A déspota -- Capítulo 27
Os dias eram
verdadeiros suplı́cios para a cigana, não houve tempo ainda para esclarecer as
coisas com o pai e tampouco com Lutho.
Infelizmente,
estava sendo praticamente obrigada a comparecer a todos aqueles eventos idiotas
de polı́tica, Andrello lhe implorara por isso, ainda mais naquele momento que
sua amada noiva tinha lhe dispensado. Bem, pelo menos, uma coisa boa para se
comemorar.
Não que Eva fosse
dessas garotas que acham que depois da morte da mãe, o pai deveria se manter
eternamente castro, certamente que não, ela sabia que todos mereciam encontrar alguém e que a solidão era algo
por de mais doloroso e não era isso que desejava para o homem, que mesmo não estando
muito presente, dedicara sua vida a cuidar e suprir todas as suas necessidades,
entretanto, não concordava que aquela era a mulher para ficar ao lado do
empresário, havia muita frieza e ambição naquele rosto cheio de maquiagem.
Bocejou pela
décima vez.
Estava em um
daqueles jantares enfadonhos que estava sendo arrastada naquela última semana.
Sim, seu pai fora
eleito e agora era um dos senadores que, decerto, ajudariam a bagunçar ainda
mais o paı́s.
Não que ele fosse
um homem ruim, mas ela não acreditava que os polı́ticos desejassem realmente o
bem para as pessoas, todo aquele discurso era apenas interesse em mais poder.
Olhou para o relógio e percebeu que só se passara dez minutos que tinha
chegado.
Infelizmente, o que
estava ruim sempre poderia ficar pior.
A arrogante e
respeitada famı́lia Alcântara acabava de entrar no recinto.
O poderoso
patriarca caminhava com o auxı́lio de uma elegante bengala, o rosto forte e
orgulhoso esbanjava poder e sarcasmo, ao seu lado, a mesquinha Esther, nunca
gostara daquela mulher, achava-a dominadora e pobre de espı́rito, atrás seguia
o primogênito, Fernando, deste não havia muito que falar, sabia que ele
enfrentava problemas com bebida, o que era uma surpresa o ver sóbrio naquele
momento, estava de braços dados com a esposa, uma mulher morena e miúda, mas
que parecia muito simpática, ambos não tinha filhos, por fim, lá estava a cópia fiel da mãe, Lutho.
Sentia o estômago
embrulhar só em vê-lo.
Teve que disfarçar
o desagrado e cumprimentar a todos, afinal, as câmeras capturavam cada
movimento que era dado. Não gostou do sorriso que a ex- sogra lhe dirigiu,
sabia que ela estava sempre a tramar alguma coisa.
-- Olá, bambina,
cada dia estás a ficar mais linda. – O italiano beijou-lhe a mão.
Ela apenas deu de
ombros e voltou a se sentar.
As pessoas bebiam e
dançavam, sorriam, demonstravam felicidade, deveriam estar imaginando as vantagens
que tirariam de todo aquele circo. Sentiu-se sufocada e decidiu caminhar um pouco.
Estava em um clube
particular, era lá que os ricaços se reuniam para esbanjar e ostentar, ela
mesma, sempre jogava tênis ali. Caminhou até chegar a um banco que dava de
frente para um belo jardim.
O crepúsculo
vespertino brincava com cores sobre as flores o que dava um ar mágico aquele
lugar. Inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos.
Como desejava
bloquear todos os pensamentos que pareciam querer se apossar de sua mente.
Aqueles últimos quinze dias estavam sendo os piores.
Estava funcionando
no automático. Dormia, comia, ia para faculdade, depois para a empresa,
retornava, deitava e dormia novamente. Havia um vazio em seu peito, uma dor
tão grande em sua alma que chegava a imaginar que a qualquer momento pudesse
desfalecer. Cada despertar era invadido por uma imagem que desejava esquecer,
adormecia e frios olhos azuis atormentavam seu sono.
