A déspota - capítulo 31
Maria Fernanda não
voltara ao próprio apartamento naquele
dia. Correra para os braços de sua amante loira. Houve a necessidade de retomar
o controle das emoções, a precisão de mostrar que nada que ocorrera na noite
anterior havia lhe afetado. Mas assim que os primeiros raios de sol banharam o
dia, a juı́za seguiu para a casa. Precisava se vestir adequadamente para ir ao
fórum. Muito trabalho a esperava.
Eva estava acabando
de banhar a filha quando foi avisada da presença de Ricardo.
Ela sabia que não
demoraria para ele aparecer. Sabia que ele a vigiava, seguia seus passos em
busca de um momento adequado para usar seus truques sujos.
-- Termine de
arrumar a Ysa, mas não a deixe sair do quarto.
A mulher assentiu e
a italiana trocou rapidamente de roupa e foi ao encontro do empresário.
Ricardo observava
tudo com bastante interesse. Estava no escritório.
Não havia dúvidas
que era uma famı́lia muito poderosa, muito dinheiro envolvido, isso era bom
para os seus planos.
Não havia
interessa nenhum em ter uma pirralha para cuidar, porém a garota era a
herdeira de Luı́za e isso sim era muito bem vindo para ele, ainda mais quando
estava praticamente falido.
-- O que o senhor
deseja aqui?
O homem se virou e
deparou-se com a bela morena.
Era uma mulher
muito linda, qualquer um perderia a cabeça facilmente por ela. Nunca entendera
o motivo da mesma se envolver com a enteada, afinal, não deveria ser interesse
financeiro, pois sabia que ela era a única herdeira de Belluti, sem falar dos
avós que moravam na Espanha e eram riquı́ssimos.
-- Olá, minha
querida! – Estendeu a mão em cumprimento.
A cigana ignorou o
gesto.
-- O que faz aqui?
Ricardo sentou na
poltrona e cruzou as pernas.
-- Quero ver minha
neta.
-- Você não a
verá e nem mesmo terá nenhum contato com ela. – Apontou o dedo em riste.
-- Eu tenho
direitos. – Falou calmamente. – Acho que você deveria me ouvir. A Luı́za não
disse toda a verdade...
-- Não ouse
manchar a memória da Luı́za. – O interrompeu. – Você jamais terá nenhum tipo
de contato com a minha filha.
-- Ela não é sua
filha! – Bradou, levantando-se.
-- Saia da minha
casa nesse exato momento ou chamarei os seguranças para tirá-lo.
-- Eu irei, mas
hoje mesmo entrarei com um pedido de guarda, hoje mesmo entrarei com um
processo contra você.
-- Faça como
desejar!
Ricardo a encarou
mais uma vez e saiu pisando duro.
A cigana passou a
mão pelos cabelos soltos, respirando fundo. Sabia que a luta não seria
fácil. Ricardo já tentara fazer isso na Espanha e fora uma luta difı́cil,
dessa vez não seria diferente, porém a única certeza que tinha era que
jamais o deixaria por as mãos em Ysabela.
Lutho estava em sua
sala.
Odiava tudo aquilo.
Não era mais um dos presidentes da corporação, fora rebaixado ao cargo de
simples diretor.
-- Maldita, Maria
Fernanda! Mil vezes maldita.
Mas ainda iria se
vingar dela, disso ela poderia ter certeza. Ouviu o celular tocar e atendeu rapidamente.
-- Eu estive com a
sua cigana e já a fiz tremer.
-- Então, o que
devo fazer agora? – Indagou sorridente.
-- Faça o papel de
bom moço. Convença-a casar contigo, mostre que essa será uma boa forma de
manter a guarda da pirralha... Se você conseguir, ambos ganharemos...
-- Dessa vez ela
não escapará!
Ouviu o som de
finalização de chamada.
Sorriu!
O plano de Ricardo
era perfeito. Se conseguisse, assumiria os negócios da famı́lia Belluti e não
precisaria de mais nada do pai. Assim, seria uma vingança perfeita, afinal, sua
irmanzinha iria odiar saber que ele desfrutaria dos prazeres da cigana.
Bateu forte na
mesa.
Sentia nojo quando
pensava que a italiana se deitaraa com a bastarda. Ele descobrira isso pouco
tempo depois da cigana deixar o paı́s e tivera ganas de matar as duas, porém a
vingança é um prato que só se deve comer frio, pois é o inimigo que deve
terminar queimado.
