A dama selvagem - Capítulo 4
A chuva seguia
implacável.
A Calligari
pegara um forte resfriado e precisou ficar repousando, enquanto uma Aimê
preocupada tentava ajudá-la, mesmo tendo como obstáculo sua limitação.
Ao final do
segundo dia, a morena parecia bem melhor.
Diana sentou-se
e ficou observando a herdeira de Ricardo diante da fogueira.
Achou engraçado
os trapos que ela usava.
Pelo que via,
ela rasgara um dos lençóis, cobrindo os seios como se fosse um top, em seguida
criou uma pequena saia amarrada no quadril. Decerto ela assistira ao filme a
lagoa azul...
Esboçou um
sorriso.
Ridı́cula,
porém muito sexy com aquelas pernas longas e corpo esbelto.
Diana desviou o
olhar.
Sua mente estava
um pouco conturbada e não recordava muito do que se passou, mas se sentia bem
melhor.
Infelizmente sua
caça fora perdida e tivera que se contentar com pão e carne seca.
Ainda chovia,
conseguia ouvir o som forte lá fora.
Viu quando Aimê
encostou-se à parede rochosa, viu-a fechar os olhos como se desejasse dormir
ali mesmo.
Desejou
chamá-la para perto de si, mas acabou ficando quieta.
Não desejava
ter nenhum tipo de contato com ela, nada de intimidades. Apenas faria o que
deveria ser feito.
No dia seguinte
seguiriam caminho, mesmo sendo mais perigoso, viajariam à noite, pois tinha
certeza que aqueles homens não as seguiriam.
Ainda ponderava
sobre aquilo, pensava se seria aquela uma boa ideia visto que sua companheira
tinha uma deficiência, visto que aquele território tinha pessoas que não
gostariam da sua presença.
Talvez sair à
noite fosse mais uma vantagem para não encontrar com ı́ndios.
Porém não
deveria esquecer de que havia uma tribo em especial que seguia na escuridão e
que tinha olhos que não se importavam com a penumbra.
A morena estava
acostumada a dormir em árvores, em seguir seus instintos em meio aquele breu,
porém não costumava fazer isso em companhia de outras pessoas.
Estava tão
cansada que adormeceu novamente.
Despertou cedo e
ao virar não encontrou Aimê ao seu lado como era de costume e nem onde ela
ficara na noite passada.
Calçou as botas,
vestiu uma calcinha e uma camiseta, pegou a arma e seguiu em passos lentos pela
caverna.
O barulho da
água era abafado e isso era bom, pois se não o fosse, seria fácil descobrir
aquele lugar.
Fechou os olhos
por alguns segundos.
Ainda estava
tonta, por isso ficou um pouco encostada à parede de pedras, antes de ir a
procurar a jovem.
Não demorou
muito para ver as roupas e também vê-la.
Estava sob a
pequena cascata.
O sol já iluminava o local e era possível ver a imagem
bonita, ereta.
A cabeça pendia
para trás. Os cabelos longos chegavam quase no meio da cintura.
Os biquinhos dos
seios estavam eriçados como botões de flores prontos para serem tomados pelas
abelhas.
Aproximou-se
mais, tomando cuidado para não se denunciar.
Observou o
abdome liso e ao descer mais sentiu um arrepio em toda espinha.
Não!
O que faltava
era sentir desejo pela filha do maldito coronel.
De repente seu
cérebro relembrou da noite que chegara da caça, recordou-se de ter deitado
sobre ela, de ter adorado moldar seu sexo ao dela...
Mordiscou o lábio
inferior demoradamente...
Estava em
chamas...
Desejando-a...
A abstinência
começava a pesar...
O som alto de um
pássaro a tirou dos seus pensamentos, do mesmo jeito que alertou a Villa real.
-- Quem está
aı́? – A garota questionou.
A morena
suspirou irritada, mas acabou respondendo.
-- Sou eu!
