A dama selvagem - capítulo 6.


Aimê tivera uma noite péssima.

Ficara temerosa com a presença de Diana e mesmo a morena não tendo dormido com ela, ainda sentia o coração pulsar acelerado diante do ataque que sofrera.

Ouvia os sons do amanhecer, os pássaros pareciam felizes com seu cenário verde.

Sentou-se.

Sabia que logo sua salvadora adentraria aquele espaço aos gritos como era de costume. Decerto a seguraria pelo braço a arrastaria de forma grosseira como fez tantas vezes.

Tateou em busca da calça.

Fez um apresse em agradecimento por sentir que seu pé estava bom.

Assim seguiriam o mais rápido possível, faria de tudo para não lhe atrasar, prestaria atenção ao solo, pois quanto mais andassem, mais rápido uma se livraria da presença da outra.

Ouviu passos firmes, conhecia-os bem e sabia de quem se tratava.

Aquele incômodo no estômago fazia parte...

-- Bom dia, mimadinha! – A voz rouca se fez audível. – Como está?

Aimê terminava de vestir a calça, só depois de fazê-lo respondeu.

-- Estou bem! – Voltou a tatear. – Onde estão minhas botas? – Questionou sem se virar.

Diana pegou-as deixando bem próximo da jovem.

-- Não deve tirá-las, viu o que se passou ontem.

A garota assentiu e logo estava pronta. Já se levanta quando algo fora colocado em suas mãos.

Teve um pequeno sobressalto com o toque da pele em contato com a sua.

-- Encontrei bananas! – A morena se afastou. – Coma, será bom para te dar energia.

Aimê nada disse, enquanto degustava a fruta com muita apetite. Estava faminata e as frutas logo eram devoradas com rapidez.

Percebia que a Calligari estava arrumando tudo para deixarem o lugar.

-- Nossa, como eu gostaria de tomar um banho! – A Villa Real falou ao se levantar. – Estou me sentindo podre.

Diana colocou a mochila nas costas e arrumou as armas.

-- Espero que encontremos um lugar para fazer isso!

-- Para onde iremos?

-- Estamos dando a volta para não atrair os bandidos para as tribos. – Entregou-lhe o cantil. – Teria sido mais fácil se voltássemos por onde eu vim, mas seria perigoso para essas pessoas que não tem nada a ver com o nosso problema.

Aimê assentiu.

-- Acha que demorará muito para chegarmos?

A morena tinha examinado o mapa naquela manhã e estava pensando em seguir por um atalho, assim chegariam cedo ao destino, mas havia um problema: Nessa área a mata era totalmente virgem e não seria fácil adentrar com a jovem Villa Real, mesmo assim se arriscaria, sem falar que perto do rio sempre havia traficantes de madeiras, outro problema a se enfrentar.

-- Espero que não! – Suspirou. – Está pronta?

Fitou a garota.

A luz do sol a deixava ainda mais bonita, mesmo com alguns arranhões a macular a pele branca, não havia dúvidas da beleza feminina.

-- Eu preciso de um pouco de privacidade... – Disse meio constrangida.

Diana retirou algo da bolsa, entranhando-lhe, depois seguiram até uma parte isolada.

-- Pronto, fique à vontade, prometo que não olharei...

Antes que Aimê pudesse falar algo, a pintora saiu gargalhando.

 

 

 

 

 

Seguiram por um longo tempo em silêncio.

Diana observava tudo com atenção.

Sabia dos perigos que aquele lugar bonito apresentava.

Os animais alegravam com suas vozes e isso era bom, pois mostrava que não havia perigo iminente.

A morena observou os igapós e ficou feliz, pois sabia que encontraria água e logo pôde encher os cantis.

“Esse tipo de árvores atingem até vinte metros de altura, com a maioria entre quatro e cinco metros. As espécies vegetais aqui encontradas são adaptadas a terrenos alagadiços. Suas plantas, de menor porte, são hidrófilas (adaptadas a regiões alagadas), possuindo como espécies comuns a vitória-régia, as orquı́deas, as bromélias e outras.”

De soslaio fitou a filha de Otávio.

Ela seguia calada e não parecia interessada em conversar.

Na noite passada fora além da sua racionalidade ao praticamente atacar a garota de olhos azuis.

Viu a expressão de horror que ela demonstrou, mesmo que em certo momento ela tivesse cedido à carı́cia.

Ainda sentia o sabor...

Os lábios delas eram doces, macios... Uma maçã suculenta pronta para ser devorada.

Ainda ficava a pensar porque tomara a atitude de ir contra a jovem. Talvez tenha se irritado por ela ter lhe feito falar sobre seu passado, por ter contado para ela sobre sua história. Mas por que o fizera? Não costumava contar sobre sua vida para ninguém, principalmente ao tocante da próprio nascimento e sua origem, não que se envergonhasse dela, mas ainda doía ter sido abandonada pela rainha da tribo.

Parou abruptamente e a neta de Ricardo foi de encontro a suas costas.

-- O que houve? – Questionou preocupada a garota. – Por que paramos? – Questionou mais baixo, falando perto da orelha da outra.

Diana agachou, havia uma preguiça caı́da, parecia ferida.

Tocou-a com cuidado e percebeu que na verdade ela apenas estava a descansar.

A morena esboçou um sorriso, acariciando a barriga.

