A dama selvagem - Capítulo 31
Piatã deixou a pequena choupana ao
ouvir um som conhecido.
Apoiando-se em um pedaço de pau,
caminhou lentamente, enquanto via as pessoas se aglomerarem em meio as portas
de suas pequenas casas e no grande pátio.
As crianças ficavam afoitas, os idosos
sempre se assustavam, os jovens demonstravam fascı́nio, como se desejassem voar
também como as aves.
Viu o pequeno pássaro de aço pousar.
Esperou ansioso durante longos minutos e
quando a portinhola abriu, viu a ı́ndia selvagem.
O vento avoaçava os cabelos negros. A
expressão dela era séria. Não deixava de exibir aquela postura de
superioridade, porém havia algo diferente da última vez que esteve ali, apenas
ainda não conseguia entender o quê.
Não conteve um sorriso ao vê-la.
Pensara
se antes de morrer, ainda veria sua garota de olhar arrogante e orgulhoso.
Diana respirou fundo ao ver os olhares que a fitavam.
Não fazia muito tempo que estivera ali,
não fazia tempo que o ódio a movia, deixando-a totalmente cega, mas agora era
diferente.
Parou no primeiro degrau, enquanto
colocava os óculos pretos em estilo aviador.
Suspirou!
Mirou a os rostos conhecidos...
Viu os infantes se aglomerando ao redor
do avião. Cerrou os dentes...
Por alguns segundos fechou os olhos e se
recordou de caminhar ao lado da esposa e subir naquele mesmo avião.
Umedeceu os lábios.
Pegou a mochila que trouxera.
Aimê...
Precisava usar
toda a inteligência
para salvá-la. Agora era
movida por dois
poderosos combustíveis: O
ódio e o amor...
Tirou a jaqueta de couro.
Estava quente...
Agora ficaria apenas de calça jeans
surrada, camiseta e botas de cano longo. Desceu os degraus lentamente.
Viu um rosto conhecido a lhe observar e
continuou até chegar ao bom homem. Recebeu o afetuoso abraço que lhe fora
oferecido.
-- Desculpe por não ter avisado que
viria! – Disse em seu ouvido. – Mas obrigada pela recepção.
O velho ı́ndio a encarou.
-- O que a traz de volta, princesa?
A major o mirou, enquanto jogava a
cabeça para trás.
-- O Crocodilo trouxe Aimê para
floresta de novo e preciso salvá-la...
A expressão enrugada do homem
demonstrou maior preocupação.
A filha de Otávio ter sido pega novamente
pelo perigoso bandido era algo terrível.
-- Como isso aconteceu? – Questionou
preocupado. – Esse demônio não fora preso depois do que fez ainda? O que acontece
com as leis dos brancos? – Indagou aborrecido.
A morena colocou a mochila no chão,
depois voltou a fita-lo.
-- Eu fui burra o suficiente para baixar
a aguarda... – Suspirou. – Mas não tenho tempo para conversas, apenas passei
para falar contigo, agora mesmo seguirei pela mata, preciso ir ao encontro
deles.
Piatã observava como a major
demonstrava agitação e ao ouvir ela dizer que iria ao encontro desses homens
sozinha, temeu por sua vida.
-- Você sabe que não tem permissão
para isso! – Avisou. – Tupã deixou claro que se aparecesse novamente aqui
seria castigada. – Deu-lhe as costas. – Vá para casa e espere que outros
salvem a garota.
A major levou as mãos aos quadris,
enquanto olhava as pessoas ao redor, depois fitou o céu claro.
-- Não me importo com o que ele diz! –
disse por entre os dentes. – Atravessarei essa floresta e irei até a Villa
Real e se ele tentar me deter, terei que ir contra ele... Vamos ter uma guerra,
então!
Piatã parou, permanecendo de costas
para ela, mas logo a mirou.
-- Você é teimosa de mais, princesa,
nunca escuta ninguém, sempre age por impulso. – Repreendeu-a.
-- Vai me ajudar ou também terei que ir
contra você?
O
velho suspirou.
Olhava a mulher para a sua frente e em
alguns detalhes não a reconhecia, ainda mais quando se tratava dos motivos
para se arriscar tanto. Não havia dúvidas de que aquela empreitada seria
muito arriscada, mas Diana agora era movida pelo amor.
Lembrou-se do pai dela.
