A dama selvagem - Capítulo 7


A noite caia majestosa, os animais havia cessado suas vozes... O frio enregelava os corpos quentes.

O abobado celeste exibia um manto estelar que se refletia nas águas do rio. Os peixes não pulavam mais, tampouco os sapos coaxavam.

A Villa Real ouvia mais que ninguém o silêncio, mais que ninguém o seu sentido estava aguçado.

-- Diana... – Pronunciou baixo, relutante, temerosa. – Diana...

Aimê chamava pela morena e não recebia nenhuma resposta.

Deixando o remo de lado foi até ela. Tateando, tocou-lhe a face.

Estava fria, gelo.

-- Diana... por favor, não faz isso comigo...

Sacudiu-a e mais uma vez o silêncio imperava.

Abraçou o corpo inerte, sentiu a respiração fraca... Sentia o cheiro dela em seus braços...Também o aroma de sangue do machucado.

Uma lágrima de medo molhou sua face.

-- O que eu farei agora, princesa... Como uma cega inútil vai poder te ajudar? – Acariciou as madeixas negras. – Por favor, meu Deus, me ajude, não permita que ela morra...

Gritou de frustração e rapidamente buscou os remos, voltando a remar.

Sim, era a ú nica coisa que poderia fazer... Seguiria reto... Sim, seguiria reto... Precisava fazer isso... Precisava salvá-la.

Enquanto sentia a pequena embarcação se movimentar, suas lágrimas jorravam copiosamente.

Os peixes voltaram a se manifestar, pareciam interessados nas tripulantes...

Ouviu o pio da coruja... Os grilos... De repente todos falavam ao mesmo tempo... Todos pareciam pronto para usarem suas onomatopeias.

Aimê mordiscou o lábio inferior demoradamente...

Seu corpo foi sacudido por soluços...

Temia que fosse tarde de mais para a Calligari, temia não conseguir chegar ao destino. Destino que ela nem sabia qual era.

Mais uma vez desejou gritar em frustração.

Se não tivesse se negado a ajudá-la, talvez estivessem nessa bendita aldeia naquele momento.

Soluçou alto mais uma vez...

Fechou os olhos em preces... E continuou incansavelmente.

Não era um exercı́cio fácil, ainda mais para ela que não tinha prática... A correnteza, pelo menos, parecia estar ao seu favor. Vez e outra batia o cotovelo na borda da canoa.

Seus braços já reclamavam, sentia-os dormentes... Formigavam... Formigavam...

Estava frio... Muito frio...

O vento despenteava seus cabelos. Açoitava-lhe a face.

Não conseguiu conter o choro mais uma vez...

-- Diana... Diana... – Chamou-a novamente, deixando os remos de lado e seguindo até ela.

A major estava em uma desconfortável posição, sentada, tendo as costas comprimidas contra a madeira e a cabeça pendida para trás.

Esta pálida... A morte parecia por perto... Talvez ansiasse por ser pintada pela talentosa artista ou por tocar seus lábios esbranquecidos.

Aimê a abraçou, estreitou-a contra seu peito, era como se desejasse saber se a vida ainda pulsava ali, era como se desejasse fazer algo que sempre desejou... Tomá-la para si e senti-la, senti-la mesmo quando viviam a digladiar...

Chamou-a inúmeras vezes, murmurava seu nome como se fosse um mantra e já estava em pranto incontido mais uma vez quando ouviu vozes e percebeu quando a canoa fora puxada.

 

 

Ubiratã e Piatã seguiam com tochas, enquanto observavam a pequena embarcação ser puxada.

Os rostos curiosos dos moradores estavam atentos...

Aimê assustou-se, pensava que eram bandidos. Quando um dos ı́ndios se aproximou, ela o empurrou e lutava para defender a Calligari quando várias mãos a detiveram.

Eles falavam, ela não conseguia entender nada.

-- Levem-na para a oca! – O pajé ordenava em seu dialeto, estava com o semblante preocupado.

A Villa Real tentava deduzir o que diziam, mas achou impossível.

Mãos a tocaram novamente, tentando tirá-la da embarcação, mas ela enfrentou-os.

-- Solte-me, deixem-na... – Esbravejava.

Piatã observava tudo e quando percebeu que aquela jovem de aparência tão frágil lutaria para proteger a Calligari, ele se aproximou, tocando-lhe o ombro.