Aimê seguiu
para a parte mais funda, enquanto cruzava os braços sobre os seios.
Não se sentia
à vontade com aquela mulher, havia algo que a incomodava demasiadamente. Ainda
se sentia profanada ao lembrar-se do corpo forte colado ao seu.
-- Por que
estava me observando? – Indagou incomodada. – Por que chegou na surdina?
Diana corou, mas
logo a pose costumeira retornou.
-- Olha,
mimadinha, eu não estava te observando como dizes, apenas acordei e vi que
não estava deitada, então vim ver onde tinha ido. – Passou a mão pelas
madeixas. – Fiquei preocupada!
-- Quanto tempo
estava aı́? – Aimê perguntou sem se importar com a explicação.
A Calligari
colocou as mãos na cintura.
-- Desde quando
te devo satisfação? Desde quando pode se dirigir a mim com toda essa
prepotência?
-- Apenas desejo
um pouco de privacidade!
A gargalhada
carregada de deboche era bem sonora.
-- Você também
disse isso para seus raptores? Ah, sim, com certeza! – Ironizou.
-- Não, porque
sabia que eles não tinham educação, porém jamais imaginei que isso também
se passasse com a filha de um homem tão respeitado como Alexander Calligari. –
Retrucou calmamente.
Diana estreitou
os olhos de forma ameaçadora.
Aimê não
conseguia enxergar, mas conseguia sentir a força daquela mirada.
-- Saia dessa
água e se vista e faça-o rápido, pois não me importa em te deixar aqui. –
Disse por entre os dentes, afastando-se em seguida.
-- Para os
canibais ou para as onças me comerem? – A jovem provocou-a mais uma vez.
Temeu que ela
fosse até ali, mas para seu alıvio ouviu os passos se afastando.
Soltou a
respiração lentamente.
Não costumava
desafiar ninguém, mas estava cansada de ser tratada mal.
Aqueles dois
dias foram um inferno.
Tentara cuidar
da major, porém ela ficou ainda mais arisca enquanto doente, fora cruel quando
a única coisa que fizera foi cuidar da sua enfermidade.
A morena
só lhe dirigira
a palavra naquele
interim de grosseira
e arrogância, o
que era terrível
em todos os sentidos.
Não tinha modos, parecia um animal selvagem
que estava sempre a ponto de trucidar sua presa, pior que as onças e os
canibais.
Deixou a água e
seguiu contando os passos até onde deixara as roupas improvisadas..
Vestiu-se
lentamente, depois seguiu de volta onde estava a sua ‘salvadora’.
-- Ao cair da
noite seguiremos! – Diana disse assim que a viu.
Aimê sentou-se.
Sentiu o cheiro
de café e desejou um gole, porém não pediria, pois temia que a outra lhe
jogasse na cara.
-- Não acha que
será perigoso seguir por essa selva em total escuridão?
Diana bebericou
o lı́quido quente.
-- Pelo menos
não seremos perseguidos por seus amigos.
Colocou uma
xı́cara nas mãos da jovem.
-- Obrigada! –
Agradeceu com um sorriso supreso, enquanto provava a bebida. – Mas e as outras
ameaças? Cobras, onças...Os ı́ndios que você tanto fala.
A morena pareceu
refletir antes de responder.
-- É a única
chance que teremos... – Fitou os olhos grandes. – Pelo mapa que tenho, acredito
que há outros lugares para nos esconder. A mata é muito fechada, teremos como
nos camuflar.
-- Mas Diana,
como você enxergará o que tem pelo caminho. Você conhece essa floresta a
ponto de saber onde estará pisando?
-- Não por onde
estamos indo, mas a lua aparecerá no céu e iluminara o caminho.
-- Mesmo assim
deseja embrenhar-se durante a noite? – Questionou assustada.
