A dama selvagem - Capítulo 37


 

O sol já tinha raiado totalmente quando Aimê despertou.

Ouvia as vozes lá fora e ao se virar, deparou-se com a esposa dormindo ao seu lado. Pegou a pele, cobrindo-as.

Mirou a face bonita e ficou a pensar como mais uma vez se mostrava totalmente entregue àquela mulher. Mirou o ombro machucado.

O que tinha acontecido?

Tocou lentamente...

Precisava ser cuidado.

Ficou ali, apenas a observando, ouvindo a respiração pesada. Era assim que queria todos os dias da sua vida...

Seu corpo ainda trazia os resquı́cios dos deliciosos toques... Mais uma vez se entregaram naquela madrugada fria... A Calligari parecia incansável quando se tratava de fazer amor... Quando se tratava de lhe satisfazer totalmente... Não demorou para os olhos negros se abrirem, junto com um enorme sorriso.

-- Bom dia, princesa! – Cumprimentou-a.

-- Bom dia...

A major sentiu os lábios colarem nos seus rapidamente.

-- Deve levantar e comer algo... e cuidar desse ferimento...

Os olhos da morena estavam nos seios expostos da filha de Otávio que não pareceu se importar com o fato.

-- Você é safada!

-- Contigo... – Esticou o braço, tocando o mamilo tugido. – Fico mais safada quando se trata de ti... – Brincou com o  mamilo.

-- Quero que seja safada apenas comigo... – Mordiscou o lábio inferior. – Não aceitarei que outras se aproxime.

-- Eu só quero você, mimadinha!

A garota relanceou os olhos em irritação.

-- Não quero que me chame assim ou de adolescente... E' como se eu não fosse uma mulher... A pintora trouxe a esposa para cima de si.

-- De onde tira essas bobagens, hein? – Colocou o cabelo dela por trás da orelha. – O fato de chama-la assim, não lhe tira seus méritos de ser uma mulher maravilhosa e minha esposa.

-- Não gostei de como falou comigo lá na floresta... Eu fiquei desesperada, passei todos aqueles dias em desespero...

Pensando que algo de ruim tivesse acontecido...

Diana viu as lágrimas brilharem nos olhos azuis.

-- Aimê... – Usou o polegar para tocar o lı́quido salgado. – Você não tem ideia de como entrei em desespero quando vi aquela onça partir em sua direção... Eu teria enlouquecido... A selva é um lugar muito perigoso, ainda mais para alguém inexperiente... – Beijou-lhe os olhos. – Preciso que obedeça... Sei que não é muito da sua natureza e prometo que quando estivermos na civilização, poderá ser totalmente livre... mas aqui não...

A Villa Real respirou fundo, enquanto tocava os três pequenos sóis tatuados no seio da amada. Alguns ı́ndios conversavam alto na parte de fora.

Mesmo que a filha de coronel não tivesse familiaridade com o dialeto, conseguiu entender o que diziam. Levantou-se, cobrindo-se com a pele.

Diana não pareceu entender o que se passava.

-- Você matou o Crocodilo? Como foi capaz de ter a vida desse homem em suas mãos? Deseja se igualar em maldade com meu pai ou a esse bandido?

A Calligari ficou parada durante algum tempo, enquanto sentia o olhar acusador sobre si.

 Levantou-se, enquanto começava a vestir a roupa sem nada a dizer.

Aimê continuava com seu olhar inquisidor, mas a morena não parecia apressada em lhe dar uma explicação. Terminou de se vestir e em seguida, encarou-a.

-- Não ouse a fazer comparações desse tipo! – Avisou-lhe com o dedo apontado em riste.

A Villa Real pareceu constrangida por ter agido daquela forma.

-- Conte-me o que se passou... – Pediu de forma mais tranquila.

A morena pegou o arco, colocando em seu ombro o reservatório de flechas.

-- Tenho coisas mais importantes para fazer do que ouvir suas acusações infundadas.

A major já seguia para a porta quando a jovem a deteve pelo braço.

-- Diana, me explique o que se passou. – Pediu com calma. – O que houve?

Os olhos negros se estreitaram de forma ameaçadora.

-- Vista-se! – Ordenou.

Aimê a viu deixar a oca, permanecendo no mesmo lugar, sabendo que não deveria ter falado daquele jeito com a esposa.

Passou a mão pelos cabelos, enquanto segurava a pele.

Respirou fundo!

 

 

 

 

 

 

Piatã estava sentado sobre o banco e conversava com a princesa e com Tupã. O dia estava bonito. O céu azul...

--  Não  devem  se  arriscar  tanto.    O  velho  ı́ndio  dizia.    Esses  homens  são  terríveis,  veja  o  que  fizeram  com  o  tal Crocodilo.

Diana sentou-se.

Sentia pontadas na cabeça... O estresse estava sendo grande. Pegou um graveto e começou a desenhar no chão de terra.

-- Precisamos leva-los até o acampamento e lá o exército levará esses miseráveis embora.

 Uma bela ı́ndia se aproximou com algumas ervas para cuidar do ombro da princesa.

Tupã fitou Piatã em reprovação.

-- Sairemos daqui a pouco! – Sorriu para a jovem. -- mas quero que deixe a aldeia e siga até a tribo do pajé. – A morena deu uma pausa ao sentir o machucado arder. – Preciso que me esperem lá... – Fitou a oca e viu a esposa deixar a choupana. – Precisa não baixar a guarda com a Villa Real, já percebemos que ela é irresponsável e inconsequente.

O idoso meneou a cabeça.

 

--Não deve ser tão radical... Sabe como ela ficou em total desespero imaginando que você tinha sido morta... Eu vi o sofrimento dela... Sabe que ela não hesitaria em dar a vida para salvar a sua.

O marido de Sirena caminhou até a herdeira de Otávio, enquanto Diana permanecia no mesmo lugar.

--  Ela  passou  por  um  momento  terrıv́  el,  filha,  imagine  ter  que  ser  usada  para  torturar  a  mulher  que  tanto  amo... Talvez, você esteja muito irritada com algo, porém não deve esquecer de que Aimê esteve disposta a tudo para salvar sua vida.

Diana continuou calada, enquanto observava a jovem que lhe cuidava do ferimento parecer mais dedicada do que o necessário.

Suspirou alto.

Seria tão fácil se não amasse tanto a filha de Otávio...

 

 

 

 

Aimê viu o guerreiro se aproximar.

Tentou não fitar a esposa... Tentou não notar como a tal mulher que se aproximara parecia mais interessada em lhe alisar do que cuidar realmente dos seus machucados.

Cerrou os dentes para controlar a raiva...

