A déspota - Capítulo 29
Maria Fernanda
continuava na capital.
Há quase uma
semana tivera o encontro com a Eva, porém, mesmo magoada com a rejeição da
jovem, ainda não desistira. Estacionou o automóvel em frente à faculdade e
ficou a esperar.
Aquele ritual vinha
se repetindo todos os dias.
Ficava ali parada e
esperava que ela aparecesse, mas não houve sinal da mesma. Estaria doente?
Não tinha coragem
de discar seu número, seu orgulho a sufocava e seu peito chegava a doer com
toda aquela revolta. Pensou em ligar para Pedro, decerto, ele sabia se algo
estava acontecendo, afinal, trabalhava lá.
Droga! – Bateu
forte na direção do carro.
Aquela mulher não
era ela, desconhecia-se totalmente, a juı́za não agia como uma adolescente
insegura, a déspota não esperava pelos outros, ela agia de acordo como o que
acreditava ser conveniente para si.
Estava a ponto de
fazer a ligação, quando viu o amigo dela aparecer. Rapidamente, desceu e
seguiu até lá.
Arthur andava
distraı́do, quando sentiu alguém lhe segurar forte pelo braço, ao virar
deparou-se com aquele olhar forte e felino. Nossa, era uma mulher linda, mas
também assustadora.
-- Onde está a
Eva?
O rapaz percebeu
que todos olhavam a cena, curiosos, delicadamente tocou na mão que o prendia.
-- Acho melhor
conversarmos civilizadamente. – Sorriu sem graça. – Podemos ir à lanchonete?
Maria Fernanda
arqueou a sobrancelha em sarcasmo, em seguida fez um gesto para que ele
seguisse na frente. O jovem fez o que lhe fora dito.
Em todo o caminho,
o rapaz ficava a imaginar como diria para a juı́za que sua amada estava partindo
naquele mesmo dia para bem longe e pior com outra mulher.
Eva não lhe deu
detalhes, apenas informara a decisão de que queria construir uma vida com a
ruiva longe daquele lugar, ela dissera que entraria em contato e explicaria o
que a motivara tomar a decisão.
Arthur ainda estava
sentido por ter perdido a amiga tão repentinamente e magoado por não ter sido
informado com antecedência, mas confiaria na italiana e decidira esperar para
ouvir a explicação que logo aconteceria.
Tinha certeza que
havia algo a mais naquela história, afinal, sabia que a amiga não era
apaixonada por Luı́za, sim, não havia dúvidas que ambas tinham uma forte
ligação, mas não era aquela coisa que mexia com a cabeça e o corpo.
A déspota sentou e
esperou que o outro fizesse o mesmo.
-- Onde está sua
amiga? – Voltou a indagar. – Ela não veio um único dia para faculdade essa
semana. Está doente? – Perguntou preocupada. – Aconteceu algo?
Inquieto, ele fez sinal para garçonete lhe
trazer um suco e ofereceu algo para a mulher.
-- Não quero nada!
– Respondeu impaciente.
-- Certo! –
Dispensou a atendente. – Então, você anda vigiando a minha amiga?
-- Apenas desejo
falar-lhe.
-- Acho que vocês
já se falaram e ela deixou bem claro que não havia mais chance de ficarem
juntas.
-- Isso não é
problema seu! – Retrucou arrogante.
Arthur a fitou e
percebeu que mesmo com todo aquele ar superior que ela exibia, aqueles lindos e
frios olhos azuis traziam uma enorme dor. O jovem tomou fôlego e começou:
-- Nesse exato
momento a Eva está embarcando para longe junto a outra pessoa. – Pronunciou
pausadamente.
Maria Fernanda
sentiu as batidas do coração acelerarem.
Como assim viajando
para longa?
Outra pessoa?
Outra pessoa?
Havia uma outra
pessoa na vida da mulher que amava.
-- De que você
está falando? – Perguntou perplexa. – Isso é brincadeira! Como ela pode
partir assim? Com quem?
-- Acho que ela
deixou mais do que claro que não havia futuro para vocês e ela concluiu a
decisão partindo com a Luı́za.
O rapaz sentiu um
aperto no peito ao notar uma lágrima rolar pela face da déspota.
Era algo que não
imaginara dela, não mesmo.
Então, era aquela
dura mulher uma mortal como qualquer outra... Instintivamente, Arthur a surpreendeu,
levantando-se.
-- Vem comigo,
ainda dá tempo de impedir que ela embarque.