-- Você vai acabar sendo comida por uma onça, garota... Esse não é um bom lugar para fazer isso...

-- Com quem você tá falando? – A Villa Real indagava curiosa.

 A Calligari fitou a acompanhante por sobre os ombros.

-- Agache, vou te mostrar algo.

Aimê fez o que fora dito. Diana tomou-lhe a mão de forma delicada, enquanto acompanhava o brilho nos olhos azuis, depois colocou os dedos delicados sobre o animal.

Inicialmente a jovem pareceu assustada, mas logo uma expressão de menina encantada lhe substituía o temor inicial.

-- O que é?

A pintora mirou-a com atenção. Observava o nariz arrebitado, orgulhoso da sua tradicional família de militar. Viu os lábios entreabertos, eram tão rosados, tinham a impressão de deliciosos.

Trincou os dentes demoradamente, tentando se livrar daqueles pensamentos.

-- Diana? – Aimê a chamou de forma preocupada.

-- É uma preguiça, um bebê ainda. – Respondeu rapidamente.

A Villa Real pareceu mais segura e começou a usar ambas as mãos para tocar o bicho. Fazia-o como fosse um cãozinho ou até mesmo um gatinho.

-- Nossa, parece uma pelúcia... Qual a cor?

-- Ela tem os pelos claros, meio que amarelado do sol... Acho que ela gostou de você.

-- Posso colocá-la nos meus braços?

Diana observava-a e tinha a impressão que naquele momento ela tinha voltado a ser uma garotinha.

-- Ok, levante-se e a colocarei neles, mas deve tomar cuidado, é um animal silvestre, pode se assustar e te atacar..

Aimê fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto se posicionava.

A Calligari colocou delicadamente a preguiça em seu colo.

-- Deus, ela é tão fofa!

Diana observou algumas araras as observarem curiosas.

-- Você devia se divertir muito aqui... Eu adoro animais, se pudesse teria um montão.

A morena levou o cantil aos lábios, bebendo pacientemente.

-- Não acredite em tudo que vê nos filmes, mimadinha... – Observou tudo ao redor com atenção. – Isso aqui não é um parque de diversão, tudo é muito perigoso e acredite, sobreviver em um lugar como esse é uma missão quase impossível para os que não tem um grande preparo.

 Sim, a major sabia disso muito bem, pois precisara aprender de forma cruel a conhecer aquelas terras selvagens.

Diana pegou a preguiça, colocando-a com cuidado sobre um galho de árvore.

-- Fique aı́, amiguinha, ou será devorada por um predador!

-- Sim, eu imagino que deve ter muito perigo...

A Calligari suspirou.

-- Vamos embora, já perdemos muito tempo!

 

 

 

 

 

Voltaram a seguir pela grande mata.

Aimê tentava levantar as pernas o máximo para não acabar sendo derrubada pela vegetação rasteira.

Seguia segurando uma corda que a ligava à Calligari.

Não conversaram mais, apensas seguiam sem parar.

Depois de longas horas, Aimê já demonstrava cansaço e começava a tropeçar.

Estava exausta!

Os macacos pareciam agitados com os visitantes.

Pulavam e guinchavam de forma ensurdecedora.

Havia árvores caı́das e outras já se apossavam delas para germinar.

Sempre que havia um obstáculo no caminho, Diana avisava para ela não se bater.

Estava abafado...

A morena quase teve o rosto machucado ao se distrair olhando a acompanhante que seguia atrás de si.

Não pararam ainda desde que saı́ram, ou seja, já devia estar naquela caminha por um bom tempo.

Aimê soltou um suspiro alto e foi nesse momento que chamou a atenção da outra.

Diana parou, seguiu até ela, segurou-a pelos ombros empurrando-a até uma árvore, mantendo-a pressionada, não fizera grosseiramente, mas também não houve delicadezas no ato.

-- Não podemos parar agora! – Dizia com a boca bem próxima da dela. – Precisamos seguir ainda mais rápidos se desejarmos chegar logo ao nosso destino. – Mirou os lábios rosados e mais uma vez desejou toma-los para si.

-- Eu sei... – A jovem falava sem fôlego. – Mas eu preciso muito descansar... Sabe que eu adoraria comer um pedaço de carne agora... -- Passou a lı́ngua inocentemente sobre o lábio superior. – Estou faminta, minha barriga está doendo de fome.

A morena segurou a blusa que ela usava, rasgando-a um pouco.

-- Calma, mimadinha, apenas desejo que possa se refrescar melhor. – Pegou o cantil, molhando-a um pouco.

Aimê usava blusas de mangas longas e malha fina na cor branca.

-- Por que não avisa o que vai fazer? – Empurrou-lhe as mãos. – Você age com brutalidade, é grosseira... Não é uma pessoa civilizada. – Acusou-a, tentando empurrá-la, mas a Calligari não saia do caminho.

-- Não esqueça que sou ı́ndia e também não esqueça que somos casadas. – Acariciou o rosto com as costas das mãos. – É uma pena que tenha o sangue daquele miserável nas suas veias.

A Villa Real se livrou das mãos com um safanão.

-- Não ouse falar assim do meu pai! – Esbravejou. – Ele era mil vezes melhor que você.

Diana gargalhou de forma debochada.

-- Meu bem, seu pai ainda era pior do que a escória que te sequestrou...

