A déspota -- Capítulo 22
Eva não quis ouvir
mais nenhuma explicação e justificativa por parte de Fernando. Ele estava
querendo que ela servisse de ponte entre ele e a filha, porém ela não estava
mesmo disposta a desempenhar aquele papel.
-- O que houve,
tentadora de Adão? – Arthur brincou.
A cigana ligara
para o amigo para que se encontrassem na lanchonete da faculdade.
Ele a fitou e
percebeu que a bela italiana não estava para brincadeira, então decidiu
sentar e ouvir tudo o que ela tinha para dizer.
Aos poucos, a moça
foi contando tudo que havia ocorrido aquela manhã, ela acompanhava as
expressões surpresa que o rapaz fazia, ele parecia tão chocado quanto ela.
-- Que juı́za filha
da ... – Ele tapou a boca antes de terminar a frase. – O que ela pretende com
isso?
-- Ela é louca! –
Completou a jovem. – Não entendo o que se passa naquela cabeça, porém eu acho
que é muito idiotice para uma mulher. – Falou revoltada.
-- Hun, eu gostaria
que alguém bem gostoso me fizesse uma proposta dessas. – Brincou.
Eva pegou o docinho
que estava comendo e ameaçou jogar no jovem.
-- Calma, bambina!
Essa fúria tem que ser direcionada a sua déspota. – Tomou um pouco do suco. –
O que você está pensando em fazer? -- Ele levantou e começou a fazer gestos
teatrais. – Imagina você com esse corpo lindo saindo nos jornais aos amassos
com outra ainda mais gata.
A italiana o fitou
com raiva.
-- Ok, ok, não
brinco mais assim. – Voltou a se acomodar. – Mas o que você está pensando em
fazer?
-- Eu não entendo
como ela é capaz de arriscar tanto. – Falou confusa. – Ela também será
exposta e não só eu.
-- Bem, talvez a
vontade de te ferir seja maior do que a preocupação com isso.
-- Mas para que ela
deseja tanto me machucar? Ela já fez o suficiente para mil vidas. – Mordeu o
lábio inferior tristemente.
-- Olha, sabe de
uma coisa, eu vou falar com essa mulher, vou ensinar uma boa lição a essa
cachorra.
Eva sorriu.
Adorava demais o
amigo, mas não desejava que ele se tornasse alvo da juı́za.
-- Eu não posso
permitir que ela mostre essas fotos, o mês que vem já é a eleição e meu pai
não pode se envolver em escândalos, pelo menos não agora. – Ponderou por
alguns minutos.
-- Então, você
vai aceitar essa chantagem? – Arregalou os olhos.
-- Sim! Mas saiba
que Maria Fernanda vai se arrepender de ter cruzado o meu caminho, isso você
pode ter certeza.
A juı́za estava no
fórum.
Estava feliz por
ter retornado ao seu trabalho, não poderia negar que aquele era o lugar que
ela gostava de estar. Estava em pausa, só retornaria à tarde.
Ela estava ansiosa,
seu pai a informara que já havia falado com a italiana, só não deixara claro
o que ele tinha dito para a moça. Pegou o aparelho celular e buscou a foto da
cigana.
Às vezes tinha a
impressão que não conseguiria seguir em frente com toda aquela raiva. Havia
momentos que fraquejava e precisava buscar forças para não ceder ao desejo de
acabar com toda aquela dor e implorar pelo amor da filha de Belluti.
Como em tão pouco
tempo ficara tão cativa de um sentimento tão poderoso? Só podia ter sido
enfeitiçada por aquela garota. Ouviu batidas na porta.
Autorizou a entrada
e sua assistente de meia idade adentrou o espaço.
Ela trazia consigo
alguns arquivos, sinal que havia muito trabalho para revisar, melhor, assim
evitaria certos pensamentos incômodos.
-- Há uma pessoa
que deseja lhe falar. – Falou a mulher receosa.
A secretária era
uma das poucas pessoas da cidade que sabia pelo processo que a juı́za passara,
ela fora bem orientada a manter descrição sobre o fato, porém isso não a
impedia de analisar Maria Fernanda.
Mesmo não havendo
intimidades entre elas, poderia se dizer conhecedora daquela mulher que se mostrava
sempre tão inflexível. Desde que retomara as funções era como se algo
estivesse fora do lugar, tão diferente de como ela retornara da pequena
licença que pedira alguns dias antes.
-- Não tenho tempo
para atender ninguém. – Respondeu enérgica.
A outra parecia já
esperar por essa resposta, nem ao menos parecia abalada, já se acostumara com
o mau humor costumeiro da excelência. Maria Fernanda pegou um dos processos
para analisar, nem ao menos percebeu que ainda não estava sozinha.
-- Então, eu devo
dispensar à senhorita Eva Beatrice Belluti. – A assistente completou
pausadamente, dando maior ênfase ao nome da visitante.
A juı́za levantou a
cabeça e tentou não demonstrar o turbilhão de emoção que se apossava de si
naquele momento.
Sentiu o sangue
circular mais rápido e as batidas do seu coração acelerarem demasiadamente.
