A déspota -- Capítulo 20
A cigana
observava sua amada dormir tranquilamente em seus braços, viu os primeiros
raios de sol surgir, não havia vestı́gios da chuva da noite anterior.
Acariciou os cabelos da juı́za, trazendo-a mais para si.
Dormiram em um
pequeno carpete que tinha na sala, mas nem sentiram o desconforto do chão.
Passaram toda noite se amando, se entregando a esse sentimento que parecia não
ter fim, a esse amor que mesmo que ainda fosse negado, sempre aparecia
triunfante e se sobressaia a todos que buscavam detê-lo.
Eva fechou os
olhos e recordou de tudo que havia acontecido entre ambas. Sabia que tinha
aceitado pagar um preço muito alto para ter aquela mulher em sua vida, porém
não havia outro caminho a seguir.
Estava disposta a fazer o papel de amante só para ter a Maria Fernanda em sua
vida, não sabia o que tudo aquilo iria lhe custar, mas estava decidida a
arriscar tudo por ela.
A déspota
despertou lentamente, levantou a cabeça e se deparou com aqueles lindos e
misteriosos olhos. Sorriu!
-- Bom dia,
meu amor!
italiana sentiu o toque nos lábios e isso foi
o suficiente para dissipar todos os seus medos.
-- Pensei que
não fosse acordar mais. – Tocou-lhe o nariz. – Preciso ir embora. – Tentou se
desvencilhar.
A juı́za
ajeitou-se até ficar sobre a cigana.
-- Por que a
pressa? – Passou a lı́ngua em seu lábio inferior. – Quero que passe o dia todo
comigo. – Passou a mão em sua coxa.
Eva conseguiu
se livrar delicadamente do corpo da outra, levantou-se diante do olhar
estupefato da amante. Buscou a roupa e se vestiu sem encarar a Maria Fernanda.
-- Preciso ir
embora, tenho coisas para resolver.
-- Ok! – Deu
de ombros.
A italiana
acabava de esconder a nudez através dos trajes e viu que a amada fizera a mesma
coisa, mesmo com uma enorme carranca.
-- Podemos ir
já! – A déspota pegou a chave do carro que estava na bolsa.
A cigana
percebeu que a amante tinha perdido o bom humor que demonstrara a pouco,
entretanto tentaria não ceder as vontades dela, mesmo que agora tivesse uma
espécie de relacionamento, tentaria se resguardar mais.
Ambas entraram
no carro e por alguns segundos ficaram em silêncio.
A atmosfera
parecia pesada, sufocante, as respirações eram ouvidas e pareciam distantes,
recuadas, temerosas.
Eva observava
as pessoas caminhando pelas ruas, uns seguiam para seus trabalhos, outros para
a escola, enquanto uns apenas observavam o vai e vem do inı́cio do dia. Mirou
discretamente o perfil de Fernanda, ela parecia rı́gida, ereta, até mesmo
tensa. Não entendia o motivo daquilo, afinal, ela já tinha conseguido o que
tanto desejava.
Mordeu a
lateral do lábio inferior.
O toque do
celular a tirou de suas divagações.
Pegou o
aparelho e viu que havia inú meras ligações, não virá antes porque o
deixara no silencioso. Atendeu!
Ouviu a voz de
Lutho. Respirou fundo e apenas respondeu as indagações com monossı́labas. Despediu-se,
desligando.
-- Quem era?
Foram aquelas
as primeiras palavras da juı́za desde que entraram no carro.
-- Seu irmão!
Sorte que Eva
estava usando o cinto, pois Maria Fernanda fez uma manobra brusca, estacionando
em uma praça. Bateu forte no volante.
-- Eu não
quero que você se aproxime daquele idiota.
A cigana
continuou impassível, nem parecia ter se alterado com a explosão da outra.
-- Está
ouvindo o que estou dizendo? – A fitou ameaçadoramente.
A italiana
pegou o aparelho telefônico e ficou observando algumas mensagens e ligações
de seu pai.
-- Não
esqueça que somos apenas amantes e não acho que no nível de relacionamento que
estamos, você possa exigir tanto. – Completou, encarando-a.
Maria Fernanda
abriu a boca para retrucar, mas pareceu mudar de ideia rapidamente.
O carro foi
colocado mais uma vez em movimento e ambas seguiram novamente em silêncio,
talvez perdidas em seus próprios problemas, talvez buscando respostas para
aquele relacionamento que parecia tão frágil e tão forte ao mesmo tempo.