Aimê partiu para cima da major, guiando-se pelo som.

A morena teve dificuldade para contê-la, tendo que jogá-la ao chão para se livrar da agressão.

-- Não me provoque, Aimê! – Afastou-se. -- Não pense que por ser cega eu não teria coragem de espancá-la até ter câimbras em minhas mãos.

A jovem permaneceu onde estava, ao apoiar-se nas mãos para se levantar sentiu espinhos furando-as.

Cerrou os dentes para não demonstrar fraqueza diante daquela mulher. Nunca em sua vida sentira tanta raiva de alguém como acontecia naquele momento. Seria capaz de matá-la, sem se importar com as consequências.

Diana percebeu o que tinha acontecido, mas nada disse.

Aimê limpou a face, depois se levantou.

-- Eu nunca em toda minha vida imaginei que encontraria um ser humano tão desprezível e desgraçado como você, na verdade eu nunca pensei que chegaria a odiar alguém como estou começando te odiar.

A Calligari pareceu atingida pelas duras palavras, mas tentou ignorar.

-- Eu fico feliz por isso! – Colocou a corda nas mãos dela e viu o sangue dos machucados. – Vamos embora, assim, nos livramos logo uma da outra.

Aimê nada disse e já continuavam seguindo pelos caminhos acidentados e perigosos.

Em determinado momento o falcão apareceu no céu, espreitando-as, observando-as em silêncio.

 

 

 

 

 

 

Ricardo estava em seu escritório, quando observou a esposa se aproximar.

Ela parecia ter envelhecido bastante naqueles últimos dias.

Fez um gesto para que ela sentasse.

-- Alguma notı́cia? – Cláudia questionou.

-- Infelizmente não, mas sei que a Diana vai trazer a nossa neta.

-- Por que tem tanta certeza disso? – Os olhos estavam chorosos. – E se ela matá-la? E se ela não conseguir enfrentar aqueles homens sozinha?

O general deu a volta, seguindo até onde a esposa estava, sentou sobre os calcanhares, enquanto lhe tomava as mãos delicadamente.

-- Ela não machucará a nossa neta e se tem alguém que pode entrar naquele lugar e sair com vida, esse alguém é a Calligari.

-- Deveria ter dito para ela da deficiência da nossa neta, deveria ter avisado para que ela fosse preparada.

Ricardo temeu que aquilo fizesse com que a filha de Alexander se negasse a ir a seu resgate.

-- Precisamos ter fé, precisamos confiar...

-- Cumprirá o trato que fez com ela? – Questionou preocupada. – Se ela trouxer a Aimê deve sim fazer o que prometeu, mesmo que isso seja algo terrível para a nossa querida neta. – As lágrimas começaram a lhe banhar o rosto.

-- Precisarei cumprir o que prometi a Diana, mesmo que isso seja tão doloroso... Eu acho que devo muito mais do que isso a ela... mas ela também tem uma dívida – Passou a mão pelos cabelos grisalhos. – Eu percebi a obsessão que o Otávio tinha por ela e fiz vista grossa quando deveria ter agido...

 

 

-- Jamais imaginamos que ele chegaria tão longe, você não poderia prever... Ninguém poderia...

Cláudia abraçou o marido.

Todos passaram por momentos terríveis, mas nenhum se comparava as barbaridades sofridas pela pintora.

 

 

 

 

 

As duas fugitivas só pararam para comer.

Não voltaram a conversar ou brigar.

Diana observava a escuridão começar a tomar conta e ainda não achara um bom lugar para acampar.

Sabia que ali perto encontrariam uma clareira, mas não seria ali um bom lugar para passar à noite. O problema é que estariam expostas de mais.

Enquanto caminhavam, buscara as pegadas que tinha visto próximo à caverna, mas felizmente não notara nenhuma naquela área, porém sabia que eles estavam por ali, conhecia bem o ponto que costumavam ocupar.

A última coisa que desejava era topar com aqueles traficantes de madeiras.

Eles também eram cruéis e costumavam não ter nenhum tipo de escrúpulos, não seguiam leis e faziam sempre o que desejavam fazer.

Andaram por mais alguns tempo e Diana observou surpresa que ali perto havia uma pequena cabana de madeira escondida em meio à vegetação que já se apossava dela.

Fez Aimê deter o passo.

-- Fique quieta e abaixe-se. – Ordenou em seu ouvido. – Volto logo.

A Villa Real a segurou pelo braço.

-- O que se passa? – Indagou assustada. – Não me deixe sozinha... – Pediu temerosa.

Diana tinha a impressão que os dedos dela pegavam fogo, pois era assim que se sentia quando era tocada por ela.

Desvencilhou-se.

-- Faça apenas o que eu estou dizendo. – Afastou-se sem deixar que ela continuasse a protestar.

Com a arma em punho seguiu cautelosamente.

Fitou as enormes samambaias, sabendo que seria um bom lugar para alguém se esconder.

Fitou o chão forrado... Com a bota, mexeu em uma cobra verde. Segurou-a e logo a jogou para longe.

Observava ao redor para ver se encontrava pegadas, mas não havia nada.

Seguiu por entra a mata e logo adentrava o pequeno barraco.

Alguns macacos saı́ram de dentro e deram um susto enorme na major que por pouco não atirou neles.

