente entregou-lhe as folhas.
Alguns segundos passaram-se, até que a outra
comentasse.
-- A pirata era escrava?
Mel soltou um suspiro.
-- Pelo que vejo ela fora vendida no
oriente... – Falava perplexa – Como isso aconteceu?
-- Bem, não sei, mas deveria ter continuado
escrava!
Cris a observava.
-- Se ela era escrava como ordenara os
ataques aos navios?
-- E acha que isso me interessa? –
Levantou-se aborrecida. – Isso não muda nada, continua sendo a maldita pirata e
se foi vendida, decerto foi algum inimigo que tinha.
-- Você deveria usar a Ester para descobrir
mais coisas sobre a vida da Lacassagner, já te disse que o melhor lugar para
fazer confidências é na cama, pós-sexo.
-- E eu já disse que não, então já chega
dessa história!
-- Ok, não precisa ficar tão bravinha.
Na fazenda a Víbora, todos tentavam
reconstruir tudo que fora destruído. Alguns trabalhadores tinham vindo da
capital para refazer o estábulo.
Samantha despertara cedo para cuidar dos
animais que estavam em um lugar provisório. Belinda auxiliava Eliah nos
afazeres da casa. Ainda não conseguiram organizar tudo, pois a Lacassangner se
negava a contratar pessoas de fora, ansiando em uma batalha cega pelos
trabalhadores do povoado.
Ouvia-se o barulho de martelo batendo,
enquanto as paredes do estábulo eram levantadas.
Os animais seguiam no curral, até mesmo os
cavalos de raça tiveram que ficar livres, pois não havia espaço para
acolhê-los.
A pirata montou em um dos animais, pois um
dos bezerros tinha deixado a fazenda pela estrada. A agente a acompanhou
montada em outro garanhão. Seguiam pelo caminho de terra. Era estreita e com as
últimas chuvas ficara ainda mais acidentada.
-- Vamos mais à frente!
Belinda ouviu a ordem, seguindo-a.
Miranda deixara claro que não deveria baixar
a guarda diante da Lacassangner. Ficara bastante assustada com o último
atentado, temendo que algo mais grave pude acontecer, por isso deu ordens para
segui-la sempre de perto, protegendo-a.
Já chegavam a uma curva estreita quando viram
uma família e o capataz da fazenda Santorini. Era possível perceber que o homem
estava ameaçando os outros.
-- O que se passa? – Samantha questionou,
aproximando-se.
Matias a encarava com ódio.
-- Afaste-se, pirata, isso não é da sua
conta!
Os olhos azuis exibiam deboche e desafio.
Sabia como era covarde o empregado da tenente, ele sempre agia com outros ou
apoiado em sua arma, mas naquele momento estava sozinho.
-- O que se passa? – Samantha indagou à
família.
Um homem com seus quarenta anos, uma mulher
mais ou menos da mesma idade e um menino de seus doze anos. Estavam sujos e
traziam uma trouxa com um lençol que em algum momento da vida devia ter sido
branco.
-- Queremos ir para sua fazenda, senhora,
estamos morrendo de fome, não temos serviços, mas esse homem não permite.
A Lacassangner trocou olhares com Belinda.
-- Quem o senhor pensa ser para impedir essas
pessoas? – Samantha indagou. – Acho melhor voltar com o rabo entre as pernas
para a sua patroa, pois dessa vez nada poderão fazer.
Matias ainda colocou a mão no coldre, mas ao
ver os dois seguranças aparecerem, pois a agente já tinha os acionado, o
capataz montou, afastando-se com ódio no olhar.
-- Estamos sendo ameaçados, senhora, há
outros trabalhadores que estão passando as mesmas necessidades, mas não
permitem que venhamos aqui...
O povoado não era grande.
Havia uma pequena praça logo no centro, de
fronte a igreja. Havia algumas mercearias, a delegacia e um consultório médico.
O lugar fazia parte da cidade portuária que ficava a quase duas horas, era
calma e quem vivia ali trabalhava na fazenda das regiões, pois não havia outra
forma de emprego.
Mel, Marina, Cristina e Ester tinham ido até
lá para comprar alguns mantimentos.
-- Dizem que até um harém ela tem.
A tenente ouvia as mulheres comentarem na
pequeno mercado. A fofoca sempre era sobre a Lacassangner.
-- Só falta querer levar nossas filhas...
A fisioterapeuta cochichou no ouvido da amiga
discretamente.
