A déspota - capítulo 31


Maria Fernanda não voltara   ao próprio apartamento naquele dia. Correra para os braços de sua amante loira. Houve a necessidade de retomar o controle das emoções, a precisão de mostrar que nada que ocorrera na noite anterior havia lhe afetado. Mas assim que os primeiros raios de sol banharam o dia, a juı́za seguiu para a casa. Precisava se vestir adequadamente para ir ao fórum. Muito trabalho a esperava.

 

 

 

Eva estava acabando de banhar a filha quando foi avisada da presença de Ricardo.

Ela sabia que não demoraria para ele aparecer. Sabia que ele a vigiava, seguia seus passos em busca de um momento adequado para usar seus truques sujos.

-- Termine de arrumar a Ysa, mas não a deixe sair do quarto.

A mulher assentiu e a italiana trocou rapidamente de roupa e foi ao encontro do empresário.

 

 

Ricardo observava tudo com bastante interesse. Estava no escritório.

Não havia dúvidas que era uma famı́lia muito poderosa, muito dinheiro envolvido, isso era bom para os seus planos.

Não havia interessa nenhum em ter uma pirralha para cuidar, porém a garota era a herdeira de Luı́za e isso sim era muito bem vindo para ele, ainda mais quando estava praticamente falido.

-- O que o senhor deseja aqui?

O homem se virou e deparou-se com a bela morena.

Era uma mulher muito linda, qualquer um perderia a cabeça facilmente por ela. Nunca entendera o motivo da mesma se envolver com a enteada, afinal, não deveria ser interesse financeiro, pois sabia que ela era a única herdeira de Belluti, sem falar dos avós que moravam na Espanha e eram riquı́ssimos.

-- Olá, minha querida! – Estendeu a mão em cumprimento.

A cigana ignorou o gesto.

-- O que faz aqui?

Ricardo sentou na poltrona e cruzou as pernas.

-- Quero ver minha neta.

-- Você não a verá e nem mesmo terá nenhum contato com ela. – Apontou o dedo em riste.

-- Eu tenho direitos. – Falou calmamente. – Acho que você deveria me ouvir. A Luı́za não disse toda a verdade...

-- Não ouse manchar a memória da Luı́za. – O interrompeu. – Você jamais terá nenhum tipo de contato com a minha filha.

-- Ela não é sua filha! – Bradou, levantando-se.

-- Saia da minha casa nesse exato momento ou chamarei os seguranças para tirá-lo.

-- Eu irei, mas hoje mesmo entrarei com um pedido de guarda, hoje mesmo entrarei com um processo contra você.

-- Faça como desejar!

Ricardo a encarou mais uma vez e saiu pisando duro.

A cigana passou a mão pelos cabelos soltos, respirando fundo. Sabia que a luta não seria fácil. Ricardo já tentara fazer isso na Espanha e fora uma luta difı́cil, dessa vez não seria diferente, porém a única certeza que tinha era que jamais o deixaria por as mãos em Ysabela.

 

 

 

 

Lutho estava em sua sala.

Odiava tudo aquilo. Não era mais um dos presidentes da corporação, fora rebaixado ao cargo de simples diretor.

-- Maldita, Maria Fernanda! Mil vezes maldita.

Mas ainda iria se vingar dela, disso ela poderia ter certeza. Ouviu o celular tocar e atendeu rapidamente.

-- Eu estive com a sua cigana e já a fiz tremer.

-- Então, o que devo fazer agora? – Indagou sorridente.

-- Faça o papel de bom moço. Convença-a casar contigo, mostre que essa será uma boa forma de manter a guarda da pirralha... Se você conseguir, ambos ganharemos...

-- Dessa vez ela não escapará!

Ouviu o som de finalização de chamada.

Sorriu!

O plano de Ricardo era perfeito. Se conseguisse, assumiria os negócios da famı́lia Belluti e não precisaria de mais nada do pai. Assim, seria uma vingança perfeita, afinal, sua irmanzinha iria odiar saber que ele desfrutaria dos prazeres da cigana.

Bateu forte na mesa.

Sentia nojo quando pensava que a italiana se deitaraa com a bastarda. Ele descobrira isso pouco tempo depois da cigana deixar o paı́s e tivera ganas de matar as duas, porém a vingança é um prato que só se deve comer frio, pois é o inimigo que deve terminar queimado.