-- Calma, criança, não vamos machucá-la, estão seguras agora. – Falou em um Português enrolado.

Os olhos azuis pareceram mais amenos, porém ainda não parecia totalmente convencida.

-- Onde estou? Quem são vocês?

-- Chegaram ao seu destino. – Tomou-lhe as mãos. – Venha comigo... Cuidaremos da princesa e de você.

A Villa Real mordiscou o lábio inferior, enquanto sentia um alıvio em sua alma.

Ela se deixou conduzir.

-- A Diana levou um tiro... Ela está muito mal. – Dizia em desespero. – Precisamos de um médico. Preciso ficar com ela. Precisam salvá-la, por favor... – Dizia apressadamente.

Piatã lhe segurou a mão.

-- Vamos cuidar dela, faremos tudo que for possível. – Fez um gesto para uma das ı́ndias. – Leve-a, dê-lhe de comer, água para um banho, trate-a bem, ela precisa descasar... Faça um chá. – Terminou em dialeto local. – Vá com ela. – Colocou a mão da filha de Otávio unida com a da senhora. – Ela cuidará de você.

-- Não, eu preciso ficar com a Diana... – Repetia em protesto. – Não posso deixá-la sozinha... Quero ficar com ela, por favor...

Piatã a observava curioso, parecia surpreso com a emoção tão pura que via naquele olhar tão doce.

 Havia fogueiras por toda aldeia, mas as pessoas pareciam caladas, assustadas...Alguns olhavam com curiosidade para Aimê, outros para oca onde fora levada a princesa.

-- Não, meu bem, você precisa descansar... Cuidaremos da major... – Fez um gesto para que a ı́ndia a levasse.

Ainda ouviu os protestos da garota, mas ignorou, caminhando até o lugar onde tinha levado a morena.

O lugar era maior e era ali que levavam as pessoas que ficavam doentes.

O espaço era grande e circular, feita de taquara e troncos de árvores e a cobertura de palhas. Havia duas aberturas.

Havia improvisado uma espécie de ‘cama’, já  que se fosse para deitar na rede, poderia ser pior para o estado da enferma.

Tochas iluminavam o pequeno local.

Ubiratã observava a Calligari.

-- Ela perdeu muito fluı́do vital! – Piatã dizia, enquanto colocava um pano sobre a cabeça dela. – Ela precisa de cuidado dos brancos...-- Observava-a e temia que ela não aguentasse por muito tempo.

-- Ela não resistiria a uma viagem de barco até a vila. – Cortou a blusa, observando onde o projétil penetrou. – Precisamos estabilizá-la, depois veremos o que fazer. – Tocou-lhe a face. – Traga os materiais, vou precisar retirar essa bala.

Piatã assentiu, sabia que não poderia questionar ordens superiores.

O chefe observou a jovem Calligari.

Tocou-lhe os cabelos negros.

-- A princesa mostrou muita coragem e isso me deixou orgulhoso. Apenas precisa ser menos cruel com quem não tem culpa do que lhe aconteceu... – Segurou-lhe a mão. – Precisará ser corajosa agora e buscar forças para resistir.

Piatã voltou rapidamente com tudo o que precisariam.

Muitas pessoas se aglomeravam ali, todos pareciam curiosos e assustados com o que aconteceu com a princesa.

-- Queime a ponta da faca! – O pajé ordenou. – Venham aqui! – Chamou alguns ı́ndios. – Segurem-na, pois mesmo debilitada ela vai se debater quando tiver removendo a cápsula do mal.

Piatã lhe entregou o objeto e logo pegou a tocha para iluminar o machucado.

Havia muito sangue...

O pajé começou o trabalho, primeiro limpando, colocando folhas de uma espécie de planta sobre a ferida, depois retirava e repetia o ato inúmeras vezes...

Ubiratã fitou a face de Diana, os lábios entreabertos deixavam os dentes alvos à mostra.

Havia algumas gotı́culas de suor em sua face.

O chefe fechou os olhos, parecia orar enquanto dizia palavras estranhas.

As coisas não eram tão fáceis, pois o projétil penetrara fundo na pele.

Pegou a faca e começou o trabalho.

A morena se contorceu, precisando que mais pessoas a segurassem.

De seus lábios debilitados ela chamava por Aimê, em outro momento chamava por Alexander... Em sua inconsciência ainda guerreava com Otávio.