Alexander agira daquele jeito quando
fora até a aldeia ao saber que a mulher que amava estava grávida. O bravo
general enfrentou a todos para levar consigo a mãe da sua única filha.
-- Irei contigo! – O homem disse por
fim. – Precisará que a acompanhe, pelo menos para que possamos chegar à
tribo. – Seguia em passos lentos. – Venha comigo, precisamos de algumas coisas,
não teremos ajudantes dessa vez. – Comentou aborrecido.
Diana assentiu, enquanto colocava a mochila
nas costas.
Observou como as pessoas continuavam a
observá-la, era sempre assim, depois de todos aqueles anos, ainda era vista
com ressalva por aqueles habitantes.
Levantou a cabeça, enquanto caminhava
seus pensamentos pareciam perdidos em lembranças... Ao entrar na pequena
choupana recordou da última noite que passara ali.
Um sorriso brincou nos seus lábios.
Fitou a mesa rú stica, sentando-se no
banco.
Voltou a cabeça para o canto onde a
esteira estreita estava recolhida.
--
Eu só quero dormir... – Sussurrou em seu ouvido. – Pare de se debater ou vai
acordar o Piatã.
--
Recordo-me muito bem que não era comigo que deveria dormir e sim na rede. –
Retrucou baixo, enquanto lutava para se livrar dos braços que a prendia pela
cintura.
--
Mas eu quero dormir contigo... Então fique quieta! – Falou firme.
Por
alguns segundos a Villa Real fez o que ela tinha dito, permanecendo quieta,
ponderava que se não era melhor se manter estática e fingir que aquela mulher
não estava ali, porém a presença dela ultrapassava o físico, era como se
usurpasse sua própria alma.
Por
que Diana Calligari a afetava tanto?
Ainda
estava triste com as palavras que ouvira, ainda se sentia ferida, mas mesmo
assim algo maior parecia empurrá-la direto em direção a ela... Tinha a
impressão que estava à beira de um precipício.
--
Eu gosto do seu cheiro...
A
voz rouca e baixa a tirou de suas divagações, porém nada respondeu.
--
Tira a roupa... Está frio, quero me aquecer em ti...
Aimê
sentiu as mãos seguindo por baixo de sua camiseta e as deteve.
--
Chega, Diana!
A
Calligari mordiscou o lábio inferior, enquanto a puxava mais para si.
--
Eu fico excitada quando me chama... – Mordiscou a pontinha da orelha dela. –
Como sabia que eu estava olhando para os seus seios na mesa? Eles se
excitaram... O que imaginou, melhor, recordou de quando os toquei com a minha
boca?
Aimê sempre a desafiara e a enfrentara,
mesmo quando contava com uma deficiência. Não havia dúvida ser uma jovem
admirável em todos os sentidos...
Engoliu em seco ao recordar de como fora
má com ela... Como fora grosseira em toda aquela empreitada.
A voz do ı́ndio a tirou dos seus
pensamentos.
-- Não acho que seja uma boa ideia ir
sozinha e enfrentar esses homens. – Piatã dizia, enquanto recolhia algumas
coisas que necessitariam. – Deveria ter pedido ajuda aos homens brancos, eles
têm leis e são treinados para isso.
A Calligaria passou as mãos pelo rosto.
-- Antes que eles chegassem perto, a
filha de Otávio seria morta...
O ı́ndio encheu duas canecas com água
do pote de barro, ofertando uma a major e bebendo a outra.
-- Então você morrerá? É isso que
veio fazer? Sacrificará sua vida para que Aimê viva? Por que fará isso?
Diana bebeu lentamente o lı́quido, parecia
degustar com calma...
Ao terminar, fitou o velho amigo.
Aquele homem sempre estivera consigo,
mesmo diante da contrariedade de todos.
-- Eu a amo... – Disse baixinho. – Amo-a
tanto que meu peito chega a doer... Não me importo de fazer qualquer
sacrifı́cio por ela.
Piatã sorriu, enquanto estendia a mão
enrugada e cobria a dela.
-- Eu sabia que seria questão de tempo
para que admitisse esse sentimento... Mesmo quando esbravejava contra a Villa
Real, todos sabı́amos o que já sentia... – Apertou-lhe os dedos. – Mas eu
tenho certeza de que a menina Aimê não deseja que se machuque ou aconteça
algo pior...
A pintora nada disse, voltando a beber
sua água.
