A dama selvagem - Capítulo 30
A avenida principal estava movimentada.
As luzes dos faróis iluminavam o
caminho, enquanto aos poucos a iluminação pú blica acendia.
Mesmo com os vidros fechados, ainda
conseguiu ouvir o som estridente do apito do guarda de trânsito. Via as
pessoas em verdadeira euforia, buzinavam, sem entender que aquilo de nada
adiantaria...
O semáforo estava no vermelho e mesmo
que não estivesse, os veı́culos não se moveriam, devido a um acidente que
ocorrera no cruzamento.
A Calligari segurava a direção com uma
força demasiada, enquanto mantinha o olhar preso à sua frente. O céu ainda
estava nublado.
Aquilo lhe fez lembrar da Aimê...
Os olhos azuis ficavam com aquela
tonalidade quando enfurecida ou excitada... Umedeceu o lábio superior com a
lı́ngua.
“Por favor, Diana, não faça isso... Não
use a minha fraqueza nesse momento... Não sabe como estou magoada com essa
situação...”
Poderia ter feito amor com ela, poderia
ter continuado, assim, seria mais fácil resolver o problema, porém ao ouvir
as palavras foi como um banho de água fria em seu desejo.
O que adiantaria tomá-la naquele
momento?
Não que isso não fosse a ú nica coisa
que passasse por sua cabeça, queria-a como jamais quisera alguém... Tamborilou
os dedos sobre a coxa impacientemente.
Amava-a tanto que ficava a se perguntar
qual o tamanho daquele sentimento... Cerrou os dentes, enrijecendo o maxilar.
Não estava disposta a perdê-la...
Mesmo que em muitos momentos ficasse sem saber como agir, ainda era com ela que
desejava dormir e acordar todos os dias, mesmo sendo as garras da mimadinha
tão afiadas.
Olhou pelo espelho e viu o pequeno
arranhão em sua face... Também notou o vermelho do tapa que levara.
A pequena Aimê teria que aprender a
lidar com essa fúria de outro jeito mais delicioso... Assim, seria mais
gostoso e teriam um progresso maior.
Fechava os olhos e várias dessas formas
invadiam sua mente... Deus, seria ainda mais safada do que imaginara?
Suspiro, enquanto mordia o lábio
inferior demoradamente.
Precisava se concentrar no perigo que a
Villa Real estava correndo e não ficar pensando no desejo que sentia queimar
seu corpo.
Estava disposta a levar a garota para a
floresta, lá seria difı́cil que o Crocodilo se aproximasse, ainda mais contra
a tribo de Tupã.
Precisava apenas convencê-lo a
aceitá-la lá, precisava que a mantivesse segura, enquanto caçava pessoalmente
o bandido desgraçado.
Mas o chefe estaria disposto a ajudar?
Infelizmente seria algo quase impossível...
Afinal, ainda era uma traidora, ainda não era bem-vinda e nunca seria pelo
povo da sua mãe...
Começou a massagear as têmporas.
Temia que chegasse o momento que não
pudesse proteger a mulher que amava...
Observou o celular caı́do sobre o banco
do passageiro. Ao pegá-lo, viu que estava sem cargas. Conectou-o ao carregador
veicular.
Viu alguns policiais tentando conter um
motorista que parecia ter surtado. Meneou a cabeça, voltando sua atenção para
os riscos que enfrentaria...
Maldito Crocodilo!
Sabia que tudo que ele estava armando
era para atraı́-la, sabia que a filha de Otávio seria usada como isca, tinha
certeza de que o desgraçado descobrira a relação que havia entre ambas.
Bateu com o punho fechado contra o
volante. Precisava agir rápido.
O noivado que armara não adiantara,
ainda mais porque alguém muito próximo passara todas as informações para o
traficante.
Talvez ter se apaixonado pela Villa Real
tenha sido a pior coisa a acontecer, pois fora por causa disso que ela se
tornou um alvo tão interessante...