Depois de
alguns longos minutos o automóvel estacionar em frente a grande mansão. A
italiana respirou fundo e fitou a outra.
--Quando você
vai voltar para o seu trabalho?
-- O mais
rápido possível. – Respondeu sem se
virar para fitar a cigana.
Eva balançou a
cabeça afirmativamente e desceu do carro, porém não seguiu logo para a casa.
-- Não se
preocupe quanto ao Lutho, mesmo eu sendo apenas uma amante para ti, meu corpo e
meu coração não conseguem se imaginar ao lado de outra pessoa. – Sorriu
amarga.
– Ele é tão
burro que só faz pensar em si, doce déspota.
A juı́za a
encarou e sentiu sua alma sendo cruelmente desvendada por aqueles misteriosos
olhos pretos. Observou-a se afastar e sentiu um imenso vazio dentro do peito.
Não tinha ideia de quanto
tempo ficara parada ali, não desejava seguir em frente, não desejava nada
mais, apenas está ao lado daquela garota atrevida e rebelde. Mordeu o lábio
inferior.
Um pensamento
começava ganhar força em sua cabeça.
A Eva a amava
e ela também a amava, a queria mais que tudo na vida, então por que não
agarrar aquela oportunidade de ser feliz? Nunca sentira nada parecido por
ninguém, na verdade nem sabia o que era essa coisa de amar e ser amada, mas
agora ela poderia ter algo seu, pois pela primeira vez em sua vida a vingança
não ocupava o primeiro lugar, na verdade,
nem mesmo lembrava disso quando estava nos braços da jovem bela.
O celular
começou a tocar tirando-a dos seus devaneios.
Lutho tinha
ficado furioso quando recebeu um e-mail da mãe com todas as informações sobre
a “ irmanzinha”, mas isso não se comparava a vontade de matar que estava
sentindo quando junto com as informações ficara sabendo que a tal da Maria
Fernanda tinha mantido presa sua noiva em uma fazenda em uma cidade do
interior.
Então fora
isso que aconteceu!
Fora de si,
bateu forte na escrivaninha do escritório.
Agora entendia
o motivo de Eva ficar tão nervosa na presença daquela mulher. Ela tinha sido
submetida a um verdadeiro abuso por parte de uma autoridade que não tinha
nenhum direito de fazer algo daquele tipo com ninguém.
Mas isso não
iria ficar assim, ele se encarregaria de fazê-la pagar não só por ter ousado
a tratar mal sua amada, mas também por querer tirar de si o poder da sua
famı́lia.
Maria Fernanda
precisou retornar para o interior urgentemente. Nem mesmo tivera tempo de
avisar a Eva, até tentou, mas a garota não atendeu ao celular. Dispensara ao
motorista para ir dirigindo. Não podia deixar suas responsabilidades por tanto
tempo, levando em conta que pedira apenas alguns dias para poder se recuperar
do ferimento à bala.
Apertou no
painel do carro rediscando o número da cigana, porém nada de ela atender.
Desistiu!
Quando
chegasse ao destino, ligaria novamente.
A italiana
estava deitada na cama.
Ao chegar,
subira para o quarto, não desejava conversar com ninguém, apenas ficar quieta
e tentar ajustar os pensamentos.
Ainda quando
esteve com os avós pensou em retomar o curso de psicologia que abandonara há
mais de um ano. Retomaria os estudos e dessa vez iria até o fim, sabia que seu
pai preferiria que ela assumisse os negócios da famı́lia, afinal, era ela a
única filha e deveria herdar e administrar tais, por esse motivo dividiria seu
tempo entre a universidade e a empresa, pouco a pouco iria aprender como as
coisas funcionavam, apesar de ser considerada uma louca, ela era uma jovem
inteligente e não demoraria muito para se adaptar a esse mundo.
Viu o celular
tocar e reconheceu o número.
“Sua amante”!
“ Sua bela e sedutora amante!”
Precisou usar
toda sua força de vontade para não atender, sabia que não podia se entregar
tanto a uma relação onde parecia que apenas o desejo sexual imperava. Mordeu o
lábio inferior!