Os dias foram
passando de forma tranquila.
Andrello ainda
estava acamado, Eva não tinha previsão de retornar à Espanha, desejava ficar
perto do pai. Ele já estava ciente da presença da filha e isso parecia ter
feito muito bem, ainda mais com a netinha que ele adorava.
Eva deixou a filha
com uma das empregadas, pois precisava ir à empresa para ver como estava o andamento
de tudo.
-- Olá,
meritı́ssima!
Maria Fernanda
examinava uns papéis, ao ouvir a voz forte do pai levantou a cabeça.
Era seu horário de
almoço, mas não saı́ra, pois não estava com fome, então ficara vendo alguns
casos para adiantar o trabalho.
-- Olá, papai! Por
que ninguém anunciou sua presença? – Indagou arqueando a sobrancelha.
-- Você e o seu
humor azedo. – O homem caminhou até ela e beijou-lhe a face.
A juı́za o observou
sentar, encarando-a.
Não podia negar
que com o passar do tempo acabara por ter um grande carinho por aquele homem.
Ele a apoiava em todos os momentos e sempre se fazia presente, algo que a fez
acabar se acostumando com sua presença e cuidado.
-- Eu preciso de um
favor, filha. – Falou após alguns segundos de silêncio.
-- Estou ocupada! –
Voltou a fitar os documentos que estava em mãos.
-- Sua secretária
me disse que não havia mais nada para você fazer aqui hoje.
-- Lembrar de
demiti-la depois. – Anotou em um papel.
-- Fernanda, por
favor! É urgente!
A déspota
levantou, exibindo aquele ar sério costumeiro.
-- O que tenho que
fazer?
-- Preciso que
você compareça a reunião de uma das empresas que mantenho sociedade. O meu
representante estará lá, mas como você entende tudo da área jurı́dica,
desejo que revise todas as cláusulas da fusão.
A jovem passou a
mão pelos cabelos e assentiu. O empresário entregou um cartão a ela.
-- Esse é o
endereço e o Fernando estará lá a sua espera.
-- Certo! – Recebeu
o papel resignada.
Eva ligou para
casa, assim que chegou ao restaurante.
Ficou feliz ao
constatar que tudo estava bem com a filha. Não planejara demorar, mas o
diretor da empresa pediu que o acompanhasse a uma reunião onde seria discutida
a fusão de umas das filiais da companhia Belluti.
-- E quanto tempo
vai demorar para essas pessoas chegarem? – Indagou impaciente ao advogado e ao
diretor.
-- Já deveriam
estar aqui... Ah, vejam, lá está ele. – O homem falou levantando-se.
A italiana mirou o homem que se aproximava com passos
confiantes e ar aristocrático, Fernando Alcântara!
O rapaz
cumprimentou a todos e ficou surpreso ao notar a presença da jovem. Ela era a
última pessoa que pensou em encontrar, não sabia que ela estava de volta.
Sentou e
imediatamente pegou o celular para ligar para a irmã, seu pai o avisara que
ela o acompanharia no almoço. Sabia que não seria muito bom um encontro entre
as duas mulheres, lembrava bem como a juı́za ficará quando a outra partiu.
Quando o aparelho
completava a ligação, viu Maria Fernanda entrando pela enorme porta e se
aproximando a passos lentos.
Eva observava que o
irmão de Lutho parecia nervoso ao vê-la, acompanhava todos os movimentos dele
e notou o olhar esbugalhado do mesmo ao mirar a porta. Sentiu o ar faltar aos
pulmões ao ver a mulher se aproximar.
Observou-a tirar os
óculos e viu os olhares se voltarem para ela. Tinha como ser diferente?
A arrogância e a
sensualidade não a abandonavam, nem mesmo quando ela se vestia tão
formalmente.
Na vez anterior que
a encontrou, ela aparentou certa fragilidade, indiferença, raiva... Mas naquele
momento, quando os olhares se cruzaram era visıv́ el aquele maldito ar irônico e orgulhoso
Maria Fernanda
estava surpresa ao ver a cigana, mas não demonstraria como sua presença mexia
consigo. Encarou-a por alguns segundos e exibiu aquele sorriso que em muitos
momentos levara Eva a loucura.
-- Boa tarde! –
Cumprimentou sentando ao lado do irmão e da italiana. Fernando pigarreou e
iniciou a leitura do contrato.