O
ı́ndio sabia que
seria uma tarefa quase impossível tentar
convencer a princesa
do contrário, então
só lhe restaria pedir proteção aos bons espı́ritos.
Aimê foi levada para a tenda que fora
armada no acamamento. Pouco conseguira ver do lugar.
Estava escuro, mas notou a fogueira
acesa, ouviu a voz de mulheres e recordou dos momentos que vivera quando tivera
que ficar naquele lugar.
Sabia que daquela vez seria diferente,
sabia que daquela vez o risco era maior. Tentou se livrar das cordas, mas não
conseguiu.
Apenas uma pequena luminária de bateria
clareava o pequeno espaço. Sabia que estava no mesmo lugar de antes.
Recordava-se de quando Diana chegara ali
para salvá-la, lembrou-se da voz forte e ameaçadora... Tentou mais uma vez se
livrar das amarras, mas as tentativas eram inú teis.
Tinham-na colocado sentada em uma
cadeira, enquanto prenderam-na, evitando assim uma tentativa de fuga, coisa que
seria quase impossível, levando em conta o número de bandidos que estavam ali.
A tenda estava cercada, pareciam
temerosos que a morena selvagem invadisse novamente e levasse a filha de Otávio.
Ouviu passos e o segurança loiro
apareceu.
O olhar dele continuava ser
desrespeitoso e atrevido.
Não acreditava que passou despercebido
de conversar com a Diana sobre ele, talvez se assim o fosse, poderiam ter
evitado ser ludibriada daquele jeito e sob o teto seguro da major.
Se não estivesse sido consumida por
ciúmes...
Viu-o se aproximar com uma caneca em
mãos, colocando em seus lábios. Encarava os olhos verdes, enquanto sentia o
lı́quido molhar sua garganta.
O rapaz já se afastava quando o som da
voz baixa o deteve.
-- Por que traiu a pessoa que te deu
trabalho? O que te levou a se associar a um bandido como o Crocodilo, se sabe
que cedo ou tarde será preso ou morto?
O jovem não respondeu de imediato,
parecendo pronto para sair por aquela porta improvisada, mas acabou se voltando
para ela.
Aproximou-se.
Sob a luz parda, ele tinha uma
aparência terrível.
-- Diana Calligari matou meu pai, então
rezo há anos para que a oportunidade de vingança ocorra e agora está muito
perto.
Os olhos azuis pareciam espantados. Como
a major matara...
-- De que falas?
O segurança traidor exibiu um sorriso.
-- Meu pai servia ao exército... Lutara
ao lado do seu pai e tivera que se submeter a filha do general Alexander...
Acha que um homem pode se submeter a uma mimada arrogante quando tem dignidade?
Aimê ficou calada, enquanto esperava
ouvir mais.
-- Meu pai ajudou o seu pai, então
você deveria ser mais grata e mais amigável a minha causa... – Aproximou-se,
enquanto estendia o braço para tocar a face da filha de Otávio. – Eu quero
você pra mim, mas antes matarei a Calligari... – Exibiu um sorriso cruel.
Quero o sangue dela nas minhas mãos...
A Villa Real tentou controlar o pavor
que aquelas palavras causaram.
-- Por que o prefeito aceitou entrar
nesse plano? O Alex é meu noivo... O sorriso agora virou uma gargalhada
assombrosa.
-- Noivo? Ah, sim, no dia do noivado
você até comemorou nos braços da ı́ndia selvagem... – Passou a lı́ngua pelo
lábio superior. – Eu gozei muitas vezes vendo as cenas, mas seu sogro e
noivinho não acharam o mesmo...
O rosto da Villa Real empalideceu.
-- O que está querendo dizer?
-- Instalei uma câmera no seu quarto...
Acredite, a tal da Diana sabe fazer as coisas... – Voltou a acariciar a face da
garota. – Não há dúvidas que nas veia dela corre sangue desses selvagens que
vivem por aqui.
Aimê teve ânsia de vômito ao imaginar
que a sua intimidade fora invadida daquele jeito. Vozes foram ouvidas lá fora.
-- Depois conversamos mais, princesa...
Não se preocupe, andei vendo o vı́deo inú meras vezes e sei como você gosta
de ser tocada...
A garota sentiu-se aliviada ao ver o
rapaz se afastar.
