A víbora do mar - Prólogo
As
ondas estavam altas. A tempestade varria toda a costa continental. Os sons dos
ventos pareciam um agouro na escuridão do abobado. Nem mesmo o mais experiente
navegador poderia guiar-se diante daquele mar.
Aquela
área era bastante perigosa. Poucos ousavam aventurar-se naquelas águas. Muitos
acreditavam que uma fera terrível habitava ali e sempre naufragava os
indesejados que não tinham recebido permissão para navegarem em seus domínios.
Um
dos tripulantes fez o sinal da cruz ao ouvir gritos.
Não
havia estrelas no céu, apenas a imensidão negra espelhada nas águas cruéis do
mar do Norte. Havia silêncio, apreensão, temor diante do acontecimento daquela
noite.
Alguns
lampiões iluminavam os rostos dos presentes na proa.
Cinco
soldados da marinha mantinham guarda, enquanto alguns homens vestidos de forma
exótica olhavam desconfiados. Pareciam prontos para desafiar o perigo, mas o
olhar firme de um homem alto parado diante deles era suficiente para mantê-los
controlados.
--
Não vamos nos render diante deles, serpente? – Um dos piratas esbravejou. – O almirante
nos atacou de forma traiçoeira, fomos traídos e por isso ele conseguiu chegar
aqui.
Antes
que uma resposta fosse obtida, Uma figura imponente apareceu. Era bem mais
velho, vestia-se com seu traje branco e ostentava inúmeras medalhas. Um pouco
mais baixo que o outro, exibia os fios brancos que parecia superior aos negros.
Usava um bigode bem feito e óculos de aros dourados descansavam sobre o nariz
afilado. O almirante Sir Arthur Antônio Santorini Penalver exibia seu olhar de
ódio e desdém diante dos presentes.
Fora
forçado pelas circunstâncias a perseguir aqueles piratas durantes longos dias.
Escolhera os homens que o acompanhariam com cuidado, pois aquela missão era
secreta e quando tudo acabasse não deixaria testemunhas contra si.
--
Vou afundar esse maldito navio e levar cada um de vocês para serem executados.
--
Não estamos mais na idade média, comandante, não pode simplesmente nos matar
sem um justo julgamento.
--
Não há julgamentos para piratas miseráveis!
Os
olhos azuis do homem conhecido como serpente do mar aparentavam descaso.
--
Se o senhor nos levasse teria muita coisa para explicar, lord.
O
almirante engoliu em seco, mas antes que pudesse retrucar algo, um grito de dor
molestou o silêncio noturno.
Os
dois homens que antes que se encaravam enfurecidos, correram para a cabine da
parte inferior.
Algumas
velas iluminavam o pequeno espaço.
Uma
mulher jazia deitada sobre o leito estreito e desfeito. A face estava molhada
de tanto suar. As maçãs do rosto estavam rosadas, os olhos verdes claros
vertiam lágrimas de dor.
Segurava
com força as cobertas.
A
respiração alta e ofegante. Soltava grunhidos de agonia.
--
Calma, minha menina, respire fundo, sua criança já está vindo.
A
jovem tentou exibir um sorriso diante da voz doce do pirata gentil Eliah. Ele
era tão alto e forte que parecia irônico que tivesse fazendo um parto e agisse
de forma tão cuidadosa.
--
Deve manter a calma...
--
Ouço trovões... – Falou ofegante. – Acha que meu bebê será amaldiçoado?
O
pirata meneou a cabeça negativamente.
Sabia
das crendices do povo que vivia no mar e a jovem Santorini tinha ouvido também
e acabara colocando isso em sua cabeça.
--
Jamais vai acontecer isso...
--
Meu pai vai mata-la... – Disse aos prantos. – Nunca vai aceitar a neta.
Eliah
molhou o pano e colocou sobre a testa de Iraçabeth. Tinha muita febre.
--
Por favor, cuide...—A mulher dizia entre suspiros. – Cuide da minha filha...
Proteja-a...
--
A senhora quem vai cuidar... Vai dar tudo certo...
A
garota meneava a cabeça, enquanto voltava a se concentrar, sabendo que
precisava de toda a força para conseguir trazer ao mundo sua criança.
Não
se arrependia de ter se entregado a Otávio, não se arrependia de nada que tinha
feito, mesmo sabendo que eram inimigos, mesmo sabendo que era uma mulher casada.