Ouviu o som do celular.
Várias mensagens chegaram avisando das
ligações que não foram atendidas. Sentiu uma pressão no peito e logo
retornou.
O homem atendeu imediatamente.
-- O que se passa?
-- A senhorita Aimê não foi encontrada
na mansão...
Antes que o homem pudesse falar mais
alguma coisa, a Calligari desceu do carro, seguindo a pé por entre os
veı́culos parados.
As pessoas pareciam surpresas ao ver a
bela mulher em roupa esportiva avançar em meios ao trânsito parado.
Cláudia andava de um lado para o outro
na grande sala.
Suas lágrimas caiam em abundância,
enquanto inú meras vezes já avançara contra o traidor que se encontrava entre
eles.
Estava em total desespero.
O prefeito estava sentado na poltrona,
jazia encolhido, chorando alto.
Ricardo esbravejava e só não partira
para cima do pai de Alex porque fora segurado pelos seguranças.
-- Desgraçado! – O general esbravejava.
– Você entregou a minha neta por um punhado de dinheiro! Como foi capaz? –
Gritava.
-- Meu filho está morrendo... –
Choramingava o homem. – Eu preciso... – Soluçava. – Preciso ir até ele...
O
guarda-costas deteve o pai de Otávio novamente.
Sabia que teria que esperar a major
chegar para que visse quais procedimentos deveriam seguir.
Infelizmente só notaram a ausência de
Aimê depois de um bom tempo, o que fora ótimo para o bandido que tivera
grande vantagem.
-- Eu quero ver meu filho... – Prefeito
implorava. – Deixe que vá até ele pelo amor de Deus...
Suas súplicas eram ignoradas.
-- Precisamos chamar a polı́cia! –
Cláudia dizia. – Eles podem nos ajudar... Minha neta corre perigo nas mãos
desse homem...
-- Precisamos esperar a senhora
Calligari, ela decidirá o que será feito. – O chefe da segurança disse mais
uma vez. O guarda-costas estava temeroso, pois reconhecia sua falha grande,
quando firmara um compromisso de proteger a garota...
Não imaginou que um dos seus homens
estaria envolvidos no plano sórdido. Fitou o prefeito.
Esse parecia já receber um castigo
justo. O que o levará a agir de forma tão leviana?
Dinheiro?
Essa fora a justificativa...
Infelizmente por sua ganância, a vida
do filho dele estava por um fio. Alex fora resgatado em estado crı́tico. Bianca
fora com o primo.
Não fora difı́cil descobrir que Alonso
ajudara o bandido junto com um dos guarda-costas. Vanessa se levantou, seguindo
até onde estava a matriarca.
Fora avisada assim que tudo se passou e
não demorou a chegar ali. Ninguém conseguira falar com a pintora e só ainda
pouco isso fora possível.
Agora estava a imaginar como seria a
reação de Diana quando chegasse, precisaria segurá-la para que não cometesse
uma loucura.
Olhava a cena e ficava a pensar que ele
já recebia um castigo terrível, mas
não achava que aquilo fosse comover a amiga.
A voz da mulher lhe tirou de suas
ponderações.
-- Ele vai matá-la! – Cláudia dizia em
desespero. – Vai leva-la para longe e nunca mais a veremos.
A empresária abraçou-a.
-- Não, ele não fará isso!
Vanessa sabia que era a Diana quem
poderia sair daquela história sem a vida e isso a deixava muito angustiada.
Como poderia impedir a pintora de ir atrás da Aimê?
Isso estava totalmente fora de
cogitação, jamais a convenceria a deixar a Villa Real entregue à própria
sorte. Deus, o que aconteceria agora?
Olhou para o prefeito e desejou matá-lo
pessoalmente e deixar que sangrasse até a vida se esvair totalmente.
Miserável!
Não teria perdão, não teria mesmo!
A porta se abriu e uma Calligari fora de
si avançou para cima do chefe da segurança. Segurou-o pelo colarinho.