Precisava fazer algo para impedir que a
major chegasse até ali, sabia que seria o fim da morena... Porém não tinha
ideia de como evitar algo assim...
Mesmo diante do ciúmes que sentia,
ficaria muito feliz se ela ficasse com a ruiva e não se preocupasse consigo...
Deus!
Diana não titubearia, ela iria até
eles, agiria impulsivamente e arriscaria a vida de forma irresponsável. Fechou
os olhos, buscando não entrar em pânico, buscando uma saı́da...
Um som conhecido chegou aos seus
ouvidos... Seria a ave do pajé?
A canoa seguia rio abaixo.
O dia estava bonito e claro.
Os animais podiam ser vistos à margem
da fonte, enquanto bebiam água. Seus olhares eram sempre atentos, pois sabiam
que não era difı́cil serem atacados por predadores.
Uma pequena capivara olhava os
visitantes, parecendo tão interessada que por pouco não fora comida por um jacaré.
Pássaros voavam em bandos no céu azul.
O grasnar das araras seguiam mata a
dentro.
Era possível ver os macacos a se
balançar nos galhos, seu guinchar era um som
que parecia afetar os outro bichos. O rio não estava cheio, as chuvas
torrenciais não tinham inundado ainda.
Piatã observava a major remar rápido,
não demonstrando cansaço, apenas determinação. Não trocaram palavras durante
o percurso, Diana parecia concentrada e pensativa.
-- O pajé vai tentar te dissuadir dessa
ideia... – O velho disse depois de um tempo. – Sabe disso...
A Calligari limpou o suor da face, mas
rapidamente voltou a tarefa árdua.
O sol estava quente.
Os braços da morena se moviam em
harmonia.
-- Ele gastará as palavras e a
sabedoria dele em vão.
O ı́ndio remava com menos vigor, parecia
cansado para sua idade.
Observava a mulher de cabelos negros e
se recordava de como sempre agira segundo a própria vontade, recordava de como
precisara muitas vezes omitir alguns fatos para que a filha de Alexander não
fosse castigada, mesmo assim, a princesa da tribo sofrera bastante.
-- Então a menina Aimê se rendeu ao
seu charme... Mas não acredito que se tornou uma esposa submissa e obediente.
– Provocou-a. – Tenho a impressão de que quem manda nessa relação não é a
poderosa Diana.
A pintora não respondeu de imediato,
apenas desviou o olhar, parecendo perdida em lembranças.
-- Ela voltou a enxergar... Aquele mar
azul pode se ver e também me ver... – Esboçou um sorriso de canto. – Sim,
você está certo quando diz que ela não se submete, ela luta, me enfrenta de
igual... – Mordiscou o lábio inferior. – Eu me sinto culpada por ela ter sido
sequestrada... Deveria ter sido mais cuidadosa... Eu sabia que ele se
aproximaria, sabia que alguém estava à espreita, mas acabei me distraindo...
– Cerrou os dentes. – Se não tivesse me apaixonado, poderia ter continuado
fria e isso me faria pensar melhor.
-- Você não poderia fazer nada... Nada
se pode fazer contra o destino... A major deu de ombros.
-- Não acredito nessas coisas, creio
nas minhas ações e no que deve ser feito, essas crendices que pregam não passam
de ignorância... – Falou aborrecida. – Se assim o fosse, poderı́amos evitar os
acontecimentos.
Piatã não parecia ofendido com as
palavras, conhecia-a suficiente para saber como pensava, para saber como
rejeitava a cultura da mãe, mesmo que, na maioria das vezes, deixasse a forma
primitiva e selvagem dominar suas ações.
-- Ubiratã falou que você voltaria a
viver se seguisse na empreitada e fora isso que aconteceu... Você passara mais
de dez anos da sua vida vivendo em função de uma vingança... Fora movida pelo
rancor, pelo ódio... Seu espı́rito hoje parece livre, e mesmo que negue, sabe
que o pajé esteve certo o tempo todo.
Diana não respondeu, apenas
permanecendo quieta, perdida.
Mataria o Crocodilo com suas mãos,
daquela vez não deixaria que o desgraçado sobrevivesse. Apertou forte o remo
ao imaginar o que Aimê estaria a passar...
Não demoraram muito para seguirem em
meio à floresta.
Diana abria caminho, enquanto prestava
atenção nos sons, sabendo que havia ameaças por todos os lados.