Respirou fundo,
buscando oxigênio para os pulmões...
-- Você está bem?
Eva se assustou,
levantando-se abruptamente.
Mirou a ruiva de
cabelos curtos que a mirava com olhar preocupado.
Era uma bela
mulher, decerto deveria ter quase seus trinta anos, exibia uma segurança
mesclada a uma delicadeza. Era um pouco mais alta e exibia uma barriga que
denotava uma gravidez.
-- Sim, apenas me
assustei. – Sorriu sem graça. – Perdão, eu a conheço?
-- Desculpe-me por
ter te assustado, mas tive a impressão que não estavas bem. – Estendeu a mão
para ela. – Sou Luı́za Ferraz.
A italiana hesitou
um pouco, mas a outra deu um sorriso tão espontâneo que ela acabou rindo
também.
-- Sou Eva Beatrice
Belluti.
-- Posso sentar e
lhe fazer companhia? Estou me sentindo enjoada.
-- Sim, lógico,
fique a vontade.
Ambas se
acomodaram.
-- Quer que eu
chame alguém? Um médico? – Indagou preocupada.
Luı́za sorriu da agonia estampada no rosto da
jovem.
-- Não precisa. –
Segurou sua mão. – Quanto ao médico, eu sou médica. – Piscou divertida.
-- Ah, então não
precisaremos de outros. – Gargalhou.
-- Você não
deveria estar posando ao lado do seu pai para os jornais e revistas?
-- Hun... bem,
digamos que não sou muito fotogênica.
-- Unhun, impossível
isso, não tem como alguém tão bonito não ser fotogênico, não precisa nem
de efeitos especiais.
Eva corou diante
das palavras.
Não entendia o
motivo, mas aquela mulher a desconsertava.
-- Não precisa
ficar assim. – Falou simpática. – Você não me conhece, mas conheço o seu
pai. Ele e o meu são grandes amigos e eu trabalho para as empresas Belluti,
coordeno a equipe médica que cuida da saúde dos funcionários.
-- Ok! Certo. –
Disse sem graça.
-- Você tem
certeza que está bem? Eu não quero ser intrometida, mas eu venho te
observando em todos os jantares e festas. Venho percebendo que há alguma coisa
te incomodando, eu não sei bem...
A cigana
levantou-se.
-- Olha, me
desculpe, mas eu preciso ir.
Luı́za a
observou se afastar e ficou a pensar o que estava se passando com a filha do
empresário. Não entendia a razão, mas havia algo que a atraia sempre na
direção dela, era como se fosse um imã que a puxasse até aqueles olhos
misteriosos.
Passou a mão no
ventre.
Dentre pouco tempo
seu filho nasceria e a única certeza que ela tinha, é que não o veria
crescer.
Luı́s Fernando viu
a italianinha voltar para a mesa e aproveitou que todos estavam distraı́dos com
as danças, bebidas e conversas para se aproximar da jovem.
Há dias tentava
falar com Maria Fernanda e nenhuma de suas ligações foram atendidas, a
desculpa que a secretária dava era sempre a mesma: que a juı́za estava muito
ocupada e quando pudesse retornaria.
Fernando dissera
que a viu e mesmo não a conhecendo bem, percebera muita tristeza em seu rosto.
O magnata pensara
em ir vê-la, mas não teve como se ausentar naqueles dias, ainda mais porque
Esther estava de volta e não desejava chamar atenção para a filha, pois temia
o que sua mulher pudesse fazer com a mesma.
-- Eva!
A italiana sentiu a
mão pousar em seu ombro e viu com pesar o empresário sentar bem perto de si.
-- O que o senhor
deseja? – Indagou secamente.
-- Apenas desejo
saber o que houve entre minha filha e você.
A jovem Belluti
ainda pensou em levantar e sair, mas aqueles olhos azuis pareciam tão
cansados, preocupados, tristes.