Fechou as mãos,
apertando forte para tentar conter o descontrole emocional que aquelas palavras
lhe causaram. O que a cigana estaria fazendo ali?
Lembrou-se da
última vez que a viu, recordou da raiva que sentira e da enorme vontade de
feri-la, recordou do pedido que fez ao pai...
-- Direi a moça que
ela não poderá ser recebida.
Maria Fernanda
observou a senhora de afastar.
-- Espere! – Pediu.
A mulher não se
voltou para fitá-la, mas podia ver como a ali se travava uma luta. O que
realmente envolvia aquelas duas?
-- Deixe-a entrar.
Eva levantou pela
segunda vez.
Ela já estava sem
paciência. Fazia um bom tempo que a tal da assistente entrara naquela sala e
nada de ela voltar. A cigana voltou a sentar.
Mordeu o lábio inferior.
Sabia que aquela
decisão que tomara era algo que fugia totalmente do seu controle, mas ainda
acreditava poder apelar para o bom senso de juı́za, porém se isso não
funcionasse, então teria que se submeter àquela chantagem suja.
Viu a porta se
abrir e a senhora que exibia ares simpáticos aparecer com um meio sorriso.
-- Pode entrar! –
Fez um gesto com a mão.
A italiana engoliu
em seco e seguiu para dentro do escritório, que naquele momento dava a
impressão de ser o labirinto do minotauro.
Maria Fernanda
estava de costas, observava a pacata cidade pela janela de sua sala. Via tudo
do alto, parecia tão tranquilo, diferente da sua pessoa. Sentiu o perfume
floral invadir o ambiente. Ouviu a porta abrir e fechar, os passos delicados se
fizeram soar.
Não se virou.
Segurou forte na
borda da janela.
Eva observou a
figura imóvel que parecia fechada em seu próprio mundo. Esperou que ela se
virasse, mas ela continuou na mesma posição.
-- Maria
Fernanda... – Chamou-a.
-- O que você
deseja, cigana? – Indagou sem se mover.
A filha de Belluti
deu alguns passos, porém continuou mantendo uma boa distância entre elas.
-- Quer saber o que
realmente eu desejo? Pois, bem, eu necessito de que você esqueça que eu existo
e deixe de ser tão miserável a ponto de usar da chantagem para me trazer até
aqui.
– Falou de uma vez.
A déspota virou-se
lentamente e olhar de ambas se cruzaram.
Havia raiva entre
ambas, mágoa...
-- Do que você
está falando?
A italiana abriu a
bolsa pegou as fotos que estavam espalhadas e jogou na cara da juı́za.
Maria Fernanda pegou algumas e então percebeu que seu
pai realmente era um homem muito esperto.
Seguiu observando
cada imagem, em seguida fitou aqueles lindos olhos negros que pareciam soltar
labaredas.
-- Não entendes
que se essas fotos forem expostas você também será prejudicada? – Perguntou
impaciente. – Esqueça que eu existo, viva a sua vida e me deixe viver a minha.
– Pediu serenamente.
Sim, esse era o
caminho a ser seguido. Era isso que deveria fazer, mas não podia, não era
forte o suficiente para seguir em frente e fingir que tudo estava bem. Havia
algo muito maior que clamava dentro de si, uma agonia, um desejo, uma
insaciável vontade de ter aquela mulher para si.
-- Desgraçadamente
eu fui amaldiçoada e acredito que só você poderá acabar com essa praga que
me foi rogada.
Mais uma vez os
olhares se cruzaram.
Os olhos azuis
foram os primeiros a recuar. Pareciam temerosos ou algo presente na ı́ris
escuras os faziam se sentir expostos em demasia.
-- Eu não acredito
que você vai ser capaz de seguir com isso? – Balançou a cabeça decepcionada.
-- Sim! – Respondeu
decididamente. – A menos que você queira ser capa de alguma revista de
fofoca... coitado do seu pai... que desgosto. – Ironizou sorrindo.
Eva deu um passo
para frente, parecia prestes a cometer uma agressão fı́sica.
A juı́za continuou
exibindo o sorriso cı́nico, permanecendo inerte.
-- Ok, déspota, eu
farei sua vontade. – Levantou a cabeça orgulhosamente. – Porém saiba que
repudio a sua forma de agir, sinto nojo em pensar que você se prestou a algo
tão baixo.
– Apontou o indicador para ela. – Saiba que quando me
obrigar a deitar contigo, encontrarás um ser imóvel, apenas um corpo frio e
vazio, pois é isso que você merece e é isso que vai ter.
Maria Fernanda a
viu sair arrogantemente da sala, mas antes pode visualizar a fúria que se
instalara dentro dela ao pronunciar cada uma daquelas palavras. Caminhou até a
poltrona e sentou.
Parecia que tinha
perdido todas as forças.
Tombou a cabeça
para trás, tirou os óculos e iniciou massagens nas têmporas.
Naquele momento ela
queria poder não pensar em nada, porém as palavras voltavam a martelar em seu
cérebro.
-- Por que, Eva?
Por que você me traiu? Por que me fez acreditar em seu amor e depois me
apunhalou pelas costas?