Amava o capitão, amava-o como nunca imaginara que amaria, mesmo que tivessem
passado pouco tempo juntos.
Fechou os olhos ao sentir a forte contração.
Cerrou
os dentes tão forte e soltou um grito estrangulado, levantando a cabeça, ainda
conseguiu ver a pequena criança toda envolta em sangue. Sua menina...
Eliah
cortou o fio que prendia mãe a filha, depois levou o pequeno ser até a bela
mulher. Viu a morte presente nos olhos da jovem, viu o sorriso que logo
congelou para sempre na face bonita.
Viu
a porta ser aberta em um estrondo e logo o serpente do mar e o almirante se
aproximavam do leito.
A
dor estava presente nos olhos do pirata, enquanto Sir Arthur permanecia
impassível diante da cena. Nunca vira um ser tão frio como aquele.
Usou a manta para limpar o bebê e foi só
naquele momento que se ouvia o choro da criança mesclado ao do pai que estava
destruído pela morte da amada que amava.
O
almirante deixou os aposentos, não tinha interesse em nada que se desenvolvia
naquele lugar. A filha recebera o castigo por ter desonrado seu nome.
Seguiu
até o estibordo e ficou lá observando os movimentos das ondas. Mais à frente o
navio de guerra estava ancorado.
Há
duas semanas tinha deixado o porto em busca do maldito pirata e da filha e só
naquela noite os encontraram e conseguira render a todos, podendo assumir o
controle da situação.
Soltou
um longo suspiro!
Quase
a convencera a tirar aquela criança. Sabia que se levasse a gravidez acabaria
morrendo como a própria mãe, porém ela preferira correr todos os riscos para
trazer ao mundo uma maior desgraça para os Santorinis.
Apertou
o cabo da espada.
--
Está satisfeito com o que fez? -- A voz engasgada entre pranto de Otávio se
fazia ouvir. – Se não tivesse me condenado a essa vida, a Iraçabeth estaria bem
agora, mas preferiu vende-la para o duque, entrega-la a quem pagasse mais para
alimentar sua cobiça.
O
almirante encarou o homem que trazia o pequeno bebê nos braços.
--
Vai condenar a sua neta também?
--
Amaldiçoo-a! – Esbravejou.
Otávio
fitou o pequeno ser que pesava tão pouco, tão leve que temia por sua saúde. Viu
os olhinhos abertos, parecia procurar por algo, por sua mãe que nunca a poderia
colocar nos braços.
--
Se vai matar-nos, faça logo de uma vez, use seus capangas para executarem o
trabalho sujo, leve em sua consciência não só a morte da sua filha, mas também
dessa pequena que não pediu para nascer nem para estar condenada como eu estou.
–Aproximou-se mais. – Sua neta será vista como uma pirata... Uma ameaça a sua
sociedade, um perigo ao lugar que pessoas da sua espécie frequentam...
--
Se jogá-la no mar vai poupá-la desse castigo...—Falou cruelmente.
Um
raio cortou o céu como se fosse uma lâmina.
Otávio
nada disse, afastando-se em direção ao quarto que estava o corpo da mulher que
tanto amara.
O
pai de Iraçabeth continuou no mesmo lugar. Seu olhar frio parecia perdido
naquela escuridão.
Naquela
noite perdera a única filha e o nascimento daquela criança manchara a
existência dos Santorinis.
Ainda
se recordava de quando a única herdeira lhe confessara estar grávida, deixando
claro que não era do marido que há pouco tinha acabado de contrair bodas.
Buscara todas as alternativas possíveis para esconder a cruel verdade, ainda
pensara recorrer ao aborto, mas a filha fora capaz de lhe enfrentar e ameaçara
contar toda a verdade para todos, diante disso, decidira trancafiá-la em um
convento, inventando uma enfermidade para a sua falta nos eventos da sociedade.
Quanto ao duque, esse fora imperativo o dizer que deveria ser colocado um fim
em toda aquela narrativa.
Bateu
com o punho fechado contra a própria mão.
Dez
anos depois...
A
isolada ilha da serpente exibia um sol brilhante depois de longos dias de
chuva. O mar mostrava-se calmo. Os grandes coqueiros sacudiam suas folhas.
--
Samantha...
O
grito de Eliah podia ser ouvido por todo o deserto lugar.