Tentou se livrar dos braços que a detinham, tentava com todas as forças fazê-lo.

-- Segurem-na! – O pajé ordenou.

Aos poucos conseguiam estabilizá-la, mesmo que as palavras continuassem sendo cuspidas.

Ubiratã olhou para Piatã, não pareciam surpresos, mas preocupados.

A ferida estava banhada em sangue, a jovem perdera muito.

-- Segurem-na! – Ordenou mais uma vez, pois a major não facilitava as coisas. – Piatã, assim que eu conseguir tirar, pressione o ferimento com as folhas de pimenta de macaco.

O velho ı́ndio fez um gesto afirmativo enquanto fitava a face pálida da sua menina.

Quando Alexander trouxera a garota para aquelas terras selvagens, fora ele o responsável por cuidar da garota, ele quem a treinara, quem a consolara durante longos dias de saudades. Fora ele quem tentara tirar do seu coração toda aquela dor que sempre estivera presente.

Sabia bem por tudo que ela tinha passado e sempre achara que as tribos foram injustas em expulsá-la, porém não pôde protegê-la.

 

 

 

 

 

Quase uma hora depois a bala fora retirada.

-- Tudo deve ser limpo para que não cause uma infecção. – Avisou. – Todo cuidado é pouco. – Fitava o objeto que retirara de dentro dela. – Por isso não gosto dos brancos e de suas invenções! – Apertou forte o artefato. – Tragam mais folhas, esse lı́quido vai ajudar a conter a hemorragia... – Pegou a agulha e deu alguns pontos.

-- Acha que ela vai resistir? – Piatã indagou preocupado. – Se essa bala atingiu outras partes?

-- Não sei, teremos que esperar... Ela tem alma de guerreira... Diana é uma grande guerreira, mas é mortal como todos nós... – Observou a face corada pela febre implacável. – Não sabemos os planos que o grande espı́rito tem para ela, mas o que tiver que ser, só nos restará aceitar. Acho que ela tivera sorte, pois se o objeto tivesse ido mais fundo, agora ela já estaria morta.

 

 

 

 

Durante toda a noite o pajé permaneceu velando o sono da Calligari.

A aldeia estava quieta, pois todos temiam que o pior acontecesse a princesa, mesmo depois de tudo que se passara, eles ainda tinham um enorme carinho por aquela jovem que sempre fora tão rebelde.

Ela delirava durante todo o tempo.

Em sua mente inconsciente, revivia os momentos difı́ceis que passou. Em sua mente inconsciente ela ainda estava sob o domı́nio de Otávio.

Aquele homem fora um verdadeiro demônio na vida da Calligari.

A febre alta não deu trégua, nem mesmo as compressas com água quente estava funcionando.

De meia e meia hora ele colocava um pouco de chá de erva em seus lábios. Limpava a ferida, deixando-a a coberta para que insetos não pousassem.

O dia amanhecia quando ouviu sons fora da oca.

Aproximou-se e viu Aimê tentando se livrar de um ı́ndio que tentava detê-la pelo braço.

A cena era interessante, pois a Villa Real não parecia temer nada e em determinado momento, o robusto ı́ndio a segurou pela cintura, praticamente tirando-a do chão.

-- Eu quero vê-la... Por Deus, preciso que alguém entenda o que falo, por favor... – Pedia entre lágrimas. – Eu preciso ver a Diana...

Ubiratã observava de forma curiosa a herdeira de Ricardo.

Como podia ser filha de Otávio Villa Real?

-- Soltem-na! – Ordenou. – Não devem tratar a mulher da princesa com grosseria. – Repreendeu-os, caminhando até a jovem. – O que há, minha criança? – Tomou-lhe as mãos.

Aimê pareceu surpresa ao ouvir seu idioma, porém sabia que não era o mesmo homem da noite passada.

-- Eu quero saber como está a Diana, mas essas pessoas não entendem o que falo. Preciso ficar com ela... Ela está viva? Por favor, temos que leva-la a um hospital... – Falava rapidamente.

O chefe esboçou um sorriso.

A filha de Otávio tinha uma beleza doce, ingênua, encantadora.

Fitando os olhos que não tinha luzes, era possível sentir a áurea nobre que a envolvia.

Como podiam ser tão diferentes e estarem tão unidas?