As folhas secas forravam o chão,
podendo camuflar algum animal perigoso. Olhou sobre os ombros e viu o velho
ı́ndio lhe acompanhar.
Mesmo com uma idade avançada, Piatã
demonstrava total força e seus passos eram seguros.
-- Precisa parar e comer algo, princesa,
precisa de energia. – Piatã advertiu-a. – Até agora só está bebendo água.
-- Não posso me dar o luxo de parar,
preciso chegar rápido ao meu destino. – Respondeu, enquanto continuava a seguir.
-- Não esqueça de que precisará da
permissão do pajé...
-- Mesmo que ele não me dê eu irei
até Aimê, disso, você pode ter certeza!
Seguiram durante o longo dia e só a
noite pararam, pois precisavam descansar para continuar o dia seguinte. Tinham
conseguido dobrar a caminhada em pouco tempo e não demorariam para chegarem na
aldeia.
Diana montou a fogueira e logo se deitou
sobre a mochila, o ı́ndio apenas a fitava. Entregou-lhe um pão com carne seca
e o cantil, depois se acomodou ao seu lado.
-- Por que não pede ajuda a Tupã? –
Piatã indagou. – Você é a princesa daquela tribo e se não tivesse cometido
tantos erros, seria você a chefe e não ele.
A Calligari fitou o céu estrelado. O
abobado azul marinho tinha incontáveis pontos brilhantes, lembrando os
vagalumes a brincar entre si.
Tinham escolhido uma clareira para
passar aquela noite.
A major tinha a arma em mãos, pois
sabia que um animal poderia atacar em frações de segundos.
A escuridão era intensa.
-- Nós sabemos que Tupã não
permitiria jamais isso...
O ı́ndio ficou em silêncio durante
alguns segundos, mas logo voltou a falar.
-- Eu não sei como vai fazer para
atravessar a selva... Temo que se não mostrar humildade, dessa vez terá
problemas sérios.
Diana enrijeceu o maxilar.
Não pareceu se preocupar com aquilo
naquele momento, porém sabia que se fosse preciso, enfrentaria a todos, travaria
uma guerra contra aquelas pessoas, mas chegaria até a Villa Real.
Aimê despertou assustada.
Passara toda a noite naquela cadeira e
tivera medo de que em algum momento fosse violado por algum daqueles homens.
Ouvira as vozes das mulheres sendo
usadas e enojou-se.
Já era madrugada quando o cansaço lhe
venceu e acabou por cochilar. Viu a tenda abrir e o Crocodilo entrar.
O homem parecia mais assustador do que
nunca e tinha nas mãos uma xı́cara de café. Sentiu o aroma.
-- Bom dia, princesa, como dormiu? –
Parou de frente para ela. – Que tal um cafezinho? – Bebericou. – Soube que rejeitou
a comida que mandei... Imagino que esteja estranhando as acomodações... Mas
não se preocupe, para onde você vai, tudo é puro luxo.
A jovem nada disse, enquanto via ele se
abaixar, começando a livrá-la das cordas que a prendiam à madeira.
-- Não faça nenhum movimento brusco,
não quero danificar a mercadoria.
Aimê nada disse, enquanto seguia com o
bandido.
Ficou surpresa ao ver tudo ao redor.
Era a primeira vez que via aquele lugar
durante o dia.
Aquela área estava totalmente desmatada
e percebeu que havia uma trilha por onde passava alguns veı́culos. Tinha dois
caminhões parados e sobre eles muita madeira.
Mais três barracas estavam armadas.
Resquı́cios de uma fogueira estava no
centro do espaço. Observou o olhar dos homens caindo desrespeitosos sobre si.
As
aparências deles eram terríveis. Tinham
armas de grande
porte nas mãos
e pareciam gostar
de intimidar os outros.
Percebia que também alguns dos que
estavam reunidos ali, parecia ocupados serrando um tronco grande, enquanto
outros cavavam um buraco.
-- Todos aqui já te conhecem, então
não te apresentarei... A maioria serviu com bravura ao seu pai. – Sorriu. –
Observe tudo ao redor, acha que a sua amada vai sair daqui com vida?
Aimê engoliu em seco e mais uma vez
desejou que Diana não ousasse ir até ali.
Observou algumas mulheres deixando uma
das barracas. Percebeu que uma e outra exibiam hematomas na face. Odiou-os
ainda mais por aquilo!