Chegava a ser
ridı́culo ter confessado estar apaixonada, quando na verdade a Maria Fernanda
não estava disposta a assumir àquela relação. Que ingênua fora em chegar a
pensar que ambas poderiam ter algo verdadeiramente sério, era apenas libido...
apenas sexo!
Bem, se era
apenas sexo, então era assim que começaria a agir, seria uma amante em todos
os sentidos que exigiam aquele léxico.
Maria Fernanda
retornou ao trabalho e há uma semana não conseguia falar com a italiana. Nem
conseguia contar os inúmeros telefonemas que dará e nenhum deles foram
atendidos e muito menos retornados.
Olhou para o
relógio.
Dentre de uma
hora retornaria a sala do fórum. Havia alguns casos para serem julgados.
Decidida,
pegou o celular e discou o número do pai. Ele trabalhava na casa da cigana,
então ele poderia ajudá-la.
Seu pai
atendera com muito entusiasmo, porém estranhara o fato da filha perguntar por
Eva, a juı́za tentou ao máximo disfarçar, mas ao final não pode evitar pedir
a Pedro para dar um recado à bela morena.
Respirou
fundo!
Nunca em sua
vida pensara em sentir tanta falta de alguém como estava sentindo da mulher de
olhos misteriosos. Suas divagações foram interrompidas pela entrada da secretária
que lhe trazia uma correspondência formal.
A juı́za abriu
imediatamente e nesse momento sentiu o sangue gelar. Agora entendia o motivo do
sumiço da filha de Belluti!
Eva a
denunciara para o superior tribunal de justiça!
A rotina da
cigana estava bem intensa, retomara as aulas na universidade e para a
felicidade do pai, iniciara um tipo de estágio nas empresas da famı́lia.
Apesar de cansativo, tudo estava caminhando muito bem.
Estava dando
partida no carro, saia do estacionamento da universidade quando ouviu o toque
do celular. Ou era o Lutho ou Maria Fernanda, ambos viam ligando regulamente e
nenhum deles foram atendidos.
Pegou o
aparelho e viu que se tratava do rapaz.
Apertou o
botão no painel do carro e a voz grave pode ser ouvida.
-- Amore mio,
que passa? Há dias te ligo e nada de você me retornar as ligações.
-- Ando muito
ocupada! – Falou friamente.
-- Eu sei e
estou imensamente feliz por saber que está se dedicando a coisas mais
construtivas.
Eva deu de ombros.
-- Bem, eu
preciso ir agora. Tenho coisas para resolver.
Houve uma
pequena pausa e em seguida pode ser ouvido o som grave.
-- Quero que
você saiba que já fiz a tal juizinha pagar pelo que te fez. – Gargalhou. –
Nesse momento ela deve ter muita coisa para explicar, decerto vai perder o
cargo e quem sabe ser até presa.
A italiana
inicialmente não entendeu o que o outro estava falando. Como ele ficara
sabendo de tudo que havia acontecido?
-- Vo...você
fez o quê? – Indagou perplexa.
-- Fiz uma
acusação formal contra a tal da Maria Fernanda!
A cigana nem
mesmo se despediu, encerrou a chamada e discou o número da juı́za
imediatamente. Depois de algumas tentativas em vão, saiu cantando pneus, sabia
o que deveria fazer.
Assim que
Fernando ficou sabendo do que estava acontecendo com a filha, não titubeou,
usou todo o seu poder para que a imprensa não se apossasse desse pequeno
escândalo, em seguida marcou uma audiência pessoalmente com alguns membros do
superior tribunal e do conselho da OAB, estava disposto a fazer qualquer coisa
para proteger a filha do que estava por vir.
Teve que se
empenhar muito para ter acesso ao processo e ficou perplexo quando viu a
assinatura da filha de Belluti. Jamais imaginara que aquela garota seria capaz
de fazer algo assim, ainda mais porque tinha quase certeza que ela estava
apaixonada pela filha.
Esperou pela
juı́za fora da sala.
Ela não o viu
ainda. Ela estava sendo ouvida naquele momento. Pelo que ficara sabendo há
duas horas a juı́za estava dando algumas explicações. Esperava com todo
coração que ela negasse tudo.
Maria Fernanda
se sentiu aliviada quando o caso que tivera com a maldita Belluti não tinha
sido mencionado. Sinal de que aquela estúpida não quisera se expor. Desde
que fora intimada para prestar esclarecimentos sobre a prisão da moça, sentia
uma raiva insana. Esperava com todo coração não ter que vê-la nunca mais em
sua vida, pois sabia que não se controlaria, era capaz de apertar aquele
pescoço esguio até ver a vida deixar aquele corpo.