-- E qual é o
seu plano? – Indagou irritada. – O que uma cega entende de fugas? Se não fosse
você eu já estaria bem longe daqui. – Levantou-se. – Não aceitarei nenhuma
sugestão que venha de ti e se desejar seguir o que digo, ótimo, se não
quiser, não mudará nada nas minhas decisões.
Aimê nada mais
disse, permanecendo quieta durante o resto do dia.
Diana decidiu
sair um pouco para explorar a área, tentando se familiarizar com a região,
buscando esconderijos se assim fosse necessário.
Quando retornava
precisou se esconder, pois um grupo de busca cobria aquela parte.
Eles estavam
ainda mais numerosos e deixaram claro que os cachorros seriam usados na manhã
seguinte.
Não havia outra
chance para elas a não ser seguir sem o auxı́lio do sol.
Demorou um pouco
para retornar para a caverna e ao fazê-lo encontrou a Villa Real parada na
entrada, sorte que estava pela parte de dentro.
-- Que diabos
estava fazendo aqui? – Segurou-a pelo braço. – E se os cães tivessem voltado,
decerto te encontrariam rapidamente.
-- Por que
demorou tanto? – Os olhos sem luz pareciam fitar a militar. – Temi que algo
tivesse acontecido... Estava pensando em sair para te procurar.
-- Ah, por
favor, Aimê... – Soltou-a. – Sairemos assim que a escuridão tomar conta.
-- Diana, tem
certeza que não há uma alternativa sem que seja essa?
A morena nada
respondeu.
Tudo estava pronto.
Não levaria muita coisa.
Colocou um
punhal escondido na bota.
Seguiu até o
lago para encher os cantis.
Tirou uma
jaqueta de couro, vestindo-a.
Observou a Villa
Real, com aquelas roupas finas, morreria de frio.
Entregou-se um
caso de lã e uma calça.
-- Use-as! –
Ordenou.
A garota segurou
a mão da Calligari.
-- Estou com
medo!
Diana sentiu a
maciez do toque e mais uma vez se sentiu perturbada pela proximidade.
Deus, como
alguém poderia ter uma aparência tão bela?
Desvencilhou-se
do toque.
-- Seguiremos na
escuridão apenas hoje, assim que sairmos dessa área, viajaremos durante o
dia.
Aimê fez um
gesto de assentimento.
Era percebível
que não tinha como questionar as ordens daquela mulher.
Meia hora depois
deixavam a caverna.
Diana amarrou
uma corda na sua cintura a da prisioneira. Assim ela seguiria seus passos.
Caminhavam
lentamente, ainda mais quando tiveram que desviar pelos inimigos.
A Calligari fora
bem treinada, não apenas no exército, mas na época que vivera naquele lugar.
Aprendera a decifrar sons, aprendera a decifrar o silêncio que era ainda mais
perigoso.
Pisava com
cuidado... Em algumas partes o solo ainda estava molhado.
Seguia abrindo
caminho.
Sentia os galhos
ir contra si, sentia as pernas se enrolar...
Deveria ir reto
sempre, em algum canto dali havia uma tribo. Ela sabia disso, mas não
acreditava que eles se aproximassem. Esperava estar certa, esperava não ter
que ser surpreendida por eles.
Vez e outra
ouvia Aimê tropeçar.
Se continuasse
com aquele ritmo tomaria uma boa vantagem dos captores e assim poderiam seguir
durante o dia.
Não estava tão
escuro, como previu, a lua iluminava a grande floresta.
Rezava para que
não houvesse armadilhas pelo chão, tateava ao máximo para não ser pega de
surpresa.
-- Diana...
A voz doce e baixa
lhe chamou.
-- O que é? –
Perguntou sem parar. – Não desejo conversar e tampouco ouvir suas
lamentações.
-- Estou
cansada!
Ouviram o pio da
coruja.
Deveriam estar
andando há quase três horas.
-- Não podemos
descansar agora!
-- E quando o
faremos?
-- Apenas quando
o sol estiver nascendo.
Aimê não falou
mais nada, continuando a caminhada.