-- Fico feliz que esteja bem e mais feliz em vê-la com luz nesses olhos tão bonitos. – Tupã dizia a Villa Real, enquanto lhe tomava as mãos. – Nos encontramos sempre em momentos difı́ceis... Mas, seu espı́rito sempre tem um entusiasmo que está acima de tudo isso...

A jovem sorriu em simpatia, distraindo-se por algum tempo do seu desagrado.

-- Obrigada... É um prazer poder vê-lo também...                            

Começaram a conversar... Falar sobre trivialidades até que o assunto se voltou para o cruel assassinato de Crocodilo.

Durante longos segundos, o irmão da major narrou tudo o que se passara naqueles dias que estiveram fora...

Contando os detalhes do ocorrido...

-- Você é muito simpática... Precisa apenas ter mais tolerância e paciência também para lidar com a princesa. – Depositou um beijo em sua testa. – Ficarei um pouco com a minha amada, logo partiremos, quero aproveitar o tempo... Deveria fazer o mesmo...

A Villa Real assentiu, enquanto via o homem se afastar.

Agora a garota já sabia o que realmente se passara entre Crocodilo e a esposa e a consciência da neta do general pesava mais do que seu peso elevado ao cubo.

Desejou ir até a Diana, mas sabia que não era uma boa ideia naquele momento. Como pôde acusá-la de forma tão cruel? Como pôde compará-la ao pai?

Tudo o que se passou não foi suficiente para mostrar como aquela mulher cheia de arrogância e orgulho também era dotada de um caráter ı́mpar?

Quanta dor ela se submetera para salvá-la... Poderia ter nem aparecido naquele lugar, porém o fez e quase morreu, mesmo assim não desistira, nunca desistira de si...

Fechou os olhos fortemente para deter as lágrimas que desejavam sair, mas ao abri-los, deparou-se com o olhar poderoso em sua direção.

A ı́ndia estava magoada e havia todas as razões do mundo para aquilo.

 

Pelo que ouvira de Tupã, não demoraria para que eles seguissem novamente, então o melhor era se desculpar por suas criancices antes que fosse tarde.

Caminhou lentamente até onde eles estavam.

Piatã a saudou com carinho, arrumando uma desculpa e se afastando, entretanto a “enfermeira” improvisada não pareceu interessada em fazer o mesmo e fazia o trabalho tão dedicadamente que parecia ter nascido apenas para fica a alisar o corpo bonito da pintora.

-- Podemos conversar... – Aimê pediu, tentando esconder o incômodo pela presença da tal nativa.

A pintora a fitou demoradamente.

Via nos olhos tão azuis o arrependimento, mesmo assim, isso não era suficiente para amenizar sua raiva diante das acusações.

A comparação com o maldito Otávio fora um pouco forte de mais para si. Voltou a usar o graveto para desenhar...

-- Fale...

Aimê umedeceu os lábios e nada falou. Cruzou os braços sobre os seios.

Fitou o ferimento no ombro e imaginou que se a pintora não tivesse agido rápido poderia ter sido mortalmente ferida.

Colocou as mãos na cintura.

Olhou o céu que parecia tão azul naquela manhã.

Viu as ı́ndias seguirem para os seus afazeres do dia e muitas levavam seus pequenos filhos enganchados em seus quadris, enquanto outros seguiam pegados em suas mãos. Alguns guerreiros já voltavam com suas lanças, traziam peixes e preparavam o fogo para preparar as refeições.

Observou Tupã ao lado da esposa a alguns metros dali, via o sorriso bobo do chefe e como parecia apaixonado pela bela mulher...

Não havia dúvidas que a Calligari e o guerreiro dividiam o mesmo sangue, pois ambos eram muito parecidos em alguns aspectos, principalmente no tocante a se mostrarem tão arredios e brutos, mas na verdade, tinham aquela sensibilidade de estar sempre a se preocupar pelo outro, mesmo que fizessem de tudo para mesclar essas qualidades com o sarcasmo e a arrogância.

Voltou a olhar para a esposa.

Viu o desenho e ficou maravilhada ao ver a imagem do Cérbero...

-- Peça para que ela saia... – Pediu de forma hesitante. -- Assim poderemos conversar, Diana. Os olhos negros mais uma vez a miraram demoradamente, depois fizera o que fora dito.

A ı́ndia não pareceu gostar, mas acatou as ordens da princesa.

Assim que ficaram sozinhas, Aimê agachou diante da esposa, tomando para si a função de cuidá-la.

As mãos delicadas molhavam a ferida com as ervas que estavam na cuia. Fazia tudo com grande delicadeza. Permaneceram em silêncio por longos segundos.

A pintora a observava desempenhar a função, observava a forma gentil que ela agia e não demorou para que seus olhares voltassem a se encontrar.

As lágrimas brilhavam no intenso azul celeste.

Os lábios entreabertos deixavam entrever os dentes alvos. A face bonita estava corada.

Poderia ser mais linda?

-- Eu acho que sou realmente uma mimada... – Disse em um fio de voz. – Uma adolescente que age inconsequentemente e sempre segue pelo caminho errado... – Engoliu em seco. – Você não merecia as minhas acusações, na verdade, você não merece nada do que viveu... – Desviou o olhar por um momento, mas depois a mirou de novo. – Talvez, minha famı́lia e eu não sejamos realmente uma boa referência a ti... – Os dedos longos tocaram o V que se desenhava cruelmente em seu abdome. – Você é melhor do que todos nós... E eu continuo sendo uma boba que não espera que me diga o que se passou e já saio tirando as minhas conclusões precipitadas...

A major viu as lágrimas descerem.

Desejou secá-las com seus lábios... Mas acabou ficando quieta... Fitou o desejo e depois a ela.

-- Achou mesmo que eu sou uma assassina fria e cruel? – Indagou por entre os dentes. – Saiba que eu teria sim matado seu pai com as minhas mãos... Teria feito... Não hoje, mas naquela época, não teria medido as consequências dos meus atos... E confessarei também que tive vontade de trucidar o Crocodilo por tudo o que ele te fez passar... Por saber que ele ousou a te bater... – Tocou-lhe a face rosada. – Desejei feri-lo e muito... mas sabia que se eu desejasse um novo rumo para a minha vida, precisaria agir com justiça e eu tentei fazê-lo... – Levantou-se incomodada e sua forma brusca fez ir ao chão a cuia que a esposa segurava.

Aimê permaneceu acocorada, sabia e via a raiva nos olhos negros e isso era algo que a feria em demasia. Respirando fundo, levantando-se.

Voltou a fitá-la.

-- Diana...

