A déspota -- Capítulo 17
Maria Fernanda
despertou.
Sentiu a amante
aconchegada em si. Aproveitou por alguns segundos aquela sensação maravilhosa.
Mirou aquele rosto que parecia tão tranquilo em seu sono.
Respirou fundo e
soltou o ar vagarosamente.
O quarto ainda
estava na penumbra, mas o relógio da cabeceira já marcava quase oito da
manhã.
Nem lembrava se
existira um único dia em sua vida que acordara tão tarde. Na verdade, aquela
noite fora uma exceção em todas as que já vivera. Realmente, a entrada daquela
cigana em sua vida mudara tanta coisa, quebrara tantas regras, fizera-lhe fazer
coisas que nunca passara por sua cabeça.
Olhou-a mais uma
vez e em seguida levantou.
Caminhou com
cuidado para não chamar a atenção da italiana.
Agachou-se para
recolher o resto do que fora seu vestido, estava todo em pedaços.
Sentiu um frio na
espinha ao recordar de como aquela peça de roupa ficara naquele estado. Suspirou
e saiu em busca de um banheiro, precisava de um banho, necessitava esfriar a
cabeça e pôr em ordem os pensamentos.
Luı́s Fernando
caminhava lentamente, enquanto discava
pela terceira vez o número do celular da filha. Desejava vê-la, explicar tudo
que tinha ocorrido entre ele e a mãe da garota.
Ouviu batidas na
porta e viu sua “ adorável” esposa adentrar ao ambiente.
Colocou o aparelho
no lugar e tentou ficar mais confortável diante da enorme escrivaninha de
mogno.
-- E então? –
Sorriu. – Que horas vai voltar para Itália?
Esther o fuzilou com o olhar.
A mulher caminhou
até onde ele estava, pousou as duas mãos sobre o tampo brilhante da mesa e o
encarou.
-- Eu não vou
permitir que suje o meu nome só porque encontrou a bastarda da filha daquela
prostituta. – Disse por entre os dentes. – Ontem, eu me mantive neutra, pois
não desejava sair em revistas baratas de fofocas, porém saiba que se você
insistir em trazer aquela vagabunda para dentro da nossa casa, eu me empenharei
para que ela tenha o mesmo fim que teve a mamãezinha dela.
O milionário não
pareceu alterar o semblante.
-- Deixe-a em paz
ou cumprirei a ameaça que te fiz! Deixo-te totalmente fora do meu testamento.
Vai ter que se conformar com muito pouco, com quase nada, na verdade.
-- Você não seria
capaz de me humilhar dessa forma.
O magnata pegou o
porta retrato que estava sobre a mesa.
Passou a mão sobre
a imagem do casal que parecia feliz, aquela fora o dia do seu casamento. Jogou
o objeto contra a parede, fazendo a mulher ter um sobressalto.
-- Aproxime-se da
minha filha e eu te mato!
A esposa do
milionário sabia que não podia declarar guerra tão abertamente ao marido,
ele podia muito bem cumprir a ameaça que lhe fizera, entretanto, ela não abriria
mão do seu plano. Jamais permitiria que
aquela garota entrasse para sua famı́lia.
Luı́s Fernando a
observou se afastar, porém não estava muito convencido que a esposa tinha
entendido o recado. Teria que ficar bem atento, dessa vez protegeria a filha de
qualquer um que desejasse lhe fazer algum mal.
Eva despertou com o
barulho do celular vibrando, mas estava tão sem forças que não se apressou em
atender. Preguiçosamente, virou para o lado e buscou pela amada, então
percebeu que estava sozinha em sua enorme cama. Embrulhou-se no lençol e já
estava saindo da cama quando viu aquela linda figura aparecer enrolada em uma
toalha. Sorriu para ela.Sentiu o coração se encher de alegria, de uma emoção
que beirava ao próprio êxtase.
Queria ter aquela
mulher todos os dias de sua vida, queria vê-la sair do banho, queria fazer-lhe
companhia no banho, amá-la, cuidá-la, tê-la em seus braços, senti-la junto a
si em todos os momentos.
-- Eu preciso do endereço de onde estamos para pedir para
alguém me trazer uma roupa. A italiana levantou, deixando o lençol lhe deixar
o corpo e o pudor.