Usava as mãos
para tentar se livrar dos galhos, sentia-se perdida ainda mais naquele momento.
Sentia que a
major tinha familiaridade com a escuridão.
Em nenhum momento
demonstrava insegurança. Seus passos eram seguros, firmes, diferentes dos seus
que cambaleava por entre aquela vegetação.
-- Levante as
pernas ou vai acabar indo ao chão! – A morena a repreendeu impaciente quando
teve que ajuda-la a levantar. – Está nos atrasando!
Não demorou
muito para a neta de Ricardo cair novamente.
Chegaram a uma
área mais acidentada e a garota não dava dez passos sem se desequilibrar.
Diana parou
abruptamente, tendo Aimê se chocando contra suas costas.
Ainda pensou em
discutir, mas havia algo mais importante naquele momento.
Levantou a
cabeça em busca de algo, sabia que estavam sendo observadas.
Levou à mão a
arma que descansava no coldre.
-- O que é
isso? – A voz baixa de Aimê questionou. – Há pessoas aqui?
-- Fique quieta!
– Repreendeu-a por entre os dentes. – Não faça movimentos bruscos.
Já se preparava
para atirar quando ouviu passos em sua direção.
Empurrou a jovem
no chão, cobrindo o corpo dela com o seu.
Aimê ficou sem
fôlego com o baque.
O que estava acontecendo?
Imaginou que os
sequestradores tivessem as encontrado.
Não demorou
muito para uma chuva de flecha cair sobre elas.
Permaneceram
deitadas.
A morena sentia
a respiração de Aimê tão próxima a sua, os corpos moldados.
Ela tinha um
aroma delicioso, tinha cheiro de primavera, de flores.
-- Apenas
mantenha a calma. – Disse contra a boca dela. – Fique quietinha e não faça
movimentos bruscos... – Avisou mais uma vez.
De repente, braços
a tiraram de cima da jovem.
Sabia de quem se
tratava e por esse motivo nada disso.
Levantaram Aimê
de forma mais delicada.
Ouvia as ordens
na lı́ngua nativa.
Acenderam as
tochas.
-- Estamos em
paz, queremos apenas atravessar a região. – A morena se comunicava. – Tive a
permissão do pajé.
Não pareceram
se importar com as palavras dela, empurrando-a para que continuasse caminhando.
Ela
desvencilhou-se dos braços, seguindo na frente, demonstrando total
irritabilidade.
Ouviu a queda da
jovem, virou, praguejando, tomando a garota pela mão.
-- Para onde
estamos indo? – Questionou. – O que eles estavam falando?
-- Cale a boca e
além de cega, finja-se de muda! – Disse de forma cruel.
Aimê puxou a
mão com um safanão.
Diana a fitou.
-- Não faça
birra. – Segurou-a novamente. – Essas pessoas não brincam. – Sussurrou em seu
ouvido.
-- Prefiro toda
a crueldade deles que a sua.
Nada mais fora
dito.
Seguiram por um
paralelo de árvores, depois desceram pelo rio e ao amanhecer chegaram à
aldeia.
A Calligari
fitou os ı́ndios.
Estavam armados
e pareciam nada agradáveis.
Foram obrigadas
a se ajoelhar.
Diana viu o
chefe se aproximar e esboçou um sorriso ao ver a bela mulher que o acompanhava.
Nada mudara
naqueles anos.
A aldeia era
grande. Havia inúmeras pessoas morando ali. As ocas eram cobertas com palhas
de coco e suas paredes feitas de bambus.
Observou as
vestes, melhor, a escassez delas. Os corpos eram cobertos por pinturas e
bronzeados pela mãe natureza.
-- Então era
verdade da sua presença por aqui! – A voz forte do chefe se fez ouvir. – Quando
recebi mensagem de Ubiratã fiquei a imaginar se demoraria para que colocasse
seus pés em meu solo... Enquanto não o fizesse, nada poderia eu fazer.