-- Não acho que devamos conversar sobre suas impressões ao meu respeito nesse momento... – Interrompeu-a friamente. – Você ficará mais uma vez sob a proteção de Piatã, confio nele e sei que cuidará de ti... Então comporte-se e não faça nenhuma loucura... Pois se algo se passar contigo, será o velho ı́ndio que será castigado.

A filha de Otávio fez um gesto se assentimento.

-- Farei o que ele disser... Mas e você? – Indagou preocupada. – Ainda seguirá atrás desses homens? Aquele segurança se mostra ainda mais terrível do que o próprio Crocodilo... Não deve se aproximar dele...

O maxilar da ı́ndia enrijeceu.

-- Bem, farei tudo para não sujar as minhas mãos de sangue diante do desgraçado, não quero ser igualado a Otávio, prometo que lutarei com um galho de oliveira e uma bandeira da paz, assim não correrei o risco de ser uma assassina cruel e covarde!

Antes que Aimê pudesse falar mais alguma coisa, a princesa se afastou pisando duro, com os ombros e a cabeça erguidas, mostrando seu total orgulho e arrogância.

A Villa Real começou a massagear as têmporas, enquanto sentia mais uma vez como agira como uma idiota...

Lembrou-se de quando fora até a delegacia para prestar uma acusação contra a morena, como fora estúpida e como ainda era...

Cerrou os dentes.

O que poderia fazer agora para se redimir das terríveis palavras que cuspira tão cruelmente?

Faria o que a esposa ordenou, seguiria com Piatã para onde fosse preciso e rezaria para que tivesse uma nova chance com a mulher que amava... Uma nova chance para tentar não ser tão idiota novamente.

 

 

 

 

 

 

 

Naquela manhã, Tupã e Diana deixaram a aldeia.

Aimê preferira não insistir em se acertar com a esposa, pois sabia que tudo o que viesse a falar naquele momento seria totalmente ignorado. A ú nica coisa que fizeram, fora uma troca significativa de olhar.

Sirena já sabia o que tinha acontecido. A própria princesa fora até ela em determinado momento e dissera o quanto estava irritada e decepcionada com a mulher que amava.

Já era noite.

A filha de Otávio estava na oca.

No outro dia, seguiria com Piatã, Alanna e uma escota até a tribo do pajé e permaneceriam lá à espera da pintora.

Tinha decidido não jantar, seu estômago estava embrulhado.

Adentrou a construção e viu a rede. Sentiu o cheiro da esposa...

Talvez tivesse sido melhor ter seguido naquele mesmo dia embora dali.

Permaneceu parada e teve a impressão que seu cérebro gostava de estar sempre a reproduzir os momentos que lhe deram tanto prazer e os que a feriram...

Umedeceu os lábios.

Viu o desprezo no olhar dela... Viu...

Cerrou os dentes, enquanto as lágrimas tomavam força em seu pranto.

Passara aquele dia, tentando segurá-las, mas agora não era mais possıv́  el, agora não havia mais por que fazê-lo... Soluçou!

Ouviu passos, assustando-se ao se deparar com Sirena. Limpou os olhos rapidamente.

-- Aconteceu algo? – Indagou preocupada.

A ı́ndia sorriu com simpatia, entregando-lhe uma caneca.

-- Está tudo bem!

Aimê fitou a oferenda e em seguida aceitou o que estava sendo ofertado.

-- É um chá, ele vai te ajudar a dormir, vai poder descansar para a viagem.

A jovem assentiu, enquanto bebia lentamente o lı́quido, assim que terminou entregou o recipiente.

-- Obrigada!

Sirena a observava com atenção, não se afastando imediatamente. Parecia ponderar, até que começou a falar.

-- Eu conheço a Diana há muitos anos... – Começou tranquilamente. – Sempre tivera aquele ar forte, orgulhoso... – Esboçou um sorriso. – Lembro de que nunca a vi chorar quando era uma menina... Nem mesmo quando a tribo da mãe a jogou na selva... Nem nesse dia, ela demonstrou fraqueza... Mas ela chorou por ti... Verteu lágrimas ao imaginar que não te veria mais... Chamava por você em seus devaneios... – Deixou a caneca de lado, tomando-lhe as mãos. – Ela te ama muito, eu vejo isso naqueles olhos negros e também vejo o mesmo nos seus...

A Villa Real mordiscou o lábio inferior demoradamente.

-- Eu sou uma idiota, uma boba... Talvez eu não mereça esse amor...

-- Aimê... Aimê... não diga essas coisas... Vocês se amam intensamente e não há quem possa contra esse sentimento.

-- Mesmo que a ame... continuo agindo como uma idiota, foi assim, a acusei injustamente e nem mesmo esperei para que se explicasse... – Desvencilhou-se do toque. – Eu não sei o que me acontece... – Passou a mão pelos cabelos. – É como se não conseguisse controlar minhas reações... Como se tudo ficasse mais aguçado quando se trata da Diana... – Passou a mão pelos cabelos. -- Eu sou culpada por tudo, sabe... Eu fui infantil e tive uma crise de ciúmes quando estávamos na capital... Eu vi o maldito segurança, suspeitei dele e não falei nada, pois o mais importante é fazer birra... – Soluçou. – E isso eu sei fazer muito bem... Agora, mais uma vez, por minha culpa, a Calligari se arrisca... Então, diga-me, esse meu amor é algo bom?

Sirena via o desespero que a jovem demonstrava.

Um dia fora tão insegura e imatura como a filha de Otávio e se sentia angustiada ao imaginar que devido a isso, um sentimento tão forte poderia ser interrompido.

Respirou fundo.

-- Querida, o amor não é uma história sem dor... Os anciãos quando contam para nós a história dos nossos deuses, sempre representam a divindade amorosa como uma criança inconsequente... Instintiva... – Deu um sorriso. – Uma criança com duas faces... Uma voltada para o passado e outra para o futuro... Mas nunca para o presente... Olha sempre para frente e jamais para os lados... Uma brinca durante o dia... A outra gosta da noite... Uma se mostra mais branda... A outra mais ativa... Eu não sei se você me entende, mas apenas precisa entender que esse sentimento poderoso que sente não é tão fácil de lidar... Não há garantias... Ainda mais quando se trata de seres como nós... Mesmo que hoje não comamos mais pessoas, mesmo que a sua civilização demonstre a racionalidade... Somos apenas domesticados... Igual um cachorrinho... Aos poucos nossas ações vão sendo moldadas... Mas quando nos apaixonamos ou ficamos com raiva, retornamos para a nossa forma primitiva... – Tocou-lhe a face. – Tenha paciência... Tudo se resolverá...

-- E se ela não me quiser mais...