De quem era aquele lugar?

Guardou o revólver no coldre e parecia ponderar.

Fitava com atenção o espaço.

Não era grande, decerto deveria ter uns dois metros de cumprimento e de largura. Observou a cobertura de palha danificada e viu que a natureza já tomava posse de tudo. As paredes já se camuflavam com as trepadeiras.

Deveria estar abandonada há muito tempo.

Acampariam ali naquela noite, mesmo tendo tanto mato. Faria uma fogueira, assim espantaria os mosquitos.

Seguia até onde estava a Villa Real.

Observou-a, percebeu que estava assustada.

Aproximou-se, tomando-a pela mão.

-- Encontrei um lugar para gente descansar por hoje.

Ajudou-a a passar por meio das árvores e logo estavam na cabana.

-- Que lugar é esse?

-- Uma pequena palhoça que servirá de abrigo para gente.

-- Mas de quem ? Não é estranho esse tipo de construção no meio da floresta. – Já começava a tatear.

-- Acho melhor não fazer isso ou vai ferir ainda mais as suas mãos.

 Diana se livrou da mochila e começou a arrumar as coisas.

Precisou se livrar da vegetação que forrava o chão.

Puxava os galhos, tentando deixar um pouco menos inabitável. Observando se havia algum tipo de bicho escondido naquelas partes. Poderia haver aranhar, outros seres que poderiam maculá-las de alguma forma.

-- Eu não sei de quem é, só sei que ficaremos aqui por hoje.

Aimê continuava temerosa, enquanto ouvia a Calligari se movimentar rapidamente arrumando o lugar.

Meia hora depois tudo estava pronto.

Diana fez uma fogueira pequena, pois não deseja chamar a atenção.

Arrumou o lugar onde a Villa Real dormiria e logo a ajudou a sentar.

-- Espere um pouco, vou buscar algo.

-- Vai me deixar sozinha de novo? – Questionou em tom de reclamação.

-- Não irei longe e não demorarei.

Aimê respirou fundo, sabia que era impossível dissuadir aquela mulher quando ela desejava fazer algo.

Sentou, encostou-se à madeira, fechou os olhos.

Cochilou durante um tempo e só despertou ao ouvir os passos.

 

 

 

 

 

Diana observou-a dormir, tinha conseguido caçar algo gostoso para comer. Não aguentava mais frutas e pão, precisava de proteı́na.

Agachou-se diante da fogueira, terminou de limpar a iguaria, pegou um pouco de sal na mochila, temperando, depois improvisou algo para posicioná-lo na fogueira.

Viu os olhos azuis se abrirem.

Pela abertura que tinha no teto era possível ver a majestosa lua e era ela quem iluminava o pequeno ambiente.

-- Diana...

Ouviu a voz doce chamá-la e teve a impressão de estar sendo tocada intimamente.

Decidiu não fitá-la, continuando a se ocupar na tarefa.

Improvisou um espeto.

-- Diana, o que está fazendo? – Dobrou os joelhos. – Estou com fome.

-- Daqui a pouco vamos comer. – Observou as labaredas tocarem no animal.

-- Eu também queria muito um banho... – Mexeu os braços. – Tem mosquitos aqui... Acho que essa é parte ruim da selva.

A Calligari a encarou por alguns segundos e voltou as ver os cortes nas mãos.

Pegou o cantil e se aproximou, sentando sobre os calcanhares, observou-a demoradamente, pegou-lhe as mãos, colocando-as sobre suas coxas.

-- O quê? – Aimê questionou meio assustada.

-- Vire-as para cima, limparei os machucados, estão um pouco feio.

Os olhos azuis pareciam confusos, mesmo assim ela fez o que fora dito.

A bela ı́ndia começou o trabalho, primeiro lavando e depois usando anticéptico para desinfetar.

Aimê gemeu baixinho, mas foi suficiente para chamar a atenção da major.

Diana observou os dentes alvos se mostrando pelos lábios entreabertos, parecia encantada, mas acabou voltando à atenção para o que estava fazendo e logo terminou. Já se afastava quando a neta de Ricardo a deteve.

-- O que é? – Indagou receosa com a sobrancelha arqueada.

-- Deixe-me tocar seu rosto... – Pediu relutante. – Quero saber como você é...

Diana não pareceu muito interessada, mas acabou cedendo, retornando para a posição.

Levou as mãos da garota e pousou em sua face.

A Villa Real tateava, fazia-o com delicadeza, com cuidado... Era como o roçar de uma borboleta.

-- Tem o maxilar forte, rı́gido... inflexível...

Aimê estava ajoelhada, estavam próximas...

Diana olhava-a, aproveitava para vê-la... Para contemplá-la.

-- Tem a tez mediana... As sobrancelhas bem feitas... – Pareceu ter mais atenção em um ponto especı́fico. – Costuma franzi-las? Tem um vinco entre elas... – Sorriu. – Você relanceia os olhos...

A Calligari meneou a cabeça e revirou os olhos.

Aimê gargalhou alto.

-- Chega disso! – Deteve-lhe o pulso.

-- Não, Diana, deixa eu terminar... É ruim quando não sei como é a pessoa com quem estou falando... Não sabe como é difı́cil não saber como são as pessoas...

A major pareceu convencida, ainda mais pela forma que fora pedido, então permitiu que ela prosseguisse.

