A déspota -- Capítulo 26


Maria Fernanda descansou nos braços da amada e em seguida levantou-se, precisava de um banho. Sua cabeça estava a mil por hora. Mirou à jovem e viu que ela tinha pegado no sono.

Iria deixá-la descansar um pouco, pois naquele momento não saberia como agir diante dela.

Seguiu para o banheiro, ligou o chuveiro e permaneceu parada, sentindo a água relaxar seu corpo e acalmar as batidas do seu coração. O que faria agora?

Essa era a pergunta que estava martelando em sua cabeça.

Não havia dúvida sobre o seu amor por Eva, mas não tinha certeza se conseguiria esquecer tudo, passar uma borracha no que havia acontecido, na traição que havia sofrido. Talvez, a cigana a tivesse denunciado como uma forma de vingança, mas mesmo assim era algo doloroso para aceitar.

Respirou fundo!        

Desligou o chuveiro e pegou o roupão que estava pendurado, vestindo-o.

Seguiu para o quarto e ficou a observar a linda mulher que mostrava uma expressão tão calma e tranquila. Sorriu!

Nem parecia aquela jovem agitada e que adorava aprontar, lembrava um anjo, um doce anjo. Ouviu vozes na sala, quem poderia ser?

Aproximou-se mais da porta para que pudesse escutar melhor do que se tratava.

 

 

Os homens viraram a tempo de ver a juı́za saindo do quarto, vestida com um roupão.

Arthur sorriu vitorioso e a promotor que ali estava pareceu empalidecer, ele conhecia muito bem Maria Fernanda e sabia que estava perdido.

-- As provas de que eu nunca te trai, excelentı́ssima déspota! – Respondeu Eva orgulhosamente.

A juı́za virou-se, encarando aqueles olhos escuros e misteriosos.

Observou a cabeça levantada, viu estampado naquela face a superioridade de alguém que parecia estar por cima da situação, então naquele momento, ela percebeu que tudo fora maquinado, aquele fora o lugar para que aquilo ocorresse, mas a dúvida era, o amor que ambas fizeram há alguns minutos era parte do roteiro?

-- Por que armou tudo isso? – Indagou forte.

Eva caminhou até ela.

Não dormira após ter se perdido nos braços da bela mulher, apenas fechara os olhos e fingira, pois não desejava falar sobre o que tinha ocorrido e também temia fraquejar novamente.

Em nenhum momento, pensara que as coisas iriam tão longe, jamais imaginara que teria que chegar as últimas consequências para poder se livrar de tudo aquilo.

Sustentou aquele olhar duro, viu-a estreitar os olhos felinos, mas não se deixou intimidar, seguiu até ficar bem próximo a sua antagonista.

-- Porque eu precisava provar que nunca em minha vida fiz nenhum tipo de denúncia contra vossa pessoa. – Sorriu amarga. – Lembra daquele dia que fui a sua procura e você fez questão de me humilhar mostrando quão melhor era sua querida Catrina? Pois é, fui à fazenda para te ajudar, para me pôr a sua disposição e dizer a quem quer que fosse que nada daquilo que te acusavam era verdade... – Mordeu o lábio inferior. – Nós sabemos que não é bem assim... mas naquele momento eu só queria te livrar de problemas...

-- Basta! – Ordenou Maria Fernanda. – Isso tudo não passa de uma armação feita por você... – Apontou-lhe o dedo.

-- Perdão, excelência. – Arthur intrometeu-se. – Conheces esse homem? – Apontou para o rapaz engomado que a olhava assustado.

Sim! Ela o conhecia, pois o virá em todas as audiências que durara o processo, ele fazia parte da comissão que a investigava.

-- Não precisa responder, eu sei que a senhora sabe quem é. – O jovem seguiu até o homem e tirou-lhe o envelope da mão. – Veja se isso que lhe entrego é uma armação. A juı́za hesitou por alguns segundos, porém decidiu pegar a pasta.

A italiana sentia o coração pulsar descompassado em cada página que era virada, observava minuciosamente a expressão da poderosa mulher que examinava tudo energicamente.

Fitou o amigo e percebeu em seu olhar o apoio que necessitava naquele momento. Desejava abraçá-lo, mas preferiu se manter no mesmo lugar, olhando o rosto impassıv́  el da meritı́ssima.

Em Frações de segundos, Fernanda voou sobre o promotor, segurando-o pela lapela do terno.

-- Ora, seu miserável, por que isso não foi dito? Por que não falaram toda a verdade, me acusaram e me fizeram acreditar que ela tinha me traı́do.

-- Perd...ão... – Gaguejava. – Não fui eu que de...decidi.

-- Solte-o! – A cigana ordenou. – A culpa não é dele.

Maria Fernanda ainda o apertou por alguns segundos, mas acabou acatando o que lhe fora mandado.

-- Saia, Arthur, e leve-o consigo. – Pediu ao amigo.

-- Tem certeza? – Indagou preocupado.

A juı́za fuzilou o rapaz com seu olhar frio, o que fora mais que suficiente para ele se retirar rapidamente do recinto, levando o outro consigo. Eva caminhou até uma poltrona e sentou-se.

