A déspota -- Capítulo 21


Fernando antecipou o que iria acontecer ao ver a filha parada fitando a bela jovem que ali a encarava. Mas o que ela estaria fazendo naquele lugar? Não sabia que estava cutucando a onça com a vara curta?

Viu quando a juı́za chegou bem perto da cigana, temeu quando ela levantou a mão, temeu que naquele momento tudo realmente tivesse perdido.

Em nenhum momento Eva desviou o olhar daquela fúria estampada. Não entendia o motivo daquilo, mas se tratando de Maria Fernanda tudo era esperado. Imaginou o golpe que na face, mas ele não veio.

A déspota fechou a mão e baixou-a, mantendo-a no quadril. Tirou os óculos e limpou, gesto comum de sua personalidade, era como se aquilo fosse uma ritual para demonstrar ainda mais sua frieza.

-- Eu vim... – A italiana tentou.

-- Cale a boca! – Ordenou por entre os dentes. – Saia da minha frente, antes que eu pegue esse seu pescocinho lindo e o aperte até deixar-te agonizando ou pior, antes que eu desfigure esse seu rostinho de princesa.

-- Fernanda, eu não entendo... estou aqui...

Nesse momento Catrina se aproximou para cumprimentar a patroa.

A déspota não titubeou, trouxe a loira para si e beijou-a com muita paixão.

A filha de Belluti apenas observava tudo sem mexer um único músculo, naquele momento ela teria preferido ter a face esbofeteada um milhão de vezes, se isso a poupasse de ver aquela cena.

A juı́za interrompeu o prelúdio e exibiu o sorriso mais sarcástico possível. Segurou a cigana pelo braço e a levou consigo, levando-a para baixo de uma árvore, pressionando-a no

tronco.

Eva sentia uma vontade enorme de chorar, mas não daria esse gosto a maldita mulher que a fitava com aquele ar de arrogância.

Fernanda percebeu que havia uma forma de destruir aquele ser que mesmo depois de ter feito tudo aquilo contra ela ainda a fazia seu coração bater acelerado.

-- Olhe a beleza da Catrina. – Segurou-lhe seu queixo e a fez fitar a loira. – Ela é mil vezes melhor do que você. – Sussurrou no ouvido dela. – Enquanto eu dormia contigo, era ela  que eu desejava, eu fechava os olhos e a via.

A italiana tentou se soltar, mas foi ainda mais pressionada.

-- Solte-me! – Tentou empurrá-la. – Não vim aqui para isso...

-- Veio para quê? – Gritou. – Para rir da minha cara?

-- Eu acho que não importa mais. – Falou tristemente.

Ambas desviaram o olhar, pareciam que não conseguiam suportar a dor que viam naqueles reflexos, parecia que não conseguiam presenciar aquela dor. A decepção estava estampada naquele mar azul que parecia perdido entre a dor e o desespero, enquanto a italiana buscava todas as forças possíveis para não sucumbir em frente aquele ser tão insensível.

Tristemente, ela constatou que não era uma vidente, não conseguia ver o futuro, pois se assim o fosse jamais teria posto os pés naquela cidade, jamais teria levantado da cama naquela manhã.

Pobre cigana! Não sabia ela que não tinha como se fugir do destino.

 Maria Fernanda baixou as mãos ao longo do corpo.

A italiana apenas se afastou sem pronunciar uma única palavra.

Maria Fernanda encostou a cabeça na mão e respirou fundo, depois virou-se e fitou a filha de Belluti seguir para o carro e dar partida.

Teve ı́mpetos de gritar, de espernear, de xingar todas os palavrões que conheciam, mas a única coisa que fez foi socar fortemente a árvore, apenas parou quando seu pai lhe deteve os movimentos, abraçando-a, foi aı́ que viu o sangue que saia das feridas que os socos tinham provocados.

Fernando a estreitou em seus braços e sentiu a agonia que não fora demonstrada através de lágrimas, viu naqueles lindos olhos como ela estava sofrendo com tudo aquilo, naquele momento desejara com toda a sua alma poder poupá-la de toda a dor que existisse no mundo, afinal, ela já penara tanto e ainda seu caminho ainda teria muitos percalços.

 

 

Quando estava bem distante da fazenda, Eva parou o carro, encostou a cabeça no volante e começou a chorar. Segurara muito, mas agora não tinha mais como fazer isso, as palavras da juı́za pareciam reverberar em sua mente, em nenhum momento, mesmo sabendo a espécie de pessoa que era Maria Fernanda, jamais imaginara que ela seria tão miserável a ponto de usá-la daquela forma tão baixa e suja.