O homem permaneceu quieto, enquanto
todos observavam a cena apreensivos.
-- Como você foi incompetente a ponto
de deixar que levassem da minha casa? – gritava. – Que merda de segurança
Ricardo se aproximou, parecendo querer se meter, mas diante da olhada ameaçadora
da filha de Alexander, ele se
-- Eu não tive culpa, major! – O
segurança tentava se justificar. – Não imaginei que estava aqui dentro a
pessoa que estava a passar as informações para o desgraçado.
Diana apertava forte, mas ao ouvir as
palavras pareceu ter outro interesse. Os olhos negros estavam estreitos...
Queimavam em pura fúria.
Ricardo observava a cena, Cláudia e
Vanessa pareciam assustadas.
-- Quem? – Indagou por entre os dentes.
– Quem foi? – Rosnou impaciente.
O segurança apontou para o prefeito e em
frações de segundo a morena voava sobre ele.
Vanessa se aproximou, enquanto via a
major levantar o homem que parecia ainda mais amedrontado da poltrona. O
prefeito era um homem baixo e parecia ser do tipo covarde para esboçar algum tipo
de reação.
-- Onde ele a levou? – Enforcava-o. –
Diga antes que eu o mate com minhas mãos!
A empresária via o pai de Alex chorando
e se enojava de como ele não passava de um desgraçado. Chegou mais perto,
temendo que a morena cumprisse realmente o que dizia.
Sabia que a pintora tinha aquela
feminilidade toda, porém também sabia que ela servirá durante muitos anos ao
exército, sabia que ela não abandonara as aulas de artes maciais, então
matar aquele decadente seria algo muito simples.
-- Diga, desgraçado! – Gritou, enquanto
o apertava mais.
O prefeito tinha o sangue concentrado em
seu rosto devido ao aperto que recebia.
-- Ele atirou no meu filho... Ele me
traiu... – Disse com dificuldade. – Tudo sua culpa... A pintora cerrou os olhos
de forma ameaçadora.
-- Diga para onde o miserável a levou?
– Sacudiu-o, soltando-o, enquanto pegava a arma da cintura do segurança. –
Diga, pois a minha paciência nem mesmo existe...
Vanessa viu a arma apontada para a
cabeça do homem. Aproximou-se, tocando-lhe o ombro.
-- Não faça isso... – Pediu.
A Calligari a ignorou.
-- Diga de uma vez... – Engatilhou. –
Acredite que não me importo de mata-lo... Mas não pense que vai ser tão
fácil assim... Porque atirarei em cada parte do seu corpo e deixarei que sofra
até morrer... Como um porco a sangrar até o ú ltimo fio de sangue...
O prefeito começou a tremer, temendo a
ameaça.
-- Eu não sei... – Disse de forma
amarga. – Mas ele não vai fazer nenhum mal a ela, pois o desejo dele é atrair
você...Você sim vai morrer... Vai morrer por ter se metido onde não
deveria...
A Calligari ainda segurou forte a arma e
todos imaginaram que ela atiraria, mas depois de alguns segundos, ela devolveu
o revólver ao segurança, enquanto saia arrastando pela gola da camisa o pai de
Alex, abrindo a porta, empurrou-o pelos degraus.
Voltou pisando duro.
-- Prenda esse miserável em algum lugar
para que não cause mais prejuı́zo! – Ordenou ao segurança. – Assim que eu
resgatar Aimê, eu acabarei com ele pessoalmente.
O homem assentiu, mas não se afastou.
-- Eu sinto muito, major, juro que não
imaginamos que terı́amos que lidar com uma traição aqui dentro e entre nós...
A Calligari passou a mão pelos cabelos.
-- Saia da minha frente! – Ordenou. –
Não desejo vê-lo...
-- Mas precisamos pensar em um plano
para salvar a garota... Sabe que pode contar com todo nosso empenho.