A juı́za estendeu a
mão para pegar uma cópia do documento e acabou roçando no braço da filha de
Belluti. A italiana sentiu a pele queimar e o corpo todo acender.
Aquilo parecia uma
maldição.
Passara todo aquele
tempo e em nenhum momento sentiu a necessidade de se envolver com ninguém.
Nunca sentira vontade ou interesse por nenhuma mulher, porém bastava estar ao
lado da déspota e parecia que a chama acendia dentro de si.
-- Você concorda
com os termos?
Eva foi tirada de
seus pensamentos por Fernando que a olhava de forma interrogativa.
-- Perdão, você
pode repetir?
-- Ah, por favor, nós
não temos o dia todo disponível. – Fernanda respondeu irritada.
A cigana abriu a boca para responder, mas foi
interrompida.
-- Certo,
explicarei! – Ele tentou amenizar a situação.
Meia hora depois,
tudo estava acertado e o contrato havia sido assinado pelas partes
interessadas. Maria Fernanda se despediu de com um aceno de cabeça e seguiu em
direção ao toalete.
A italiana sabia
que não deveria agir por impulso, mas não conseguiu resistir e foi ao
encontro da déspota. Quando entrou, encontrou-a retocando a maquiagem. Não
havia ninguém lá, apenas as duas.
A juı́za viu o
reflexo da jovem e sentiu a pele se arrepiar quando ela parou alguns
centı́metros atrás de si. Sabia que o melhor a fazer era ir embora, mas algo
naqueles olhos misteriosos a fez ficar no mesmo lugar.
-- É segunda vez
que nos encontramos desde que retornei ao Brasil... Primeiro em minha casa e
agora aqui... – Comentou.
-- E? – Virou para
ela.
A cigana viu aquele
olhar frio, mas não parecia intimidada. Viu-a levantar o nariz arrebitado e
lembrou-se de outros momentos, onde aquele gesto era a marca de prepotência
que ela adorava exibir.
-- Precisamos
conversar.
-- Não há nada
para conversarmos.
Maria Fernanda fez
menção de se afastar, mas foi detida pelo braço.
-- Por favor,
dê-me alguns minutos. – Pediu delicadamente.
A juı́za fitou-a
profundamente. Havia uma luta dentro de si naquele momento, como se um vulcão
tivesse prestes a entrar em erupção. Sentia a pele onde a mão dela estava
queimar, sentia um arrepio eriçar os pelos do seu corpo.
Respirou fundo.
A cigana relaxou o aperto e iniciou uma espécie de
carı́cia com o polegar. Era maravilhoso senti-la, desejava muito mais que
aquilo. Ao olhar para aqueles lábios teve o ı́mpeto de
“Oh, como necessito do seu toque.”
Estava correndo o risco de levar uma boa bofetada, mas não deixaria aquela oportunidade passar. Puxou-a para si e colando os lábios aos dela. De inı́cio encontrou certa resistência, mas pouco a pouco foi vencendo.
Lentamente, penetrou a lı́ngua naquele recanto delicioso
e aprofundou ainda mais a carı́cia, sugando e permitindo que o mesmo fosse
feito em si. Deus, como o tempo fora tão miserável a ponto de não permitir
que ela pudesse esquecer como amava aquela mulher.
As bocas se reconheciam e cada vez pediam mais. A
urgência da carı́cia, o acelerar da respiração... Aquele desejo de se fundir
uma na outra.
A cigana viu a déspota interromper bruscamente o
contato, esperou pela reação violenta, mas ganhara apenas uma olhar de ódio
mortal, o que precedeu a saı́da de Fernanda. Lentamente a cigana soltou a
respiração.
Ficou parada de frente para o espelho e ficou a observar
o próprio reflexo. A pele estava rubra e os lábios... Lembrou-se de outros
mais gostosos...
--Oh, Deus, preciso ir para bem longe o mais rápido possível!
Maria Fernanda seguia pelo corredor quando sentiu alguém
segurá-la. Virou e deu de cara com o irmão.
-- Eu estava quase entrando naquele banheiro.
A juı́za
deu de ombros e continuou andando.
-- Você, está bem? O que houve lá dentro? Onde está a Eva?
A jovem parou abruptamente.
-- Não houve nada, agora me deixa em paz!
-- Eu não sabia que ela estaria aqui, nem mesmo sabia
que tinha voltado ao paı́s. – Tentou se justificar.