 

 

-- Seus olhos são indı́genas... Eles se estreitam nos cantos... – Constatou encantada. – Qual a cor deles?

-- Pretos...

-- Devem ser lindos... – Tocou o nariz. – Afilhado e arrebitado... Eu sempre soube que era assim...

-- Como sabia? – Questionou curiosa.

-- Porque você é arrogante, orgulhosa... Sarcástica... – Dizia naturalmente, enquanto tocava os cabelos da salvadora.

– Tenho certeza de que parece um ébano... Estou certa?

-- Sim, está... Eles são negros!

-- E sua pele é bronzeada?

-- Não, creio que de traços indı́gena só tenho os olhos, pois a minha pele é branca como a do meu pai... Bem, agora estou bronzeada devido aos dias de sol, mas não é naturalmente.

-- Os traços indı́genas não são só fı́sicos... – Continuou tateando o rosto até chegar aos lábios. – Você tem uma boca muito bonita, mas não parecem sorrir muito...

Diana sentia o polegar passar por seus lábios... Depois o indicador... Fitou os olhos azuis tão brilhantes...

Abriu a boca e capturou o dedo dela.

Aimê deu um gritinho de susto, mas ao senti-la sugar delicadamente, algo pareceu se manifestar em seu ı́ntimo.

Diana parecia não ter pressa, chupava-o... Passou a ponta da lı́ngua... lambeu-os com mais vigor.

Ficou encantada ao perceber que o azul claro daqueles belos olhos escureceram...

Mordiscou e depois o libertou.

A Villa Real desviou o olhar, pois sentia a face pegar fogo.

-- Bem, acho que já chega disso... – Diana se afastou, seguindo até a carne, virando-a. – Acomode-se, já está tarde, vamos comer e descansar.

Aimê parecia desconsertada, mesmo assim voltou a ocupar o lugar de antes.

Ela parecia perdida em seus pensamentos...

Ficaram em silêncio durante longo tempo, até a voz da Calligari invadir o ambiente.

-- Coma! – Entregou o espeto a ela. – Cuidado que está quente.

-- Você fez carne? – Inalou o cheiro. – Carne! – Exibiu um sorriso, enquanto soprava para esfriar, depois mordiscou devagar. – Deus, que delı́cia!

Diana começou a comer e via como Aimê parecia satisfeita.

-- É frango? – Questionou depois de ter comido vários pedaços.

-- Frango? – Pareceu incrédula com a ideia. – Não, claro que não!

-- Mas e então o que acabei de comer que tinha um sabor tão gostoso?

-- Encontrei umas rãs, então...

--Rãs? – Questionou com os olhos arregalados. – Eu comi rã?

-- Sim! -- Diana se levantou e começou a arrumar as coisas. – Não me diga que é alérgica?

Aimê parecia um pouco assustada com a informação, mas acabou não fazendo nenhum protesto.

-- Pelo menos temos isso, devemos estar grata. – Meneou a cabeça. -- Tem muito mosquitos aqui. – Tateou até o cantil, levando a água à boca e lavando-a.

A morena voltou a sentar.

-- Daqui a pouco eles deixarão de perturbar. – Encostou as costas na madeira podre, mantinha os olhos fechados.

Estava muito cansada.

Nos últimos dias não conseguira dormir oito horas completa.

 

Estava sempre alerta, vigiando, temendo que os traficantes a encontrassem e chegassem num momento que estivessem indefesas.

-- Falta muito para chegarmos?

A voz de Aimê a despertou.

-- Acredito que em um dia possamos chegar... Mas... – Não terminou a frase.

Havia um jeito de acelerar aquela viagem e chegar à tribo do pajé em menos tempo, porém seria arriscado tentar...

Não contara para a acompanhante, mas tinha certeza de que os traficantes estavam perto do rio.

Tinha um plano...Pensaria com calma nessa alternativa.

Terminou de comer, em seguida se levantou.

-- Aonde você vai? – A Villa Real indagou.

-- Preciso montar guarda, não posso confiar.

-- Você precisa descansar!

-- Como descansarei? Não me diga que vai ficar vigiando? – Indagou de forma sarcástica.

-- Você não consegue manter um diálogo sem agir como uma ogra? Até agora estava tudo bem, mas parece que você não se permite ser gentil por mais de uma hora.

-- Não tenho que manter diálogos contigo e tampouco ser gentil!

-- Por que não? – Levantou-se. – Estamos juntas nessa fuga, somos nós duas e não custa nada nos tratarmos com um mı́nimo de polidez. Eu sempre te trato bem, mas estou começando a achar que você não merece isso.

Diana virou-se para deixar a cabana, mas parou, passando as mãos pelos cabelos, virou-se para a Villa Real, segurando-a pelos braços e colou os lábios nos dela mais uma vez.

Aimê espalmou as mãos para se livrar do contato, mas foi abraçada, surpreendendo-se.

Cerrou os dentes para conter o avanço, porém mais uma vez foi surpreendida pela lı́ngua da pintora contornando a parte externa de sua boca.

Sem conseguir resistir a tamanha insistência, permitiu a invasão, permitiu que ela se apossasse e não podia negar que se sentia desejosa por mais.

Permanecia estática, enquanto aquela linda ı́ndia selvagem parecia se deliciar, aprofundando mais e mais...