-- Ela te ama... E mesmo que fiquem assim, logo esse sentimento vai gritar mais alto e vocês poderão ficar juntas... Sirena viu o sofrimento e as lágrimas correrem soltas e fez a ú nica coisa que poderia ser feita naquele momento. Abraçou-a forte.

 

 

 

O dia já tinha amanhecido.

Diana e Tupã se encontraram com os outros ı́ndios.

-- Eles pegaram um dos nossos e retalharam em minha homenagem! – A Calligari esmurrou forte a árvore. – Esse maldito desgraçado não sabe com quem estar a mexer.

O chefe fitava a irmã e sabia o que ela sentia.

-- Retire os homens! – A pintora ordenou. – Não deixarei que ninguém mais se machuque por minha causa! – Virou- se para os guerreiros. – Devem voltar para a aldeia ou buscar um lugar que seja seguro.

-- Princesa! – Tupã a chamou impaciente. – Não será assim que as coisas irão se resolver, precisamos sim nos manter unidos para conseguimos vencer esses bandidos.

Ouviam os sons dos pássaros e dos macacos.

-- Você não entende! – Ela esbravejou. – Veja o tamanho de crueldade que esse miserável é capaz... Poderá agir pior...É covarde!

-- Por isso mesmo teremos que ficar juntos, trabalhar juntos para poder vencer. – Aproximou-se dela, colocando a mão sobre seu ombro. – Confiamos em ti, confiamos no treinamento que teve... Então pense friamente e nos conduza à vitória.

A morena tinha os punhos fechados diante ao lado do corpo. O rosto exibia total inflexibilidade. O maxilar rı́gido, os olhos estreitados.

-- Não terei a mesma piedade com esse desgraçado!

A morena começou a traçar um plano.

Precisava pensar em uma forma de atrair a todos para o acampamento principal, teria que agir com segurança para que tudo pudesse dar certo e saı́rem dali com vidas.

Pelo que fora relatado pelo ı́ndio que seguia os passos dos traficantes. O tal loiro parecia muito esperto e estava criando um verdadeiro campo de guerra e algumas armadilhas.

 

 

 

 

O loiro reunira os homens.

Diferente de Crocodilo, o segurança forte contava com o apoio dos membros da gangue. Acreditavam que o rapaz jovem conseguiria conduzi-los para fora daquele lugar.

-- A Diana é mole... – Dizia em voz baixa. – Ela não é a guerreira cruel que deseja demonstrar a todos. – Pegou o punhal. – Ela é do tipo que se sacrifica pelo outro... – Riu em desprezo. – É apenas uma mulher idiota com ares de grandeza. Se a matarmos, poderemos sair daqui e viver livres...

-- Mas como faremos isso? Nem sabemos onde está!

-- Ela está com esses miseráveis sujos, está com os selvagens, mas eles não se igualam a nós... Temos armas ainda e eu tenho um plano... – Cochichou. – Finquem troncos na frente do acampamento, circundando nossos domı́nios. – Deu um sorriso cruel. – Vamos ver o que a major vai fazer diante disso.

 

 

 

 

 

O sol já parecia querer se esconder.

Diana se agachou, examinando a pele que estava no chão.

-- Acho que uma sucuri filhote está por perto! – Disse ao encarar o irmão. – Espero que não tenhamos problemas

Tupã demonstrava um olhar de preocupação, mas não parecia ser esse o motivo.

-- O que houve?

-- Venha comigo!

A morena o seguiu.

Passaram todo o dia, buscando disfarçar os caminhos que levavam até as aldeias que tinham por aquela parte, pois temiam que conseguissem chegar até lá  e causasse um problema terrível.

Aumentaram os passos e logo chegaram a árvore. Treparam bem alto.

Tupã lhe passou o binóculo.

Diana praguejou, depois encarou o chefe.

-- Que espécie de demônio é esse? – Passou as mãos pela cabeça. – Ele vai matar cada uma daquelas mulheres... Ele vai sacrificá-las... – Voltou a usar o binóculo.

Havia cinco troncos como os que a major ficara e em cada um deles, as prostitutas tinham sido amarradas. Foram usadas folhas de palmeiras para escrever um aviso:

“ Aproxime-se e mato todas.”

-- O que vamos fazer agora? – Questionou ao guerreiro. – Não duvido que ele fará o que promete.

-- Não podemos perder a cabeça... Ele está fazendo isso porque encontrou fraqueza em ti, ele sabe que se preocupa com essas pessoas...

-- O que faremos? Amanhã essas pessoas precisam estar no acampamento... Será a chance que teremos.

Diana ponderava.

-- Não ouse aparecer para eles... Não titubearão, te encherão de furos!

A morena mordiscava a lateral do lábio inferior.

-- E se causarmos uma distração... Eles não têm muita munição... Também não acredito que aquele idiota seja muito inteligente... Podemos trazer o exército até aqui...

-- Mas que tipo de distração? Não consigo pensar em nada...

-- Não sei... Uma onça... A sucuri... Seria uma distração perfeita.

-- Não se deve brincar com os animais, Calligari! – Advertiu-a.

-- Nem por uma causa nobre? – Torceu a boca em desdém. – Precisamos de algo, Tupã, precisamos de algo.

O guerreiro pensava e cogitava a ideia da irmã.

As tribos tinham um respeito grande por todos os seres que habitavam a floresta e só os matava por necessidade mesmo, jamais por diversão.

O ı́ndio pegou o binóculo e ficou a ver toda a movimentação no acampamento.

-- Conheço pessoas que podem fazer sons interessantes... Imitações bem perfeitas... Tanto que temeria atrair os bichos aqui.

Diana pareceu surpresa com o que ouvia, mas o sorriso do guerreiro lhe transmitiu segurança.

 

 

 

 

O segurança olhava tudo com atenção.

Já era de manhã e os homens se reuniam para tomar um pouco de café que ainda tinham. As mulheres pediam piedades e eram totalmente ignoradas

-- Não devem baixar a aguarda. A Diana não vai desistir, vai vim aqui e tentar salvar essas putas.

Um rugido alto foi ouvido.

Os homens se amedrontaram, armando-se. Olhavam para todos os lados.

Outro rugido maior e vinham de outra extremidade.

-- O que está acontecendo? – Um dos homens questionou preocupado. – É como se estivéssemos sendo cercados por esses animais. Vamos sair daqui...

O loiro jogou a caneca, enquanto pegava a arma.

-- Fiquem nos seus postos! – Ordenou. – Ninguém fará nada que não seja por minha ordem.

Os barulhos continuavam e ainda mais perto.

-- Vamos ser trucidados por esses bichos! Estão nos cercando!

 Ouviram som do helicóptero. Vários deles...