Ela não usava mais o vestido, o trocara por short e camiseta, os cabelos permaneciam soltos.

-- Bem, Maria Fernanda, eu acho que agora eu não lhe devo mais nada. – Fez sinal de aspas com os dedos.

-- Eva... – Aproximou-se. – Eu fui tão vı́tima como você de tudo isso. – Tentou justificar.

-- Vı́tima? – Arqueou a sobrancelha ironicamente. – Eu declarei o meu amor por ti inúmeras vezes, estive disposta a ficar ao seu lado, aceitei o desprezível cargo de amante só   por te amar demasiadamente, eu acho que eu merecia, pelo menos, a opção da dúvida.

A juı́za parecia desesperada, não sabia que argumentos usar naquele momento, nem mesmo sabia como agir.

-- Eu me senti traı́da...

-- Eu nunca te traı́...

A excelentı́ssima agachou-se, segurando-lhe as mãos entre as suas.

-- Naquele momento não tinha como eu saber disso, eu vi sua assinatura, o seu nome estava lá e aquilo fora suficiente para que eu me sentisse humilhada, destruı́da... eu estava...

-- Chega! – A cigana a afastou, levantando-se. – Quando soube o que tinha ocorrido... – Apontou o dedo em riste. – Pois o próprio Lutho me ligou, relatando, eu saí desesperada a sua procura e mais uma vez, a grande e insensível juı́za mostrou sua superioridade.

-- Eva, eu te amo... – pronunciou baixinho.

A cigana balançou a cabeça negativamente.


-- Você não sabe o que é isso... Quando amamos confiamos nas pessoas...

-- Eu te amo...

-- Não! Quando amamos não ferimos por nossa vontade, não somos carrascos, julgando e condenando sem ao menos deixarmos o outro se explicar...

-- Eu te amo... – Falou em um fio de voz, com os olhos marejados.

-- Não! Quem ama não age como você o fez, quando amamos desejamos o bem do outro e não foi isso que vi em nenhuma de suas ações...

Maria Fernanda caminhou até ela, segurando-a delicadamente pelos ombros.

-- Perdoe-me!

A italiana estreitou os olhos e buscou entre aquelas lágrimas algo que a fizesse acreditar na sinceridade daquelas palavras, porém há muito tempo ela deixara de crer que pudesse realmente haver algo entre ambas.

Não que seu sentimento tivesse morrido, lógico que não!

Ele pulsava em seu peito com muito mais intensidade, mais poderoso do que nunca, entretanto, a jovem sabia que se cedesse seria apenas para ter uma vida de sofrimento. Delicadamente, desvencilhou-se dos seus braços.

-- Não há o que se perdoar... – Caminhou até a janela.

A juı́za sentia as forças serem retiradas do seu corpo. Era doloroso ter visto naqueles olhos, que algumas horas atrás inflamavam de desejo, apenas indiferença.

-- Eva, dê-me uma oportunidade... –Insistiu. – Vamos conversar...

-- Eu apenas desejo saber algo. – Virou-se. – Você ainda vai continuar a me chantagear? A déspota mordeu o lábio inferior e fez um gesto negativo com a cabeça.

-- Não, não continuarei.

-- Posso te fazer um pedido? – Eva se aproximou, ficando a alguns centı́metros de distância.

-- Sim! O Que você quiser eu farei. – Sentiu a esperança renascer.

-- Deixe-me em paz, esqueça que um dia nossos caminhos se cruzaram...

A meritı́ssima desejou negar aquele pedido, sentiu ganas de gritar, de mais uma vez obrigá-la a ficar ao seu lado, mas sabia que não adiantaria nada. Assentiu.

-- Eu farei! – Respirou fundo.

Eva a fitou mais uma vez, recolheu a bolsa e seguiu até a porta.

-- Espera! – Maria Fernanda a deteve.

-- Sim...

-- Por que fez amor comigo? Fazia parte do plano?

-- Não! Não fazia parte do plano, mas precisei fazê-lo.

-- Por quê?

-- Porque precisava te segurar no apartamento até o Arthur chegar e... “ Porque eu te amo tanto que não consigo lutar contra isso”

Essa últimas palavras não foram ditas e a cigana partiu, deixando uma Maria Fernanda destruı́da.

 

 

A italiana caminhava pelos corredores do prédio e tentava segurar a enorme vontade de chorar.

Sim, ali acabara uma história que começara errada, precisaria ter forças e seguir em frente, afinal, tudo na vida era questão de tempo para passar.

-- Eva, você está bem?

Arthur veio ao seu encontro, quando ela saiu do elevador.

O rapaz a fitou e pode ver como ela estava sofrendo, como seu semblante estava manchado pela dor.

-- Ah minha amiga. – Acariciou-lhe a face. – Por que não tenta uma reconciliação?

 Veja, não há mais mal entendidos entre vocês. A jovem sorriu de forma amarga.

-- Não tem como ser, jamais daria certo. Onde não existe confiança, não existe amor.

