A déspota -- Capítulo 28
Eva apenas fitou
aqueles intensos olhos azuis e recordou a primeira vez que os viu, outra
lembrança que invadiu sua mente era como eles ficavam escuros quando estavam
excitados e como brilhavam quando estavam irritados. Naquele momento, não
saberia dizer qual sensação passava por eles, mesmo assim, continuavam de uma
intensidade de tirar o fôlego.
Maria Fernanda
tivera a sorte de encontrá-la na recepção. Não tivera coragem de telefonar,
seu pai lhe arrumara o número, mas preferira se deixara levar, a única
informação que tinha era que a jovem estava na faculdade. O lugar era grande,
mesmo assim, estivera disposta a seguir por todo ele em busca da cigana.
Vê-la era como se
a vida tivesse renascido dentro de si, como se o ar retornasse aos seus
pulmões, como se tudo agora voltasse a ter sentido. Linda!
Esse era o adjetivo
mais pobre que poderia ser usado para descrevê-la. Estava certa que não
haveria predicativos que pudessem alcançar tamanha beleza.
Ela usava os
cabelos presos em um rabo de cavalo, seu corpo estava moldado por calça e
camiseta, deixando-a com uma aparência ao mesmo tempo juvenil e sexy.
Notou-lhe a surpresa nos misteriosos olhos pretos, com certeza jamais esperará
vê-la ali.
Respirou fundo e disse com a maior naturalidade do mundo.
-- Olá, Eva! –
Falou firme. – Precisamos conversar. A cigana estava sentada em uma mesinha.
Olhou para um lado
e para o outro em busca da médica, mas não havia nem sinal da mesma. Havia
poucas pessoas naquele lugar, nem mesmo um conhecido para lhe salvar daquela presença.
Não que temesse
estar sozinha com ela, apenas não desejava de forma alguma dialogar e tampouco
vê-la. Instintivamente, levantou-se, mas foi detida delicadamente pelo braço.
-- Preciso
conversar contigo. – Repetiu.
A italiana se
desvencilhou do toque.
Parecia que a pele
estava queimando onde fora tocada. Encarou-a por alguns segundos.
Sentiu a pele
arrepiar.
-- Tenho coisas
para fazer, sinto muito.
-- Dê-me alguns
minutos. – Pediu.
Eva olhou mais uma
vez para os lados em busca de ajuda, mas não havia ninguém. Desanimada,
sentou. A déspota não estava sendo a déspota.
Era engraçado
vê-la agir contidamente, não que ela fosse escandalosa, não! Era como se ela
calculasse todos os passos, como se sempre soubesse o que iria fazer e como
iria agir, porém sempre com aquele ar de quem manda, de quem ordena, como se
fosse superior aos pobres mortais.
-- Ok! Você tem
cinco minutos. – Aceitou vencida.
Fernanda teve que morder o lábio inferior para não
sorrir, viu-a estreitar os olhos.
-- Quero te pedir
desculpas... – Pronunciou sincera.
A cigana sentiu a
pele se arrepiar, pois sabia bem do que ela estava a falar.
-- Não há mais o
que se desculpar...
-- Há sim, afinal,
eu sempre agi mal contigo. –Segurou-lhe a mão sobre a mesa. – Você não merecia.
A italiana não repeliu
o toque.
Teve a sensação de
corrente elétrica percorrer cada célula do seu corpo.
-- Acho que nós
já resolvemos isso. – Falou em um fio
de voz. – Eu te pedi que não me procurasse mais.
-- Eu não posso...
Não consigo me manter longe... – Mordeu a lateral do lábio inferior. – Juro
que tentei...
-- Por favor, Maria
Fernanda... – Retirou a mão. – Nunca dará certo...
-- Eu faço qualquer
coisa para que dê certo. – Interrompeu-a.
-- Por quê? Qual o
seu interesse em tudo isso? Não vês que já houve muita mágoa, dores,
enganos...