-- Vocês não terão nem como chegar
perto do maldito! – Fez um gesto com a mão. – Você e seus homens estão
dispensados, apenas cuidem desse idiota porque eu ainda não terminei com ele.
A contragosto, o homem assentiu,
enquanto se afastava. Diana fitou os presentes.
Viu o desespero no rosto Cláudia.
-- Vamos ligar para a polı́cia, falarei
com o general, todos poderão se unir e salvar minha neta! – Ricardo dizia.
A
filha de Alexander meneou a cabeça negativamente.
-- Não vai adiantar... Ele quer que eu
vá atrás dela...
-- Eu irei contigo! – O general se
prontificou. – Por favor, não abandone a Aimê, eu nem sei mais o que posso te
oferecer passa salvá-la, mas se quiser minha vida, poderá tirá-la, mas não
permita que ela fique nas mãos daqueles homens.
A Calligari fitou a expressão chorosa
de Cláudia e lembrou-se de ter visto aquela cena, com a diferença de que agora
ela jamais cogitaria a possibilidade de não ir atrás da filha de Otávio.
Antes se pusera a enfrentar aquela
missão suicida por uma promessa falsa de limpar seu nome diante de todos...
Mas e agora?
Ouviram sons de trovões, mais uma vez a
chuva caia forte.
-- Vanessa, ligue para o piloto, quero o
jato pronto o mais rápido possível.
A empresária a viu subir as escadas de
dois em dois degraus e sentiu aquele medo dentro de si.
Pediu licença e logo foi atrás da
amiga.
Encontrou a Calligari pegando algumas
coisas no armário e preparando uma mochila.
-- Diana, você não pode ir ao encontro
desse homem, é suicı́dio! – Advertiu-a. – Vamos chamar a polı́cia, o
exército, a marinha, o que tiver que ser, mas não vá!
A morena não pareceu ouvir o que era
dito.
Seguiu até o closet, abrindo um
compartimento por trás, tirando de lá armas e punhais. Precisaria de um bom
estoque.
Mirou a empresária parada no meio do
quarto.
-- Já fez o que eu mandei? – Questionou
depois de algum tempo. – Ligou para o piloto? Seguirei daqui mesmo, porém
terei que fazer o caminho pela floresta... Tenho certeza que se tentar invadir
aquele acampamento, ele é capaz de matá-la.
-- Escutou o que eu disse? – Vanessa
indagou irritada. – Você não deve ir, peça ajuda a polı́cia, ao exército, a
quem precisar, mas não vá!
Diana cobriu o rosto com as mãos.
-- Ele vai matá-la... – Pegou o celular
no bolso da calça e entregou a empresária. Vanessa lia a mensagem:“ Venha ao
meu encontro ou dê adeus a filhinha de Otávio.”
-- Ele sabe de tudo... Eu acabei
baixando a guarda... O interesse de ter pego a Aimê é me atingir. – Seguiu
até a poltrona, sentando-se. – Quando forjei o noivado era para desviar a
atenção, mas não imaginei que o desgraçado do prefeito e Alex estavam unidos
ao miserável do Crocodilo... – Encarou a amiga. – Ele só levou a Villa Real
para me atingir... Eu sou culpada... Talvez se não tivéssemos nos envolvido...
Ele não tivesse tido essa oportunidade...
A empresária foi até ela, agachando,
tomou-lhe as mãos nas suas.
-- E não se importa com a gente? Não
pensará na Dinda... Em mim? Diana, você está indo para uma emboscada...
Você está indo para sua morte... Quanto a ela, sabı́amos que antes de vocês
se acertarem, ele já a queria... – Retrucava impaciente.
-- Mas eu poderia ter protegido se não
estivesse a pensar em sexo, se tivesse focado no que realmente era
importante...
Vanessa via a dor naquele olhar, via o
medo...
-- Vamos procurar outra alternativa...
Mas não se arrisque...