O som do celular invadiu o ambiente, Lutho!

Mais uma vez ignorou a ligação e decidiu seguir em frente, iria falar com o pai para que ele visse como poderia resolver o problema da juı́za, apesar de tudo não desejava que ela fosse punida por tudo que tinha ocorrido. Realmente nunca tivera a pretensão de executar uma denúncia contra as coisas que tinha passado, pois sabia que se fosse assim, teria que envolver também seu próprio pai em algo tão escandaloso.

Resolveria tudo aquilo o mais rápido possível para poder riscar da sua vida toda aquela sujeira.

 

 

Os dias se passaram de forma agitada, Belluti fora informado de tudo que se passava e tomara todas as providências para tentar resolver o problema, não queria seu brilhante nome envolvido naquela confusão, porém as coisas pareciam não ser tão fáceis para resolver. Primeiro, o ministério pú blico tinha um documento com a assinatura de Eva e o pai dela acabara descobrindo que isso tinha sido coisa de Lutho.

Andrello não permitiria que a filha desmentisse o noivo, isso seria um escândalo para as famı́lias. Teriam que arrumar uma forma para resolver a situação sem que tudo aquilo fosse revelado. De inı́cio, a italiana não seria informada desse fato, sabia que ela não aceitaria aquilo. Usaria todo o seu poder para mantê-la afastada de tudo.

 

 

Maria Fernanda continuava afastada das suas funções e isso a estava deixando cada vez mais irritada, nem mesmo dormia direito. Seu sono era sempre cheio de pesadelos e aqueles olhos pretos pareciam não abandoná-las em momento algum.

Irritada, levantou-se da cama e jogou os lençóis.

A juı́za desceu as escadas e seguiu para uma poltrona, não acendeu as luzes, apenas permaneceu lá, quieta. Teve um sobressalto ao sentir o toque no ombro.

Enrijeceu!

Não precisava virar-se para saber de quem se tratava. Aquela figura já tinha se tornado costumeira naquela casa, o poderoso Fernando não a tinha abandonado por um único segundo, mesmo tendo que conviver com a mudança de humor da déspota que sempre estava a beirar a fúria.

-- Você precisa descansar, amanhã será um longo dia. – Fernando começou a lhe massagear os ombros.

-- Para que insistir nisso? – Sorriu amarga. – Eu já perdi tudo.

O magnata deu a volta e sentou ao lado dela, segurando-lhe ambas as mãos entre as suas.

-- Você não vai perder nada. Eu não permitirei, antes destruo o Andrello por ter te colocado nesse plano sujo.

Na penumbra, a juı́za fitou aqueles olhos tão idênticos aos seus.

-- Por que continua aqui? Por que não foi embora?

-- Porque mesmo que não acredites, eu te amo e o que mais quero nesse mundo é que você seja verdadeiramente feliz.

Fernanda parecia tão perdida, era como se buscasse algo em que acreditar, mas isso parecia cada vez mais distante.

            Desvencilhou-se do toque, levantando-se.

-- Não sei o que é isso que você chama de felicidade. – Deu-lhe as costas. – Porém, saiba que eu conheço outra coisa e ela que eu aspiro com todas as forças do meu ser. – Virou-se para ele. – Se você realmente me ama e quer que eu me satisfaça, ajude-me a destruir Eva Belluti.

O magnata parecia pensativo. Sabia que ela amava a garota e se agisse de forma impensada poderia perder todas as chances de ficar ao lado da jovem cigana.

-- Você tem certeza que é isso que você quer? – Indagou relutante. – Filha, você sente algo a mais pela garota, se agir de forma inadequada, poderá perde-la para sempre.

Os olhos azuis da juíza brilhavam em ódio.

Sentia-se cruelmente traída, passada para trás, enquanto entregava-se a paixão que lhe dominava.

O maxilar enrijeceu.

-- Sim! É isso que eu mais desejo.

O empresário sabia que aquilo não era algo a se concordar, porém ele estava tão desesperado para conquistar o amor da filha que seria capaz de fazer qualquer coisa que ela pedisse.

--Ok! Quer que eu destrua a famı́lia dela? Quer que a deixe sem um centavo? O que você quer com a cigana?

A boca perfeita se abriu em um sorriso diabólico.