Sim, não haveria
paz entre elas, não haveria amor, só existiria o ódio e era ele que ligaria
as duas. Não sabia como sairia daquela guerra, porém estava certa que já a
perdera há tempos aquela batalha.
O dia passara rápido.
Já era noite
quando Maria Fernanda estacionou o carro na casa da fazenda. Decidira voltar
para lá e não ficar na cidade como vinha fazendo frequentemente. As luzes
estavam acesas, com certeza a Catrina ainda estava por ali.
O lugar estava
impecavelmente limpo e arrumado. O dinheiro que gastara naquele lugar fora mais
do que um bom investimento, em pouco tempo ela começaria a criar algumas
cabeças de gados e usaria as terras ao redor para iniciar plantações. Queria
que aquele pedaço de terra, que antes era tão abandonado, prosperasse, aquele
era o único lugar que a fazia se sentir bem.
Seguiu para o escritório, pegou uma garrafa de uı́sque e
sentou.
Bebeu de uma vez e
nem ao menos sentiu a bebida lhe queimar a garganta. Buscara anestesiar sua dor
durante todo o dia, mas só agora poderia fazer aquilo. Encheu mais uma vez o
copo.
O sorriso deu lugar
a uma gargalhada descontrolada. Que irônica era a vida!
Entrara naquela
loucura em busca do poder para destruir o próprio pai, agora Fernando era o
que menos lhe interessava. Na verdade nada mais conseguia lhe prender a
atenção a não ser a italiana orgulhosa e desafiadora.
Nunca desejara
tanto ter alguém para si, nunca quisera tanto na vida ser amada por alguém,
como aspirava ser por ela.
Não, o amor não era
para ela. Sabia bem disso, realmente nem sabia de onde tirara essa ideia
romântica, nem mesmo sabia se realmente existia esse tal sentimento. Decerto,
estava apenas obcecada com o fato de não poder ter a cigana para si, afinal, não
era comum ser rejeitada dessa forma e ainda por cima havia a terrível dor de se
sentir usada e depois traı́da.
-- Maldição! –
Apertou tão forte o copo que o quebrou. Jogou a garrafa contra a parede,
estourando-a.
Eva estava saindo
do banho quando ouviu o barulho.
Saı́ra do fórum e fora
direto para a fazenda. Não houve outra escolha, percebera que não tinha como
conversar com aquela mulher desprezível. Ainda pensara em mandar tudo para o
inferno, mas pela primeira vez não conseguira deixar seu egoı́smo falar mais
alto e tomara a decisão mais difı́cil da sua vida.
Vestiu o roupão.
Ouviu um barulho
e se assustou.
O que poderia ter
se passado?
Amarrou o tecido ao
redor da cintura.
Catrina já deveria
ter ido embora ou talvez tenha decidido ficar para lhe fazer companhia. Poderia
ser, já que de acordo com a loira, a juı́za não dormiria em casa naquela
noite, ficaria na cidade e só voltaria no final de semana.
Fora doloroso
encontrar a empregada, sinal que continuava sendo amante da déspota.
Não, não, não!
Aquilo não deveria
incomodá-la, não deveria se importar com quem aquela vı́bora se deitava. Que
transasse com todas as mulheres do mundo, quem sabe assim não teria energia
para ficar com ela.
Seguiu pelas
escadas e viu que as luzes do escritório estavam acesas. Abriu a porta e deu
de cara com aqueles olhos azuis.
A cigana percebeu
que a outra a fitava como se estivesse vendo uma miragem. Sentiu o cheiro de Álcool
e percebeu o motivo daquele ar perdido.
Viu a juı́za
desviar o olhar e mirar a própria mão. Aproximou-se e viu a pele da outra
coberta de sangue. Imediatamente correu até ela.
-- O que houve? –
Indagou preocupada.
A outra apenas deu
de ombros.
Eva seguiu pela
porta e, alguns minutos depois, voltou com uma pequena caixa de pequenos
socorros. Ajoelhou-se diante dela e começou a limpar a ferida.
Maria Fernanda
observava os gestos e parecia não saber se aquilo passava de uma espécie de
sonho provocado pela bebida. Nem mesmo sentira a dor, mas agora suas narinas
eram invadidas por aquele cheiro que conhecia tão bem.
Baixou e exalou o
perfume que saia daquelas madeixas.
A italiana levantou
a cabeça e sentiu o ar lhe faltar aos pulmões a ter aquela boca tão próxima
da sua. Ficou hipnotizada ao vê-la umedecer os lábios.
Estava mais uma vez
perdendo as forças diante da poderosa déspota, mas ela lutaria até o fim para
que isso não acontecesse. Já sofrera muito com aquela história, não permitiria em hipótese alguma que seu coração e seu
corpo fossem mais forte que o seu cérebro.
Acabou o que estava
fazendo e afastou-se.
-- O que está
fazendo aqui? – Indagou a juı́za que já parecia recuperada.
-- Bem, eu já
estou a sua total disposição. – Despiu o roupão. – Pode por em prática o seu
plano sujo.
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