-- Venha comigo, te levarei até onde está a princesa. – Segurou-lhe a mão.—Infelizmente ela não poderá deixar a aldeia, mas está lutando, se apega ao fio de vida que lhe resta com unhas e dentes.

Aimê assentiu enquanto caminhava lentamente ao lado daquele homem.

Não conseguira dormir durante toda noite, pois seus pensamentos estavam na morena. Ninguém lhe dizia nada e o medo que algo de ruim tivesse acontecido lhe acometia.

Ubiratã ajudou-a a sentar em um tronco que ficava ao lado da “cama”.

-- Pronto! – Pegou a mão da jovem e pousou sobre a da Calligari. – Ela não está bem ainda, porém é forte e está lutando para se recuperar.

Aimê reconheceu o tato macio dela e apertou-a, sentindo a vida ainda presente ali.

Diana.

Seu coração pareceu bater mais acelerado naquele momento, pois chegara a pensar que nunca mais estaria com a

-- Está quente! – Falou preocupada.

-- A febre está  muito alta, mas estamos fazendo o impossível para baixá-la. Tiramos a bala, porém há  uma infecção...

-- Não seria melhor que ela fosse levada a um hospital? – Indagou preocupada. – Devem ter mais recursos...

-- Ela morreria antes de chegar. Daqui até a vila levaria um bom tempo e não teria como ser levada por mata fechada e dormir ao relento pioraria o estado.

-- E então? – Sua cabeça virou na direção do pajé.

-- A bala foi retirada, mas ela perdeu muito sangue, por isso precisará de forças para se recuperar.

 

Ubiratã pegou o chá, levando à boca dela, molhando-os.

Diana estava demasiadamente pálida e seus lábios feridos devido à alta temperatura do corpo

-- Preciso fazer algumas coisas, preparar mais chás e buscar mais folhas, deseja ficar aqui com sua mulher?

Aimê sentiu o rosto corar diante das palavras, pois se sentia constrangida quando se referiam a ela daquela forma, era como se algo estremecesse dentro de si.

Engoliu em seco enquanto fazia um gesto afirmativo com a cabeça.

Quando notou que estavam sozinhas soltou a respiração lentamente.

Ouviu o gemido da morena.

-- Ah, major, você vai ficar boa, eu sei que uma balinha não é páreo para ti... – Tateou a face. – Precisa superar essa infecção. – Desceu os dedos até os lábios entreabertos. Tateava o rosto como fizera no outro dia. – Esqueci de dizer que você é muito bonita...

Não negava que dentro do seu peito havia um misto de raiva e outro sentimento que preferia nem cogitar a possibilidade de sua existência... Porém quando ficara sabendo que ela fora alvejada ficara totalmente desesperada e não apenas por temer ficar perdida dentro daquela mata, mas por algo mais...

Desenhava o formato da boca, a maciez que não combinava com a total crueldade que sempre era proferida na maioria das palavras ditas por ela.

Alguns segundos depois, levou aos próprios lábios os dedos que a tinham tocado.

Baixou a cabeça e daquela vez depositou um beijo demorado na face dela, em seguida desceu até a boca que perdera o rosado e não parecia ter vida, mesmo assim ainda era suave ao toque.

-- Apesar de tudo, sou muito grata por ter me salvado... Por ter se arriscado... – Esboçou um sorriso. – Quem se aventuraria em meio a uma floresta como essa com uma cega? – Mordiscou o lábio inferior. – Perdoe-me se a coloquei nessa situação... Perdoe-me, Diana... Jamais desejei que algo de ruim te acontecesse... – Uma lágrima insistiu em rolar por seus lindos olhos.

Havia silêncio, mal se ouvia a voz daquelas pessoas, apenas as aves cantavam, mas a melodia parecia triste...

 

A Villa Real passara o dia ao lado da “esposa” . Piatã a ensinou a cuidar do machucado, trazia sempre água para que fizessem compressas para que a febre cedesse e as folhas para colocar sobre a ferida.

Aimê sempre fazia com cuidado e sempre cantava ou contava algo enquanto executava o delicado serviço.

Não deixara a oca mais, ocuparia a rede, porém sempre ficava assustada diante da ideia da Calligari precisar de algo e ela não ouvir, por esse motivo, resolveu deitar ao lado da morena na cama improvisada.