Buscava
em todas as partes pela garota de cabelos da cor de ébano e olhos tão azuis
quanto o mar. Sabia como era traquina a pequena e bastava distrair-se que
escapava para explorar aquele lugar que já conhecia tão bem.
--
Sam!
Logo
o navio atracaria e Otávio ficaria furioso se não a encontrasse.
Olhava
de um lado para o outro, estava tão preocupado que não percebeu a menina se
aproximando, apenas se assustou ao sentir a fria lâmina da espada contra as
costas.
--
Renda-se, pirata? – A voz infantil disse em tom ameaçador.
O
homem alto se virou com cara de bravo, mas logo sua carranca se transformou em
um riso.
Agarrou-a
pela cintura, jogando-a sobre os ombros como se fosse um saco de batata.
--
Não, Eliah, solte-me, quero continuar brincando. – Debatia-se. – Deve enfrentar-me
com sua espada e não me tratar como se fosse um cervo.
--
Usarei a espada para lhe espancar se ousar fazer isso novamente. – Ameaçou-a.
Samantha
gargalhou, pois sabia que o homem jamais faria algo assim.
--
O serpente está vindo, vi o navio ao longe, você tem que se arrumar.
--
Vou dizer ao serpente para que te acorrente no porão e deixe os ratos comerem
tuas tripas. – Riu com as cocegas que recebeu nos pés. – Papai está vindo
mesmo? – Indagou entusiasmada.
--
Sim, já o vi, então se comporte.
Ao
saber da notícia a garota pareceu decidir que o melhor era fazer o que era
dito. Não queria contrariar o pai, ainda mais que pouco o via e tentava acatar
todas as ordens que eram lhe dadas.
Soltou
um longo suspiro que não passou despercebido pelo pirata que a levava de volta
para a construção de pedras.
Adentraram
o portão e logo chegavam ao pequeno castelo que viviam.
Era
uma construção antiga que fora reformado por Otávio para ser a morada de
Iraçabeth, mas com a morte da amada, deixara a filha naquele lugar. Era uma
fortaleza para protege-la de tudo e todos que pudessem ameaçar sua existência.
Seguiram
pela entrada forrada de pedras minúsculas e logo paravam no arco da entrada.
Eliah
deixou a garota no chão e lhe tomou a espada.
--
Seu pai não a quer com armas! – Repreendeu-a.
--
Por que não? – Indagou altiva com as mãos na cintura.
--
Porque você não é uma pirata.
A
criança viu o a figura alta e carrancuda se aproximando com expressão irritada,
mesmo assim, Samantha ignorou e correu para ele.
O
homem se agachou para receber o abraço.
Fechou
os olhos e lembrou a mulher que amara e continuaria amando por toda a eternidade.
Ela se orgulharia da linda filha que tinha.
--
Papai, eu sou a víbora do mar. – Dizia com um sorriso.
Otávio
riu ao ver um dente faltando.
--
Sim, por isso esse é o nome do outro navio, é em sua homenagem, afinal, a filha
do serpente tem que ser uma víbora.
--
Então já posso navegar ao seu lado?
O
homem trocou olhares com Eliah.
Seu
grande amigo fora designado para cuidar da criança. Desde a noite do seu
nascimento, buscava protege-la, pois sabia que havia inimigos por todas as
partes e ela seria um alvo fácil.
--
Primeiro você vai tomar um banho e depois conversaremos sobre sua aventura no
mar. Está fedendo a peixe podre.
Os
olhos azuis estreitaram-se, mas a garotinha meneou a cabeça freneticamente e
saiu em disparada, sabia que não podia desafiar o poderoso pirata.
--
Então vai leva-la?
O
Lacassangner se levantou, enquanto colocava as mãos nos bolsos da calça.
--
O comandante Santorini está em minha perseguição. Desde que descobriu que a
neta dele vive, vem usando de inúmeros ardis, crimes que ele mesmo está
cometendo e usando meu nome, está agindo como um desgraçado que é e temo que chegue
até a Sam. O duque também está buscando por ela. – Relatou, enquanto olhava o
lugar que trazia lembranças dolorosas.
--
Vai transformá-la em uma fora da lei? – Indagou com reprovação.
--
Não, vou ensiná-la a se defender, pois haverá um momento que não estarei mais
aqui e quando isso acontecer, não desejo que a minha filha seja vítima desses
miseráveis.
Dias
depois...