O pânico começou a se instalar no acampamento.

-- Não sejam idiotas, fiquem nos lugares de vocês... – Esbravejava. – O exército está aqui... Temos que nos defender ou iremos presos.

-- Melhor preso do que comido por esses animais...

Os barulhos se tornaram maiores e não demorou para que o grupo começasse a correr, temendo que fossem pegos desprevenidos.

Não demorou para que restassem apenas as mulheres e o segurança.

Ele estava com a arma em punho, apontando-a cegamente para todos os lados.

As prisioneiras imploravam para que as soltassem, mas o bandido não parecia muito interessado.

-- Fiquem quietas, vagabundas! – Ordenou. – Ou atirarei em cada uma de vocês...

Começou a chamar pelos homens, mas não recebia resposta e os rugidos também haviam cessados. De repente uma flecha cravou em seu punho e ele acabou por soltar o revólver.

Diana caminhou até ele.

Tinha um sorriso estampado nos lábios.

-- Nos reencontramos!

O loiro olhou para a arma que estava um pouco distante.

-- Tente pegá-la e eu terei a desculpa perfeita para acabar de uma vez por todas contigo.

-- Desgraçada! – Mirou a flecha. – Eu vou matá-la...

O loiro, mesmo diante da ameaça, partiu para cima da Calligari. Diana conseguiu se livrar do soco... Tomou distância.

A major jogou o arco. Não parecia se importar em enfrentar o bandido.

-- Vem! – Chamou-o. – Bate em mim! Só que agora eu não estou amarrada a um tronco.

De novo, ele partiu para cima, Diana fechou a mão com tanto gosto, acertando-o em cheio no queixo. O impacto foi tão grande que mesmo o homem sendo forte, cambaleou.

-- Miserável! Vadia nativa...

A major sorriu em deboche.

-- Vem de novo!

A princesa conseguia se desfazer das investidas sem dificuldades. Como todos sabiam, ela fora bem treinada. Acertou um chute na virilha do loiro, fazendo-o se dobrar de dor.

-- Isso é pra você nunca mais chegar perto da minha esposa!

-- índia selvagem... – Gemeu.

 

-- Você deveria lutar como uma mulher... – Voltou a chutá-lo. – Agora fique aı́ e espere que o exército venha te buscar... – Seguiu até as mulheres e com o punhal, começou a soltá-las.

Diana era descuidada e mais uma vez deu as costas para o inimigo.

O segurança conseguiu pegar a arma e já estava pronto para alvejá-la, quando vários tiros foram deferidos em seu corpo.

A morena se virou e viu alguns soldados ali e logo, o corpo do loiro parecia uma tábua de pirulito no chão. O coronel se aproximou.

-- Deveria tomar mais cuidado, major!

Ela o conhecia.

Estiveram juntos durante longos anos.

Um homem bonito, forte e ı́ntegro como poucos. A pintora respirou fundo...

-- Bem, acho que lhe devo a minha vida!

-- Quase não a reconheci... – Encarou-a. – Todos os homens serão transportados...

-- Agradeço por ter vindo ao meu socorro.

-- Eu acho que todos nós devı́amos isso a você... – Fez sinal para que os homens desamarrassem as mulheres. – Voltará conosco?

-- Ainda não, mas assim que retornar, seguirei até o quartel.

O homem assentiu.

-- Será sempre bem-vinda, major!

Apertaram as mãos e logo todos deixavam o local.

A morena seguiu até o corpo do segurança, observando-o. Mais uma que não ficaria para contar a história...

-- Se esses homens não tivessem chegado, você teria sido covardemente morta.

A voz de Tupã lhe chamou atenção.

O guerreiro se aproximou, olhando o morto.

-- Eu acabei me descuidando... – Suspirou. – Às vezes fico a pensar se as pessoas podem ser ainda mais idiotas... – Observava tudo ao redor. – Acho que estamos livres.

-- Mandarei que meus guerreiros limpem a região... Seguirei contigo até a tribo do pajé.

Diana encarou o guerreiro durante um longo tempo.

Nunca tivera a chance de conhecer a mãe e ficava a pensar se ela parecia com o guerreiro ou consigo...

-- Foi uma honra lutar ao lado do meu irmão...

Os olhos negros do jovem se abriram em espanto.

-- Como ficou sabendo?

Quando soubera daquele vı́nculo, ficara irritada... Pois se sentira trocada pela mãe... Mas no decorrer daqueles dias, aprendera a admirar o jovem chefe.

-- Naquele dia que estive na tribo... Que falei com o pajé, ele me falou... Disse para eu cumprir meu destino... Que o meu irmão me salvaria... Fiquei sem entender... Imaginei que estava a falar por enigmas como costumava fazer...

Tupã deu as costas e parecia que iria embora, mas voltou, tomando a major em seus braços, abraçando-a. Não falaram nada... Palavras não eram necessárias naquele momento...

 

 

 

A aldeia do pajé fora o lugar escolhido para comemorar a vitória da Calligari e de Tupã sobre os traficantes. Eles tinham chegado no final da tarde.

Foram aclamados com festas...

Os tambores soavam em um ritmo frenético e não só as mulheres, mas também os homens dançavam em alegria entusiasmante.

Algumas tribos estavam presentes...

Muitos se sentiram honrados com o convite, ainda mais depois de que Diana fora aclamada como a salvadora da floresta.

Aimê estava um pouco afastada. Encostava-se a enorme árvores e via tudo com atenção, mas vez e outra, seus olhos azuis eram capturados por outros mais penetrantes.

A major estava um pouco distante e conversava de forma entusiasmada com o pajé, Tupã e outros chefes, a filha de Alexander finalmente tivera suas ações reconhecidas por seus atos heroicos.

Na manhã seguinte seguiriam até a vila e retornariam para a cidade. O caxiri era servido em abundância e a felicidade era geral.

A morena fitou a esposa demoradamente, enquanto levava a cuia aos lábios.

Desde que chegara, não trocaram uma única palavra, apenas se olhavam... Olhavam-se...

Sirena aproximou-se de Aimê.

Observou-a durante todo o tempo e se condoeu por ela está tão sozinha...

Antes, Piatã passara horas conversando com ela, depois o pajé... Agora ficava apenas a observar tudo sem se aproximar.

-- Prove! – Entregou-lhe a bebida. – Você vai se sentir mais livre.

 A filha de Otávio observava com atenção o lı́quido.

-- Não costumo beber...

-- Se se negar é uma falta de respeito com os nossos costumes... – Repreendeu-a com um sorriso. – Prove, comemore a vida da Diana e do Tupã que voltaram vivos dessa complicada luta.