-- Não houve nada,
apenas estamos em nossos lugares de origem. Tudo se reestabeleceu e a paz
reinou por fim. – Ironizou.
-- Olha, ciganinha,
deixe de brincadeira. – Falou impaciente. – Há dias que não consigo falar com
a Maria Fernanda, só me dizem que ela está ocupada e nunca me passam.
-- Eu já disse,
não sei nada dela, a última vez que a vi... decidimos que essa brincadeirinha
já tinha ido longe de mais.
O empresário
estreitou os olhos e ela recordou bem de alguém que fazia muito aquele gesto.
Luı́s Fernando
parecia pronto para argumentar mais uma vez, porém acabou se afastando.
A jovem irritou-se,
não bastava ter que travar batalha contra os próprios pensamentos, ainda
tinha que alguém a lembrar sobre a juı́za. Não desejava ouvir nada e tampouco
saber nada sobre aquela mulher.
O garçom passou e
ela pegou duas taças, talvez fosse o momento de afogar as mágoas e sufocar as
dores.
Luı́za retornou a
festa e observou o momento que o poderoso Alcântara se aproximava da morena de
olhos misteriosos.
Ficou um pouco
distante, mas pode ver que ambos pareciam irritados, alguns minutos depois ele
saiu e a jovem começou a beber descontroladamente.
Notou quando o belo
italiano sentou ao seu lado e beijou-lhe os lábios, teve que segurar o riso
quando a italiana derramou propositalmente o champanhe em suas roupas,
impecavelmente elegante.
A médica a viu
levantar trôpega e decidiu ir ao seu auxı́lio.
-- Você vai acabar
caindo por entre os convidados. – Falou, segurando-a pelos ombros.
-- Estou tonta,
preciso sair daqui, estou sufocando.
-- Vem comigo. –
Segurou-lhe a mão. – Te levo para sua casa.
-- Não, eu não
desejo voltar para minha casa, quero ir para bem longe... desejo fugir de mim
mesma, dos meus pensamentos, do meu coração...
Luı́za se
enterneceu em ver aqueles lindos olhos se encherem de lágrimas, havia uma dor
tão profunda naquele olhar que sentia a necessidade de cuidá-la, protegê-la,
tirar aquela angustia do seu peito.
-- Vamos, meu anjo.
Cuidarei de ti.
A cigana apenas
assentiu, pois seu único desejo era sair dali.
Maria Fernanda
sentia o vento assanhar-lhe os cabelos, mas não havia sensação melhor do que
estar a cavalgar seu garanhão. Ele parecia voar e aquela velocidade a fazia se
sentir livre, dona do próprio destino, das próprias emoções.
Apeou as margens do
rio, dando água para o animal e em seguida o amarrando em uma árvore.
Caminhou até a beirada e sentou em uma pedra.
Ficou a observar o
pôr do sol.
Aqueles dias
estavam sendo difı́ceis de mais. Estava tentando a todo custo se manter
distante, centrar em seu trabalho, em sua fazenda. Cansava-se ao máximo para
que a noite pudesse ter apenas ânimo para dormir, mas até o sono a
abandonara. Virava de um lado para o outro e quando cochilava seu cérebro era
invadido pelos olhos da cigana.
Chegara a pensar em
procurá-la, o tempo tinha passado e aquele momento poderia ser perfeito para
elas pudessem conversar, mas quando recordava do pedido que ela lhe fizera e
daquele olhar de indiferença que recebera, perdia todas as forças de buscá-la.
Tirou do bolso da
calça a foto que recortara do jornal há dois dias.
Eva aparecia linda
ao lado do seu pai, exibindo aquele sorriso doce e travesso. A perdera para
sempre...
Tudo fora sua culpa
e maldito Lutho.
Socou forte a palma
da mão.
Ainda não acertara
as contas com o miserável, mas em breve o faria, iria se vingar do desgraçado.