A juı́za fitou a
mão estendida e pensou se deveria arriscar mais uma vez, porém a ideia de
perder para sempre a cigana era pior de que qualquer coisa. Maneou a cabeça
afirmativamente e seguiu quase correndo ao lado do rapaz.
-- Ainda a tempo de
você desistir. – Luı́za tocou-lhe o rosto. – Eu jamais ficaria irritada ou
triste se essa for a sua escolha. Estavam no saguão do aeroporto, em poucos
minutos seguiriam para longe.
Sim, ela estava
deixando tudo, seu pai não aceitara sua decisão, mas havia uma força maior a
impulsionando naquela empreitada. Ouviram a chamada para o embarque.
Ambas levantaram.
Eva a abraçou
forte, sentiu mais uma vez aquele elo que as uniam de uma forma que jamais
imaginara ter com alguém. Não estava partindo obrigada, estava seguindo o
desejo de sua alma, pois era ela quem a conduzia naquele momento.
Fechou os olhos
fortemente e recordou por um décimo de segundo tudo que vivera naqueles
últimos anos. Ao abri-los se deparou ao longe com aquele intenso azul, por um
momento achou que estivesse imaginando coisas, mas não, ela estava ali,
mirando-a, parada e observando a cena.
Apertou-se mais
forte à médica.
“ Oh, minha linda
déspota, estarei eu seguindo para longe, estarei me afastando definitivamente
de sua vida, mas jamais a esquecerei. Desejo de todo meu coração que consiga
encontrar paz para a sua alma, que esqueça as dores do passado e que possa se libertar
de todos os ressentimentos. Sim, minha Maria Fernanda, amo-te como jamais
poderia imaginar que amaria, mas preciso seguir em frente... Perdoe-me... meu
único e eterno amor...Adios, amore mio”
-- Irei contigo! –
Sussurrou para ruıva. – Ficarei ao seu lado em todos os momentos que estão por
vir.
Maria Fernanda sentia as lágrimas se rebelarem, não
conseguira se aproximar, mesmo tendo desejado ir lá e tirá-la dos braços da
outra, mas algo naqueles misteriosos olhos a fez parar, sabia que tinha perdido e fora sua culpa, não havia outros responsáveis.
Nem mesmo a esperara seguir, virou-se e foi embora.
A dor era tão forte em seu peito que temia não
aguentar.
Sim, agora havia perdido verdadeiramente o amor da sua
vida, perdera para sempre sua cigana. Sentiu braços a ampararem e viu o pai ao
seu lado.
Luı́s Fernando fora informado do que se passava por
Arthur e virá correndo ao socorro de sua menina. Abraçou-a e chorou sua dor.
A mulher forte que conhecera e que agia tão friamente
havia dado lugar a uma criança que se entregava ao desespero e não se
envergonhava do seu pranto. Mais uma vez a ouviu sussurrar o nome da cigana.
Deus, como desejava poder dar a felicidade para a filha.
Maria Fernanda o apertava, demonstrando toda a agonia que
sentia.
Sua alma parecia estar sendo rasgada, como se uma espada
estivesse perfurando lentamente seu coração. Afastou-se do pai e caminhou até
a enorme janela de vidro.
Passaram-se alguns minutos até que as pessoas começaram
a seguir ao seu destino.
Mirou o avião e viu sua italiana aparecer, viu-a
caminhar lentamente. Fora a última a entrar na aeronave, viu-a parar no topo
da escada e olhar em sua direção, em seguida a viu
Arthur virá tudo de longe, mas agora estava ao lado do
empresário, observando a juı́za parada a fitar o vazio.
Viu a dor naquele olhar e compartilhou com ela, jamais
pensara que a poderosa Maria Fernanda amasse tanto a amiga, agora, mesmo sendo
tarde, não havia dúvidas do seu enorme sentimento.
Ficaram ali, até o enorme pássaro levantar voo.
A bela déspota ficou mais alguns segundos, estática,
até seguir vagarosamente. Encarou os dois homens que a olhavam.
-- Aqui termina uma história que nunca daria certo. – Sorriu entre lágrimas. – Acho que já estava na hora...
Fernando tomou-a nos
braços mais uma vez.
-- Agora... Agora, sim, acabou, papai...
O milionário sentiu uma pontada no peito, era a primeira
vez que a ouvia chamá-lo assim, irônico, o seu momento de felicidade ocorrera
no de tristeza para sua menina.
O lugar escolhido
por elas para viverem foi a Holanda.
Eva quem decidira,
pois acreditava que lá poderiam encontrar especialistas para buscar uma
alternativa para que a Luı́za viesse a superar o grave problema de saúde. Mas
como já esperado pela médica, tudo fora em vão, em breve seu filho nasceria
e a ideia de interromper seu nascimento nunca passara por sua cabeça.