-- Eva, eu amo
você e sei que também me amas. – Interrompeu-a mais uma vez..
Seria tão fácil
se render naquele momento aos apelos do seu coração que pulsava
descontroladamente. Meu Deus, como ele a queria!
Parecia gritar por
ela, clamava para que se entregasse.
Sim, o seu amor
continuava tão vivo e mais poderoso do que nunca. E se tentasse mais uma vez?
Quais danos isso
poderia lhe causar?
Por um segundo,
recordou os dias que sucederam a separação, lembrou de todas as lágrimas
derramadas, das noites em claros...
-- Estou disposta a
qualquer coisa para que dê certo. – Insistiu. – Dê uma chance para que
possamos recomeçar.
A cigana viu a médica aparecer na outra
porta, de frente para ela.
Viu aquele sorriso
doce que se tornara seu apoio naqueles últimos dias, aquele brilho no olhar
que a fazia se sentir em paz, tranquila consigo mesma. A ruiva notou que a
italiana estava acompanhada e se afastou.
-- Não há futuro
para nós. – Finalizou friamente.
Maria Fernanda sentia que a estava perdendo mais uma vez e não conseguia entender. Via no brilho daqueles olhos que havia sentimento ali presente, então por que ela se negava ?
-- Então, que vivamos o presente apenas. – Insistiu. A
cigana levantou lentamente.
-- Apenas esqueça tudo o que houve entre nós! A juı́za
levantou e segurou-a firme pelo braço.
-- Não virei novamente atrás de ti. E' a última vez
que me humilho e imploro por seu amor. – Falou por entre os dentes.
-- Eis aı́ a verdadeira déspota... – ironizou.
Fernanda a puxou
para si, beijando-a.
Eva tentou resistir
ao toque, mas seus lábios foram invadidos por uma insistente lı́ngua que
buscou acesso à sua boca. Pouco a pouco, ambas se entregaram àquele beijo,
não se importando com os olhares curiosos que as fitavam.
A cigana sentia o
sabor do pecado e buscava forças para se livrar daquele encanto, mas era uma difı́cil
batalha que travava dentro de si. Só as bocas se tocavam, se queriam como
sabiam que há tempos se pertenciam, se prendiam, mesmo que não lhe fosse
permitido.
Sem fôlego, a
filha de Belluti se afastou.
Corou ao notar os
olhares mirando-as curiosos.
-- Sempre será
minha! – Afirmou orgulhosa a juı́za. – Eu sei que mesmo me rejeitando, você
também me deseja, também me quer.
-- O meu corpo reagi a ti, sim, não nego, mas jamais
poderá ter mais que isso. Maria Fernanda a viu se afastar e sentiu a sensação
de vazio invadir seu peito.
Pensou em segui-la,
em obrigá-la a aceitar que ambas se queriam, se amavam, mas sua coragem não
estava mais presente. Como podia senti-la tão perto e em seguida tão
distante?
Eva caminhava a
passos largos, chegou até mesmo a correr, pois temia estar sendo acompanhada
pela juı́za. Encostou-se a uma árvore, em meio ao estacionamento ao ar livre.
Fechou os olhos,
respirando fundo, tentando acalmar as batidas do coração.
-- Você está bem?
A italiana ouviu
aquela voz melodiosa e doce, abriu os olhos e se viu diante da linda ruiva com
olhar angelical. Luı́za tocou-lhe a face corada.
-- Aconteceu alguma
coisa? – Indagou pacientemente. A cigana apenas maneou a cabeça negativamente.
-- Você está
pálida. Tem certeza que está bem?
-- Sim, estou bem.
– Falou recobrando o fôlego. – Por que demorou? Pensei que não viria mais.
A médica deu de
ombros.
-- Eu... eu
precisei resolver alguns problemas.
-- Mas, você
esqueceu que precisávamos ir à clı́nica?