Eva abriu os olhos
e sentiu um martelar em seu cérebro.
Tentou mais uma vez
e percebeu que a penumbra se apossava do lugar. Sentou assustada, ao ver a
linda ruiva lhe observando.
-- Bom dia, bela
adormecida! – Luı́za a saudou como um sorriso.
-- O que estou
fazendo aqui? O que você está fazendo aqui? Onde eu estou hein? – Levantou-se
em um pulo, arrependendo-se ao sentir as pontadas na cabeça.
A ruiva sorriu da confusão da jovem.
-- Calma,
responderei todas as perguntas, mas que tal antes você tomar um banho e
podemos tomar um gostoso café da manhã, que tal? – Piscou.
A filha de Belluti
sentiu o estômago se revoltar ao ouvir o termo que se referia a alimentos e
pulou rapidamente da cama em busca de um banheiro. Luı́za a esperou retornar
depois de quase meia hora.
Viu a jovem
caminhar, enrolado em uma toalha e sentar na cama. Ela estava pálida.
-- Você não é
acostumada a beber, não é? – A médica arqueou a sobrancelha curiosa.
-- Na verdade, não
é isso, apenas fiz uma mistura não muito boa. – Encarou-lhe. – Peço que me
perdoe pelo transtorno.
A mulher mirou aqueles olhos tão escuros como
a noite e percebeu que havia uma enorme dor neles.
Sentiu a
curiosidade aumentar.
-- Não precisa se
desculpar! – Sorriu simpática, sentando ao seu lado e segurando sua mão. – Te
trouxe para cá porque você disse que não desejava ir para sua casa, então
não tive escolha, porém não pense que foi um incômodo para mim.
Eva observou melhor
a outra.
Era muito bela, os
cabelos acobreados e algumas sardas davam um toque ainda mais sedutor. A cigana
levantou-se incomodada.
Não sabia o
motivo, mas algo naquela mulher a fazia se sentir inquieta.
-- Eu... eu sou
eternamente grata a você, mas acho que já abusei em demasia da sua boa
vontade.
Luı́za sorriu do constrangimento demonstrado
pela filha de Belluti.
-- Não antes de me
acompanhar ao... – Deu uma pausa e falou baixinho. – Desjejum.
Aquele fora o
primeiro encontro de muitos.
Eva gostava da
companhia da médica, ela era sempre tão atenciosa, educada, sofisticada e
engraçada.
Ficara sabendo que
Luı́za perdera recentemente a mãe em um acidente de carro e que não se dava
muito bem com o pai que nunca aceitara o fato de ela ser lésbica.
Outro fato curioso,
era a gravidez de cinco meses que ela carregava. A criança sempre fora um
desejo seu e de sua namorada, isso antes de ela terminar a relação entre
ambas, antes mesmo de ter a confirmação do sucesso da inseminação.
-- Você me
abandonou por essa tal de Luı́za! – Queixava-se Arthur.
Ambos estavam na lanchonete da faculdade.
-- Pare de
viadagem, você sabe que não há ninguém nesse mundo que possa ocupar o lugar
que é só seu em meu coração.
-- Unhun. – O rapaz
deu um gole no suco. – Não é comigo que você vai ao cinema ou ao teatro.
Eva sorriu do drama
feito pelo jovem.
Ele jogou o resto
do sanduı́che nela e ambos gargalharam divertidos.
Arthur estava feliz
em ver sua amiga voltar à vida, pois foram trinta dias convivendo com uma
italiana depressiva, perdida em seus pensamentos e em sua dor. Tocou-lhe na
mão.
-- E a juı́za? –
Indagou relutante. – Não a quer mais em sua vida?
A cigana desviou o
olhar.
Realmente, aqueles
longos dias de dor pareciam terem amenizados, mas isso não significava que
não pensasse nela ou a recordasse. Não havia uma única noite em que seus sonhos
não fossem invadidos por frios olhos azuis.