 

 

Os dias foram passando de forma tranquila.

Andrello ainda estava acamado, Eva não tinha previsão de retornar à Espanha, desejava ficar perto do pai. Ele já estava ciente da presença da filha e isso parecia ter feito muito bem, ainda mais com a netinha que ele adorava.

Eva deixou a filha com uma das empregadas, pois precisava ir à empresa para ver como estava o andamento de tudo.

 

 

-- Olá, meritı́ssima!

Maria Fernanda examinava uns papéis, ao ouvir a voz forte do pai levantou a cabeça.

Era seu horário de almoço, mas não saı́ra, pois não estava com fome, então ficara vendo alguns casos para adiantar o trabalho.

-- Olá, papai! Por que ninguém anunciou sua presença? – Indagou arqueando a sobrancelha.

-- Você e o seu humor azedo. – O homem caminhou até ela e beijou-lhe a face.

A juı́za o observou sentar, encarando-a.

Não podia negar que com o passar do tempo acabara por ter um grande carinho por aquele homem. Ele a apoiava em todos os momentos e sempre se fazia presente, algo que a fez acabar se acostumando com sua presença e cuidado.

-- Eu preciso de um favor, filha. – Falou após alguns segundos de silêncio.

-- Estou ocupada! – Voltou a fitar os documentos que estava em mãos.

-- Sua secretária me disse que não havia mais nada para você fazer aqui hoje.

-- Lembrar de demiti-la depois. – Anotou em um papel.

-- Fernanda, por favor! É urgente!

A déspota levantou, exibindo aquele ar sério costumeiro.

-- O que tenho que fazer?

-- Preciso que você compareça a reunião de uma das empresas que mantenho sociedade. O meu representante estará lá, mas como você entende tudo da área jurı́dica, desejo que revise todas as cláusulas da fusão.

A jovem passou a mão pelos cabelos e assentiu. O empresário entregou um cartão a ela.

-- Esse é o endereço e o Fernando estará lá a sua espera.

-- Certo! – Recebeu o papel resignada.

 

 

Eva ligou para casa, assim que chegou ao restaurante.

Ficou feliz ao constatar que tudo estava bem com a filha. Não planejara demorar, mas o diretor da empresa pediu que o acompanhasse a uma reunião onde seria discutida a fusão de umas das filiais da companhia Belluti.

-- E quanto tempo vai demorar para essas pessoas chegarem? – Indagou impaciente ao advogado e ao diretor.

-- Já deveriam estar aqui... Ah, vejam, lá está ele. – O homem falou levantando-se.

A italiana mirou o homem que se aproximava com passos confiantes e ar aristocrático, Fernando Alcântara!

O rapaz cumprimentou a todos e ficou surpreso ao notar a presença da jovem. Ela era a última pessoa que pensou em encontrar, não sabia que ela estava de volta.

Sentou e imediatamente pegou o celular para ligar para a irmã, seu pai o avisara que ela o acompanharia no almoço. Sabia que não seria muito bom um encontro entre as duas mulheres, lembrava bem como a juı́za ficará quando a outra partiu.

Quando o aparelho completava a ligação, viu Maria Fernanda entrando pela enorme porta e se aproximando a passos lentos.

 

 

Eva observava que o irmão de Lutho parecia nervoso ao vê-la, acompanhava todos os movimentos dele e notou o olhar esbugalhado do mesmo ao mirar a porta. Sentiu o ar faltar aos pulmões ao ver a mulher se aproximar.

Observou-a tirar os óculos e viu os olhares se voltarem para ela. Tinha como ser diferente?

A arrogância e a sensualidade não a abandonavam, nem mesmo quando ela se vestia tão formalmente.

Na vez anterior que a encontrou, ela aparentou certa fragilidade, indiferença, raiva... Mas naquele momento, quando os olhares se cruzaram era visıv́  el aquele maldito ar irônico e orgulhoso

Maria Fernanda estava surpresa ao ver a cigana, mas não demonstraria como sua presença mexia consigo. Encarou-a por alguns segundos e exibiu aquele sorriso que em muitos momentos levara Eva a loucura.

 

-- Boa tarde! – Cumprimentou sentando ao lado do irmão e da italiana. Fernando pigarreou e iniciou a leitura do contrato.