Diana parecia cada vez mais agoniada, sempre murmurava palavras incompreensíveis e em alguns momentos se debatia, então a Villa Real a abraçava e a major se acalmava.

O tempo passava e Diana ainda não reagia.

Em uma ocasião ela abrira os olhos, mas foi algo muito rápido. Outras vezes apertava a mão de Aimê, como se assim quisesse mostrar que ainda estava lutando, em outros momentos se debatia... ainda tinha muita febre. Delirava a maioria das vezes...

A Villa Real não conseguia entender direito o que ela dizia, mas sempre a pintora ficava agitada, deitava ao lado dela e a abraçava, sussurrando doces palavras ao seu ouvido.

No sexto dia depois do atentado, a bela Calligari conseguiu superar a infecção.

A neta de Ricardo estava ao lado dela, segurando-lhe a mão como era de costume.

-- Há muitas crianças aqui e estão sempre correndo e brincando... Gostaria de entender o que falam... Não me aproximo, pois tenho medo que fiquem doentes, sei que elas não tem nossas defesas... Eu fico imaginando se você era uma indiazinha assim também... – Sorriu. – Eu não consigo pensar em ti como uma criança... É como se sempre fosse uma mulher forte... Ando comendo umas coisas estranhas... mas não é ruim, afinal, ainda meu estômago revira quando lembro da rã que me fez comer...

Aimê sempre narrava os fatos da sua estadia para a morena, mesmo que ela continuasse desacordada.

-- Piatã é muito agradável, sempre gentil e gosta de me falar sobre o costume do seu povo...

A Calligari ouvia aquele som que sempre a confortava, como se fizesse parte dos seus sonhos, mas nunca conseguia saber de quem se tratava.

Um anjo?

Esforçou-se mais uma vez para despertar e daquela vez obteve sucesso.

Sua visão estava embaraçada.

Sentia dores... Sua mente estava confuso... Por um momento imaginou que estava em sua casa.

Fechou os olhos novamente e ao abri-los conseguia enxergar melhor e foi quando viu aquele céu azul a fitá-la.

Aimê...

Abriu a boca para falar, mas sua voz não saia.

Ela conversava consigo, falava coisas como se ela estivesse acordada. Então não fora um sonho, havia alguém ali.

Sentiu a mão dela sobre a sua.

Então tinham conseguido chegar à aldeia.

Observou o teto coberto de palhas, pelas aberturas viu que ainda era dia.

Percebeu que estava deitada em uma espécie da cama, enquanto a Villa Real estava sentada sobre um tronco que servia como banco.

Observava aquele lugar espaçoso e se recordava de quantas vezes dormira ali.

Viu a rede armada.

Como chegara ali? Apenas recordava de ter adormecido na canoa...

-- ... o que mais gosta de falar é sobre o fato de você ser uma princesa... – Exibiu um sorriso. – Fala que agora também sou uma, pois de acordo com as leis das tribos estamos casadas, unidas para sempre.

Diana mirou os olhos azuis...

Ela estava tão linda... Se existia anjos, não havia dúvidas de que eles tinham aquela aparência.

Tentou falar algo, mas a voz não saiu, depois fê-lo mais uma vez e o bom baixo, porém audível saiu.

-- Antes você precisa fazer amor comigo para essa lei valer... – Sussurrou roucamente.

A Villa Real pareceu assustada ao ouvi-la.

A voz era baixa e chegou até pensar que se tratara de sua imaginação.

-- Diana...

A Calligari sentia como se aquela garota invadisse seu ı́ntimo sempre que pronunciava seu nome.

Era como uma carı́cia... Viciante... Tentadora e pecadora... Como se estivesse a blasfemar o paraíso.

Pigarreou, pois sentia a garganta muito seca.

-- Acho que sim... – Esforçou-se para falar um pouco mais alto. – Acho que ainda sou a Diana...

Os olhos azuis pareceram ainda mais brilhantes, enquanto os dentes alvos se abriam em um sorriso.

-- Deus, você acordou! – Esboçava felicidade, enquanto se inclinava, abraçando-a.

A filha de Alexander adorou senti-la tão receptiva, ainda mais depois de ter fingido que a entregaria para aqueles homens.

Respirou fundo sentindo o cheiro dela, os cabelos pareciam perfumados com rosas.

Nunca um abraço significara tanto para si.

O que se passava consigo?