Todavia, percebera
que era melhor conviver com aquela dor do que com a decepção, então sua
decisão continuava de pé, não havia futuro para elas, não havia esperança
para aquele
-- Não! Maria
Fernanda será apenas uma lembrança em minha vida.
-- Ela não te
procurou?
-- Não! Pelo menos
ela está cumprindo a promessa que me fez.
O rapaz a
aconselhara inúmeras vezes para que a amiga tentasse esclarecer os problemas
com a déspota, mas ela não parecia pronta para aquilo. Agora, via cada vez
mais distante o desejo de que as duas ficassem juntas.
Apesar de achar a
Juı́za um ser intratável, ele sabia que elas se amavam e que deveriam sim dar
outra oportunidade para aquele sentimento.
-- Você tem
certeza dessa decisão?
-- Sim! Estou certa
disso! – Afirmou convicta.
-- Nem acredito que
você esteja aqui, filha! – Pedro a abraçou junto com a esposa.
Maria Fernanda
precisara ir a capital resolver alguns problemas e decidira seguir para a casa
dos pais, afinal, fazia muito tempo que não os via, na verdade, fazia tempo
que os evitavam, mas sentiu uma necessidade de estar perto deles, de se sentir
amada e protegida.
-- Por que não
avisou que viria? – A mãe indagou com lágrimas nos olhos.
A juı́za sentiu um
aperto no peito em ver a emoção presente nos olhos daqueles que a escolheram
para ser sua filha, infelizmente nunca conseguira compensá-los por isso.
-- Foi algo
repentino, então tive que resolver alguns problemas e só pude chegar agora. –
Sentou no sofá.
-- Ah, mulher,
você sabe como nossa menina é ocupada. – O homem sentou ao seu lado. – Vá
preparar algo para a Nandinha jantar.
Não fora
totalmente verdade o que a déspota disse, na verdade, ela terminara de
resolver os problemas cedo, mas ficara rodando pela cidade sem rumo, até que
decidiu ir ao encontro dos pais.
-- Não Precisam se
preocupar, já comi algo na rua.
-- Nada disso,
essas comidas da rua não fazem bem, vou fazer algo bem gostoso para você.
Maria se aproximou
da filha e lhe deu um beijo estalado na face e seguiu para a cozinha.
-- Não quero
incomodar vocês. – Falou sem jeito.
-- Você nunca nos
incomoda, meu amor. A juı́za sorriu para o pai.
-- E você vai
ficar quantos dias?
-- Provavelmente,
uma semana. Tenho algumas coisas para resolver.
-- Então, ficará
aqui conosco e não aceitarei desculpas, viu. Essa casa é sua!
-- Está bem,
ficarei. – Mordeu o lábio inferior. – E como vai o trabalho?
-- Vai bem, mas
estou dando entrada nos papéis para me aposentar. Não tenho mais pique para
acompanhar o senhor Andrello.
-- Imagino... Ainda
mais agora que ele é senador.
-- Com certeza!
Vive viajando. Está mais ausente do que nunca. Você falou com ele? Ele disse
que andou te ligando.
Não!
Não atendera nenhuma
chamada daquele homem, ainda mais porque sabia que ele omitira o fato da filha
não ter feito denúncia contra ela.
-- Não! – Negou
secamente. – E como está a irresponsável da filha dele? – Indagou disfarçando
a emoção na voz.
-- A menina Eva? –
Sorriu. – Nem lembra nada a irresponsável de antes. Está estudando e
trabalhando nas empresas Belluti. Aquela menina sofreu uma mudança drástica.
Deve ser a amizade dela com a doutora Luı́za.
Os olhos azuis
demonstravam certo desprazer.
-- Quem é essa tal
de Luı́za? – Indagou preocupada.
-- Uma jovem
médica muito bonita. A menina Eva sempre está em companhia dela, parecem unha
e carne.
Maria Fernanda
sentiu um aperto no peito.