Maria Fernanda
desviou o olhar do corpo sedutor, concentrando-se apenas naqueles olhos misteriosos.
-- Para que roupa?
– Passou a mão por seu rosto. – Você é tão linda, não precisa de trajes
aqui.
A juı́za sentiu uma
corrente elétrica se apossar do si, como aquilo era possível?
Desvencilhou-se do
toque e caminhou até a janela. Afastou as cortinas e ficou a observar a
correria que se desenvolvia lá embaixo. Pedestres e carros pareciam
apressados, cada qual para seu destino, enquanto outros estavam sentados a
curtir a manhã tranquila e ensolarada.
Sentiu o abraço as
suas costas e se permitiu por alguns minutos ter aquela intimidade.
Fechou os olhos por
alguns segundos e pensou como seria perfeito se aquilo realmente pudesse
ocorrer entre ambas. Afastou-se mais uma vez, deixando a outra surpresa.
-- O que houve? – A
cigana franziu a sobrancelha.
-- A gente não
pode continuar. – Falou com firmeza. – A noite passada foi perfeita, mas isso
não é nossa realidade.
-- Nossa
realidade? – Indagou confusa. – De que você está falando? Porque eu acho que
tudo que aconteceu entre nós foi mais do que real, não estamos sonhando,
estamos acordadas. – Tentou se aproximar, mas foi rechaçada.
Fernanda caminhou
até a cama e pegou o robe, entregando a ela.
-- Por favor,
vista-se! É impossível conversarmos assim.
-- E se eu não
quiser? – Estreitou os olhos, desafiando-a.
Eva respirou fundo
e acabou fazendo o que lhe fora pedido.
-- Nós não
podemos continuar com isso. – Fernanda insistia.
-- Isso, o que,
meritı́ssima? – Perguntou sarcástica.
A déspota sentia
aqueles olhos mirando-a cheios de raiva e percebia que mais uma vez as coisas
acabariam da pior forma. Não sabia o que fazer, apenas desejava ter aquela
garota para si, mesmo que soubesse que aquilo não daria certo. Seria questão
de tempo para a filha do poderoso Belluti se cansar da brincadeira e decidir
seguir um novo rumo, novas experiências... novas paixões.
-- Não será uma
boa ideia começarmos um relacionamento. – Disse por fim.
A italiana sentiu
um aperto tão forte no peito. Chegara a pensar por um momento que poderia ter
uma história com aquela mulher, como desejara que ela dissesse que também a
queria, que também a amava, porém mais uma vez se enganara.
Como sempre fora
mais uma vez usada para saciar a libido da arrogante Fernanda.
-- Ok! – Respirou fundo.
– Eu não vou mais te perturbar com isso... Vou tomar um banho para te levar em
casa.
A juı́za não permitiu que ela passasse,
detendo-a pelo braço.
-- Eu não disse
que não quero você, apenas eu não acho que possamos ter um futuro juntas...
mas eu não quero que me deixe... quero que continuemos, porém... porém que
fique apenas entre nós... entende? – Falou impulsivamente.
A outra não estava
acreditando nas palavras que ouvia, sabia bem o que aquilo significava, sentia
uma indignação crescer dentro de si, mas tentava manter a calma.
-- É impressão
minha ou você está propondo que sejamos amantes? – Indagou, arqueando a
sobrancelha em gesto de descontentamento. – Você vem a minha cama quando
estiver desejosa e depois vai embora sem termos nenhum tipo de compromisso?
Maria Fernanda passou
a mão pelos cabelos.
Nem sabia de onde
tivera coragem para fazer aquela proposta, no entanto, estava claro que não
conseguiria se manter distante.
-- Não é isso,
apenas quero que nossa relação fique apenas entre nós. – Mordeu o lábio
inferior. – Seu pai não vai aceitar.
-- E desde quando
eu me preocupo com a opinião dele? – Segurou-a firme pelos ombros. – Diga-me,
isso é apenas uma desculpa, não é verdade? Você jamais assumiria um
relacionamento comigo diante de todos? Seu orgulho é muito grande para fazer
tal coisa. – Sorriu amarga. – Você só é mulher para me levar para a cama.
A juı́za viu a
outra pegar o telefone e discar para alguém, falando por alguns minutos.