A déspota passou a mão pelos cabelos e tentou controlar
a raiva, afinal, ele não tinha culpa do que tinha ocorrido.
-- Não se preocupe, estou bem! – Abraçou Fernando e seguiu para o próprio carro.
Esperou alguns minutos antes de dar partida
Seu corpo continuava trêmulo, ainda podia sentir na boca
o sabor daqueles lábios que mais pareciam a fruta suculenta do pecado. O que a
Eva pretendia com aquele jogo? Não já a machucara o suficiente? Onde estava a
esposa, onde estava a mãe de sua filha?
Observou-a sair do restaurante, mas não esperou mais um
único minuto, saiu dando partida no carro.
Pedro observou quando a filha de Andrello chegou e
observou que ela parecia abatida.
-- Está bem, menina Eva? – Aproximou-se.
A cigana fitou o homem que cresceu vendo ao lado do pai.
-- Estou! – Ensaiou um sorriso.
O empregado tirou um envelope do bolso.
-- Um oficial de justiça esteve aqui hoje e pediu que isso fosse lhe entregue.
A italiana já esperava por aquilo.
Abriu e viu que Ricardo tinha cumprido o prometido, mais
uma vez iria aos tribunais lutar pela guarda da filha.
Arthur chegou à cidade um dia antes do esperado, queria
estar ao lado da amiga no dia da audiência. Sabia que ela estava enfrentando
mais uma vez o problema com o padrasto de Luiza.
Aquele homem não descansaria enquanto não tivesse a
herança da enteada em suas mãos. Eva foi ao encontro do amigo.
Desceu as escadas e o abraçou.
-- Amore mio!
Ela sentiu o conforto que esperara tanto em todos aqueles dias.
Felizmente, ainda restara ele para poder contar naqueles
difı́ceis momentos. Não quisera preocupar o pai com um assunto tão delicado,
temia que a recuperação dele fosse comprometida.
-- Pensei que só chegaria na próxima semana. –
Sussurrou.
-- Amanhã quero estar ao seu lado, não permitirei que
ninguém a machuque ou faça isso com nossa princesa.
Maria Fernanda
estava cheia de trabalho naquela semana, o que era algo bom, pois assim lhe
faltava tempo para pensar na cigana. Naquele dia havia inú meras audiências
para preceder, coisas simples, nada de tão difı́cil.
Recebeu um
telefonema de última hora.
-- Maria Fernanda,
preciso que você preceda uma causa.
A juı́za não
gostou do tom do seu superior, ele sabia que isso era algo inviável.
-- Eu sinto muito,
vossa excelência, mas não tenho nenhum conhecimento do fato. – Tentou ser
diplomática.
-- Veja, essa é a
primeira vez que lhe “ peço” algo e não aceitarei um não como resposta.
Engraçado, como
havia sempre algum tipo de manipulação em algumas coisas, ela temia manchar
seu nome diante desses atos e buscava sempre agir com integridade e ética.
-- Olhe, o juiz
designado não poderá estar presente, descobri de última hora que ele tem uma
certa cumplicidade com uma das partes, não quero que isso seja espalhado, pois
seria um pequeno escândalo para a imprensa, levando em conta que estamos
tratando de pessoas influentes.
-- Por que não
adia?
-- Porque isso
seria suspeito e ainda terı́amos um escândalo devido aos envolvidos.
Fernanda abriu a boca para protestar, mas sabia que seria
algo em vão.
-- Apenas não desejo ser responsabilizada depois. –
Finalizou.
-- Não se preocupe, já providenciei tudo para que não
exista nenhum contratempo.
-- Ok!
-- Você já foi
atrás da cigana? – Ricardo indagou ao italiano.
Ambos estavam sentados em um café.
-- Liguei inúmeras
vezes, mas ela não me atendeu. – Falou irritado.
-- Você é um
idiota!
Lutho fez menção
de levantar, mas acabou desistindo do ato.
-- Você disse que
hoje ganharia a guarda da menina.
-- Infelizmente,
não poderei contar com o apoio que pensei, mas não se preocupe, não
desistirei assim tão fácil.
-- Mas o que houve?
-- Nada que não
seja fácil driblar.
Ricardo sabia que
aquele poderia não ser o seu dia de sorte, mas o próximo passo já estava
pronto e dessa vez não falharia.
-- Apenas fique
atento, pois tenho certeza que a Eva irá se sentir encurralada e cairá em
seus braços.