O pajé e Piatã se aproximaram ao ouvir a voz entusiasmada da Villa Real.

-- Seja bem vinda ao mundo dos vivos, major. – O chefe pareceu feliz. – Sabı́amos que não sucumbiria tão facilmente.

Aimê se afastou delicadamente, as bochechas estavam tingidas de vermelho. Sentia-se constrangida, tı́mida...

-- Nossa princesa não seria abatida tão facilmente. – Piatã depositou um beijo em sua face. – Porém você dançou com a morte e acho que ela se apaixonou por seus olhos negros.

Todos riram da brincadeira.

Diana sentia um desconforto no corpo, estava muito fraca, mas também sentia a vida pulsando forte dentro de si.

-- Acho que terão que me suportar por um bom tempo... – Disse lentamente. – Tenho a impressão que perdi todas as minhas forças.

-- Disso não há dúvidas... – O pajé lhe deu um pouco de chá. – Perdeu muito sangue... Precisará recuperar as energias. – Colocou a mão sobre o ombro de Piatã. – Venha comigo buscar mais ervas e preparar algo para a major comer...Aimê, cuide da sua mulher na nossa ausência. Mandarei que traga uma canja.

Os dois ı́ndios saı́ram entusiasmados, conversavam animadamente depois da boa surpresa que tiveram.

A Calligari observou-os se afastarem e logo voltou sua atenção para a jovem de olhos da cor do céu.

Estava limpa, seus trajes, mesmo um pouco surrado, não apresentavam a sujeira de antes.

Reconheceu as roupas.

Usava camiseta branca que valorizava os ombros magros, calça jeans preta que se moldavam perfeitamente a seu corpo bonito.

Fitou o rosto...

Usava a costumeira trança...

Os lábios estavam mais rosados que antes...E sua face parecia pegar fogo.

-- Fico feliz que os canibais não tenham te comido... – Disse em tom de provocação.

Aimê não estava mais sentada, agora permanecia de pé ao lado da cama improvisada.

-- Fico feliz que esteja bem! – Tentou ignorar o sarcasmo. – Pensei que não conseguiria. E aqui não há canibais, princesa.

A Calligari sorriu.

-- Realmente essa tribo não tem esse costume...

-- Só você o tem, então... – Tateou, voltando a sentar no tronco.

Tinha uma sensação de felicidade enorme em seu peito... Mesmo sabendo que tudo aquilo era um jogo de provocação que aquela mulher adorava jogar.

Fez uma prece silenciosa, estava grata por ela ter acordado... Temeu nunca mais ouvir aquele sarcasmo.

Não que alguma vez em sua vida chegara a desejar a morte de alguém ou algo ruim, porém desde que conhecera a morena, sentira tanta raiva como jamais sentiu em seus vinte e dois anos de vida.

Aquela ı́ndia selvagem parecia gostar de provocá-la, de machucá-la, parecia adorar feri-la, mesmo assim, havia algo maior, ela sentia e isso era assustador.

Diana parecia tentar descobrir o que ela estava pensando naquele momento.

-- Sua volta triunfal para casa vai ter que esperar um pouco, não tenho condições ainda para seguir até a vila.

-- Sim, eu sei, e não estou preocupada com isso, esperarei o tempo que for preciso, desejo apenas que melhore, que se recupere...

A morena estendeu a mão, tocando a dela.

Aimê pareceu um pouco assustada, mas não se afastou.

Macia...e áspera...

-- Quando eu estava desacordada você conversava mais, agora parece um cordeirinho temeroso... Acha que devido às minhas origens você corre o risco de ficar sem a língua?

Aimê gargalhou, meneando negativamente a cabeça.

-- Não sou um cordeiro... E como sabia que conversava se estava desacordada? Não me diga que andou fingindo? – Arqueou a sobrancelha esquerda.

Às vezes era difı́cil para a pintora acreditar que a neta de Otávio era cega, pois a intensidade daquele olhar parecia dizer o contrário.

Tentou se ajeitar no leito, mas acabou esboçando um gemido de dor.

-- Não deve fazer esforço. – Aimê repreendeu-a. – Deve ficar quieta.

-- Sabe o que eu preciso? – Fitava os dedos longos da jovem, fazendo uma espécie de massagem em sua pele. – Preciso da minha casa, da minha cama confortável, do meu cavalo... Da minha pintura...