A ruiva acordou.
Sua medicação
tinha aumentado, pois as dores estavam cada vez mais difı́ceis de suportar,
então a maioria da vezes, estava sempre a dormir. Em pouco menos de um mês
seu bebê viria ao mundo.
Não, não era
apenas seu, agora ele também era da sua esposa. Mirou a mão esquerda e viu a
aliança que ali repousava.
Acariciou o ventre.
Estava tranquila,
não temia o que estava por vir, pois sabia que sua criança não poderia estar
em melhores mãos. Eva era uma jovem admirável, forte e inteligente.
Sabia como ela fora
corajosa em abrir mão de tudo e seguir consigo, admirava a forma como ela agia
para que seus últimos dias fossem os melhores.
-- Você, terá uma
mãe maravilhosa, minha princesa. Na verdade, haverá duas mulheres que lhe
protegerá aqui na terra, você será o elo entre elas.
Ouviu a porta abrir
e de lá vinha sorridente sua morena de olhos misteriosos.
A italiana sentou
na cama e segurou sua mão entre as suas, beijando-a.
-- E então,
pequena, vai poder terminar seu curso aqui?
-- Sim, amanhã mesmo começo. – Acariciou-lhe o rosto. –
Como você está se sentindo? A cigana sentia um aperto no
peito ao vê-la, sabia quão difı́cil estava sendo aqueles dias.
Passava as noites sem dormir junto com ela, as dores eram
insuportáveis e tinha momentos que o remédio nem mesmo fazia efeito.
-- Eva... minha doce Eva, acho que você foi o anjo que
mandaram para a minha vida... Notou as lágrimas se formando naqueles olhos lindos.
-- Eu não quero te
perder...—Soluçou.
-- E você não
perderá... Eu sempre estarei contigo... – Limpou-lhe a lágrima que descia. –
Serás imensamente feliz... Sua alma é feita de luz... ela iluminará as
trevas...
Aquela fora a
última vez que a cigana falará com a Luı́za, naquela mesma noite, a médica
tivera que ser levada às pressas ao hospital. Sua filha antecipara e chegada,
a ruiva entrara em coma antes mesmo de ver o sorriso doce da menina.
Milagrosamente, o
bebê estava bem.
Eva chorara ao
tê-lo tão pequeno em seus braços, viu os olhinhos se abrirem e sorriu.
A italiana não saı́ra do hospital um único minuto, quisera ficar ao lado da esposa até o último momento, o que não demorara a acontecer.
Em um domingo de chuvas,
sua doce Luı́za perdia a terrível batalha que travara contra o temível inimigo,
naquele dia, sua dor acabaria e ela poderia viver em paz.
Três anos depois...
Maria Fernanda
despertou assustada.
-- Você está bem?
A juı́za olhou para
o lado e viu a Catrina a observar. Deu de ombros e seguiu para o banheiro.
Ficou a encarar sua
imagem no espelho e sentiu náuseas. Olhou o relógio, passava das dez da
manhã.
Como chegara ali?
A última coisa que
lembrava era que fora a uma festa e bebera muito. Algo que há tempos não
vinha fazendo. Aquele apartamento era seu, seu pai lhe deu de presente.
Há um ano havia se
mudado para a capital, fora transferida para lá e aquilo fora algo bom para
si, pelo menos assim, estava perto dos pais. Sim, pouco a pouco Luı́s Fernando
assumira aquele papel em sua vida, na verdade, era uma famı́lia grande contando
com Pedro e Maria.
Aqueles três anos
não foram fáceis, porém muita coisa boa aconteceu. Tirou a roupa e seguiu
para o chuveiro.
Relaxou sob o jato.
Bom que não teria
que trabalhar naquele dia.
Vestiu o roupão e
retornou aos aposentos.
-- Quem te chamou
aqui? – Indagou à loira.
Catrina foi até
ela, abraçando-a.
-- Você me chamou
como sempre faz quando não se sente bem.
Aquilo era verdade.
Sua amante
trabalhava na empresa de seu pai, agora, se esforçara muito, era secretária e
aspirava chegar ainda mais alto, esposa da juı́za!
-- Não deveria ter
vindo.
-- Fernanda, nós
temos algo maravilhoso, por que não assumimos? Não sou mais uma empregadinha,
estou quase a sua altura.
A déspota deu de
ombros se afastando.
-- Você ainda
pensa nela? – Acusou-a. – Como pode pensar em alguém que te abandonou para
casar com outra?