Aimê achou
interessante o fato de alguém ali falar Português.
-- Estou em uma
missão e tive permissão para seguir. – Diana replicava calmamente.
A jovem Villa
Real percebeu que sua insuportável acompanhante não parecia se importar em
serem prisioneiras, pois continuava a usar o tom arrogante.
-- Não tem
minha permissão e não é bem vinda aqui! – A voz forte retrucou irritada. –
Minha tribo não aceita sua presença e nem a presença... – Encarou Aimê e
começou a falar em lı́ngua nativa. – Nem a presença da filha do homem que
matara tantos de nós a sua procura.
Diana levantou o
queixo em desafio.
-- Não quis vim
aqui, seus guerreiros que me trouxer...
Antes que
terminasse a palavra um dos ı́ndios lhe bateu na face.
A Calligari
ainda tentou reagir, mas vários homens a seguraram.
Aimê imaginou o
que tinha acontecido e ficou assustada.
-- Continua
desrespeitosa! – Repreendeu-a. – Como pode ser tão topetuda, princesa?
Eles a
conheciam!
A neta de Ricardo
pareceu ainda mais surpresa.
Diana não pareceu
se incomodar com aquilo.
-- A princesa
não aprende lição. – Fez um gesto. – Amarrem-na! – Ordenou. – Coloque-a no
sol, assim ela perde um pouco da frieza.
Aimê ficou
ainda mais temerosa, mas ao sentir braços gentis lhe tocando relaxou.
-- Calma, minha
criança, não iremos machucá-la. – A voz feminina era doce e compreensiva. –
Venha comigo.
-- Mas e a
Diana? – Questionou preocupada. – O que farão com ela? Desejo ficar ao lado
dela!
Os olhos negros
de Sirena pareceram surpresos.
-- Não deveria
se importar com ela, ainda mais pela forma que ela te trata.
-- O que farão
com ela? – Repetiu a pergunta de forma impaciente.
-- Não se
preocupe. – Tomou-lhe a mão nas suas. – Sou Sirena, esposa do chefe e filha do
pajé.
Os olhos azuis
denotavam desconfiança, mas por fim acabou se apresentando.
-- Sou Aimê e
fui salva por Diana, então gostaria que nada de ruim fosse feito a ela. Deixe-nos
ir, prometemos não profanar suas terras.
Sirena entendia
a maior parte das palavras que a jovem dizia e admirou o fato dela parecer tão
preocupada com uma mulher que se mostrava sempre tão cruel como a Diana.
Um dos ı́ndios
que vinham seguindo as duas mulheres relatara como a Calligari agia com
grosseria o tempo todo com a filha de Otávio.
-- Tem um nome
lindo! Venha comigo, cuidarei de ti.
A Villa Real
ainda tentou argumentar, mas a mulher a levou consigo.
A Calligari fora
amarrada em um tronco.O sol começava a esquentar e aquilo já a estava
incomodando.
Pelo menos um
dos ı́ndios sempre lhe levava água.
Procurava Aimê,
mas desde que ela saiu com Sirena não voltou a aparecer.
Não acreditava
que fizessem algo contra ela, afinal, aquelas pessoas não eram tão ruins a
ponto de ferir alguém tão indefeso.
Tentou se livrar
das amarras, porém sua tentativa era inútil.
Não acreditava
que estava novamente naquele lugar...
Lembrou-se da
mãe...
Viu as crianças
brincando, enquanto os jovens treinavam com o arco e flecha...
-- Dessa vez
não será tão fácil assim, princesa!
Ela fitou o
homem que esboçava um sorriso sarcástico.
-- O que você
quer, Tupã? Provar seu poder para essas pessoas? É covarde por me manter
presa!
O chefe deveria
ter uns trinta anos. Era jovem, robusto, bonito e bastante alto. Ficara no
lugar do antigo lı́der.
Conhecia-o bem,
foram treinados juntos.