Aimê esboçou um som parecido com um gemido ao ter a lı́ngua capturada e sugada de forma intensa... do mesmo jeito que ela fizera com seu dedo há algum tempo...

Naquele momento teve a impressão que todos os pelos do seu corpo se arrepiavam.

Repentinamente, a Calligari afastou-se, empurrando-a.

-- Espero que isso te mantenha calada, você fala demais e isso é muito irritante...

Sim, aquilo a deixou paralisada durante um bom tempo.

Seus lábios ainda queimavam pelo toque dela, o ar ainda não chegava aos seus pulmões e parecia que milhares de mariposas invadiam seu estômago.

Sentou, apoiando a cabeça nos joelhos.

Os olhos intensamente azuis pareciam ainda mais brilhantes... Mais perdidos... Mais intensos...

O que estava acontecendo consigo?

Esperou durante horas pelo retorno da morena, mas não ocorreu e ela acabou dormindo naquela desconfortável posição.

 

 

 

 

Diana montara guarda durante toda a noite e ao raiar das primeiras luzes da manhã seguiu em busca da Villa Real.

Encontrou-a já de pé e parecia pronta para mais um dia de incansável caminhada.

Por que ela ficava cada vez mais linda?

Quando a fitava tinha a impressão de estar diante de um dia de primavera, colorido, cheiroso... Vivo...

-- Vamos embora logo! – Ordenou aborrecida enquanto arrumava as coisas. – Temos alguns visitantes por essas áreas e teremos problemas.

-- Os traficantes? – Indagou assustada.

-- Sim, reconheci alguns deles...

Aimê pareceu ainda mais assustada.

-- O que faremos?

Diana colocou a corda nas mãos dela.

-- Agora vamos andando.

A Villa Real ainda abriu a boca para protestar, mas a Calligari não lhe deu muita chance.

 

 

Enquanto caminhava ela pensava em como a morena parecia não dar importância ao que aconteceu na noite passada. Nenhuma menção ao beijo, nenhum deboche sobre ela ter cedido aos encantos daqueles lábios aveludados.

Decerto fazia essas coisas para afrontá-la, com certeza se divertia ao perturbá-la.

Naquele dia tentaria manter distância daquela mulher, apenas responderia de forma mı́nima possível, quem sabe assim não teriam problemas como já era de costume.

 

 

 

O sol em pouco tempo se poria quando Diana viu os traficantes.

Não tinha como passar por aquela área sem ser notada e sabia que seria um risco grande.

A poucos metros dali havia um rio e se conseguisse pegar o barco seria bem mais rápido chegar à aldeia, mesmo que não fosse o ideal, seria a única opção para se fazer, pois sabia que a neta de Ricardo não suportaria mais dias de caminhada por aquela área fechada.

Fez Aimê se encostar a uma árvore.

-- O que houve?

A morena nada disse, enquanto amarrava as mãos da jovem.

-- O que está fazendo? – A garota questionou confusa com os olhos azuis arregalados. – O que está fazendo?

Diana não pareceu preocupada em responder, escondeu as armas e saiu puxando a garota.

Não caminhou mais de vinte metros para ser cercada por três homens.

Por alguns segundos temeu ser recebida por tiros...

Eles não podiam ter aparências piores. Barbas grandes, maltrapilhos e exibindo aqueles dentes tortos e sujos.

Segurava as armas, apontando para elas.

-- Olha o que temos aqui! – Um deles falou se aproximando com a doze em punho. – É a refém do chefe, encontramos a garotinha do crocodilo.

A Calligari conhecia aquele tipo de gente, que nem de gente deveria ser chamado, pois eram os piores tipos de seres humanos. Roubavam, matavam, estupravam, levava os animais das florestas para o mercado negro, destruíam tudo ao seu redor por pura ganância.

-- Que delı́cia! – O outro se adiantou com olhar lascivo. – Temos duas para levar ao bordel... – Observava Diana com atenção. – Foi você que a tirou do acampamento?

Outro se intrometeu.

-- Está doido, claro que não foi ela, como uma mulher adentraria no acampamento e levaria o tesouro do chefe... – Apontou-lhe a arma. – Onde estão seus cumplices? – Observava ao redor. – Diga, antes que eu faça um buraco nessa sua carinha bonita.

-- Não... Não, claro que eu não teria essa capacidade... – Apressou-se para negar. -- Na verdade eu estava com outro grupo, digamos que sou um acompanhante de luxo e percebi que essa aqui vale muito e estou querendo ganhar um extra.

-- Então você é uma prostituta? – um deles questionou parecendo muito interessado.

A morena fitou a Villa Real de soslaio, podia ver o pânico naqueles olhos bonitos, também percebia a total confusão que se passava naquele semblante delicado.

-- Estou querendo fazer uma barganha com vocês! – Empurrou Aimê no meio dos homens, parecia ignorar o perigo. – Não fui bem tratada pelos meus amigos, então quem sabe não nos entendemos...

A herdeira de Ricardo caiu no pequeno cı́rculo, tirando os fios de cabelos da face.

-- Preciso de um barco e estou disposta a lhe dar essa putinha para que seu trabalho aqui seja mais prazeroso, sei que seu chefe não deixam vocês tocarem, mas ninguém vai ficar sabendo ... sem falar que podem levá-la e vendê-la por um bom dinheiro, nem precisa entregá-la... Vão ter bastante dinheiro e não precisarão dividir...