Crocodilo caminhou até o buraco que estava
sendo cavado.
-- Está vendo isso? – Apontou para o
lugar. – Aqui será fincado um tronco e vai ser aqui que amarrarei sua major...
Otávio fez a mesma coisa... Ele era criativo... – Olhou para o céu. – Ele
deve estar se revirando no túmulo ao saber que a filhinha linda dele se
encantou pela ı́ndia também.
A Villa Real sentiu uma angustia em seu
peito.
Fitou aquelas pessoas e mais uma vez
imaginou se o melhor não era se rebelar a ponto de ser morta, mas sabia que
mesmo assim, a Calligaria iria ao seu resgate e de todo jeito seria cruelmente
ferida.
-- Se você fizer o que eu pedir, com
certeza vai fazer com que as chicotadas que darei na selvagem diminua... –
Retornou até onde a jovem estava. – Está disposta a colaborar comigo?
-- Não a mate, por favor, eu imploro...
Crocodilo viu as lágrimas brilhar nos
olhos azuis e percebeu que conseguiria o que tanto desejava. Sabia que nenhuma
pancada doeria tanto quando o desprezo e desdém da Villa Real...
Faria a Diana sofrer muito antes de
matá-la, esse era o seu plano.
Depois de uma caminhada sem tréguas,
Diana e Piatã chegaram a aldeia ante do sol se pôr.
Alguns ı́ndios os escoltaram até o
pajé que estava na tenda e para surpresa da Calligari Tupã se encontrava ali.
O ı́ndio jovem e forte a encarou com raiva.
O pajé não pareceu surpreso com a
presença da herdeira de Alexander.
-- A filha pródiga retorna? A segunda
visita em menos de treze luas cheias... – Meneou a cabeça em desdém. – Como
volta aqui? Ainda mais depois de ter desrespeitado o casamento de Ubirajara.
A pintora pareceu confusa, então se
lembrou da visita da ı́ndia quando estava a convalescer do tiro que tinha levado.
Ubiratã se levantou do seu banco de
madeira, ficando entre eles.
--
Princesa, acho melhor que retorne ao seu mundo... Não deveria ter vindo aqui.
A morena ergueu a cabeça orgulhosamente.
-- Não vim arrumar problemas, na
verdade, nem mesmo tinha a intenção de passar por aqui, mas sabia que seria desrespeitoso
atravessar o território sem que me desse permissão.
O homem moço se aproximou, tentando
intimidá-la, mas a Calligari não baixou a cabeça, fitando-o.
-- E desde quando você tem respeito por
alguma coisa ou por alguém? – Tupã voltou a provocá-la.
Mais uma vez o pajé se intrometeu.
-- Diana, você não deve ir até onde
está Aimê. – Ubiratã a fitou. – Eu temo por sua vida. – Tomou-lhe as mãos
nas suas. – Não terá chances sozinha contra esses homens... Fico muito feliz
por sua bravura e coragem, fico feliz ao ver o amor brilhar em seus olhos que
sempre só demonstraram frieza... Mas eu imploro que não vá até lá.
Tupã deixou a oca pisando duro.
-- Eu irei sim, está fora de cogitação
retornar. – Cruzou os braços. – Agradeço a sua preocupação, mas agora mesmo
seguirei caminho.
-- Pelo menos descanse, à noite já
estará a cair e não é uma boa seguir viagem na escuridão.
-- Não, pajé, apenas quero me dê
permissão para atravessar o território...
Ubiratã a fitou.
-- Princesa, não vá... Esse homem quer
apenas sua destruição...
-- Eu não tenho medo! – Retrucou
valentemente. – Apenas te pedirei algo... Você saberá quando eu falhar,
então eu imploro por tudo, convença Tupã a ir em busca da Aimê, faça isso
por mim...
Ubiratã fitou a jovem que viu crescer e
teve aquela sensação de medo que não costumava sentir em relação a outras pessoas.
Sabia
que apenas uma
pessoa poderia salvar
a Calligari do
destino que a
esperava, mas já
temia ser impossível convencer o chefe guerreiro a
fazer aquilo... a menos que...
Tentou espantar aquele pensamento conflituoso por enquanto, afinal, deveria ponderar se era o certo a se fazer.
Contrariando as leis da tribo, o bom
ı́ndio a abraçou forte, desejando que tudo pudesse acabar bem.
Posta mais um 🙏🏼
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