-- Não acredito que as meninas da cidade
estão em pânico... pelos olhares parecem até ansiosas...
A Santorini a ignorou, depois a repreendeu
com o olhar.
-- Babá, faça as compras, vou sentar na
pracinha.
A empregada assentiu, pois ainda demoraria.
Cristina e Mel seguiram, pois a irmã de Juan
tinha ido até a casa de uma conhecida da família.
As jovens acomodaram-se em um dos bancos.
-- Por que essas pessoas inventam tanta
história sobre a Víbora hein? – Mostrou-lhe o novo panfleto. – As histórias são
cada vez mais absurdas.
-- E eu não entendo o motivo de você defender
tanto essa pirata?
-- Eu a defendo? – Cris indagou surpresa. –
Eu apenas estou comentando os absurdos que as pessoas inventam... Primeiro
falando sobre o trato que ela fazia para pegar nos peitos das prisioneiras,
agora falam sobre um harém, pelo amor de Deus, Mel, até você sabe que tudo isso
não passa de invenção de gente ignorante.
-- Não quero falar dessa mulher! – Cortou. –
Apenas vou falar sobre ela quando tiver as provas de que ela é culpada de tudo.
-- Culpada de quê? Porque pelo que vejo, ela
nunca atacou a Marina, sem falar que fora vendida como escrava, depois ficou
presa durante anos, acha mesmo que ela cometeu todos os crimes que estão na
lista feita pela sua cabeça?
A tenente levantava para retrucar, mas viu a
camioneta parar em frente à delegacia.
Observou quando a Lacassangner saiu do
veículo. As pessoas que passavam na rua pararam apenas para olhá-la. Viu-a
olhar desdenhosamente para os olhares acusadores, depois seguiu para o interior
do prédio ao lado da amante.
Prendeu a respiração em irritação.
Odiava vê-la, a presença daquela mulher
acabava com a sua paz.
-- Não fale nada! – Ordenou à amiga.
Cristina permaneceu calada.
Mel viu o velho que cuidara no dia do
incêndio. Parecia totalmente recuperado. Ele também a notou e logo aproximava-se.
-- Bom dia, tenente! – Estendeu as mãos. –
Tinha algo comigo para lhe entregar e foi uma surpresa a encontra-la aqui.
A militar viu a cesta de frutas. Havia
mangas, morangos, bananas...
-- Agradeço por ter cuidado de mim naquela
noite, o médico no hospital me disse que poderia ter sido muito grave se não
fosse seus cuidados.
Cristina olhava para a amiga e imaginava se
ela não aceitaria a humilde oferenda do gigante de olhar bondoso.
-- Não precisa, mas obrigada por sua
gentileza. – Disse, enquanto aceitava o presente. – Fico feliz que esteja bem,
naquela noite parecia tão desesperado, espero que a Víbora não o tenha
penalizado pelo prejuízo econômico.
-- Ela jamais faria isso... – Disse com um
sorriso.
-- Mas e o cavalo...
Eliah colocou as mãos no bolso.
-- Fora um presente da esposa, a única coisa
que lhe restara da mulher que amara... – Suspirou. – Vou voltar para o carro, as
pessoas desse lugar têm olhares piores que dos tubarões.
A tenente percebeu que já tinha um aglomerado
de gente olhando de forma ameaçadora.
-- Coitada da Samantha...
Mel encarou a amiga.
-- Vai dizer que não achou triste ela ter
perdido o animal que fora presente da esposa.
A neta de Sir Arthur permanecia em silêncio.
Ainda se lembrava do olhar da pirata no dia
do incidente. Havia uma mistura de dor e desespero ao olhar para os estábulos
sendo destruído pelas chamas.
Meneou a cabeça.
Não podia condoer-se por aquela mulher, não
devia nem mesmo sentir pena de alguém que sempre agira de forma cruel.
Viu-a deixar o prédio e foi naquele momento
que os olhares encotraram-se durante alguns segundos. Não havia nada lá, apenas
a indiferença, diferente da última vez que tinha se visto.
Cruzou os braços, pois sentiu um arrepio na
nuca.
Foi naquele momento que viu Ester
aproximando-se. Viu ambas conversarem por alguns segundos e logo em seguida, a
Víbora entrou no carro e foi embora.
-- Eu acho que você está desperdiçando a
chance de usar a sua cunhadinha, de todo jeito ela vai dar para a Lacassangner,
pelo menos poderia fazer por um propósito nobre.