A juı́za estendeu a mão para pegar uma cópia do documento e acabou roçando no braço da filha de Belluti. A italiana sentiu a pele queimar e o corpo todo acender.

Aquilo parecia uma maldição.

Passara todo aquele tempo e em nenhum momento sentiu a necessidade de se envolver com ninguém. Nunca sentira vontade ou interesse por nenhuma mulher, porém bastava estar ao lado da déspota e parecia que a chama acendia dentro de si.

-- Você concorda com os termos?

Eva foi tirada de seus pensamentos por Fernando que a olhava de forma interrogativa.

-- Perdão, você pode repetir?

-- Ah, por favor, nós não temos o dia todo disponível. – Fernanda respondeu irritada.

 A cigana abriu a boca para responder, mas foi interrompida.

-- Certo, explicarei! – Ele tentou amenizar a situação.

Meia hora depois, tudo estava acertado e o contrato havia sido assinado pelas partes interessadas. Maria Fernanda se despediu de com um aceno de cabeça e seguiu em direção ao toalete.

A italiana sabia que não deveria agir por impulso, mas não conseguiu resistir e foi ao encontro da déspota. Quando entrou, encontrou-a retocando a maquiagem. Não havia ninguém lá, apenas as duas.

A juı́za viu o reflexo da jovem e sentiu a pele se arrepiar quando ela parou alguns centı́metros atrás de si. Sabia que o melhor a fazer era ir embora, mas algo naqueles olhos misteriosos a fez ficar no mesmo lugar.

-- É segunda vez que nos encontramos desde que retornei ao Brasil... Primeiro em minha casa e agora aqui... – Comentou.

-- E? – Virou para ela.

A cigana viu aquele olhar frio, mas não parecia intimidada. Viu-a levantar o nariz arrebitado e lembrou-se de outros momentos, onde aquele gesto era a marca de prepotência que ela adorava exibir.

-- Precisamos conversar.

-- Não há nada para conversarmos.

Maria Fernanda fez menção de se afastar, mas foi detida pelo braço.

-- Por favor, dê-me alguns minutos. – Pediu delicadamente.

A juı́za fitou-a profundamente. Havia uma luta dentro de si naquele momento, como se um vulcão tivesse prestes a entrar em erupção. Sentia a pele onde a mão dela estava queimar, sentia um arrepio eriçar os pelos do seu corpo.

            Respirou fundo.

            A cigana relaxou o aperto e iniciou uma espécie de carı́cia com o polegar. Era maravilhoso senti-la, desejava muito mais que aquilo. Ao olhar para aqueles lábios teve o ı́mpeto de beijá-la.

                “Oh, como necessito do seu toque.”

                Estava correndo o risco de levar uma boa bofetada, mas não deixaria aquela oportunidade passar. Puxou-a para si e colando os lábios aos dela. De inı́cio encontrou certa resistência, mas pouco a pouco foi vencendo.

            Lentamente, penetrou a lı́ngua naquele recanto delicioso e aprofundou ainda mais a carı́cia, sugando e permitindo que o mesmo fosse feito em si. Deus, como o tempo fora tão miserável a ponto de não permitir que ela pudesse esquecer como amava aquela mulher.

            As bocas se reconheciam e cada vez pediam mais. A urgência da carı́cia, o acelerar da respiração... Aquele desejo de se fundir uma na outra.

                A cigana viu a déspota interromper bruscamente o contato, esperou pela reação violenta, mas ganhara apenas uma olhar de ódio mortal, o que precedeu a saı́da de Fernanda. Lentamente a cigana soltou a respiração.

                Ficou parada de frente para o espelho e ficou a observar o próprio reflexo. A pele estava rubra e os lábios... Lembrou-se de outros mais gostosos...

                    --Oh, Deus, preciso ir para bem longe o mais rápido possível!



                Maria Fernanda seguia pelo corredor quando sentiu alguém segurá-la. Virou e deu de cara com o irmão.

                    -- Eu estava quase entrando naquele banheiro. 

                    A juı́za deu de ombros e continuou andando.

                    -- Você, está bem? O que houve lá dentro? Onde está a Eva? 

                        A jovem parou abruptamente.

                    -- Não houve nada, agora me deixa em paz!

                    -- Eu não sabia que ela estaria aqui, nem mesmo sabia que tinha voltado ao paı́s. – Tentou se justificar.