-- Pronto! Daqui a
pouco você terá uma roupa para vestir e um táxi para te levar aonde desejar
ir.
-- Pensei que você
iria me levar...
-- Não! – Seguiu
para o banheiro, detendo-se próximo a amada. – Acho que vou acabar vomitando
se ficar por muito tempo olhando para sua cara.
Maria Fernanda
ainda pensou em ir atrás dela, porém sabia que não seria uma boa ideia. Era
melhor que as coisas ficassem assim, ambas sairiam intactas daquela história.
Eva bateu com o punho fechado na parede do banheiro.
Sentiu a dor dos
ossos sendo machucados, mas continuou até que visse sangue nos dedos. Ligou a
ducha e se permitiu ficar por um longo tempo sob ela.
Não iria chorar. Já o fizera demais ultimamente,
continuaria do ponto que parou. Ela daria uma lição naquela juı́za, disso ela
tinha toda certeza.
Naquele dia, Maria
Fernanda decidiu ir ao encontro dos pais adotivos. Sentia uma enorme
necessidade de está com eles, de sentir aquele sentimento, aquele carinho que
sempre lhe era ofertado sem que nada fosse lhe pedido.
Estava sentada,
conversando com a mãe quando seu pai entrou. Estavam o esperando para irem
jantar. O homem abraçou a filha e lhe deu um beijo na face.
-- Fiquei tão
feliz quando a Maria disse que você estava aqui. – Falou se acomodando na
poltrona. – Fiz de tudo para chegar mais cedo, porém o senhor Andrello teve problemas com a filha novamente e precisou de mim.
A juı́za sentiu a
curiosidade de perguntar do que se tratava, porém preferiu ficar quieta.
-- O que houve com
a menina Eva?
-- Ah, mulher,
aquela garota está cada vez pior. – Suspirou. – Ontem ela sumiu do aniversário
do sogro, pelo que fiquei sabendo, e o pai teve que ir buscá-la. Estava em uma
festa. – Meneou a cabeça. – Quem já se
viu festa durante o dia. Sei que ela estava tão bêbada que precisou ser
carregada.
Maria percebeu a
reação da filha ao ouvir a história.
Desde que estivera
na fazenda, percebera que havia algo a mais entre as duas mulheres e agora ao
presenciar o rosto da linda garota se tingir de vermelho, tinha quase certeza
que estava certa sobre suas suspeitas.
-- O que você acha
disso, Fê? – A mãe indagou.
-- Eu... –
Gaguejou. – Eu...eu não acho nada.
-- Mas vamos para
de falar sobre isso. Quero saber o que a traz a cidade, minha juı́za? – Pedro
interrompeu seus pensamentos.
A conversa
transcorreu calma. A jovem preferiu não contar para eles sobre o aparecimento
do pai, não queria preocupá-los. O ambiente estava tão tranquilo que não
era necessário quebrar aquele clima.
Decidiu aceitar ao
pedido deles e ficou para dormir, era bom reencontrar seu antigo quarto. Deitou
na cama e fechou os olhos.
Lembrou quando fora
morar ali. Ficara encantada com tudo, nunca tivera um lugar para ser chamado de
seu e nunca tivera aqueles cuidados. Viu seu antigo e velhinho ursinho.
Sorriu ao lembrar
as longas noites em que era atormentada por pesadelos e Maria ou Pedro sempre
corria ao seu encontro e em uma dessas vezes lhe trouxeram aquela pelúcia para
que ela não dormisse sozinha.
Abraçou o bichinho.
Viu o celular tocar e viu que era o mesmo número que
ligara durante todo o dia. Atendeu!
-- Alô! – Falou.
-- Pensei que não
iria me atender nunca.
Ela ouviu a voz e
percebeu de quem se tratava. Seu pai!
Luı́s Fernando
Alcântara!
O miserável que
engravidara e abandonara a sua mãe.
-- O que o senhor
deseja?
-- Desejo vê-la,
afinal, você saiu da festa sem falar comigo. A juı́za respirou fundo!
-- Eu não tenho
nada para falar. Deixe-me em paz!
Ela ouviu apenas a
respiração pesada do homem, até pensou que ele iria desligar. Passaram alguns
segundos!