-- Não sou como
você, Diana! – Ajeitou o cocar suntuoso na cabeça. -- Não passei a minha vida
buscando vingança, ao contrário, encontrei o amor e a paz ao lado da mulher
que amo.
-- Não é isso
o que parece! – Ela o desafiou com o olhar. – Afinal, está me mantendo presa
aqui para ser apreciada por todos.
-- Não, major,
apenas a deixei aqui para que pudéssemos conversar. – Chegou mais perto,
apoiando a mão na madeira.
-- Conversar
sobre o quê? – Indagou exasperada. – Eu só quero voltar para a minha casa.
Tupã fez um
gesto de assentimento, depois sentou sobre uma pedra. Observou a bota de Diana
e com um gesto rápido retirou um punhal que ali estava.
Observava a arma
delicada.
-- Você tem uma
dívida com meu povo, uma dívida que precisa pagar se assim desejar retornar
para sua casa.
-- Eu não devo
nada a vocês! – Negou irritada. – Odeio o seu maldito povo...
-- Você desgraçou
seu povo, você desonrou a mim, desonrou sua mãe quando não aceitou o
casamento para unir nossa tribo, por sua culpa muita gente morreu!
-- Que eu saiba
quem os matou foram vocês... Otávio os matou com a crueldade dele...
Tupã se
levantou.
-- Vejo que não
é fácil conversar contigo, mas te adiantarei que se deseja deixar a nossa
aldeia terá que casar com a filha do seu inimigo, assim, cumpriremos o acordo
que um dia fora feito.
A Calligari riu
alto.
-- Você deve
ter enlouquecido, só pode! – Cerrou os dentes. – Neguei-me antes e continuarei
a me negar... – Debochou. – Não sabia que estavam aceitando tão abertamente o
lesbianismo.
-- Seu tom de
voz é desrespeitoso! – Repreendeu-a. – Essa é a única forma de sair daqui,
se não aceitar passará o resto da sua vida presa a esse tronco, definhará
dia após dia e assim veremos como você vai viver. – Fitou os olhos negros. –
Sua dıvida é muito grande, então independente de ser um casamento com uma
mulher, o que importa é que estará unida com alguém que tem o sangue do homem
que mais odeia, precisa se redimir diante dos nossos espíritos!
-- Não acredito
nessas baboseiras!
-- Se não
acredita por que reluta tanto em aceitar?
-- Porque nem
por brincadeira quero meu nome associado a uma Villa Real. – Cuspiu cada
palavra com total desprezo. – Jamais me sujaria assim...
-- Então espero
que o tronco seja confortável porque será nele que passará o resto da sua
vida.
Diana o observou
se afastar, enquanto tentava de toda forma se soltar das amarras.
Praguejou alto
no dialeto que dominava tão bem.
Alguns olhares
se voltaram para ela, porém a arrogante princesa não parecia se importar com
aquilo.
Não acreditava
que aquilo estava acontecendo consigo.
Suspirou.
-- Maldição!
Aimê estava
sendo bem tratada.
Descansara um
pouco e quando despertara já passava das três da tarde.
Uma ı́ndia viera
auxiliá-la, ajudando-a a banhar, entregou-lhe uma roupa, depois trançou
lindamente os cabelos longos.
Ela comeu
algumas frutas.
Perguntou por
Diana, mas ninguém lhe respondia, na verdade não entendia o que a herdeira de
Ricardo dizia.
Estava
preocupada, temia que algo acontecesse com a Calligari.
Começou a tatear
o lugar, tentando arrumar um jeito de sair e poder ir até a morena, então
sentiu a presença de alguém.
-- Quem está
aı́?
Fez-se um enorme
silêncio e logo em seguida o tom forte e com bastante sotaque foi ouvido.
-- Perdoe-me se
a assustei! – Disse pausadamente.
A Villa Real
reconheceu a voz.
-- Não tive
intenção. Sou Tupã! – Tomou-lhe a mão de forma carinhosa. – Espero que
esteja sendo bem tratada.