-- Pintura? – Questionou surpresa. – Você pinta?

Aimê parecia chocada com aquela informação.

-- Sim... E pinto muito bem...

-- Nossa... Sempre pensei que para ter esses dons artı́sticos seria preciso sensibilidade.

Diana riu alto do comentário e acabou se arrependendo ao sentir a dor.

-- Eu adoraria pintar você nua, seria um quadro magnı́fico...

Aimê corou mais uma vez.

-- Eu jamais me prestaria a algo assim.

A Calligari nada respondeu, pois o sono a venceu novamente.

Aimê percebeu o que tinha ocorrido, então voltou a sentar ao lado dela.

Ainda tinha a mão na sua, ainda sentia a força dela tão presente...

A sensação de felicidade só aumentava... Desejou abraça-la novamente... mas acabou ficando apenas de mãos dadas com a esposa.

 

 

 

 

 

 

A filha de Otávio permaneceu ao lado dela por todo o resto do dia e a noite. Apenas no dia seguinte, Diana despertou novamente.

A Calligari a encarou.

Era estranho vê-la ali, parecia não se cansar de ficar naquele lugar, segurando-lhe a mão.

-- Por quê? Não gosta de artes? Não haveria maldade alguma, apenas uma bela obra para ser apreciada.

A Villa Real sorriu ao ouvir a voz baixa.

Ansiara para que ela despertasse novamente.

O pajé chegou trazendo uma espécie de sopa, já se ajeitava para ajuda-la, mas a jovem disse que conseguiria sozinha, apenas pedindo que a ajudasse a sentar.

Ubiratã fez o que ela pediu, deixando a oca em seguida.

Aimê inicialmente ficou confusa com as palavras, mas se recordou do que estavam a falar.

-- Não seria uma modelo boa e também não confiaria em ser retratada por você.

-- Deveria confiar, afinal estamos casadas!

-- Por favor, Diana, você mesma disse que aquele ritual não valia nada.

A  morena  pareceu  não  gostar  de  ouvir  aquilo,  era  como  se  fosse  horrível  para  a  garota  se  imaginar  em  um relacionamento consigo, logo ela tão disputada por homens e mulheres, logo ela que todos desejavam conquistar.

-- Unhun... – ela esboçou um pequeno resmungo. – Se você diz...

Aimê sentiu a voz um pouco aborrecida, talvez fora um pouco arrogante ao se negar.

-- Conte-me sobre suas pinturas... – Pediu.

-- Apenas pinto...

A Calligari tocou a mão dela.

Por que se sentia tão angustiada quando se tratava da filha de Otávio?

Por que ela era filha dele?

Acariciou os dedos longos e finos e se recordou de quando teve um deles em seus lábios, em sua boca...

Sentiu um arrepio na pele.

Afastou a mão, terminando de comer e logo voltou a dormir.

 

 

Na manhã seguinte Aimê despertou cedo.

Pediria a uma das ı́ndias para levá-la ao rio para banhar novamente. Na noite anterior fora e adorara a água.

-- Bom dia, mimadinha.

A Villa Real não escondeu o sorriso ao ser chamada daquele jeito.

-- Bom dia, princesa canibal! – Provocou-a. – Como se sente hoje?

Diana a observou seguir até o banco, sentando-se.

Percebeu que ela não dormira ao seu lado na noite anterior, quando despertou descobriu que ela estava na rede.

-- Senti sua falta roncando no meu ouvido ontem...

Aimê corou.

-- Eu não ronco, deve ter delirado... Só pode..

Piatã interrompeu-as ao aparecer trazendo um recipiente de barro cheio de água.

-- Precisa de um banho, princesa, a menina Aimê a ajudará como sempre!

Diana encarou os olhos azuis.

-- Não se preocupe, ela sempre fez isso, quando estava desacordada era ela que cuidava dessa parte. – Colocou a cuia e um pano nas mãos de Aimê e depois se afastou.

Permaneceram em silêncio por intermináveis segundos.

O rosto da neta de Ricardo estava totalmente corado, enquanto tinha a cabeça inclinada para baixo.

Sim, ela cuidara da princesa, mas era diferente quando Diana estava desacordada.

A Calligari se ajeitou, sentando-se, apoiando as costas na oca, deixou que o lençol que a cobria caı́sse até a cintura.