-- Estou disposta a fazer qualquer coisa
para salvar Aimê... Mas farei tudo para me manter viva... Preciso ficar viva
para viver ao lado da mimadinha ciumenta.
Vanessa sorriu, enquanto uma lágrima
banhava sua face. Diana secou-a.
-- Não fique assim... Já estive lá
uma vez e a trouxe viva... Conseguirei de novo...
-- Não tem como fazer outra coisa?
A pintora meneou a cabeça negativamente.
-- Não, preciso tomar cuidado, pois eu
não confio naquele miserável... Farei como ele quer. Irei ao encontro do
desgraçado, farei como ele deseja, mas não se preocupe, tentarei me manter
vivo...
-- Quero você viva...
A filha de Alexander esboçou um sorriso,
enquanto aceitava o abraço daquela mulher que sempre agira tão bem consigo...
Ela a ajudara a seguir em frente...
Ouviu os soluços e tentou se manter
forte... Precisava ser fria...
Apertou-a mais forte, sentindo os
espasmos sacudir o corpo da empresária.
A Villa Real despertou depois de longas
horas.
Assustou-se ao ver um homem alto e com
expressão irritada, encarando-a.
Estava sobre uma cama de madeira dura e
estreita. Levantou-se de supetão.
O homem sorriu.
O pequeno quarto só contava com o leito
e uma cadeira de madeira rú stica.
Cheirava ruim e as paredes que um dia
fora branca, agora trazia manchas, deixando-as encardidas, A luz amarelada
iluminava o lugar, ferindo os olhos.
-- Lembra de mim, Aimê? – O raptor
questionou, enquanto enrolava um cigarro, passando a lı́ngua pelo papel. – Ah,
eu esqueci que você não tinha me visto, só ouvido minha voz... Sou bonito?
A filha de Otávio jazia encostada ao
concreto.
Não recordava bem do que tinha se
passado e nem como chegara àquele lugar... Apenas recordava de ter saı́do com
o prefeito... Ouvira tiros e depois tudo apagou...
Fechou as mãos ao lado do corpo.
O olhar demonstrava verdadeiro pavor.
Sim, sabia quem era ele e não fugia
muito de como imaginara o bandido que um dia fora cumplice do seu pai. Alto, forte,
cabelos negros, olhos miúdos e separados, lábios grossos, sobrancelha juntas
e nariz torto.
Observou a cicatriz no lado da face.
-- Ah, sim, isso aqui? – Tocou a pele
lesionada. – Foi a Calligari que me deixou esse presentinho há alguns anos. –
Acendeu o cigarro e começou a fumar. – Mas, sente-se, fique à vontade, acho
que temos algumas coisas para conversar... – Sorriu. – Espero que esse quarto
seja do seu agrado...
A Villa Real engoliu em seco.
--
O que quer comigo? Não basta tudo o que fez? Por que não nos deixa em paz?
Crocodilo
pegou um punhal que estava na cintura e ficou olhando seu reflexo na lâmina.
-- Se a Diana não tivesse se metido,
tudo estaria bem agora... porém mais uma vez fui lesado pela ı́ndia selvagem,
então percebi que não viverei em paz, enquanto ela continuar respirando... É
simples...
Aimê deu alguns passos para frente,
parecia determinada.
-- Deixe-a em paz! – Falou por entre os
dentes. – Leve-me para onde quiser, mas não faça nada com ela.
Crocodilo segurou o cigarro entre os dedos,
enquanto esboçava um sorriso cheio de deboche.
-- Estou a imaginar como o cruel Otávio
reagiria em saber que a única filha, sua joia preciosa se apaixonara pela
mesma mulher que ele... Se ele tivesse vivo você disputaria a major com o
coronel? – voltou a tragar. – Seria uma luta interessante, porém acho que do
jeito que ele era obcecado pela morena, você iria para o caixão rapidinho.
A Villa Real levantou a cabeça
desafiadora.