Quem seria essa tal
doutora?
Fazia dois meses
que se afastara da vida da cigana, teria ela encontrado alguém em tão pouco
tempo? Pedro continuava a falar, mas o pensamento da cigana parecia está longe
naquele momento.
-- Nossa, que
romântico! – Eva gracejou.
Luı́za lhe
convidara para jantar em seu apartamento. Ambas riram.
-- Sente-se,
ragazza ! – A médica puxou a cadeira para ela.
-- Nossa, quanta
educação! Assim eu não resisto!
-- Você sabe que
para ti eu faço muito mais do que isso. – Falou sentando.
Eva corou.
Ela estava levando
tudo na esportiva, mas tinha quase certeza que a bela ruiva que olhava para si
estava lhe cantando. A ideia não era tão desagradável, afinal, a mulher era
linda, inteligente, carinhosa, educada e atenciosa.
-- Você parece uma
menininha com esse rostinho vermelho. Era uma pequena mesa e ambas estavam bem
próximas.
Luı́za se
aproximou, contornou os lábios dela com os dedos.
-- Sabia que tenho
um desejo enorme de sentir o sabor da sua boca.
A cigana sentiu as
mãos suarem.
Fechou os olhos e
sentiu a respiração se aproximar mais e mais, até que seus lábios foram capturados
lentamente, não sendo invadidos, mas como se estivessem pedindo, implorando
por uma chance.
Esperou para a
explosão de sentimentos tumultuosos, mas apenas uma sensação de paz reinou.
Viu a médica se afastar e percebeu que seu rosto sereno estava cheio de temor.
-- Perdoe, eu não
deveria ter feito isso.
A italiana sorriu
meio sem graça.
-- Bem, era isso
que você disse que tinha desejo de fazer. – Tentou brincar. – E então? Minha
boca tem gosto de quê? – Piscou.
-- De medo...
dor...
Eva levantou-se
incomodada e caminhou até a pequena varanda do apartamento e ficou a observar
o céu. Parecia devagar ou quem sabe estava apenas querendo respirar. Sentiu a
presença ao seu lado.
Aproveitou a
penumbra do lugar para falar.
-- Houve alguém
que me feriu muito. Alguém a quem eu entreguei todo o meu amor... Alguém que
não sabia qual era a diferença entre machucar e amar...
-- A déspota...
A cigana a encarou
com a sobrancelha arqueada.
-- Era assim que você a chamava no dia em que te trouxe
para a minha casa... A déspota... Por um segundo, a italiana viu aqueles olhos
azuis frios... por um segundo...
-- Ela ficou no meu
passado! – Afirmou firme.
Luı́za a fitou e
viu que seu rosto exibia dor, mas também havia uma força, uma convicção nunca
exibida antes por ela. Quem sabe não havia uma chance para si no coração da
jovem...
Maria Fernanda
aproveitou os dias na capital para acertar algumas contas com o irmão, mas ao
adentrar ao escritório fora surpreendida.
-- Só assim para
vê-la.
A juı́za mirou o
pai biológico.
Realmente, ela não
atendera e nem retornara nenhuma das ligações do homem, tampouco o recebera
quando a foi ver no interior.
Não sabia explicar
bem o motivo de todo aquele afastamento, mas andava tão confusa em relação a
tudo que preferira se manter distante de todos.
-- Desejo falar com
o seu filho. – Falou seca.
-- O Lutho está na
Itália. – Apontou a cadeira para ela.
A jovem ainda
hesitou por alguns segundos, mas acabou sendo vencida.
-- A secretária
disse que ele estava. – Reclamou.
-- Na verdade, ela
passou a ligação para mim, então quando ouvi o seu nome fiquei surpreso e
disse para Mônica mandá-la entrar.
-- O meu assunto
não é com o senhor. – Tentou levantar.
-- Sim, eu sei.