Os homens pareceram interessados, os olhos brilhavam.

-- Como ousa? – A garota levantou e às cegas e atacou a morena.

Diana desviou do golpe, empurrando-a mais uma vez ao chão.

-- Já sabem que ela é cega... – Gargalhou. – Mas para o que desejam fazer não é preciso que ela enxergue.

Um dos homens que parecia ser o chefe dos três, retirou uma arma da cintura.

Ele observava a herdeira de Ricardo com atenção, mas pareceu interessado pela outra.

-- E por que você também não entra no pacote? – Colocou o cano frio contra a pele do rosto dela. – Gosto de mulheres como você, elas são as melhores para trepar gostoso. – Exibiu um sorriso. – Nunca vi uma prostituta tão bonita... A rainha das puas... – Gargalhou.

A Calligari já esperava por aquilo.

Os outros dois começaram a gritar de entusiasmo.

 

A morena esboçou um sorriso matreiro.

-- Eu não tenho problema em participar da festinha... – exibiu um sorriso sensual, seguindo até onde estava Aimê. – Mas olhem que coisinha mais linda... E vocês não sabem do melhor... – Rasgou a blusa dela, deixando o sutiã à mostra. – É virgem...Eu sei que seu chefe não permitiu que desfrutasse dessa belezinha, agora vocês têm essa chance... Use-a, depois podem ficar comigo!

-- Desgraçada! – A Villa Real cuspiu na cara da Calligari. – Espero que morra comida por um leão.

Diana sorriu enquanto limpava a face.

-- Aqueçam-se com ela... – Levantou-se. – Imaginem como deve ser apertadinha...

Aimê soluçava.

-- Sim, vamos pegar primeiro a garotinha e depois faremos o mesmo com você.

Diana sentou em um tronco pacientemente.

Tinha sorte eu aqueles que estavam ali eram idiotas ao extremo.

Olhava tudo com atenção, planejava o que deveria fazer, examinava todos os perigos.

-- Façam sim, ficarei aqui observando... Isso me excita.

Os dois homens começaram a abrir as calças.

-- Você fica de olho nela. – O chefe ordenou. – Reviste-a, enquanto brincamos com a outra.

A Calligaria observou quando os brutamontes levantaram a filha de Otávio e por um momento sua mente a levou há alguns anos quando fora atacada sem chances de defesa.

Ouvia os protestos que a jovem esboçava, como ela lutava, mesmo sem enxergar tentava se defender das investidas.

Sabia que teria que ser rápida e certeira no seu próximo passo.

Um dos bandidos a levantou bruscamente.

Sentia asco ao ter as mãos lhe apalpando, percebia que ele não estava em busca de armas, mas em também satisfazer sua libido.

Observava o espaço aberto, as madeiras empilhadas, alguns pássaros em gaiolas...

Quantos mais estariam por ali?

Conseguia ouvir o som do rio... Sentia o cheiro da água...

Aquele era o momento de agir...

Aproveitou que os outros estavam distraı́dos tentando segurar Aimê, quando rapidamente deferiu um golpe na garganta do rapaz, deixando-o desacordado.

Os movimentos chamaram a atenção dos outros que se voltaram contra ela, porém Diana fora muito bem treinada e tinha ótima pontaria.

Sacou o revólver rapidamente, atingindo os dois homens.

Aimê cobriu os ouvidos com as mãos, ajoelhando-se.

A morena seguia até ela quando outro homem apareceu e ela precisou ser rápida para que a Villa Real não fosse atingida.

Conseguiu abater o bandido, mas foi alvejada no abdome. Cerrou os dentes para não gemer alto. Sentiu a cabeça girar, mas não podia se entregar assim, ainda mais agora que pareciam mais próximas de sair daquele inferno.

-- O que houve? – Aimê indagou assustada. – O que se passa? – Questionava chorosa.

A Calligari lhe segurou a mão.

 

 

-- Temos que sair daqui o mais rápido possível. – Disse tentando não aparentar a dor que estava sentindo.

A Villa Real a empurrou, tentando se livrar do toque.

-- Solte-me, sua miserável!

-- Fique quieta e venha comigo...

-- Não, não irei contigo mais... Queria me entregar...

Aimê nem terminou a frase e já estava sendo arrastada pela mão.

Não demoraram muito para chegarem à canoa.

Diana a ajudou a subir, depois fez o mesmo, remando e buscando se afastar daquela área.

Temia que os outros aparecessem.

Sabiam que era muito comum a presença deles naquela região.

Entregou o remo a Aimê.

-- Apenas mexa os braços e tente seguir reto! – Ordenou enquanto arrancava um pedaço da blusa.

-- O que está fazendo? – Questionou, ignorando a ordem. – Você é uma miserável... Como pôde, Diana, como pôde me entregar...

A morena enrolou, apertando forte para tentar estancar o sangue, amarrando-o... mas o vermelho já ensopava o tecido.

Tomou novamente o remo, sem falar nada.

Aimê ainda sentia o coração bater acelerado.

Ainda tremia diante do ataque que sofreu.

-- Como pôde me entregar para aqueles homens? – Indagou por entre os dentes. – Como pode ser tão suja, tão mercenária... Eu a odeio... – Dizia em lágrimas.