-- Já me tem, leve-me para onde quiser,
mas deixe que a Diana fique em paz, acho que vocês já fizeram-na sofrer o suficiente
para mil vidas.
O bandido ficou em silêncio.
A expressão dele era tranquila, parecia
ponderar. Mexeu-se na cadeira, cruzando as pernas.
-- A Calligari passou por muitas
coisas... Seu pai era um doente, queria a ı́ndia de todo jeito... Mas não a teve...
Ele espancou-a até deixá-la para morrer... Seu querido avô fez vistas
grossas, pois ele estava lá no dia que a filha de Alexander fora quase
estuprada sobre o corpo sem vida do noivo...
Aimê sentia as lágrimas queimar os
olhos diante da narrativa fria.
-- Ele poderia ter salvado a sua
amada... Mas apenas passou a mão na cabeça do único filho, enquanto inventava
mil e uma histórias... Tudo fora ele quem inventou... A questão de ela ser
traidora, a questão de ter se associado com os traficantes... O general tinha
uma criatividade muito boa...
-- Eu não quero ouvir mais nada... –
Gritou, enquanto tapava as orelhas. – Nada que falar me interessa...
Crocodilo foi até ela, segurando-lhe os
braços de forma violenta.
-- A garotinha do papai não quer ouvir
mais nada? Por quê? Não deseja saber como a sua famı́lia desgraçou a vida da
major? – Empurrou-a sobre a cama. – O mais interessante em tudo isso é que a
Calligari vai morrer por culpa de uma Villa Real, assim, o cı́rculo se fecha...
Porque não há dúvidas que ela vem ao teu resgate... Te ama... É normal...
Aimê se levantou e avançou contra o
homem que a esbofeteou tão forte, deixando-a desmaiada no chão imundo. O
bandido não pareceu se importar, voltando para a cadeira e continuando a fumar
seu cigarro.
Depois de alguns segundos a porta abriu,
o segurança loiro entrou. O rapaz observou a jovem desmaiada, porém nada disse
sobre isso.
-- O helicóptero está pronto!
-- Que bom... Seguiremos pela rota do
tráfico...
-- Mas e se a major fizer o mesmo?
-- Ela não fará, ela sabe que com um
toque delicado sou capaz de quebrar o pescoço da namoradinha dela. – Disse
fitando a garota. – Já mandei as instruções que devem ser seguidas... Quando
estiver naquela floresta, tudo estará ao nosso favor... Ela vai estar sozinha.
-- Mas ela não é ı́ndia? – Indagou
curioso. – E se a tribo a ajudar?
-- Não, isso está fora de
cogitação... Não é só no mundo dos brancos que a major é vista como
traidora... – Levantou- se. – Assim que nos livrarmos da Calligari vamos ganhar
muito dinheiro com a filha do coronel. – Deu tapinhas amigáveis no ombro do
comparsa. –Você foi ótimo ao descobrir os planos da major, ainda melhor em se
aproximar do prefeito e do seu filho...
-- Mas eles quiseram desistir em certo
momento, tanto que chegou a ir ao quarto da garota para contar o plano.
-- Um covarde... Que bom que o pai foi
persuadido, ainda mais depois que sequestramos o corninho.
Os homens gargalharam.
-- Você acha que ele sobrevive? –
Crocodilo indagou. – Não gosto de deixar testemunhas vivas...
-- Acredito que apenas um milagre
poderá salvá-lo!
Mesmo diante de uma chuva torrencial, a
Calligari esbravejou com o piloto, exigindo que a levasse até lá. O homem
explicou que não teriam como seguir, apenas no dia anterior.
Diana seguiu até o escritório.
Vanessa não voltará para a casa,
estava apreensiva, mesmo sabendo que não teria como convencer a artista do
contrário.
A filha de Alexander estava sentada na
cadeira, mantinha os olhos fechados, massageando as têmporas. Sentia-se de
mãos atadas, frustrada por não poder fazer nada.