O
navio serpente do mar atracou em uma ilha.
Otávio
observava ao longe os dois tripulantes retornarem no pequeno bote.
--
Quem foi o sequestrado agora?
O
pirata se virou e viu o primeiro imediato, Eliah, aproximar-se.
Olhando
sobre os ombros do amigo, viu a pequena Samantha Lacassangner em sua aula de
esgrima.
A
criança tinha a pele bronzeada, cabelos negros como uma noite de tempestade e
herdara seus olhos azuis.
Sorriu
orgulhoso.
A
menina já dominava fluentemente três idiomas, estudava os clássicos da
Literatura latina, gostava de artes modernas e vivia mergulhada nas leituras.
Mesmo agora vivendo no mar e sendo filha de um pirata, Otávio dava toda a
educação que ela precisava.
--
Logo precisarei que a leve até o porto para que faça as provas oficiais. –
Falou, enquanto voltava a olhar para os tripulantes que já se aproximavam.
--
Você está fazendo um ótimo trabalho, Samantha será grande no que ansiar ser.
O
pirata sabia que era verdade o que o amigo dizia, porém tinha certeza que no
aspecto sentimental, não obtivera êxito. Sua herdeira parecia ter herdado sua
arrogância, seu sarcasmo e pouca humildade. Agia como uma pirata e não era o
que desejava.
Anos
depois...
Os
homens pareciam estupefatos ao ver a víbora do mar enfrentar alguns soldados da
marinha real.
De
forma fria, ela conseguia desarmá-lo de suas armas de fogo, entregando-lhe uma
espada para que duelassem.
Todos
ficavam enfeitiçados diante da performance da filha do serpente do mar.
Com
cabelos longos soltos, usava uma corrente de ouro em sua testa para adornar sua
beleza. Blusa justa, presa por fios em sua cintura fina, deixando os seios
delicados de adolescente bem moldados. Estava usando saia de tecido grosso,
longa, porém curta na frente, folgada a ponto de lhe permitir os movimentos. As
botas de couro marrom pareciam ganhar vidas para executar os passos de luta.
Ouvia-se
os sons das espadas chocarem-se no ar. O oficial parecia mais encantado diante
da bela jovem que da intenção de vencê-la, não demorando a ser subjugado, tendo
o frio metal encostar em sua garganta e a bota brilhante sobre seu peito.
Os
gritos de alegria dos piratas foram ouvidos em felicidades por sua vitória.
A
Lacassangner fez um gesto com as mãos, pedindo silêncio.
--
Vocês não são bem-vindos no meu navio e suas perseguições são irritantes.
Eliah
observava tudo um pouco distante.
Sabia
bem quais eram as intenções da marinha real em estar sempre vigiando o víbora.
Há
dois anos, Otávio fora morto em um ataque quando fora salvar a filha. Desde que
a notícia fora espalhada, homens viviam a perseguir sua única herdeira, que
agora contava com vinte e dois anos.
O
que Sir Arthur desejava? Temia que a neta bastarda buscasse o lugar que lhe
pertencia?
A
jovem conhecia toda a história da própria vida e sempre demonstrara escarnio
pelos Santorinis.
--
Darei meu último recado: Volte para a sua terra e deixe-nos em paz. – Ordenou.
O
oficial levantou-se, encarava a jovem.
--
Sabe que isso não acaba aqui, pirata!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue bom vc voltou,com mais uma história maravilhosa 😊😊😊😊😊
ResponderExcluirOlá, querida, espero que realmente possa gostar dessa nova história, passei a pandemia toda com ela na minha cabeça, até que tive coragem para escrevê-la kkk você também seja bem vinda.
ExcluirUm abraço!
Meu Deus vc voltou que maravilha!!!!!!!! 🤩
ResponderExcluirQuem é vivo sempre aparece né, esse foi o meu caso, Gi, senti saudades e retornei ao meu território kkkkk Fico feliz em vê-la por aqui acompanhando mais uma história.
ExcluirUm grande abraço!
Nem acredito que você voltou, fico muito feliz em saber que você está bem, senti muita falta das suas histórias. Bem vinda de volta Geh!
ResponderExcluirOlá, também sinto muita falta de escrever e esse sempre é o motivo do meu retorno, para não viver as histórias sozinhas, sinto-me sempre feliz em compartilhar com vcs.
ExcluirUm abraço!