A Villa Real assentiu, enquanto levava a cuia aos lábios. Fez careta, fechando os olhos.

-- Calma, precisa ingerir devagar... – A ı́ndia parou do seu lado. – Por que não foi falar com sua mulher? A jovem umedeceu os lábios demoradamente, depois voltou a beber o lı́quido.

Daquela vez não houve cara feia.

-- Ela não falou comigo... Não tive coragem de me aproximar. – Observou uma das ocas ser arrumado por uma anciã.

– Por que estão levando flores para lá?

Sirena fitou Diana e depois a neta de Ricardo.

-- A princesa recebera o prêmio que lhe cabe...

-- Prêmio? – Virou-se para ela. – Como assim?

-- Está vendo aquelas mulheres? – Fez um discreto gesto com a cabeça.

Havia cinco belas jovens ao lado da fogueira. Elas pareciam entusiasmadas e cochichavam entre si, enquanto olhava de forma desavergonhada para a major.

Seus trajes eram compostos apenas de uma tanga e os belos seios estavam expostos.

-- Sim... – Disse em um fio de voz.

-- Elas oferecerão a Diana suas riquezas... Virgindade e tesouros...

Os olhos azuis se abriram, não só em espanto, como em ciú mes.

-- Não sabia que os povos indı́genas aceitavam essa coisa de mulher se relacionar com mulher sendo uma coisa tão natural. – Disse torcendo a boca. – Virgindade... – Relanceou os olhos em tédio.

-- A Diana é uma heroı́na, Aimê, e é uma princesa, isso significa que tem poder aqui.

 A filha de Otávio cerrou os dentes e logo tomou de uma vez o conteú do da cuia.

Sirena pareceu estupefata, ainda mais por que aquela bebida tinha um gosto forte. Aimê cruzou os braços sobre os seios.

-- Estou cansada... Acho que vou me recolher.

-- Claro que não! – A ı́ndia fez um gesto para que uma mulher se aproximasse e servisse mais caxiri. – Vai deixar a sua mulher se deitar com outra? – Questionou baixo, quando voltaram a ficar sozinha. – Aguentará algo assim?

A florista dirigiu um olhar para a esposa. Sentiu um frio no abdome ao vê-la.

Estava ainda mais linda...

As pernas longas e bronzeadas estavam de fora. Havia pinturas e penas adornando seus calcanhares. Viu o pequeno pedaço de tecido que se amarrava em seu quadril... O abdome liso... Os seios cobertos por uma espécie de sutiã de couro marrom...

Os cabelos tão negros...

A pintura na face...

Viu-a sorrir alegremente e desejou que aquele gesto fosse dirigido a si. Tinha a impressão que seu coração estava a sangrar.

Os olhos negros a encararam por alguns segundos, mas logo desviaram.

-- E o que você quer que eu faça? – Passou a mão pelos cabelos. – Não posso chegar na Diana e dizer que não deixarei que se deite com essas mulheres... – Respirou fundo. – Ela nem me quer mais, poxa... Eu sou uma idiota. – Pegou a cuia e voltou a beber. – Eu não acredito que estraguei tudo...

Sirena tirou algo da túnica, colocando nas mãos da jovem.

-- Ofereça isso quando chegar o momento de agradar a princesa... Ela vai te escolher.

Aimê abriu a mão e um broche em formato de sol.

-- O pai da Diana entregou isso para a mãe dela quando foi embora...

A Villa Real observava com atenção, era uma joia linda.

-- Eu não posso... – Fitou a ı́ndia. – Como farei isso? Pertence a ela.

-- Você vai precisar... Ou vai deixar sua amada ser engolida por uma daquelas mulheres...

O olhar da garota caiu novamente sobre a esposa e depois sobre as ı́ndias que devoravam a princesa com os olhos.

-- Posso tomar mais um pouco? – Pediu.

A esposa de Tupã pensou se seria uma boa, afinal, a jovem não tinha hábito de beber, porém aquilo poderia lhe dar coragem.

Entregou-lhe a cuia.

De repente os tambores pararam e a voz de tupã se fez ouvir.

-- Hoje é uma noite muito importante! – Dizia. – Graças a princesa Diana conseguimos sair vitoriosos de uma batalha que já durava muito tempo...

Os gritos de entusiasmo de todos eram ouvidos.

 

 

A fogueira grande queimava alta... As labaredas estalavam.

-- Diana não ficará, mas sempre que precisar, poderá recorrer ao seu povo... – Fitou a irmã. – Em nome de todos, peço perdão... Devemos isso a você... A sua mãe...

A Calligari tinha a emoção em sua face.

Aqueles dias a fizeram perceber quem era realmente a filha de Alexander e de uma rainha ı́ndia. Depois de tudo o que passara, sentia-se livre...

Fitou Aimê e viu os olhos azuis em sua direção.

Percebera que Sirena ficara todo o tempo ao lado da filha de Otávio e até beberam do caxiri. Ouviu seu nome ser falado novamente.

Sabia que era tradição que uma daquelas belas mulheres lhe oferecessem algo em honraria e selasse a união com uma noite de amor.

Observou as belas ı́ndias.

Não, não sentia vontade nenhuma delas... Voltou a encarar Aimê.

Ela usava calça jeans surrada, blusas de mangas longas caı́da nos ombros. Os cabelos estavam soltos. Linda...

Como podia amá-la tanto?

-- A princesa Diana aceitará de bom grado as ofertas e nós julgaremos a melhor para que haja o prazer... – O guerreiro piscou ousado.

Piatã estava um pouco mais atrás e se aproximou do pajé.

-- Não acho que esse ritual seja interessante, ainda mais por que Diana já está casada... Aimê não merece essa humilhação...

O chefe olhou para a neta de Ricardo.

Não podia ir contra as tradições, mas podia ajustar os fatos.

-- Ela precisa reclamar o prêmio, espero que Sirena tenha a convencido a fazê-lo.

 

 

 

 

As filhas do chefe das tribos vizinhas se aglomeravam em oferecer as honrarias à princesa. Cada uma tinha um benefı́cio maior e uma beleza mais atraente.

Aimê continuava encostada à árvore e nem sabia o quanto da bebida indı́gena já tinha provado, mas sabia que aquele lı́quido tinha aguçado seus sentidos e seus sentimentos, pois naquele momento, o ciú me turvava totalmente sua visão e imaginar que a esposa dormiria com uma daquelas mulheres, chegava a se comparar a uma dor fı́sica.

Os olhos azuis não abandonavam a pintora e percebia como ela parecia feliz por ter sido reconhecida e perdoada por todos...

Desejou estar ao lado dela... Desejou abraçá-la e participar daquele momento, mas a ú nica coisa que fez foi levar a cuia aos lábios novamente.