Ouviu o som do trovão e desejou gritar
mais alto que a fú ria da natureza.
Pegou o celular e viu a mensagem que lhe
fora mandada novamente pelo miserável Crocodilo.
Fitou a foto de Aimê e ao ver a lateral
da boca dela cortada, ansiou pelo momento que faria o bandido desgraçado pagar
muito caro, nem que fosse aquilo a última coisa que tivesse que fazer na vida.
Ouviu batidas na porta, mas permaneceu
em silêncio e não demorou muito para o general entrar. Ricardo observava tudo
com atenção.
A sala estava um verdadeiro caos.
Livros, papéis, telefones, cadeiras e
vidros quebrados e jogados para todos os lados. Parecia que um verdadeiro
furacão passara por ali.
Fitou a major, vendo-a de cabeça baixa,
fitando o aparelho celular.
Viu o sangue em uma das mãos e percebeu
pela primeira vez como a mulher mais orgulhosa que conhecera em sua vida,
sofria naquele momento.
Que dor tão intensa era aquela por
Aimê?
Abriu a boca para falar, mas as palavras
não saı́ram.
Errara tanto que sabia não ter
dignidade alguma para dirigir a palavra a filha de Alexander.
Aproximou-se, apoiando as mãos no tampo
da mesa. Seus dedos enrugados tremiam.
-- Diana... – Chamou-a baixinho.
A Calligari não respondeu e tampouco o
mirou. Ricardo respirou fundo.
-- Eu sei que não merecemos sua
compaixão... – Começou. – Engraçado como mais uma vez, a vida da filha do
homem que destruiu sua vida... A vida da neta do homem que poderia ter feito
alguma coisa para não te deixar passar por aquelas coisas horrendas está nas
suas mãos... Porém agora eu percebo como o preço vai ser alto para você...
Os olhos negros se voltaram para o
homem.
O maxilar enrijecido, os lábios
pressionados em uma linha fina.
Todos naquela casa sabiam como ela estava
furiosa por não ter conseguido seguir naquele mesmo dia para o destino.
-- Se você decidir ir, estará
condenada... O Crocodilo deseja a sua morte mais do que qualquer outra coisa,
deseja terminar aquilo que o Otávio não teve tempo de fazê-lo... – Engoliu
em seco. – Gostaria de mais uma vez agir como um canalha que sempre fui e
apelar para sua consciência, implorando mais uma vez que vá lá e salve a
Aimê... – Limpou uma lágrima, enquanto tentava conter a emoção. – Meu Deus,
eu não posso fazer isso de novo, não posso pedir que sacrifique sua vida...
Hoje mesmo irei embora daqui com a Cláudia... Irei até aquele homem,
embrenhar-me-ei naquela selva... Porém dessa vez não pedirei que o faça...
Minha famı́lia já causou muita dor a você...
A filha de Alexander ouvia cada frase
dita...
Mirava os olhos tão azuis, tão
idênticos aos da mulher que tanto amava e sentia como nada faria sentido se
estivesse sem ela...
Mordiscou o lábio inferior.
Ricardo caminhava cabisbaixo até a
porta, mas a voz rouca da major o deteve.
-- Mesmo que não peça, será isso que
farei! Irei até o Crocodilo e trarei de volta a sua neta...
O general se virou para ela.
A expressão era de esperança e pesar.
-- A que preço?
-- Ao preço que for preciso...
Ricardo ainda abriu a boca para falar
algo, mas pareceu se arrepender, deixando o escritório.
A Calligari continuou no mesmo lugar,
olhava o sangue que jorrava do corte. Nada a impediria de seguir até aquela
floresta novamente...
Na manhã seguinte, Diana terminava de
arrumar a mochila. Não levaria muita coisa, apenas o necessário.
Seguiu até o quarto onde Aimê ocupava
em busca de alguns itens para a amada. Ao adentrar o espaço sentiu o cheiro da
jovem Villa Real.
