A déspota -- Capítulo 13


Eva observava o jatinho tomar altitude e sentia que seu coração ficava cada vez mais apertado. Apertou os olhos fortemente. Que bom que o seu pai estava na cabine do piloto. Estava cansada de ouvir as desculpas que ele vinha usando, pior, doı́a quando ele tentava dissuadi-la de sua ideia de denunciar a juíza.

Sorriu amargamente!

Não negava que em seus momentos de raiva cogitou essa possibilidade, afinal, o que tinham feito com ela era terrível e não deveria se repetir com ninguém, entretanto sabia as complicações que algo assim poderia causar, até para o empresário que pleiteava um cargo na polı́tica suja, sem falar que teria que reencontrar a juı́za, algo que realmente ela não desejava.

A única coisa que aspirava era poder se livrar de todas aquelas lembranças. Enterraria tudo que vivera naquele lugar, a noite passada fora o capı́tulo final daquela história. Lembrou-se das carı́cias, dos beijos... Era assustador a forma como seu corpo reagira aos toques de Maria Fernanda Lacerda, nunca na vida experimentara um desejo tão intenso, avassalador e destruidor.

Sim!

Fora totalmente destruı́da por aquele sentimento e também reconstruı́da. Contraditório, porém a mesma dor que lhe oprimia o peito, era a mesma que a fizera amadurecer o suficiente para não criar expectativas quanto à déspota. Não estava indo embora porque quisesse voltar a sua realidade, tinha decidido partir por não acreditar que as coisas pudessem ser diferentes entra elas.

Enquanto se entregavam em meio ao feno, descobrira que amava demais aquela mulher para aceitar o pouco que lhe era oferecido, o sexo não sustentaria por muito tempo uma relação sem respeito, sem amor, a paixão não seria suficiente e isso sim seria catastrófico para ambas.

Olhou o céu e lembrou-se daqueles lindos olhos que em poucos momentos perdera o tom sombrio, a frieza costumeira e o sarcasmo cortante. Apenas quando a tivera em seus braços, encontrara algo mais naquele azul fascinante.

Uma lágrima solitária parecia desesperada para sair.

 

 

 

 

Maria Fernanda dormira até tarde, efeito dos medicamentos que vinha tomando para a ferida.

Ao acordar fora informada por Pedro que o empresário Belluti tinha aproveitado o tempo ameno e seguido com a filha a capital. Ao ouvir aquelas palavras, a juı́za se trocara imediatamente sob os olhares estupefatos dos pais, correu ao estábulo, montou Hades em pêlo e saiu cavalgando desesperadamente até a pista de decolagem.

Seus cabelos eram assanhados pelo vento, seu coração pulsava com a mesma intensidade que seu amigo voava por aqueles terrenos acidentados. Ao longe pode ver o pássaro gigante tomar distância, levantando vôo e deixando tudo para trás.

Forçou ainda mais o cavalo, porém era algo inútil. O avião já alcançava a altura necessária para seguir o seu destino.

Parou em meio aquele espaço vazio, olhando perdidamente para o imenso céu, sentindo como se algo que lhe pertencia tivesse lhe sido tirado, arrancado de suas mãos cruelmente. Desmontou!

Caminhou até uma enorme pedra e sentou, apoiando a cabeça nas mãos.

Hades levantou as patas dianteiras e relinchou, parecia compartilhar a dor que via no semblante de sua dona.

Maria Fernanda não chorava. Nem lembrava qual fora a última vez que sentira os olhos sendo lavados, nem mesmo quando encontrara a mãe desacordada, precedendo sua terrível morte. Às vezes chegava a pensar que suas lágrimas tinham esgotados na época que vivera no orfanato. Porém, naquele momento sentia uma dor tão grande, era como se alguém estivesse apertando cruelmente seu coração.

Fechou os olhos e lembranças da noite passada invadiram sua mente.

Amaram-se até a madrugada, se entregara por completo a cigana, deixara que ela saciasse a paixão que as dominavam, porém quando tentara conversar fora impedida pela italiana, nada fora dito, a não ser as palavras que denotavam o delı́rio dos corpos em busca do clı́max.

Acabara dormindo e quando despertara estava sozinha. Imediatamente seguira em busca de Eva, batera inú meras vezes no quarto dela, porém não recebera respostas, então decidira que no dia seguinte falaria com a garota.

Lógico que não teria dia seguinte. A jovem não perdera tempo, correra para sua vida, para sua realidade, suas futilidades. Como fora burra em pensar que aquela garota mimada poderia sentir alguma coisa por si.

Mas o que ela esperava? Tudo fora apenas tesão, a garotinha rebelde ficara fascinada por um mundo desconhecido e decidira aproveitar para saciar a curiosidade, agora estava retornando para seu mundinho perfeito.

-- Que se dane!

Bateu com o punho fechado na palma da mão.