                    A déspota passou a mão pelos cabelos e tentou controlar a raiva, afinal, ele não tinha culpa do que tinha ocorrido.

                    -- Não se preocupe, estou bem! – Abraçou Fernando e seguiu para o próprio carro.

                     Esperou alguns minutos antes de dar partida

                    Seu corpo continuava trêmulo, ainda podia sentir na boca o sabor daqueles lábios que mais pareciam a fruta suculenta do pecado. O que a Eva pretendia com aquele jogo? Não já a machucara o suficiente? Onde estava a esposa, onde estava a mãe de sua filha?

                Observou-a sair do restaurante, mas não esperou mais um único minuto, saiu dando partida no carro.




                Pedro observou quando a filha de Andrello chegou e observou que ela parecia abatida.

                -- Está bem, menina Eva? – Aproximou-se.

                    A cigana fitou o homem que cresceu vendo ao lado do pai.

                   -- Estou! – Ensaiou um sorriso.

                    O empregado tirou um envelope do bolso.

                -- Um oficial de justiça esteve aqui hoje e pediu que isso fosse lhe entregue. 

                    A italiana já esperava por aquilo.

                Abriu e viu que Ricardo tinha cumprido o prometido, mais uma vez iria aos tribunais lutar pela guarda da filha.


 

                Arthur chegou à cidade um dia antes do esperado, queria estar ao lado da amiga no dia da audiência. Sabia que ela estava enfrentando mais uma vez o problema com o padrasto de Luiza.

                Aquele homem não descansaria enquanto não tivesse a herança da enteada em suas mãos. Eva foi ao encontro do amigo.

                    Desceu as escadas e o abraçou.

                    -- Amore mio!

                    Ela sentiu o conforto que esperara tanto em todos aqueles dias.

                Felizmente, ainda restara ele para poder contar naqueles difı́ceis momentos. Não quisera preocupar o pai com um assunto tão delicado, temia que a recuperação dele fosse comprometida.

                    -- Pensei que só chegaria na próxima semana. – Sussurrou.

                    -- Amanhã quero estar ao seu lado, não permitirei que ninguém a machuque ou faça isso com nossa princesa.



Maria Fernanda estava cheia de trabalho naquela semana, o que era algo bom, pois assim lhe faltava tempo para pensar na cigana. Naquele dia havia inú meras audiências para preceder, coisas simples, nada de tão difı́cil.

Recebeu um telefonema de última hora.

-- Maria Fernanda, preciso que você preceda uma causa.

A juı́za não gostou do tom do seu superior, ele sabia que isso era algo inviável.

-- Eu sinto muito, vossa excelência, mas não tenho nenhum conhecimento do fato. – Tentou ser diplomática.

-- Veja, essa é a primeira vez que lhe “ peço” algo e não aceitarei um não como resposta.

Engraçado, como havia sempre algum tipo de manipulação em algumas coisas, ela temia manchar seu nome diante desses atos e buscava sempre agir com integridade e ética.

-- Olhe, o juiz designado não poderá estar presente, descobri de última hora que ele tem uma certa cumplicidade com uma das partes, não quero que isso seja espalhado, pois seria um pequeno escândalo para a imprensa, levando em conta que estamos tratando de pessoas influentes.

-- Por que não adia?

-- Porque isso seria suspeito e ainda terı́amos um escândalo devido aos envolvidos.

            Fernanda abriu a boca para protestar, mas sabia que seria algo em vão.

            -- Apenas não desejo ser responsabilizada depois. – Finalizou.

            -- Não se preocupe, já providenciei tudo para que não exista nenhum contratempo.

            -- Ok!



-- Você já foi atrás da cigana? – Ricardo indagou ao italiano.

 Ambos estavam sentados em um café.

-- Liguei inúmeras vezes, mas ela não me atendeu. – Falou irritado.

-- Você é um idiota!

Lutho fez menção de levantar, mas acabou desistindo do ato.

-- Você disse que hoje ganharia a guarda da menina.

-- Infelizmente, não poderei contar com o apoio que pensei, mas não se preocupe, não desistirei assim tão fácil.

-- Mas o que houve?

-- Nada que não seja fácil driblar.

Ricardo sabia que aquele poderia não ser o seu dia de sorte, mas o próximo passo já estava pronto e dessa vez não falharia.