Aimê esboçou um
sorriso tı́mido, fazendo um gesto afirmativo.
Estranhou o fato
de alguém que vivia tão isolado demonstrar ser tão cordato.
-- Gostaria de
saber sobre a Diana. – Pediu. – Como ela está?
O chefe a
observou detalhadamente, ficando totalmente encantado com a forma gentil e
beleza pura que ela exibia tão naturalmente, como se não tivesse noção do
quanto era linda, nem parecia que tinha o mesmo sangue do pai.
Tencionava fazer
a princesa se redimir das suas ofensas, mesmo que sacrificasse outra alma.
-- Eu a levarei
lá.
Educadamente ele
lhe tomou o braço, caminhando ao lado dela com todo cuidado.
Diana mais uma
vez tentou se livrar das cordas.
O sol já estava
se pondo quando ela viu sair da oca principal Tupã acompanhado de Aimê.
Ele adorava
impressionar as pessoas com seu refinamento. Não vivera naquele lugar quando
adolescente e só retornou depois de muito tempo para assumir o seu lugar na
tribo, por isso falava tão bem e usava aquele charme barato de cavalheiro.
Relanceou os
olhos, irritada. Mas logo sua atenção estava centrada em outra pessoa.
Aimê estava
ainda mais estonteante.
Reconheceu a
roupa.
Calça colada na
cor preta, blusa de mangas longas, branca, colete combinando com os trajes de
baixo... Porém o que mais chamava a atenção era seu rosto corado, a grande
trança que caia ao lado do corpo e o intenso olhos azuis.
-- Pronto,
querida, deixarei você aqui para que conversem. Assim que terminar é só
chamar e eu mesmo virei busca-la. – Sorriu. – Diana está bem a sua frente.
A Calligari
observou o chefe se afastar e aproveitou para fitar os olhos azuis. Estavam
mais vivos e brilhantes.
Fitou os lábios
entreabertos.
O pescoço
esguio.
Sentiu um
arrepio percorrer a espinha.
-- Você está
bem?
A morena ouviu o
som melodioso, paciente, doce.
Irritava-se com
a forma dela ser. Irritava-se por ela agir daquele jeito. Irritava-se por seu
corpo começar a reagir a ela.
-- Isso não é problema seu! – Respondeu
rispidamente. – E não tem motivos para vir aqui. Não necessito de irmã de
caridade.
Aimê virou a
cabeça para o outro lado e demorou alguns segundos para voltar a falar.
-- Por que age
assim? Por que é sempre tão grosseira? Te fiz alguma coisa, Diana?
A Calligari suspirou
de forma impaciente.
-- Não me chame
assim, não suporto ouvir meu nome sendo pronunciado por seus lábios.
Aimê não
entendia os motivos de ser tratada tão mal. Era impossível ter algum tipo de
diálogo como aquela mulher.
Mordiscou o
lábio inferior e voltou a fitar guiada pelo tom de voz.
-- Ok,
desculpe-me, não a importunarei novamente, só desejava saber se estava bem e
vejo que está muito bem, isso me deixa feliz.
A morena
observou Tupã se aproximar, levando-a consigo.
Acompanhou-a com
o olhar e mais uma vez se sentiu incomodada.
-- Ela não é
Otávio, Diana!
A voz de Sirena
soou firme, ela usava o dialeto indı́gena.
-- Ela estava
preocupada contigo, não creio que ela mereça isso.
-- Não sabia
que você poderia se aproximar de mim e me dirigir a palavra. – Falou exibindo
um sorriso sarcástico. – O chefe não vai me esfolar por isso?
A ı́ndia fez um
gesto negativo com a cabeça.
-- Arrogância,
orgulho, frieza, deboche são suas marcas registradas.
-- E você está
mais linda do que nunca. – Piscou.
Sirena exibiu um
sorriso.
-- Não caio
mais nessa história.