-- Mas, meu anjo, veja, a juı́za tinha motivos para duvidar, realmente a assinatura era idêntica a sua.

-- Não, Arthur, as coisas não podem seguir esse rumo.

-- Mas, você a ama, não tem como negar, seus olhos refletem esse amor. Eu sei que estás magoada, mas pense, reflita e você perceberá que ainda há uma chance para as duas. Naquele momento, Maria Fernanda passou por eles, ignorando-os totalmente, apenas os virá, mas rapidamente seguiu seu caminho.

O rapaz abraçou a amiga, ouvindo-a abafar em seu ombro vários soluços.

 

 

Maria Fernanda não conseguira dormir naquela noite, nem mesmo todo o álcool presente em seu sangue fora capaz disso. Naquele dia, não retornara para a fazenda, ficara na cidade.

Sentara numa poltrona e bebera tudo que podia para tentar anestesiar a forte dor que parecia apertar seu coração. Fitou o aparelho celular aos pedaços, jogado no assoalho.

Fizera aquilo em meio ao louco desespero, quando ficara a observar as fotos da cigana e a tentação de ligar era tanta que lhe tirava o ar dos pulmões. Viu os primeiros raios solares invadir o quarto.

Precisava tomar um banho, mesmo que não desejasse, teria que voltar ao trabalho, talvez, assim, pudesse distrair sua mente que só pedia que ela saı́sse em busca de sua italiana. Não! Não! Não!

Prometera que a deixaria em paz e era isso que faria. Tonta, levantou-se e seguiu para o banheiro.

Depois iria descer e tomar um café bem forte para poder reiniciar mais um dia. Baixou a cabeça e sentiu a lágrima deslizar por sua face.

Engraçado, como ainda era capaz de chorar, afinal, fora aquilo que fizera durante toda a noite.

 

            Como iria esquecê-la?

Como iria continuar sem ela?

Como?

Não sabia qual passo deveria dar, mas tinha certeza que precisava se afastar urgentemente de tudo que a fizesse lembrar a linda filha de Belluti.

 

 

O dia fora corrido, apenas à noite, Fernanda parara um pouco em sua sala.

Viu os processos que sua secretária colocara sobre sua mesa, pelo menos, teria algo para ocupar a mente. Ouviu batidas.

-- Alguém deseja vê-la. – A assistente informou.

-- Eu não quero ver ninguém! – Respondeu irritada.

-- Bem, se trata do Senhor Fernando Alcântara e disse que tem urgência em falar-lhe.

O que aquele homem poderia desejar com ela?

Seu irmão! Um dos amantes de sua mãe!

Lembrou-se de que chegara a pensar que era ele seu pai.

-- Ok! Diga que entre!

Em alguns segundos, a juı́za via parado em sua frente o homem que odiara durante tanto tempo, mas que naquele momento lhe inspirava uma espécie de simpatia.

-- Você é uma mistura da sua mãe com os Alcântaras. – Falou com o olhar encantado.

-- O que deseja?

Fernando sentou diante dela.

-- Quando soube da existência da filha da Manu, tive um enorme desejo de conhecê-la. – Sorriu simpático. – Não tive coragem de vir antes, mas a minha vontade falou mais alto e aqui estou.

-- Certo! – Falou sem jeito.

-- Meu pai me contou tudo, até mesmo que você achava que era eu o seu pai.

-- Levando em conta que minha mãe era uma prostituta, eu nem sei como não fui reclamada por outros em busca de assumir a paternidade. – Ironizou.

-- Não pense assim, Maria Fernanda. – A repreendeu. – Sua mãe foi uma pessoa maravilhosa. Infelizmente, não soube lidar com tudo que acontecia, ou quem sabe fora essa a forma dela lidar.

-- Ela nunca se importou com a filha que tinha... – Falou perdida em seus pensamentos e suas dores.

-- Não faça isso consigo mesma. Não vai lhe fazer bem, como também não me fez, deixe os mortos descansarem e viva sua própria vida.

Não entendia o motivo, mas aquelas palavras a fizeram lembrar de Eva, talvez, se tivesse deixado o passado de lado, nada daquilo tivesse acontecido.

-- Ok!

Fernando levantou-se.

-- Saiba que eu me sinto feliz em tê-la como irmã, na verdade, eu teria tido um enorme prazer em tê-la com filha.

A juı́za levantou-se e ficou a observar o homem parado.

Ele lembrava o seu pai, tinha os mesmos olhos azuis que Luı́s Fernando passara para todos os filhos, mas havia uma doçura presente naquele olhar que transmitia muita paz. Estendeu a mão para ele.

O empresário deu a volta na mesa e a surpreendeu com um abraço.

-- Você poderá sempre contar comigo!

A déspota o viu sair da sala e ficou parada, tendo a sensação de vazio dentro de si.

Sua vida voltava ao mesmo ritmo de antes, não havia emoções, sentimentos... não havia a italiana... “ Estou vendo que hoje você encontrará o amor da sua vida...”

-- Sim, cigana, mas você esqueceu de acrescentar em sua previsão que eu jamais seria suficientemente boa para o amor da minha vida...


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