-- Apenas fique atento, pois tenho certeza que a Eva irá se sentir encurralada e cairá em seus braços.

 

 

A italiana estava ansiosa, Arthur segurou-lhe a mão. O advogado parecia preocupado.

Seguiu até onde ela estava.

-- Houve uma mudança de juiz, irei pedir a anulação da audiência.

Antes que pudesse falar mais alguma coisa, todos ficaram em silêncio para a entrada da juı́za. A cigana sentiu náuseas ou ver quem entrava exibindo impecavelmente sua toga.

Recordou de certo julgamento que ocorrera há alguns anos. Fitou-a e pôde ver a indiferença em seu olhar.

Maria Fernanda não estava surpresa. Recebera o processo duas horas antes e ficara sabendo de quem se tratava. Não sabia se conseguiria ser imparcial, ainda estava em choque com tudo que leu.

Mirou a cigana e pôde ver a preocupação em seu olhar. A conhecia o suficiente para saber o quanto deveria estar a temer por sua presença.

Como alguém poderia ser tão linda?

Deus, como amava aquela mulher!

Recordou a última vez que a viu e do beijo que trocaram.

-- Nossa, que mulher poderosa é essa, amiga?

A italiana saiu do transe ao ouvir o cochicho do rapaz em seu ouvido. Repreendeu-o com o olhar.

A cigana ouviu a voz firme e rouca cumprimentar a todos e falar todas aquelas palavras cerimoniais.

 

-- Vossa excelência, minha cliente se nega a permitir que a meritı́ssima preceda esse processo. – O advogado da filha de Belluti iniciou. – Foi nos informado de última hora da mudança e isso é algo inviável.

Eva estremeceu ao ver o sorriso jocoso e a ironia presente naqueles olhos que a fitava naquele momento. Engoliu em seco.

-- Não se preocupe senhor advogado, acalme o coração de sua cliente, pois esse júri ficará suspenso até que nova audiência seja marcada.

-- Isso é um absurdo! – Protestou Ricardo.

Maria Fernanda apenas deu de ombros, encerrando algo que nem mesmo iniciara. Sabia que estava indo contra as ordens que recebera, mas ela mesma sabia que aquele ato não era correto e não comprometeria a brilhante carreira que tinha por pormenores.

Em poucos segundos, o escrivão redigiu as palavras da juı́za e a mesma despediu-se e retirou-se do recinto. Arthur soltou um longo suspiro.

-- E agora?

-- Agora mesmo irei abrir uma reclamação contra essa arrogante. – Prontificou-se o representante da italiana.

-- Não o faça, esperemos a nova data para a audiência. – Retrucou calmamente a jovem.

-- Mas...

A cigana apenas levantou a mão em sinal de que não queria mais falar sobre aquilo e seguiu até onde Ricardo estava. O homem levantou-se rapidamente, encarando-a.

-- Isso pode ser evitado! – Iniciou o empresário. – Apenas você cedendo um pouco as minhas vontades.

-- Para mim, você não passa de abutre e dessa vez, eu farei questão de ir até o final para ficar livre de uma vez por todas de sua perseguição.

O homem ainda abriu a boca para protestar, mas Eva nem mesmo esperou.

 


Maria Fernanda deitou-se no enorme sofá.

Fechou os olhos e tentou controlar a ansiedade que a dominava desde o momento que folheara aquelas páginas, na qual Eva era participante ativa de toda a história. Então, não havia mais uma esposa, mas havia um fruto desse amor?

Levantou rapidamente e pegou a pasta mais uma vez.

A acusação era clara: Eva Beatrice Belluti estava sendo acusada de se aproveitar da fragilidade de uma mulher que estava à beira da morte e assumir a guarda da criança ilegalmente.

Rapidamente discou o número da assistente e deu-lhe uma ordem.




Arthur segurou a mão da amiga.

-- Vamos embora, estou louco para encher a minha bonequinha de beijos, estou morto de saudades da minha ciganinha.

A italiana bateu de leve em suas costas.

-- Não a chame assim, seu chato, sabe que não gosto. – Repreendeu-o.

-- Anhan, sei, deve ser porque morres de medo de ela seguir os mesmos passos que os seus. --- Gargalhou. – Vai ficar cheia de cabelos brancos e pode até ter um infarto.

 Ambos riram alto.                                       

-- Com licença!