-- Não! – Sirena a deteve. – Vai acabar caindo se continuar a tomar o caxiri.

-- Mas isso embebeda? – Questionou surpresa. – Pensei que fosse uma espécie de chá... Sei lá...

A ı́ndia respirou fundo.

-- Precisa conseguir andar para reclamar por seu prêmio.

Aimê batia a ponta do pé no chão em um gesto de impaciência.

-- Acho que a Diana vai se sentir decepcionada... Ela não para de olhar para as tais oferendas... Deve ter gostados dos peitos delas... – Relanceou os olhos em irritação. – Eu quero voltar para a minha casa, sabe, para a minha vida... Não, eu não posso continuar vendo isso... Vou enlouquecer...

-- Você fará isso... – Tomou-lhe as mãos. – Venha comigo!

A esposa de Tupã a levou até mais perto, praticamente arrastando a garota. Diana já ficara ciente do que ganharia ao escolher cada uma das belas mulheres.

-- Mais alguém tem uma oferta para a princesa! – Sirena disse ao entrar no cı́rculo. – Ela deseja participar disso... Todos os olhares se voltaram para a Villa Real.

Tupã repreendeu a amada com o olhar, mas ela o ignorou.

-- Aimê também tem uma oferta... Ela tem meu apoio...

As ı́ndias questionaram o fato da jovem não ser nativa para participar.

-- Ela tem o meu total apoio, já disse, e isso basta, afinal, sou a esposa do chefe! O burburinho continuava, porém de forma mais discreta.

A Calligari observava tudo com atenção, ainda mais a expressão da esposa que tinha o rosto esfogueado.

Desde que retornara, não trocaram uma ú nica palavra e vê-la ali para reclamar sua posse era algo excitante e atrevido de mais para os padrões da filha de Otávio.

Viu-a respirar fundo e seguir até Tupã para oferecer seu prêmio e se não fosse o guerreiro, ela teria se desequilibrado ao tropeçar em uma pedra.

Observou o sorriso grande e nervoso. Teria tomado caxiri em demasia?

O que poderia oferecer?

Fitou o corpo bonito e mais uma vez sentiu aquele desejo primitivo por ela...

-- Aimê tem um broche em formato de astro rei... – Tupã mostrava a joia. – Fora presente do general Alexander Calligari para a rainha do Sol...

A pintora pareceu surpresa com o que ouvia. Um presente do seu pai para a sua mãe?

Nunca ficara sabendo disso...

Mordiscou o lábio inferior demoradamente.

Encarou a esposa e viu o brilho nos olhos azuis, viu como estavam temerosos... O rosto mais corado do que de costume...

-- Não esqueça, princesa, que o que rejeitar não poderá voltar a ser seu... – Tupã avisou. – Diga qual vai ser a sua escolha? Tome-a para si.

As mulheres foram colocadas em uma fila frontal, esperavam a decisão da major. Diana se aproximou com passos lentos, parando de frente para elas.

A morena beijou cada uma bem perto dos lábios, mas quando chegou diante da esposa fora diferente. Fitou-a por infinitos segundos.

Viu-a umedecer a boca rosada... Observou a respiração acelerada...

Observou a joia que ela trazia na mão...

Tocou o prêmio e aquele fora o seu gesto de escolha.

Os gritos de entusiasmo foram dados, enquanto as duas amantes continuavam a se fitarem. Não trocaram uma ú nica palavra...

Diana arqueou a sobrancelha em gesto de interrogação... Aimê engoliu em seco.

Sirena se aproximou.

-- Levarei seu prêmio e o deixarei pronto para você, princesa!

A Villa Real mordiscou o lábio inferior, enquanto era conduzida pela ı́ndia.

Os tambores voltavam a soar e a festa foi retomada.

A Calligari tinha nas mãos o broche, olhava-o e ficava e sentia uma emoção enorme ao senti-lo... Era como se houvesse uma parte dos pais...

Tupã se aproximou, depositando a mão em seu ombro. Os irmãos trocaram olhares de cumplicidade.

 

 

 

Aimê tinha os olhos arregalados, enquanto ouvia os detalhes de como deveria se comportar diante da princesa. Temia que não conseguisse ficar muito tempo acordada...

Sentia os olhos pesados... a Cabeça cheia...

Sentia o corpo sendo lavado por duas anciãs, enquanto Sirena a fitava.

-- Isso significa o quê? – A jovem questionava.

-- Você é um prêmio...

-- Mesmo assim... – Dizia baixinho. – Significa o quê?

-- Porque você é um prêmio e precisa ser tomado...

A garota mordiscou o lábio inferior demoradamente.

-- Aimê, precisa ter a mente mais aberta... Acredite que isso vai lhe dar um prazer tremendo... – Sorriu. – Várias vezes fui o prêmio do meu marido e sempre lutarei para ser...

-- Eu não sei... A Diana está com raiva de mim... Tem mais daquela bebida? Quero mais...

Sirena meneou a cabeça negativamente.

-- Não acredito que seja uma boa ideia... Bebeu muito...

-- Mas e a Diana...

-- Esqueça a Diana por umas horas e se entregue a princesa... Oficialmente você é da princesa indı́gena, da princesa que está sendo reconhecida por todos...

A filha de Otávio assentiu, mesmo que ainda estivesse temerosa.

 

 

 

 

 

A major despediu-se de todos.

Precisava descansar, pois na manhã seguinte, deixariam a aldeia. Recebeu o abraço do pajé.

-- Hoje, você se tornou maior e melhor do que eles. – O velho sussurrou em seu ouvido. – Agora, consigo sentir a vida pulsando em você... A pequena guerreira de olhos negros é uma mulher de coragem e caráter enorme...

A morena assentiu, enquanto o fitava.

-- Obrigada... Obrigada por sempre ter estado presente na minha vida... Mesmo quando eu agia errado... O velho depositou um beijo em sua face.

-- Sempre foi e sempre será a minha princesa... – Fez um gesto para oca. – Aimê é muito valente, mas ainda é jovem... Tenha paciência...

A Calligari respirou fundo, enquanto seguia lentamente até a cabana.

Sentia o corpo leve... A bebida lhe relaxara... Mas não o suficiente para adormecer seus sentidos...

 

Sentia-se bem, como se sua missão naquelas terras tivesse chegado ao fim e agora pudesse seguir... Deixar para trás tudo o que passou...

Parou na entrada...

Fitou o céu estrelado... a lua cheia...

A filha do homem que mais odiara em toda sua vida estava de costas para si...

A cabana tinha aberturas no teto e era por lá que a luz do luar adentrava e iluminava a escuridão... A Villa Real tinha o corpo coberto por algumas pinturas...