 

 

 

Assim que chegara a capital, Eva nem mesmo esquentara o lugar. Reservou passagem para a Espanha. Mesmo sob os protestos do pai, decidiu que queria sair dali, desejava ficar com os avós. Precisava de tempo para conseguir digerir tudo que aconteceu consigo. Passara cinco meses na fazenda, cinco meses sendo objeto de um plano que só visava ao poder, mas agora iria deixar tudo aquilo para trás, enterraria para sempre tudo que lhe passou.

Maria Fernanda retornava a rotina de juı́za. As investigações foram feitas e fora encontrado o autor do disparo que a atingiu. O engraçado de tudo aquilo era que o sujeito não era ninguém da região, ou seja, estava claro que alguém o contratou para executar aquele serviço. O problema era fazer o infeliz falar quem era o mandante do atentado.

O homem fora “persuadido” de todas as formas possíveis, mas mesmo assim não falara nada.

A déspota, contrariando mais uma vez o próprio protocolo, pediu para falar com o acusado.

O delegado ainda protestou, porém era difı́cil não acabar obedecendo todas as ordens daquela mulher. Então, lá estava a poderosa déspota pelo lado de fora daquela fétida cela.

-- Então, você é o covarde que atirou em mim!

O homem se levantou da pequena cama e seguiu para mais perto.

-- Como você ficou bonita, Fernandinha.

A juı́za semicerrou os olhos e encarou aquele indivı́duo.

 Desgraçado!

Aquele era o miserável que fornecia as drogas para sua mãe, que uma vez tentou lhe violentar.

-- Desgraçado! – Segurou as barras. – Por que você tentou me matar?

-- Na verdade, não quis te matar, foi apenas um aviso, mocinha! – Falou sorrindo. – Você não saiu à vagabunda da sua mamãezinha. – Inspecionou-a de baixo para cima. – Bem, levando em conta que não há certeza de quem é seu pai, mas provavelmente tem os traços aristocráticos deles.

-- Eu sei muito bem quem é o miserável que depositou o esperma. – Falou por entre os dentes. – Mas isso não me interessa. Quero saber por que atirou em mim?

O homem gargalhou alto.

-- Sabe nada, o seu avozinho era o amante preferido de sua mãe, o fraco do Fernando era apenas uma espécie de marionete e camuflagem para o todo poderoso empresário italiano.

Maria Fernanda ficou quieta, conhecia bem toda aquela famı́lia, mas nunca passara por sua cabeça uma história tão podre. Até onde sabia seu pai era Fernando de Albuquerque Alcântara. Esse fora o miserável que usara a pobre Emanuely e a entregara ao próprio vı́cio.

-- O seu avô mandou lembranças! – Piscou e voltou para a cama.

-- Você sabe que vou te fazer mofar nessa cela e pior, posso te causar alguns danos.

-- Eu tenho orgulho de você! Não saiu a fraca da Manu. – Bocejou. – Ah, estava esquecendo. – Ficou de lado, mirando-a. – Seu avô não gostou nada de você ter seduzido a filha do Belluti, ela já tem dono. O problema é saber se o dono dela é seu tio ou seu irmão.

Eva?

De que aquele idiota estava falando? Como ele sabia do que tinha acontecido entre elas? Isso significa que estava sendo seguida de perto e verdadeiramente a cigana poderia ter saı́do ferido de toda aquela história.

Sabia muito bem que precisava tomar uma atitude quanto a tudo aquilo. Fora alvejada e agora tinha certeza de quem estava por trás de tudo aquilo.

 

 

Há dois meses, Eva estava na companhia dos avós. Sentia-se feliz e parecia ter se livrado de alguns fantasmas. Pelo menos, não pensava mais em uma certa juı́za. Preferira guardar aquelas lembranças nos recantos mais profundos de sua alma. Tanta coisa deixara para trás, até mesmo o noivo, não tinha nenhum desejo de vê-lo nunca mais.

Estava na piscina quando o celular começou a tocar.

-- Então, a minha cigana preferida não lembra mais de mim?

-- Arthur! maledetto ragazzo! Você me abandonou...

Entre brincadeiras e tristezas, Beatrice contara sua odisseia e marcaram para se encontrar com o rapaz muito em breve.

 

 

Lutho estava na espanha, fora em busca da noiva. Ficara sabendo que ela estava com os avós. Depois de procurá-la durante tanto tempo, a descobre confortavelmente de férias com os pais de sua mãe. Ligara algumas vezes, porém em nenhuma delas fora atendido, a atrevida mandava algum empregado lhe dispensar sem ao menos tentarem uma conversa, porém  naquele dia seria diferente, gostava demais daquela bambina para desistir tão facilmente assim.

Quando chegou a mansão, fora mandado para a ala da piscina e lá estava sua noiva.

Como alguém resistiria a tanta beleza?