Fitou a cama e sorriu ao lembrar da última
vez que se amaram, lembrou-se do sorriso fácil, dos olhos se estreitando entre
risos e o delicioso som da voz paciente, mesmo quando irritada.
Mirou o roupão sobre a cadeira.
Seguiu até ele, tomando-o, levando-o ao
nariz, inalou o cheiro dela... Sentou no leito, viu o livro sobre a cama.
Romance!
Sorriu ao ver o marcador de página...
Era a réplica de uma das suas obras...
Era a mesma que ela não viu, a da
exposição do prefeito... Suspirou, enquanto as lágrimas corriam soltas.
Aimê ouvia o barulho do helicóptero,
enquanto seu olhar se dirigia ao verde que aparecia a sua frente. Grande parte
do caminho fora feita de carro e agora seguiam para o seu destino.
Se pulasse dali evitaria que Diana fosse
até eles?
Esse pensamento passara inúmeras vezes
por sua cabeça naquele dia... Apertou forte as mãos ao lado do corpo.
-- Teria mesmo coragem de fazer isso?
O sotaque carregado de bandido lhe
chamou a atenção.
Ele estava de frente para si, enquanto o
loiro estava ao seu lado, outro que não conhecia ocupava o banco com o
traficante.
A filha de Otávio não respondeu nada.
-- Se o fizesse, Diana mesmo assim iria
a sua busca, então as duas morreriam... Vale a pena o sacrifı́cio? – Indagou
com a sobrancelha arqueada.
A Villa Real ficou calada por alguns
segundos, mas logo encarou o bandido.
-- Deixe-a... Eu seguirei contigo,
leve-me para onde quiser, me submeta ao castigo que desejar, mas deixe a major
fora disso... Nem estamos mais juntas... Ela me traiu, terminamos tudo... –
Dizia em desespero.
Crocodilo parecia analisar todas as
palavras.
-- Como? acabaram?
Aimê pareceu entusiasmada.
Se conseguisse convence-lo, poderia ter
a chance de salvar a mulher que amava.
-- Ela me traiu, tem uma amante
italiana, então acredito que esse seu plano não vai funcionar... Ela não
vem, eu sei, ainda mais depois da última briga que tivemos... Neguei-me a
voltar para ela.
O bandido olhou para o loiro em busca de
uma confirmação, porém o rapaz nada disse.
Crocodilo meneou a cabeça.
-- Mesmo assim ela vem, quando ela te
odiava, ela foi te salvar, imagina agora... – Deu um riso malicioso. – Mandei
alguns encorajamentos para que ela apareça.
-- Eu tenho certeza de que ela não vem...
Rezava para estivesse certa, mas sabia
que aquelas palavras não faziam o menor sentido, a pintora iria ao encontro do
bandido miserável e nada poderia ser feito para evitar isso.
Piatã deixou a pequena choupana ao
ouvir um som conhecido.
Apoiando-se em um pedaço de pau caminhou
lentamente, enquanto via as pessoas se aglomerarem em meio as portas de suas
pequenas casas.
Viu o pequeno pássaro de aço posar.
Esperou ansioso durante longos minutos e
quando a portinhola abriu, viu a ı́ndia selvagem. Diana respirou fundo ao ver
os olhares curiosos que a fitavam.
Não fazia muito tempo que estivera ali,
não fazia tempo que o ódio a movia, deixando-a totalmente cega, mas agora era
diferente.
Parou no primeiro degrau, enquanto
colocava os óculos pretos em estilo aviador. Mirou a os rostos conhecidos...
Cerrou os dentes...
Agora era movida por dois poderosos combustíveis:
O ódio e o amor...
"Antes que o homem pudesse falar mais alguma coisa, a Calligari desceu do carro, seguindo a pé por entre os veı́culos" lembrei das enquetes kkkkkkk como a Diana conseguiu chegar tão rápido? Kkkkkkkk saudades!
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