Você deseja vingar sua dor e seu desespero em seu irmão. – Pegou um lápis e
ficou girando por entre os dedos. – Eu já o puni por ter agido como um
canalha.
-- Isso não é
suficiente para mim! – Bateu na mesa, levantando-se. – Ele deveria ser preso
por ter falsificado a assinatura da Eva, tenho vontade de matá-lo com minhas
próprias mãos. – Completou furiosa.
-- E isso vai
trazer sua cigana de volta? – Indagou calmamente. – Isso não vai mudar o
conceito que ela tem.
-- Não me importa
a Eva, ela já saiu da minha vida... Ela não quer me ver, não deseja nem
lembrar que um dia me conheceu.
Fernando viu a
filha lutar para as lágrimas não sairem, viu como os olhos azuis traziam
consigo uma infinita dor, um desespero tão grande que o fez ir até ela.
Inicialmente, a déspota se desvencilhou do abraço, mas acabou se entregando
aos cuidados do pai, dando vazão a um choro desesperado.
O empresário
sentiu um aperto no peito ao ouvir os soluços, as sú plicas que sua menina
fazia, o chamar baixinho pela italiana. Acariciou-lhe os cabelos sedosos e
caminhou com ela até o sofá.
Sentou e a trouxe
para seu peito.
-- Calma,
bambina... Xiiiii
Pouco a pouco a
agonia foi cedendo lugar, e a calma passou a se instalar progressivamente.
-- Eu a perdi para
sempre... Eu a perdi...
Fernando nunca se sentira tão impotente como naquele
momento, seria capaz de dar qualquer coisa para tirar aquele sofrimento de sua
menina.
-- Procure-a...
Tente mais uma vez, diga-lhe que a ama, faça mais uma tentativa.
-- E se ela não
quiser me ver... se ela já tiver me esquecido?
-- Bem... –
Segurou-lhe o rosto e fitou-lhe os olhos chorosos. – Não lhe custará nada.
Maria Fernanda
abraçou mais forte seu pai, aquele fora o momento que ela não tivera, não
houvera alguém que consolasse sua dor, nem alguém que a fizesse se sentir
menos sozinha... Sofrera todos aqueles dias, mas naquele momento havia alguém
ao seu lado, alguém que sabia o que se passava dentro de si, alguém para quem
ela não precisava fingir que estava tudo bem.
Eva tinha saı́do da
faculdade mais cedo naquele dia.
Estava na recepção
esperando Luı́za vir buscá-la. Tinha combinado de ir com ela ao médico, ela
iria bater a ultrassom para saber como estava o bebê e de lá elas irias fazer
umas compras para a criança.
Desde o dia que
fora beijada, a relação de ambas tinha mudado, não que estivessem namorando,
mas havia uma necessidade da parte delas de estarem juntas, era como se
existisse algo a mais naquele relacionamento, uma sensação de paz, um desejo
enorme de estarem unidas.
A cigana não
conseguia entender o que se passava, sabia que não era a paixão avassaladora
que sentira pela juı́za, mas sabia que era algo sublime, tranquilo, paciente...
talvez fosse aquilo que a fizesse se sentir tão bem, pois jamais experimentara
algo daquele tipo.
Olhou o relógio mais uma vez e percebeu que a médica
estava atrasada.
Estava prestes a
tirar o celular da bolsa para ligar quando sentiu aquele aroma já conhecido.
Levantou a cabeça e sentiu seu coração acelerar.
Caminhava com
aquele ar superior, aquele nariz empinado e com a segurança de alguém
acostumado a julgar e condenar.
Ela estava mais
linda do que lembrava, na verdade não havia lembrança que se aproximasse da
beleza e sensualidade daquela mulher. A déspota usava saia nos joelhos e
camisa social, salto alto, cabelos presos, e completava o seu estilo com os
óculos.
-- Olá, Eva! –
Falou firme. – Preciso falar com você!
Já estava mal acostumada muitos capítulos em sequência rsrs. Obg!!!
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