-- Filha, eu
preciso que me dê uma chance!
Ela não queria
contato com aquele homem, porém se sentia curiosa para saber o que ele tinha
para dizer. Não que isso a fosse dissuadir do seu plano de vingança, apenas
desejava alimentar ainda mais seu ódio por todos que fizeram tanto mal a sua
mãe.
-- Eu não lhe
darei chance alguma! – Respondeu irritada. – Mas o verei sim.
-- Jante comigo em
minha casa amanhã? – Convidou-a.
-- Ok! Eu estarei
lá!
Antes que o homem
pudesse falar mais alguma coisa, ouviu o som que mostrava que a chamada havia
sido desconectada. Pelo menos ele conseguira convencer a filha de que deveriam
ter uma conversa.
Eva estava em seu
quarto.
Acordara com uma terrível
dor de cabeça. Pressionou as têmporas para aliviar o desconforto.
A porta abriu
violentamente e lá estava o senhor Belluti, vermelho de raiva.
-- Ah, papai, o
senhor não tem educação não, é?
O homem caminhou e
abriu todas as cortinas, fazendo com que o sol invadisse todo o ambiente. A
cigana sentiu a luz do dia lhe ferir os olhos.
-- Educação? –
Berrou o homem. – Como ousa falar em educação quando saiu da festa
abruptamente arrastando a juı́za contigo. – Encarou-a. – Já disse que a filha
de Pedro foi apenas coagida a te prender, não tem motivos para ficar
perseguindo-a.
Eva sentiu tanta
raiva ao ouvir a menção a Maria Fernanda. Passara o dia todo se entregando a
bebida para não ter que se lembrar de tudo que tinha acontecido entre elas,
mas agora, mais uma vez era obrigada a ouvir da boca do próprio pai que tudo
não tinha passado de um maldito negócio.
-- O senhor não
tem ideia do mal que me fez com toda essa armação. – levantou. – Não tem
ideia da extensão do problema que criou para a minha vida. – Apontou o dedo
para ele. – A sua querida juı́za foi bem mais fundo de que o senhor possa
imaginar.
-- De que você
está falando?
A cigana sentiu uma
enorme vontade de falar tudo o que tinha acontecido para ele, mas não teve
coragem, não que temesse a reação, entretanto, não estava disposta a ouvir sermões.
-- Não é nada!
Andrello estendeu a
mão para tocá-la. Arrumou-lhe os cabelos e a encarou.
Ela era tão
idêntica a sua falecida esposa. Não só linda, mas tinha a mesma rebeldia,
impetuosidade... Ainda lhe doı́a quando recordava da mulher que perdera tão
prematuramente.
-- Filha, eu só
desejo o seu bem.
A italiana precisou
morder o lábio inferior para não cair em prantos.
Sentiu o abraço do
empresário e sentiu segura. Recordou de quando ainda era uma menina e se
machucava e ele vinha e lhe tomava no colo e dizia que tudo iria ficar bem.
-- Não se
preocupe, papai, hoje à noite irei a casa do senhor Luı́s Fernando e pedirei
desculpas pelo ocorrido.
-- E o Lutho?
-- Também me
desculparei com ele.
-- Ainda vão
casar?
A cigana apenas deu
de ombros dando a conversa por encerrada.
Lutho estava no
quarto.
Não tinha voltado
para Itália, mesmo sua mãe pedindo para acompanhá-lo. Chegou à mansão e
nem viu o pai.
Tomou banho e se
arrumou.
Estava pronto para
receber a noiva que ligara mais cedo dizendo que precisava vê-lo.
Alguns minutos se
passaram até que a empregada veio avisar que sua visita já o estava
esperando. Saiu ao encontro da italiana.
Maria Fernanda
estacionou o carro.
Vestiu-se
formalmente para aquele jantar, terninho e calça preta, optara por deixar os
cabelos soltos. Estava decidida a acabar de vez com aquela situação.
Tocou a campanhia.
Uma senhora abriu a
porta e educadamente mandou-a entrar.
Seus olhos azuis
escureceram, estreitaram-se como se fosse uma felina à ponto de atacar sua
presa, mas não era uma presa, era apenas a Eva sendo beijada calorosamente
pelo namorado.
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