-- Não sei de quem
estás a falar! – Negou. – Apenas não pretendo ter um relacionamento sério,
não me interessa me prender, estou muito bem sendo livre.
Catrina a fitou por
intermináveis minutos, depois seguiu para fora do cômodo.
A juı́za não
gostou da menção que ela fez, não havia ninguém em sua vida sentimental, seu
coração há tempos tinha se fechado. Seu maior erro foi acreditar que havia
finais felizes, ainda mais quando se é a vilã da história.
Não tinha do que
reclamar da vida. Investira seu tempo em seu trabalho, dedicara cada hora do
seu dia a ser ainda melhor no que fazia. Quanto à vida sentimental, essa era
algo que estava ao seu controle. Era uma
mulher bonita e não era difı́cil ter quem desejasse em sua cama, assim era
tudo mais fácil.
Procurou a roupa e
vestiu-se, não queria estar ali quando a loira retornasse ao quarto.
-- Você, voltará
ao Brasil?
Eva estava em seu
consultório.
Ela levantou a
cabeça e fitou o amigo.
Arthur não
retornara ao paı́s, ficara com a amiga desde a morte de Luı́za. Não a
abandonara. Seis meses após a perda da médica, ela seguira para a Espanha,
buscara o apoio dos avós.
-- Sim, hoje à
noite embarcarei, vim apenas para resolver alguns problemas para que a clı́nica
possa funcionar sem a minha presença.
-- Seu pai não
está bem?
-- Não, amor, ele
teve um infarto e se encontra no hospital.
O rapaz se
aproximou e agachou-se diante dela, segurando-lhe as mãos.
-- Irei contigo!
A cigana
acariciou-lhe o rosto.
-- Você, precisa
viver sua própria vida, tem o seu namorado, seu trabalho, tudo aqui. Não pode
abandonar tudo para sempre ficar comigo.
-- Eu não
abandonarei a você e nem a Isa.
A italiana recordou
da filha.
Aquela criança fora
a melhor coisa que lhe acontecera. Não se arrependia de nenhuma decisão que
tomara, fora tudo aquilo que passou que lhe deu o maior presente que um ser
humano poderia almejar.
-- Não deves agir
assim, eu irei e verei como resolver tudo, assim que meu pai se recuperar,
retornarei.
-- Mas, como vai me
deixar sozinho? – Choramingou.
-- Oh, meu grande
amigo, apenas espere um pouco, não sei o que vai acontecer nesse retorno.
Sabes que até hoje, Ricardo luta para conseguir a guarda de Isabelle.
-- Por isso mesmo
precisarei estar por perto, preciso protegê-las. – Insistiu.
-- Você está
fazendo seu mestrado, não pode abandonar assim, entenda. – Retrucou.
-- Então, deixe a
pequena aqui. Eu cuidarei dela, não quero que esse homem se aproxime ou tente
lhe fazer algum mal. Eva estreitou os olhos.
Não havia no mundo
alguém que ela tivesse tanta raiva como aquele homem. A primeira coisa que ele
fizera quando soube da morte da Luı́za, foi vir em busca de assumir a guarda da
criança, para que assim pudesse herdar todos os bens deixados por ela.
Felizmente, a médica pensara em tudo, o casamento com a cigana garantira que
ele não tivesse direito, afinal, a menina e a cônjuge eram as herdeiras de
toda a fortuna deixadas por ela.
-- Essa foi uma
possibilidade, cheguei a cogitar, mas entenda, não conseguiria ficar longe da
minha filha. Não mesmo.
Arthur abraçou a
amiga.
Como sentia orgulho
daquela mulher forte. Sabia como fora difı́cil para ela a perda da esposa,
sabia como fora para ela terrível abrir mão do seu verdadeiro amor para poder
estar ao lado da médica.
Via naqueles olhos
as batalhas travadas, as vitórias e os fracassos, porém havia algo mais
presente, a esperança de que tudo acabaria bem. Ela merecia a felicidade.
Será que haveria
ainda chance com a juı́za?
Ainda pensou em
falar sobre a Maria Fernanda, mas lembrou da última vez que tocara no nome da
déspota e quase apanhou, nem mesmo poderaa falar sobre a dor que ela sentira
naquele dia no aeroporto.
-- Duas semanas é
o máximo... Depois desse tempo eu correrei atrás das minhas duas crianças. –
Falou interrompendo as próprias divagações.
-- Ta certo, seu
chato.
Não era a vontade
da cigana voltar, temia seguir depois de tanto tempo longe, porém seu pai lhe
necessitava e ela não poderia lhe negar isso.
Segura juíza!!!!
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