A italiana estava
ansiosa, Arthur segurou-lhe a mão. O advogado parecia preocupado.
Seguiu até onde ela estava.
-- Houve uma mudança
de juiz, irei pedir a anulação da audiência.
Antes que pudesse
falar mais alguma coisa, todos ficaram em silêncio para a entrada da juı́za. A
cigana sentiu náuseas ou ver quem entrava exibindo impecavelmente sua toga.
Recordou de certo
julgamento que ocorrera há alguns anos. Fitou-a e pôde ver a indiferença em seu
olhar.
Maria Fernanda não
estava surpresa. Recebera o processo duas horas antes e ficara sabendo de quem
se tratava. Não sabia se conseguiria ser imparcial, ainda estava em choque com
tudo que leu.
Mirou a cigana e pôde
ver a preocupação em seu olhar. A conhecia o suficiente para saber o quanto
deveria estar a temer por sua presença.
Como alguém
poderia ser tão linda?
Deus, como amava
aquela mulher!
Recordou a última
vez que a viu e do beijo que trocaram.
-- Nossa, que
mulher poderosa é essa, amiga?
A italiana saiu do
transe ao ouvir o cochicho do rapaz em seu ouvido. Repreendeu-o com o olhar.
A cigana ouviu a
voz firme e rouca cumprimentar a todos e falar todas aquelas palavras cerimoniais.
-- Vossa
excelência, minha cliente se nega a permitir que a meritı́ssima preceda esse
processo. – O advogado da filha de Belluti iniciou. – Foi nos informado de
última hora da mudança e isso é algo inviável.
Eva estremeceu ao
ver o sorriso jocoso e a ironia presente naqueles olhos que a fitava naquele
momento. Engoliu em seco.
-- Não se preocupe
senhor advogado, acalme o coração de sua cliente, pois esse júri ficará
suspenso até que nova audiência seja marcada.
-- Isso é um
absurdo! – Protestou Ricardo.
Maria Fernanda
apenas deu de ombros, encerrando algo que nem mesmo iniciara. Sabia que estava
indo contra as ordens que recebera, mas ela mesma sabia que aquele ato não era
correto e não comprometeria a brilhante carreira que tinha por pormenores.
Em poucos segundos,
o escrivão redigiu as palavras da juı́za e a mesma despediu-se e retirou-se do
recinto. Arthur soltou um longo suspiro.
-- E agora?
-- Agora mesmo irei
abrir uma reclamação contra essa arrogante. – Prontificou-se o representante
da italiana.
-- Não o faça,
esperemos a nova data para a audiência. – Retrucou calmamente a jovem.
-- Mas...
A cigana apenas
levantou a mão em sinal de que não queria mais falar sobre aquilo e seguiu
até onde Ricardo estava. O homem levantou-se rapidamente, encarando-a.
-- Isso pode ser
evitado! – Iniciou o empresário. – Apenas você cedendo um pouco as minhas
vontades.
-- Para mim, você
não passa de abutre e dessa vez, eu farei questão de ir até o final para
ficar livre de uma vez por todas de sua perseguição.
O homem ainda abriu
a boca para protestar, mas Eva nem mesmo esperou.
Maria Fernanda
deitou-se no enorme sofá.
Fechou os olhos e
tentou controlar a ansiedade que a dominava desde o momento que folheara
aquelas páginas, na qual Eva era participante ativa de toda a história.
Então, não havia mais uma esposa, mas havia um fruto desse amor?
Levantou
rapidamente e pegou a pasta mais uma vez.
A acusação era
clara: Eva Beatrice Belluti estava sendo acusada de se aproveitar da fragilidade
de uma mulher que estava à beira da morte e assumir a guarda da criança
ilegalmente.
Rapidamente discou
o número da assistente e deu-lhe uma ordem.
Arthur segurou a
mão da amiga.
-- Vamos embora,
estou louco para encher a minha bonequinha de beijos, estou morto de saudades
da minha ciganinha.
A italiana bateu de
leve em suas costas.
-- Não a chame
assim, seu chato, sabe que não gosto. – Repreendeu-o.
-- Anhan, sei, deve
ser porque morres de medo de ela seguir os mesmos passos que os seus. --- Gargalhou.
– Vai ficar cheia de cabelos brancos e pode até ter um infarto.
Ambos riram alto.
-- Com licença!
Os dois se viraram
para fitar a mulher de meia idade que os observavam de forma curiosa.