Os olhos dourados pareceram cuspir chamas ao
encarar a amiga.
Levantando-se, saiu piando duro, seguindo
para a mercearia.
O duque andava de um lado para o outro no
escritório de Sir Arthur.
-- Recebi um telefonema do governador, ousou
pedir que tentasse manter distância da maldita da filha do Serpente? –
Apoiou-se no tampo da mesa. – Por que não livrou-se dela nas oportunidades que
teve?
O almirante nada respondeu.
Sim, ele sabia que fora covarde ao não
terminar o que tinha se proposto a fazer.
-- Espero que a Ester convença a Mel a casar
logo com Juan, assim, parte para longe.
Sim, aquilo era o que deveria acontecer o
mais rápido possível, pois a presença e insistência em investigar os fatos
passados poderia trazer à tona o segredo dos Santorinis.
-- Esse final de semana vou até ela, quero
falar sobre o casamento, desejo muito que aceite remarcar.
-- Afaste-se, Víbora, ou vamos atirar!
O sol logo se poria.
Samantha tinha decidido ir até a fazenda
Santorini, pois os empregados estiveram ameaçando a família que tinha chegado
para trabalhar em suas terras.
-- Não vim aqui para falar contigo, chame a
sua patroa, é com ela que desejo falar.
-- Se ousar dar mais um passo vamos atirar,
afinal, está invadindo propriedade alheia.
-- Filha, filha...
Mel tinha acabado de tomar banho e já se
preparava par secar as madeixas quando ouviu a voz da empregada em tom
desesperado.
Arrumou o roupão quando a viu entrar em seu
quarto mais rápido que a idade permitia.
-- Vai acontecer uma tragédia, você precisa
evitar.
-- O que se passa?
-- O Matias está ameaçando atirar na pirata,
estão lá no pátio...
A militar deixou os aposentos, seguindo pelo
corredor. Conseguia ouvir a voz do empregado da fazenda e também a de Cristina
que tentava controlar a situação.
Ao sair da casa grande viu a cena.
Samantha estava sobre um enorme cavalo negro.
Exibia aquele olhar despreocupado e arrogante. Não demonstrava nenhuma
preocupação em ter inúmeras armas apontadas para seu corpo.
Viu Ester tentando interceder.
-- Ela invadiu as terras, Sir Arthur e o
duque deixaram claro o que deveríamos fazer se isso acontecesse. Vamos mata-la
logo...
-- Já chega, Matias!
Os olhares voltaram-se para a jovem que
estava no topo da escadaria.
A Lacassangner sentiu-se incomodada com a
imagem bonita da filha de Fernando.
Os cabelos mesclados entre o dourado e preto
estavam úmidos, usava um roupão branco e os pés estavam descalços. Deveria ter
acabado de sair do banho.
Sabia que não deveria ter ido até ali, mas
sabia que o delegado não iria fazer nada, então o melhor seria negociar com a
filha do inimigo.
-- Senhorita, temos ordens...
-- As únicas ordens que devem ser seguidas
são as minhas, então baixe essas armas agora mesmo! – Ordenou.
-- Ela invadiu suas terras, tenente, desafiou
seus empregados... Essa mulher ordenou que matassem a sua mãe e ainda a
defende?
-- Não a defendo, porém não permito covardias
em minhas terras... – Colocou as mãos na cintura. – E você, Víbora, vá embora antes
que eu mesma atire em ti.
Marina levou a mão à boca pasma.
-- Não irei a lugar nenhum, Santorini, vim
aqui falar com a senhorita e não sairei daqui sem o fazer.
-- Não tenho nada para falar contigo, pirata,
então vá embora antes que deixe meus empregados saciarem a vontade de te matar.
Ester seguiu até Samantha sob o olhar irado
da cunhada.
-- Sam, melhor que vá, não se arrisque, tenho
certeza de que a Mel cumprirá o que está dizendo.
-- Então, faça logo, tenente, atire, seja
covarde igual esses seus empregados, agora não demore para fazê-lo, pois não
gosto de perder tempo.
Matias aproximou-se da patroa, entregando-lhe
a arma.
-- A lei da região é clara, se atirar nela,
seria por ter invadido suas terras, não haveria punição nenhuma.
Mel sentiu o metal frio em suas mãos, mas nem
teve tempo de fazer algo, pois outra arma disparou.
Os olhos dourados abriram-se em pavor, mas o
projétil não atingiu o alvo.