O rapaz respirou fundo e seguiu para a jovem que se encontrava deitada em uma espreguiçadeira, de olhos fechados.

-- Amore mio! – O jovem se ajoelhou e pegou a mão da amada.

A Belluti teve um sobressalto ao ver o homem.

Assustada, levantou-se.

-- O que você está fazendo aqui? – Indagou se afastando.

-- Oh, Eva, como você foi embora sem ao menos falar comigo? – Abraçou-a. – Estou com tanta raiva, porém te amo demais para me manter longe.

A italiana desvencilhou-se dos braços do noivo.

Sentia-se constrangida diante dos arroubos apaixonados do empresário. Há alguns meses aquilo era tão perfeito, afinal, quem não desejava ter Lutho Alcantara como futuro marido. Ele era um homem muito bonito, alto, forte e tinha aquela pele bronzeada dos latinos e os olhos...

A cigana o encarou e por um segundo teve a impressão de está vendo outra pessoa ali. Maria Fernanda?

Agoniada, balançou a cabeça buscando espantar aquele pensamento perturbador.

-- Você está bem? – Ele mostrou preocupação.

-- Sim! – Pigarreou. – Só estou surpresa por te ver aqui.

-- Por que viajou sem ao menos falar comigo? Seu pai disse que você nem mesmo me deixará um recado. – Tocou-lhe o rosto carinhosamente. – Por que você fez isso? Eu não merecia, amore mio.

Beatrice passou a mão nos cabelos.

Decidira acabar aquele relacionamento, nem mesmo procurara o rapaz e jamais imaginou que ele viria atrás de si. Porém, agora, vendo-o ali, exibindo aquele semblante triste, sua vontade era contar tudo o que havia acontecido.

-- Eu sinto muito, mas não posso fazer nada, me desculpe.

Lutho observou sua amada deixar apressadamente o recinto. Pensou em ir atrás dela, porém não desejava assustá-la ainda mais. Tentaria fazer tudo sutilmente, mas não desistiria daquela mulher, não mesmo.

 

 

Maria Fernanda não teve sossego depois de descobrir quem estava por trás do atentado que sofrera, fora procurada por um representante de Luis Fernando Alcantara, Fica surpresa ao em encontrar aquele homem que se dizia secretário particular do homem que ela mais odiava em todo o universo.

O homem que se apresentara como Frederico devia está beirando aos seus quarenta anos. Era gordo e baixo, há tempos sua cabeça não deveria saber o que era ter cabelos.

Assim que ele disse para quem trabalhava, o expulsara de sua sala, porém quando o miserável lhe entregou um envelope, cujo conteúdo continha fotos dela junto com a Eva no estábulo.

            Pálida, sentou, enquanto o outro a encarava com um ar de superioridade.

-- Nós temos um vı́deo. – Sorriu. – O senhor Luı́s Fernando deseja sua presença na festa de aniversário. – Fechou a pasta.

-- Mande ele ir ao inferno! – Bateu com o punho fechado na mesa.

-- Bem, considere isso como um convite... ou você deseja que isso caia na mı́dia? – O homem caminhou até a porta, mas antes de sair virou-se. – Não demore para decidir, não temos muito tempo.

A juı́za levantou.

Como podia ter sido tão idiota?

Há tempos planejara bem cada passo que daria, maquinara tudo para poder vingar a morte da mãe, porém bastou aquela maldita cigana surgir no seu caminho e tudo desandou.

Uma maldição fora lançada em sua vida e agora não tinha escolha a não ser se submeter à vontade daquele velho desgraçado.

Não estava disposta a perder tudo o que conquistou e o que ainda estava por vir. Mas dessa vez, tomaria cuidado para não cruzar o caminho de Eva mais uma vez, que ela se mantivesse bem longe de si. Tinha um plano para realizar e não se daria por vencida nunca.

Sim! Iria fazer o que lhe estava sendo ordenado... seria a caça...mas em breve voltaria ser a caçadora.

 

 

 

Eva decidiu voltar ao paı́s.

Lutho não desistira da garota, mesmo ambos estando separados, continuaram a se comunicar pelo celular, o rapaz fora tão insistente que acabara convencendo a cigana a ir à festa de aniversário do seu pai, o poderoso Luis Fernando Alcântara.

A italiana não gostava muito do sogro, o achava muito prepotente e arrogante. Ele não era italiano nato, na verdade era uma mistura de brasileiro e latino, porém construı́ra toda sua riqueza no paı́s tropical e era lá que fazia residência há muito tempo, ele era casado com uma italiana, Esther, que fazia questão de morar em Roma, e fora lá que criara os filhos, seu noivo e o mais velho, Fernando que na verdade era fruto do primeiro casamento do empresário.

Ouviu a chamada para o seu vôo, levantou-se e seguiu para o portão de embarque.

Precisava retomar sua vida normal. Já tinha mais que passado o prazo para se recuperar de tudo que tinha vivido.


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