A ruiva a fitou
demoradamente.
-- Aquela era a
déspota?
A italiana ainda
pensou em não responder, na verdade, não desejava falar sobre a Maria
Fernanda, mas resolveu saciar a curiosidade da outra.
-- Sim!
Luı́za perscrutou a
expressão daquele lindo rosto.
Ela não fazia
planos com a bela Eva, afinal, não haveria tempo para aquilo. Mesmo assim, não
tinha como negar que seu coração se acelerava ao vê-la. Gostaria de tê-la conhecido
antes, antes de tudo...
Estava convicta que
a morena de olhos misteriosos jamais cairia de amor por si. Havia algo entre
elas, sabia que ambas se davam bem, porém não existia paixão entre elas.
-- Por que não se
acertaram?
-- Porque eu não a
quero mais em minha vida! – Respondeu irritada.
A médica já conhecia toda a história, ela
mesma lhe contara.
Estendeu o braço e
tocou-lhe carinhosamente na face direita.
-- Ninguém é
perfeito e se a Maria Fernanda veio até aqui deve ter um motivo para isso.
-- Sim, há um
motivo... O desejo de me ter na cama dela, o desejo de me subjulgar,
humilhar... Destruir.
-- Eva...
A cigana
afastou-lhe a mão.
-- Deixe-me em paz!
Luı́za a viu sair
pisando duro.
Não fora sua intenção
irritá-la, na verdade, essa era a primeira vez que a via agir grosseiramente.
Decerto, se encontrar com a tal juı́za fora um golpe duro de mais para ela.
Respirou fundo, pegando o celular na bolsa.
Muito em breve
teria que ir embora daquele lugar, precisava ir para longe. Pensara que seu
filho poderia nascer ali, mas estava ainda mais convicta que essa não era uma
boa ideia. Mas isso não era o pior em toda aquela história, o mais trágico
era saber quem protegeria seu bebê, havia muito pouco tempo de vida para si e
quanto mais se aproximava o nascimento da sua criança, mas ela tinha certeza
que iria morrer.
Eva passou o resto
do dia na praia.
Sentou em um
quiosque e ficou a tomar água de coco e a observar a calmaria que o mar
expressava naquele momento. Lembrou de si, afinal, sua mente agora parecia ter
retomado o controle e não havia mais a agonia de momentos atrás.
Em breve o sol se poria.
Pagou a conta e
seguiu para o carro.
Encostou a cabeça
na direção e ficou a pensar para onde iria.
Lembrou-se da forma
rı́spida que tratara a médica, coitada, estava apenas querendo ajudar.
Nesse pouco tempo
que conhecera Luı́za percebera quão admirável era ela. Era um ser humano
completo e de forma alguma merecia ser tratada daquele jeito. Decidida, ligou o
carro e seguiu, sabia bem onde deveria está naquele momento.
-- É uma pena...
mas eu irei criar essa coisa que você chama de filho!
Luı́za fitou aquele homem que se dizia ser seu
pai, como o odiava.
Ele fora
responsável por todas as desgraças da sua vida. Graças a ele sua mãe se
suicidara quando ela contava apenas quinze anos.
-- Você não
tocará em meu filho!
Ele a segurou forte
pelo braço.
-- E como você vai
impedir se vai estar morta. – Debochou.
Quando a cigana
chegou ao apartamento da médica, encontrou a porta aberta. De fora era possível
ouvir os gritos. Correu para sala.
-- Solte-a, senhor!
Ambos viraram em
direção à voz firme.
Ricardo sabia quem
era a bela que ali estava. Ela era filha do multimilionário e agora senador
Andrello Belluti. Só não entendia o que ela fazia naquele lugar.
Luı́za puxou o
braço fortemente, se afastando do homem.
-- Estávamos
apenas conversando. – Ele exibiu um sorriso cı́nico.
-- Saia daqui! – A
ruiva ordenou.