-- A senhora é Eva
Beatrice Belluti? – Indagou sem rodeios.
-- Sim! – Respondeu
com seu porte aristocrático.
-- A meritı́ssima
deseja vê-la. – Fez um gesto com a mão indicando o caminho.
A cigana relutou, mas acabou acatando a ordem
velada. Talvez devesse algumas explicações de tudo o que aconteceu, com certeza
ela já devia saber de parte de toda a história.
Fitou o olhar
preocupado do amigo.
-- Espere-me, já
retorno.
Maria Fernanda
ouviu a batida na porta e em seguida a entrada da linda italiana. Preferira
permanecer sentada na segurança de sua mesa.
Ficaram se
encarando por alguns segundos.
A cigana tentava
manter as batidas do coração controlada, mas ver aquela mulher era um
prejuı́zo para seus nervos.
-- O que desejas,
vossa excelência? – Perguntou formalmente.
A juı́za apenas deu
de ombros e ficou a observar as páginas do documento que estava em suas mãos.
O fez lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo.
Eva se aproximou
mais e começou a dedilhar na grande mesa de mogno, estava quase para começar a
praticar um ato que há tempos não fazia: roer unhas.
-- O que quer
comigo? – Insistiu.
Maria Fernanda
levantou os olhos e a encarou:
-- Quero que me
explique o que significa todo esse processo. – Entregou-lhe a pasta.
A italiana recolheu
o que lhe era entregue e iniciou uma leitura superficial, até constatar que
naquelas páginas havia muito mais do que imaginara. Caspeta!
-- Não tenho que
lhe dar nenhuma explicação, afinal, que eu saiba não será você a julgar o
caso.
Confiantemente, a déspota deu a volta e parou
bem próximo à jovem.
-- Não estou a lhe
falar como a juı́za...
-- E estás a falar
como o quê?
A respiração de
ambas se misturaram e os olhares se sustentaram infinitamente.
Eva mordeu a
lateral do lábio inferior, nervosa. Não queria cometer a loucura que fizera
da última vez, não podia se guiar pelos instintos. Todos aqueles dias ficara
a pensar como agira sem pensar, como era praticamente impossível não se jogar
nos braços daquela linda mulher.
Deu alguns passos
para trás.
-- Responda-me! – Ordenou.
-- Com que direito
me pede explicações? O que há entre nós para que faças isso? – Retrucou.
-- Responda-me! –
Repetiu.
-- Não, juı́za,
não tenho nada para lhe falar. – Seguiu para a saída.
A déspota parou encostada à porta com os
braços cruzados.
-- Não sairá
daqui enquanto não responder o que desejo saber.
Eva estreitou os
olhos e tentou tirá-la do lugar, mas naquele momento Maria Fernanda se
aproveitou e a segurou firme.
Dentro da italiana
havia um turbilhão de emoções. Em parte, desejava de todo coração falar tudo
que acontecera em todos aqueles dias. Sua dor ao acompanhar a doença da esposa,
sua prematura morte, a luta para manter a filha a salva de Ricardo.
A juı́za seria
capaz de compreender suas escolhas?
Desvencilhou-se das
amarras, estendeu a mão e tocou-lhe o rosto.
Fernanda contraiu
ao sentir as delicadas mãos tateando sua face. Não esboçou nenhuma reação ao
vê-la examinar cada detalhe minuciosamente. Os longos dedos passavam por sua
sobrancelha, seu nariz firme e arrebitado, acariciou os lábios macios,
desenhando sua forma.
Em nenhum momento
os olhos se afastaram, pareciam presos por um encanto de tempos imemoriais, por
uma necessidade tão antiga quanto à própria ideia de vida.
A respiração de
ambas começou a se misturar, acelerando, até as bocas se tocarem. O fizeram
tão delicadamente, como se temessem quebrar, o fizeram como se fosse aquela a
última gota do deserto, provaram o sabor como se estivessem a degustar o mais
precioso néctar e quando as lı́nguas se tocaram, puderam sentir a alma
renascer das cinzas.
Maria Fernanda a
abraçou forte, temendo perdê-la mais uma vez, temendo que a vida a levasse
para longe... A carı́cia cessou.
Palavras não foram
ditas, a juı́za apenas se afastou, deixando-a passar e assim a cigana partiu,
não que seu desejo não fosse ficar, mas porque aquele não era o momento para
explicações...
Comentários
Postar um comentário