Jogou o revolver no chão, enquanto massageava
as têmporas.
-- Saia daqui, Matias, e leve esses homens
consigo antes que eu perca a minha paciência contigo e se ousar retrucar a
minha ordem, considere-se demitido junto com os outros.
O capataz ainda pensou em protestar, mas
acabou fazendo o que ela disse, saindo do pátio com os empregados.
Samantha permanecia sobre o animal,
encarando-a.
-- Não irei embora até que conversemos!
Mel deu as costas, seguindo para o interior
da casa. Quase perdera o controle diante da raiva que sentia por aquela mulher,
por muito pouco acabara agindo de forma que reprovava. Ainda ouvia o som da
arma disparando...
Sentiu o braço ser segurado e virando-se
encarou os olhos azuis. Observou a expressão desafiadora, os lábios cheios...
-- Solte-me! – Tentou livrar-se do toque. –
Não tenho nada para falar contigo!
-- Não sairei daqui sem que antes
conversemos!
-- Sam, acho melhor que vá embora, acredite,
não deveria ter vindo aqui.
A tenente ficou ainda mais furiosa com a
intromissão da cunhada e a forma íntima que ela tratava sua inimiga.
-- Quer conversar? – Indagou com um arquear
de sobrancelha. – Vamos conversar.
Seguiu até o escritório, abriu a porta para
que a Lacassangner entrasse e quando a Bragança ia fazer o mesmo, deteve-a.
-- Acho que você deveria ligar para o seu
marido, acho que ele deve tá com muita saudades, cunhadinha! – Disse fechando a
porta, evitando que ela entrasse.
Ambas encararam-se por alguns segundos. Mel
observava a calça de couro preta que a outra usava, era tão colada às pernas
que não sabia como não rasgava se mexia. Usava também blusa sem mangas de gola
alta branca. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, mas a franja
estava menor, adornando o rosto bonito. Usava os óculos dourados.
-- O que você quer aqui, Víbora? Quem te
convidou? – Indagou irritada.
-- Quero que ordene que seus empregados
deixem de amedrontar as pessoas, que permita que elas trabalhem na minha
fazenda.
Os olhos dourados abriram ainda mais.
-- Acha que eu faria isso por qual motivo? –
Indagou dando alguns passos para frente.
-- Porque eu pensei que não fosse tão
arrogante como os outros e pensasse em como essas famílias estão passando
necessidades sem terem o que comer.
Mel deu as costas, seguindo até a janela,
afastou a cortina e viu os empregados seguindo com os animais.
Não tinha nada a ver com o que estava
acontecendo, nem mesmo fizera algo para impedir as pessoas de trabalharem com a
aquela mulher.
Virou-se para a mulher que a fitava.
-- Duele comigo!
A Lacassangner parecia confusa, então a viu
seguir até o suporte onde estava uma bonita espada. Viu-a pegar, apontando-lhe.
-- Achei que além de enforcar piratas, o
duelo também fosse crime. – Ironizou.
-- Não me diga que se importa agora com a
lei? – Tocou-lhe a face com a lâmina. – Está com medo? Cresci ouvindo como era
boa com a espada... Mas não acredito que seja tão boa quanto eu...
Samantha empurrou a arma, segurando a outra
pelos ombros.
-- Quer duelar? Vamos duelar, agora se eu ganhar
vai mandar seus capangas deixarem as pessoas trabalharem para mim.
-- E se você perder, além de sair muito
machucada, vai deixar essas terras e ficarei com a sua fazenda.
A morena umedeceu os lábios demoradamente,
observando a beleza da herdeira de Fernando.
-- Aceito!
Agora terei de esperar longos dias até o próximo. Estou muito fascinada com essa história. Você, esplêndida como sempre ❤️
ResponderExcluirOlá, querida, fico feliz que esteja gostando da nova história, é um prazer enorme está de volta depois desse pequeno hiato.
ExcluirUm abraço!
AMO SUAS HISTÓRIAS. JÁ RELI TODAS. PORÉM, ACHO QUE VC PECA NO FINAL, QUANDO ACELERA E NÃO NARRA PARTES IMPORTANTES, TIPO CASAMENTO, GRAVIDEZ E NASCIMENTO DOS FILHOS.
ResponderExcluirA Sam consegue desmontar a Mel só no olhar, apaixonada nesse enredo, tu é muito maravilhosa.
ResponderExcluir