-- Eu irei, mas
ainda não terminamos!
Eva observou o
homem passar por ela, encarou-o por alguns segundo até que ele partiu. A
médica correu para os seus braços, chorando e soluçando.
A cigana a abraçou,
sussurrando palavras para tentar acalmá-la.
Sabia que ela não
se dava bem com o pai, mas jamais pensou que era algo sério. Mais tranquila, a
ruiva se afastou.
-- Eu preciso ir
embora o mais rápido possível.
-- Anjo, não
precisa ficar assim. – Tentou tocá-la. – Daqui a pouco você estará bem com o
seu pai.
-- Aquele homem
não é meu pai. É um canalha que enganou a minha mãe e a fez casar com ele,
interessado apenas em seu dinheiro. Meu pai morreu por culpa dele. – Tomou o
fôlego. – Ele só se interessa por dinheiro e poder. Minha mãe está morta
por culpa dele e se eu não sair daqui, ele fará o mesmo com a minha filha.
A italiana estava
surpresa diante daquele desabafo. Jamais imaginara algo assim, nunca poderá
pensar em uma história tão sujo.
-- Você protegerá
a sua filha, você estará ao lado dela.
-- Não, eu não
estarei nem mesmo para amamentá-la. – Encarou os olhos da jovem.
– Sim, Eva, estou condenada a morte. A cigana
recuou alguns passos.
Ela olhava perplexa
para a bela mulher que estava em sua frente.
Realmente,era
impossível acreditar em algo assim. Uma jovem linda e tão doce não podia ter a vida ceifada dessa forma.
-- Isso é
brincadeira não é? – Questionou.
Luı́za caminhou
até a poltrona e sentou, massageava as têmporas e tentava controlar a
respiração.
-- Não, não é.
Quando eu descobri que estava grávida, junto veio a notı́cia de que eu tenho
pouco tempo de vida e a gravidez apenas adiantou ainda mais esse processo.
-- Então, por que
levou a gravidez em frente?
Caminhou até ela e
ajoelhou diante, segurando-lhe a mão.
-- Porque essa
criança é a única coisa que tenho...
-- Deve haver
outros especialistas, iremos em busca deles.
-- Não há nada
para ser feito. – Tocou-lhe o rosto. – Você é tão linda, minha doce Eva. –
Desenhou-lhe o rosto com os dedos. – Sabe, eu cheguei a invejar a sua juı́za,
sei que é ela a dona do seu coração,
esse foi um dos motivos de não pressioná-la. – Sorriu. – Sei que aı́ dentro.
– Apontou-lhe o peito. – Só existe lugar para sua déspota.
-- Luı́za, deve
haver um jeito. – Insistiu com lágrimas nos olhos.
-- Oh, minha
pequena, não chore. – Limpou-lhe a face.
A médica
levantou-se e caminhou até a janela, ficou parada observando a noite chegar.
-- Eu não sei o
que será da minha filha, preciso ir para longe, não posso deixar o Ricardo
destruir o único bem que me restou.
-- Eu irei contigo!
– Falou decidida.
A ruiva virou-se lentamente,
fitando a italiana como se fosse a primeira vez que a estivesse vendo. Luı́za
sentiu a esperança renascer.
-- Você tem
certeza? Teria coragem de abrir mão de tudo para seguir ao meu lado?
-- Eu irei contigo!
– Repetiu. – Ficarei ao seu lado e protegerei sua filha como se fosse minha.
-- E a déspota?
Eva sabia que
aquele era um passo difı́cil, mas desde que a Luı́za entrara em sua vida, ela
tivera certeza que algo as ligava. Não havia paixão, mas existia um
sentimento mais profundo, sutil, sublime.
-- Eu irei contigo!
– Finalizou.
"-- O meu corpo reagi a ti, sim, não nego, mas jamais poderá ter mais que isso." ai! Essa doeu!
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