-- Eu a quero para mim, quero poder usá-la e humilhá-la para que ela nunca mais ouse brincar comigo. – Fechou as mãos fortemente. – Desejo pelo prazer de fazê-la se sentir tão mal quanto eu estou me sentindo.

Fernando sabia que aquele não era o momento para tentar dissuadi-la de seus planos, na verdade, ele temia que ela levasse aquilo ao extremo e que no final acabasse por se arrepender amargamente por seu desejo.

-- Se é isso que você deseja, minha filha, é isso que você terá. – Assegurou decepcionado.

Maria Fernanda apenas balançou afirmativamente a cabeça.

Sim, era aquilo que ela queria, aspirava ter nas mãos o destino daquela mulher, desejava poder humilhá-la de todas as formas possíveis e impossíveis, queria destruı́-la, fazê-la perder toda crença que ainda podia ter na humanidade. Sim, era isso que faria, só assim poderia se sentir bem, só assim poderia se sentir mais uma vez no controle da situação e faria uma promessa a si mesma, jamais, em momento algum perderia as rédeas da sua vida novamente.

Não, definitivamente ela não terminaria como a própria mãe, ela sabia que essa coisa de amor era apenas mais uma forma de subjugar ao outro, uma maneira barata que se achou para manipular a vontade alheia, porém isso não iria funcionar com ela, não mesmo.

 

 

 

 

Eva continuava levando a vida da melhor forma possível, tentava bloquear seus pensamentos e buscava se ocupar ao máximo para que não acabasse deixando dominar pela dor e tristeza.

Sua rotina se baseava a ir à faculdade pela manhã e quando voltava a tardinha seguia para a empresa, ultimamente vinha saindo à noite para tentar se distrair. Inicialmente, ela ficara muito irritada com o italiano e se negara a vê-lo, porém o jovem sabia ser convincente e justificara seu ato como sendo uma forma de amor, porém não revelara a garota que ele fora canalha o suficiente para falsificar sua assinatura. Ele junto com Andrello concordaram em manter sigilo sobre aquele fato, como a cigana preferira ficar afastada de toda a confusão, acreditando nas palavras do seu pai que lhe garantira resolver tudo.

A italiana agora estava sentada em uma mesa, na lanchonete da faculdade quando de repente sentiu aquele toque. Ao virar-se, deu de cara com o amigo que há tempos não via.

-- Arthur, seu gay, você me abandonou. – Jogou-se nos braços do rapaz.

Depois das boas vindas nada convencional, ambos se sentaram.

-- Por que ficaste tanto tempo fora? – Indagou a jovem.

-- Ah, eu já estava cansado de tantas cobranças. – Deu de ombros. – Você conhece muito bem meu pai, ele é mil vezes pior do que o seu.

Claro que ela sabia, eles se conheciam desde crianças e ela conhecia bem como a famı́lia do rapaz era problemática e preconceituosa.

-- Mas eu tive uma grande surpresa quando liguei para tua casa e descobri que tinhas retornado à universidade.

-- Bem, isso foi o mı́nimo que aconteceu em minha vida nesses últimos dias. – Falou desviando o olhar. – Parece que um furacão bagunçou tudo.

-- A juı́za ainda? – Indagou lhe segurando a mão.

-- Realmente eu prefiro não falar sobre isso. – Mordeu o lábio inferior.

 Arthur levantou-se e puxou a cadeira para mais perto dela.

-- Oh, minha gatinha, o que aquela mulher sem coração fez contigo? – Abraçou-a quando viu os olhos cheio de lágrimas.

Aquele era o momento e abraço que a cigana estava precisando, guardara durante tanto tempo suas dores, engolira o choro e continuara em frente como se nada tivesse acontecido, porém agora não havia mais força para fingir que tudo estava bem. Seu peito doı́a demasiadamente, sua alma estava tão ferida que a única coisa que desejava era ficar nos braços do amigo, pois ali se sentia protegida.

 

 

O poder dos sobrenomes de Fernando e de Belluti pesaram forte quando chegara o momento de julgarem os atos da juı́za. Eva fora totalmente poupada, de inı́cio os representantes do ministério pú blico pediram para falar com a jovem e com Lutho, mas Andrello usara de seu poder de persuasão para dissuadi-los disso. No final, o processo e a investigação fora encerrado e visto como uma espécie de “ engano”.

Maria Fernanda retomaria seu cargo e retornaria as suas funções.

-- E então, filha, está feliz?

Fernando acompanhara a um restaurante para almoçar.