Os dois se viraram para fitar a mulher de meia idade que os observavam de forma curiosa.

-- A senhora é Eva Beatrice Belluti? – Indagou sem rodeios.

-- Sim! – Respondeu com seu porte aristocrático.

-- A meritı́ssima deseja vê-la. – Fez um gesto com a mão indicando o caminho.

 A cigana relutou, mas acabou acatando a ordem velada. Talvez devesse algumas explicações de tudo o que aconteceu, com certeza ela já devia saber de parte de toda a história.

Fitou o olhar preocupado do amigo.

-- Espere-me, já retorno.

 

 

Maria Fernanda ouviu a batida na porta e em seguida a entrada da linda italiana. Preferira permanecer sentada na segurança de sua mesa.

Ficaram se encarando por alguns segundos.

A cigana tentava manter as batidas do coração controlada, mas ver aquela mulher era um prejuı́zo para seus nervos.

-- O que desejas, vossa excelência? – Perguntou formalmente.

A juı́za apenas deu de ombros e ficou a observar as páginas do documento que estava em suas mãos. O fez lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo.

Eva se aproximou mais e começou a dedilhar na grande mesa de mogno, estava quase para começar a praticar um ato que há tempos não fazia: roer unhas.

-- O que quer comigo? – Insistiu.

Maria Fernanda levantou os olhos e a encarou:

-- Quero que me explique o que significa todo esse processo. – Entregou-lhe a pasta.

A italiana recolheu o que lhe era entregue e iniciou uma leitura superficial, até constatar que naquelas páginas havia muito mais do que imaginara. Caspeta!

-- Não tenho que lhe dar nenhuma explicação, afinal, que eu saiba não será você a julgar o caso.

 Confiantemente, a déspota deu a volta e parou bem próximo à jovem.

-- Não estou a lhe falar como a juı́za...

-- E estás a falar como o quê?

A respiração de ambas se misturaram e os olhares se sustentaram infinitamente.

Eva mordeu a lateral do lábio inferior, nervosa. Não queria cometer a loucura que fizera da última vez, não podia se guiar pelos instintos. Todos aqueles dias ficara a pensar como agira sem pensar, como era praticamente impossível não se jogar nos braços daquela linda mulher.

Deu alguns passos para trás.

-- Responda-me! – Ordenou.

-- Com que direito me pede explicações? O que há entre nós para que faças isso? – Retrucou.

-- Responda-me! – Repetiu.

-- Não, juı́za, não tenho nada para lhe falar. – Seguiu para a saída.

 A déspota parou encostada à porta com os braços cruzados.

-- Não sairá daqui enquanto não responder o que desejo saber.

Eva estreitou os olhos e tentou tirá-la do lugar, mas naquele momento Maria Fernanda se aproveitou e a segurou firme.

Dentro da italiana havia um turbilhão de emoções. Em parte, desejava de todo coração falar tudo que acontecera em todos aqueles dias. Sua dor ao acompanhar a doença da esposa, sua prematura morte, a luta para manter a filha a salva de Ricardo.

A juı́za seria capaz de compreender suas escolhas?

Desvencilhou-se das amarras, estendeu a mão e tocou-lhe o rosto.

Fernanda contraiu ao sentir as delicadas mãos tateando sua face. Não esboçou nenhuma reação ao vê-la examinar cada detalhe minuciosamente. Os longos dedos passavam por sua sobrancelha, seu nariz firme e arrebitado, acariciou os lábios macios, desenhando sua forma.

Em nenhum momento os olhos se afastaram, pareciam presos por um encanto de tempos imemoriais, por uma necessidade tão antiga quanto à própria ideia de vida.

A respiração de ambas começou a se misturar, acelerando, até as bocas se tocarem. O fizeram tão delicadamente, como se temessem quebrar, o fizeram como se fosse aquela a última gota do deserto, provaram o sabor como se estivessem a degustar o mais precioso néctar e quando as lı́nguas se tocaram, puderam sentir a alma renascer das cinzas.

Maria Fernanda a abraçou forte, temendo perdê-la mais uma vez, temendo que a vida a levasse para longe... A carı́cia cessou.

Palavras não foram ditas, a juı́za apenas se afastou, deixando-a passar e assim a cigana partiu, não que seu desejo não fosse ficar, mas porque aquele não era o momento para explicações...


 

 

 


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