Cerrou os dentes ao fazer o movimento...

Estava nua!

-- Pronto, Aimê, estou a sua disposição.

A jovem mordiscou o lábio inferior demoradamente... Hesitou... Seu olhar parecia perdido.

Era possível ouvir o canto dos passarinhos, o barulho das pessoas se movimentando lá  fora.

A Calligari a encarou, depois lhe tomou a mão.

-- Sente-se aqui! – Fê-la se acomodar na beirada da cama improvisada. – Imagino que só passa esse pano molhado para retirar o suor e me refrescar... Não vai ser muito útil, porém aceito de bom grado sua boa vontade.

Aimê respirou fundo!

Estava trêmula quando molhou o pano e mais trêmula quando tocou naquela mulher.

Diana observava tudo com atenção e tinha quase certeza de que a Villa Real evitava de todo jeito encostar na sua pele.

Ela passou pelo pescoço, pelos braços e já seguia para o abdome quando a morena segurou-lhe o pulso, levando-o até os seios.

-- Tenho suor entre eles...

Aimê mantinha a cabeça baixa, tendo o movimento estático.

A Calligari retirou o pano, fazendo que as mãos da jovem pousassem sobre o colo bem feito.

A neta de Ricardo sentia a maciez e logo percebeu que os mamilos se enrijeceram diante do toque.

Umedeceu o lábio inferior.

Usando o polegar, pareceu brincar com eles.

Diana mordeu o lábio inferior diante da inocente carı́cia.

Observou ao redor, ouvia o barulho dos índios lá fora, sabiam que ele não se aproximariam.

Sentiu a pele embrasada... Arqueou as costas, empinando-os mais. Estava fraca, mas mesmo assim o desejo por aquela garota era mais forte do que qualquer coisa.

Encarava a Villa Real. Mirava os lábios tão rosados, a pele branca que agora já não exibia os arranhões

Aimê parecia encantada e também perdida...

Continuava fascinada pelos mamilos...

Sentiu um incômodo no abdome que já se tornou conhecido para si quando ficava muito perto da major.

-- São rosados... – A Calligari sussurrou roucamente. – Por que não os descreve para mim? Faça como naquele dia...Conheça-os...

Aimê permanecia com a cabeça baixa, porém diante daquele som baixo e excitante, os olhos azuis pareciam mais estreitos ao mirá-la cegamente.

Inicialmente abriu a boca para falar, mas as palavras pareciam presas, mudas... Pigarreando, tentou novamente.

-- São redondos como laranjas... porém maiores... Estão arrepiados... – Esboçou um sorriso nervoso. – Os biquinhos não são grandes... mas são sensıv́eis ao meu toque... Arrepiada...

Diana segurou-lhe as mãos, conduzindo-as de forma a prolongar as carı́cias... Seu corpo, mesmo debilitado, estava em verdadeiro fogo. Fê-la aprofundar os carinhos, ansiando por muito mais.

-- Precisam ser chupados para aumentarem de tamanho...

Aimê sentiu a face queimar... Levantando-se de forma tão atrapalhada que quase caiu.

O canto esquerdo dos lábios de Diana se desenhou em um sorriso frustrado, queria que ela tivesse continuado.

Notava o quão chocada a jovem estava, porém sabia que havia mais coisas... Muito mais.

-- Não vai continuar?

A Vila Real parecia ter perdido a voz.

Sentia a boca seca, o coração batia aceleradamente, tinha a impressão que a qualquer momento cairia, pois suas pernas não paravam de tremer.

Havia algo naquela mulher que a perturbava...

-- Eu... eu acho melhor que o faça sozinha... – Falou quando teve controle de suas faculdades.

-- O Piatã falou que você era responsável por essa parte.

-- Isso era quando você não podia. – Levantou o dedo em riste. – Agora já está boa.

-- Acabei de sair de um perı́odo em total inércia e ainda não tenho forças para nada.

Aimê parecia ponderar sobre isso, porém continuava quieta, tendo os braços cruzados na altura dos seios.

Diana via o pé descalço dela batendo rapidamente no chão batido.

Sorriu, enquanto voltava a deitar.

Não estava bem, estava muito sonolenta e a única coisa que desejava era poder descansar.

Fechou os olhos e não demorou a dormir novamente, tendo o corpo cheio de desejo pela filha de Otávio Villa Real.


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