-- Realmente a única coisa que vai me satisfazer é ter a Eva em minhas mãos. – Falou sentando-se.

-- Você tem certeza? – O empresário a encarou. – Tudo já foi resolvido, acho melhor você esquecer esse plano.

-- Você disse que me daria, está querendo retirar sua palavra? – Indagou irritada.

-- Eu só acho que você deveria conversar com a ciganinha, talvez, vocês possam se entender. – Insistiu.

-- Eu não desejo me entender com ela, desejo apenas que ela pague pelo que fez comigo. – Falou por entre os dentes.

-- Fernanda, veja, Eva nem mesmo apareceu para depor, sinal de que ela deve ter se arrependido pela denúncia. Não gostaria de dizer, mas acredito que ela deve ter sido influenciada por Lutho. – Completou tristemente.

-- Pois bem, ambos vão pagar pelo que fizeram. Ela porque vai ser cruelmente usada por mim, ele porque jamais terá o prazer de ter a italiana.

O homem sabia que não tinha como tirar aquela ideia da cabeça da filha, a única que poderia fazer era torcer para que Eva conseguisse domar a fera, pois ele tinha certeza que não seria fácil.

 

 

 

Fernando retornou a cidade e a primeira coisa que fez foi ir em busca do “prêmio” que a sua filha tanto almejava. Não era algo que ele desejasse fazer, mas se era isso que faria sua filha feliz, então ele pagaria aquele preço.

 

 

Eva estava descendo as escadas quando a empregada lhe avisou sobre a visita do pai de Lutho.

Olhou para o relógio e percebeu que acabaria perdendo a primeira aula. Realmente, ela não desejava isso de forma alguma. Mas o que aquele homem queria consigo? Pelo que ficara sabendo por seu pai, o problema da juı́za já tinha sido resolvido e nem mesmo fora preciso que ela participasse ou negasse alguma coisa.

Decidida, seguiu para a biblioteca e encontrou o empresário confortavelmente sentado.

Ao fitá-lo não pode evitar sentir um arrepio lhe percorrer a espinha, aqueles olhos eram tão idênticos ao da déspota que chegava a lhe assombrar.

-- Bom dia, senhor! – Estendeu a mão em cumprimento.

Ela não tinha muito intimidade com ele, na realidade, nas poucas vezes que tiveram contatos, jamais conversaram de forma mais intima, sempre imperava a formalidade.

-- Bem, eu vou ser clara, pois não gosto de enrolação. – Tirou da pasta um envelope e lhe entregou.

A jovem recebeu o que lhe era dado, mas não abriu de imediato..

-- O que é isso?

O empresário cruzou as pernas confortavelmente.

-- Veja! – Fez um gesto com a mão.

A cigana assentiu e fez o que lhe foi pedido.

Fernando viu quando o sangue fugiu do belo rosto da bambina. Testemunhou ela recobrar o controle e encará-lo raivosamente.

-- O que significa isso?

-- Veja, minha linda, além dessas fotos, eu também tenho um vı́deo do momento amoroso entre você e minha filha.

-- Isso... isso é um absurdo... – Alterou a voz. – Por qual motivo o senhor tem algo assim?

-- Eu não me orgulho de fazer isso, porém não  tenho escolha. – Levantou-se. – Eva! – Respirou fundo. – Esse material será  exposto, a menos que... – Pigarreou. – A menos que  você aceite ser novamente amante da Maria Fernanda.

A italiana caiu praticamente sentada no sofá.

-- Isso é um absurdo... – Balançou a cabeça negativamente. – Que espécie de sujeira é essa? Ela vai ser tão prejudicada quanto eu se isso for exposto. – O fitou. – Meu Deus!

 Fernando sentou ao seu lado e segurou-lhe as mãos.

-- Veja, tudo o que faço é para conseguir conquistar um pouco do amor da minha filha. – Falou sinceramente. -- Eu errei muito e sei que não é  esse o caminho, mas não sei o caminho a seguir.

-- E eu estou sendo usada como o quê?

-- Eu sei que se existe uma pessoa que pode salvar a minha filha, essa pessoa é você. – Falou em desespero.

A jovem desvencilhou-se dele, ficando de pé.

-- Saiba que eu a odeio mais do que tudo e sim, eu me submeterei a essa chantagem, mas não por minha pessoa, mas por minha famı́lia. Quanto a ela, sua querida juı́za, saiba que jamais vou ter qualquer sentimento a não ser o asco e a revolta.


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