Uma roupa especial fora feita para ela...

Uma blusa que lhe cobria os seios e era presa nas costas... um minúsculo short... Diana apenas olhava-a...

As pernas longas e torneadas... As nádegas bem-feitas e mal cobertas... Cintura... Costas... Respirou fundo e sentiu o cheiro das flores....

Umedeceu os lábios...

Respirou fundo novamente.   Dessa vez buscando equilı́brio.

Naquele momento a jovem se voltou para a morena...

Encararam-se sem pressa... Como se naquele momento nada mais importasse a não ser aquele olhar...

Os tambores soavam... Lentos... Baixos...

Ainda havia o tacho com água limpa...

Diana deu mais alguns passos e assim que o fez, uma porta improvisada fora colocada na oca por dois guerreiros.

-- Sente-se, princesa... Deixe-me banhá-la.   

Aimê apontou para o tronco que servia de banco.

A major a encarou e viu os olhos azuis brilharem...

A Calligari mirou-a, seguindo e parando bem perto dela.

-- A Sirena te convenceu a participar disso? – Questionou baixo. – Está se sentindo bem? Está muito corada. – Usou o polegar para acariciar sua face. – Está quente...

Os lábios bonitos se abriram em um sorriso nervoso.

-- Acho... Acho que foi o cariri que me deixou assim... Um pouco tonta...

Diana arqueou a sobrancelha em interrogação e depois desatou a rir.

-- Se chama caxiri... – Meneou a cabeça. – Caxiri...

-- Ah, sim, isso mesmo...

A morena tentava se segurar para não gargalhar alto.

-- Não deveria ter bebido.       Para quem não tem familiaridade é uma bebida forte.

A Calligari mordiscou o lábio inferior demoradamente e os olhos de Aimê pareciam fascinados pelo ato.

-- Amanhã voltamos para casa... Acho que precisamos dormir... O caminho é longo...

-- Deve estar muito cansada... Foram dias difı́ceis... – Levantou a mão para lhe tocar o ombro, mas hesitou, fechando- a ao lado do corpo. – Deixe-me ajudá-la a banhar e depois poderá descansar...

Diana fez um gesto de afirmação com a cabeça.

A neta de Ricardo começou a livrar a esposa dos adereços. Fazia-o com calma, primeiro nos braços, costas...

-- Sentirá falta das escassas roupas de princesa? – Posicionou-se por trás dela para soltar os trajes.

-- Não acho que sinta... Mas... Elas dão menos trabalho...

-- Fico a imaginar Alessandra Calligari em uma exposição... Alguém prestaria atenção em outra coisa a não ser na sua beleza...

A major sentiu a respiração da Villa Real em seu pescoço e os dedos delicados passearem por sua pele... Ficaram em silêncio...

Diana sabia que a jovem estava a se culpar pelas cicatrizes que já começavam a se formar em suas costas.

-- Sabe, Aimê... – Começou baixinho – Se não fosse a sua coragem em seguir as ordens do Crocodilo, provavelmente eu não estaria aqui agora...

A major se sentiu livre da parta de cima e logo a sentia se agachar para fazer o mesmo com o resto. A filha de Alexander cerrou os dentes.

Talvez fazer amor não fosse uma boa ideia, porém era aquilo que seu corpo já implorava naquele momento.

Ainda tinham muito que conversar, muitos pontos a esclarecer... Mas ela era seu espório... Seu prêmio por aquela noite... Por toda a vida...

A Villa Real seguiu até sua frente. Encararam-se novamente.

Aimê pegou a espécie de esponja e começou a lavar os ombros da amada.

Ela era cuidadosa, pois sabia que havia algumas feridas que necessitavam de cuidado... A água fria passou entre os seios e Diana os sentiu reagir imediatamente.

O cheiro de rosas invadia o pequeno local...

-- Por que se ofereceu? Por quê? – Questionou se sentindo arrepiada.

A florista parecia ocupada em cuidar do abdome e fazia com cuidado... Lavou os quadris...

As coxas... A parte externa e interna... O sexo...

-- Porque eu não sei se sobreviveria ao saber que estava nos braços de outra... – Levantou a cabeça, fitando-a. – Acho que sou terrivelmente ciumenta...

A jovem voltou a lavá-la... Descendo para as pernas, panturrilhas... pés... Levantou-se, posicionando-se mais uma vez na parte de trás.

Diana segurou os cabelos, para que a garota pudesse lhe cuidar do pescoço.

-- Nenhuma daquelas mulheres me interessavam... Nenhuma delas... – Dizia baixinho.

 Aimê passou os dedos pela pele sedosa do bumbum...

Posicionou as mãos nas laterais, enquanto falava bem perto do seu ouvido.

-- Não? – Indagou baixinho. – Eram lindas...

-- Não... – Virou-se para ela. – Desde que senti seus lábios nos meus... Desde que mirei esses olhos tão intensos... fiquei presa em ti... Sua...

-- Mesmo que eu seja uma mimada... Inconsequente...

A major esboçou um sorriso, enquanto tocava-lhe a face.

-- Quando retornarmos... Quero que pense na possibilidade de ser realmente minha mulher... Quero ter o seu nome unido ao meu... Quero uma famı́lia contigo... Se me aceitar, claro... Se for essa a sua vontade...

Lágrimas de felicidade banharam a face da jovem.

-- Não preciso pensar... O que mais quero nesse mundo é ser sua esposa diante de todos...

-- Não deseja pensar um pouco? Ainda é muito jovem... Pode querer viver outras emoções... – Arrumou-lhe o cabelo.

A Villa Real lhe tomou as mãos, pousando em seus seios.

-- Quero ser sua mulher... Essa é a emoção que desejarei viver todos os dias... E o fato de ser sua esposa não me proibirá de fazer outras coisas...

Diana começou a lhe despir, deixando o colo livre.

-- Preciso do meu prêmio então...

As bocas se encontraram em paciência... Aimê lhe circundou o pescoço...

A Calligari a sua cintura... Trazendo-a para bem perto de si... Não demorou para que chegassem ao leito improvisado.

A major se pôs sobre ela, apoiando-se nos braços.

-- Eu te amo... Eu te amo tão forte...

Diana lhe beijava o pescoço e a ouvia balbuciar seu nome... Mas logo a amada ficou em total silêncio. A pintora se apoiou nos braços, fitando-a...

Sorriu.

O caxiri tinha feito seu efeito...

Beijou-lhe os lábios, depois se deitou ao lado dela... abraçando-a... Ajustou-a sobre seu peito... Acariciava as costas... os cabelos...

-- Eu te amo, Aimê...


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