Diana nada respondeu, pois tentava se concentrar para não gemer alto.

Com o barco seria bem mais fácil e á noite chegariam à aldeia.

Não era seu plano ir pelas terras do pajé, porém não seria fácil seguir com Aimê e dá a volta, seria uma missão suicida, a jovem não aguentaria.

O rio era o atalho perfeito, o que seria difı́cil se seguissem por terra.

-- Eu juro que se tentar me entregar mais uma vez para esses bandidos, eu mesma te matarei.

A morena nada disse, apenas seguia pelas águas calmas.

Mirou o céu e percebeu que ainda teriam tempo antes que anoitecesse, mas rezava para que chegassem logo.

Fitou a face enraivecida da neta de Ricardo.

A garota estava corada...

Observou o pranto incontido...

Cerrou os dentes, apertando forte o machucado e parando de remar um pouco.

Abriu a bolsa, pegando outra blusa para pressionar na ferida.

Ouviu a manifestação de peixes fora do barco... Piranhas... Elas sentiam o cheiro do sangue...

Observava a margem em busca de outros bandidos, estava com a arma bem próxima de si, qualquer movimento atiraria.

 Seguia em busca de ficar mais ao meio do rio, assim não seria uma presa tão fácil.

-- Reme! – Ordenou. – Eu preciso que reme comigo...

A Villa Real seguiu o som, encarando-a.

A voz estava muito baixa e mais rouca do que de costume...

-- Não farei mais nada que me mande e quando retornarmos para casa, contarei tudo o que fez para o meu avô. – Falava em tom desafiante. – Te odeio cada vez mais, Diana, nunca pensei que poderia sentir esse sentimento por alguém, mas você o merece em toda sua magnificência.

A pintora estreitou os olhos negros de forma ameaçadora, enquanto levava a mão ao ferimento, pressionando-o.

Mordeu o lábio com tanta força...

A dor estava cada vez mais insuportável.

-- Se você não quiser ficar perdida nessa maldita floresta sozinha, eu acho melhor que faça o que estou mandando. – Dizia por entre os dentes.

-- Ah, depois de me entregar para aqueles homens, agora ameaça me deixar nesse lugar?

Mesmo sentindo fortes dores, a morena deixou o remo de lado e foi até a jovem, tomando-a pelos ombros grosseiramente.

-- Não, sua idiota mimada, eu fui atingida por uma bala e não tenho muito tempo até perder a consciência e se isso acontecer você estará perdida em meio a essa maldita floresta.

-- Como? – Os olhos azuis se abriram. – Você foi baleada? – o pânico agora substituı́a à ira. – Onde? – Tentou tatear o corpo dela.

-- Aimê, apenas me ajude a remar, pois eu não sei até quando aguentarei.

A Villa Real tateou, tomando os remos e rapidamente começou a fazer o que fora dito.

-- Precisamos de um médico... Onde eles balearam você? Deixe-me tentar ajudar... – Dizia em total desespero.

-- Não, Aimê, não tem médico por aqui, precisamos chegar à aldeia, lá você estará segura. – Voltou a ocupar seu lugar. – Precisamos... Precisamos ser rápidas...

-- Meu Deus, você não pode fazer esforço, onde te acertaram. Temos que parar, precisa ficar de repouso para não sangrar até morrer.

-- Chega de falar bobagem, não podemos parar, não há o que fazer nesse lugar, precisamos sair daqui, pois aqueles homens podem ter outros cúmplices e virem atrás da gente.

A Villa Real ainda pensou em protestar, mas a Calligari estava certa. Só havia uma chance para as duas mulheres: conseguirem chegar até a tribo.

O percurso fora feito em total silêncio.

Passara quase uma hora e o sol já havia sumido.

-- Aimê...

A jovem ouviu seu nome ser dito de forma hesitante.

-- Sim... – Respondeu preocupada.

Várias vezes a neta de Ricardo parara de remar apenas para ter certeza de que a Calligari não tinha desmaiado.

-- Se eu não conseguir... Não pare de remar em hipótese alguma... Você... Você vai chegar na aldeia e eles vão cuidar de ti... Vão te levar para os seus avós...

A Villa Real percebia pelo tom baixo que a morena estava muito fraca.

Seu coração se apertou em desespero temendo pela vida dela.

-- Não, Diana, você que vai me levar para eles... Você vai ficar bem, é muito arrogante para ser parada por uma bala.

A Calligari fez um gesto de assentimento com a cabeça.

-- Fale sobre sua vida, mimadinha...

Aimê acabou esboçando um sorriso. Achava engraçado a forma como ela lhe chamava.

-- Bem, não há muito para se dizer sobre mim. – Mordiscou o lábio inferior. – Eu tenho uma floricultura...

-- Hun... legal...E vende bem?

-- Sim... Apesar de hoje em dias as pessoas terem perdido o hábito de mandar flores, ainda temos alguma raridades...

Diana esboçou um sorriso singelo.

-- Eu gosto de rosas...

-- Eu gosto dos lı́rios...

Diana não tinha mais forças para remar. Seu ombro estava dormente e sua visão estava embaraçada. A única coisa que desejava naquele momento era dormir muito.

Ouviu o som do falcão e soube que aquele era o momento de descansar.


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