Como fora
idiota!
Como fora tão
ingênua e baixar a guarda?
Quando pensava
que chegara a cogitar a ideia de viver aquele romance com ela, naqueles dias
que antecederam tudo aquilo, chegara a pensar em assumir aquela relação, em
viver aquele amor, enquanto Eva armava tudo para destruı́-la, mas isso não
terminaria ali, iria se livrar daquele problema e quando isso ocorresse iria
acertar as contas com a cigana.
Negara todas
as acusações que estavam sendo feitas, afinal seria a palavra da italiana
contra a sua.
-- Você
poderia explicar qual o motivo da senhorita Belluti e o noivo terem entrado com
essa denúncia contra a vossa dignı́ssima pessoa? Então, ela também tinha
envolvido o noivinho em toda aquela palhaçada.
Respirou fundo
e encarou a bela representante do ministério público que lhe fizera a
indagação.
Desde que Maria
Fernanda entrara na sala, a jovem que conduzia o interrogatório parecera
incomodada com a presença da juı́za, não por ela ser quem era, mas por parecer
tão imponente. Antes de entram em sala, recebera uma ligação do alto escalão
que “pedira” que não fosse tão radical com a meritı́ssima.
-- Não sei
por quais motivos eles poderiam fazer algo assim. – Respondeu mostrando
desinteresse.
Na sala só
estavam presentes as duas mulheres e um escrivão que tomava nota de tudo que
era dito.
-- Bem, por
hoje encerramos, iremos continuar apurando todos os fatos. – A imponente
representante levantou-se. – Vossa excelência continua afastada de suas
funções até que tudo seja totalmente esclarecido.
Maria Fernanda
apenas assentiu e saiu em seguida.
Sabia que a segunda
fase implicaria em interrogar os dois acusadores e deveria estar pronta para o
que viria a seguir. Caminhava para fora da sala quando viu uma figura já
conhecida sentada em uma poltrona confortavelmente.
Assim que
Fernando viu a filha se aproximar, levantou-se com dificuldade e foi ao
encontro dela.
-- O que o
senhor está fazendo aqui? – Indagou friamente.
-- Você é
sempre tão carinhosa ou só quando está sendo investigada por abuso de poder?
A juı́za o
fuzilou com o olhar.
-- Calma!
Calma! – O empresário levantou a mão em sinal de rendição. – Estou aqui para
ajudar-te.
A déspota
ainda pensou em protestar, mas ultimamente se sentia tão cansada de enfrentar
aquilo tudo sozinha que sentiu uma espécie de alıvio se apossar do seu peito.
Fez um gesto afirmativo e seguiu lentamente para dar ao homem a chance de
alcançá-la.
Eva chegou à
fazenda e o primeiro rosto que se deparou foi o da Catrina, em parte ficou
feliz em vê-la, porém incomodou saber que a loira continuava lá. Será que
continuava sendo amante da juı́za?
Ao adentrar a
grande casa, não teve como não relembrar todas as coisas que aconteceram
naquele lugar, sentiu uma pontada no peito.
-- Onde está
a Maria Fernanda?
A empregada
lhe entregou um copo com água e sentou ao seu lado.
-- Ela saiu
muito cedo e disse que não saberia se voltaria hoje. Algum problema?
-- Na verdade
eu preciso muito falar com ela. Tenho urgência. – Falou tentando disfarçar o
incômodo.
-- Vou tentar
ligar para...
As palavras da
loira foram interrompidas por um barulho de um carro que parava em frente a
casa.
A italiana
seguiu para entrada para ver de quem se tratava e sentiu uma forte emoção
tomar conta do seu peito ao ver quem saia com aquele ar arrogante e ainda mais
bonita do automóvel.
Os olhares de
ambas se cruzaram intensamente.
Eva sentiu
vontade de correr para os braços da juı́za, mas algo a fez parar.
Aqueles olhos
azuis não pareciam demonstrar carinho, saudade ou algo do tipo, eles denotavam
uma raiva que nunca virá antes.
Mesmo
assustada diante da mulher ameaçadora que vinha em sua direção, a cigana não
saiu do lugar, levantou a cabeça corajosamente e esperou pelo que viria.
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