-- Que pena!
Tivemos momentos maravilhosos.
-- Momento esses
que agora você vai viver ao lado da sua esposa.
O maxilar da
Calligari enrijeceu.
-- Eu não vou
me casar.-- Por quê? Será apenas um casamento indı́gena... Não sabia que
você dava importância às tradições da sua cultura.
-- Sua cultura
não é a minha!
-- Então faça o
que Tupã diz e depois siga o seu destino.
Diana fitou
Aimê.
Ela estava
sentada em uma pedra e brincava com uma pequena indiazinha.
-- Por que Tupã
deseja isso? Eu apenas quero ir embora. Tenho um longo caminho, tenho uma
missão a cumprir.
-- Sim, eu sei!
Alguns guerreiros viram seus amigos nas proximidades, eles não desistirão
dela. – Tocou-lhe a face. – Essa é a única forma de saldar o que deve a
todos, a sua união com a filha do homem que mais odeia será seu castigo.
Quando o maldito Otávio esteve aqui a sua procura matou muita gente e você sabe
que poderia ter evitado...
-- Castigo? Eu
já recebi mais do que o necessário. – Voltou a tentar se livrar das cordas. –
Preciso sair daqui! – Mirou-a demoradamente. – Ajude-me, tire-me daqui e
prometo que nunca mais colocarei meus pés em sua terra...
-- Você sabe
como agir para conseguir isso.
Mais uma vez a
filha de Alexander demonstrou impaciência.
-- Por que ele
quer que eu me case? – Indagou curiosa.
-- Essa é uma
forma de sua falta de respeito ser perdoada...
Diana arqueou a
sobrancelha esquerda.
-- Eu não
preciso de perdão... – Deu um sorriso de escárnio. – Como se eu me importasse
com o que pensam de mim... – Completou pensativa.
-- Então
aceite...
Diana observou
Aimê demoradamente.
-- Não irei transar
com ela... Tenho asco...
Sirena estreitou
os olhos negros de forma desconfiada.
-- Ela é
linda... Sei que vai adorar tê-la... Basta que aceite e tudo ficará como
você deseja... Não seria a primeira vez a se deitar com uma mulher...
A morena pareceu
ponderar por alguns segundos.
Parecia pensar
todas as alternativas para fugir dali, porém sabia que não havia muitas
chances. Aqueles eram guerreiros treinados até a última gota do sangue, não
conseguiria enfrentar a todos.
Poderia
simplesmente levar aquilo como uma brincadeira... Não a tocaria... Apenas
fingiria diante de todos e pronto, tudo estaria resolvido.
Sim, aceitaria o
casamento, era apenas algo simbólico.
-- Eu aceito! –
Disse por fim.
Sirena bateu
palmas, dando pulinhos de alegria.
-- Agora mesmo
começarei os preparativos.
-- Traga a Aimê
aqui. – Ordenou.
-- Certo, princesa!
– Piscou. – Vou buscar sua noiva agora mesmo.
A Calligari
percebia que a filha de Otávio pareceu não desejar ir até onde ela estava,
mas a sua bela ı́ndia era boa em persuadir.
Observou-as
caminharem juntas.
Eram tão
diferentes.
A ı́ndia era
forte, determinada... Enquanto a outra demonstrava total fragilidade, uma
pétala de rosa... Uma porcelana fina e delicada.
Sirena as deixou
sozinhas, afastando-se.
-- O que você
quer? – Indagou a filha de Otávio parecendo aborrecida.
A morena sorriu
diante da forma irritada que a jovem se dirigiu.
Então ela também
tinha garras...
-- Nada de mais,
mimadinha, apenas desejo lhe informar que casaremos.
Os olhos azuis
se abriram em total espanto. O rosado das maçãs do rosto se tornaram pálidos.
Imaginou se ela desmaiaria.
A boca
entreaberta deixava à mostra os dentes extremamente brancos.
-- Que... que
que você disse? – Gaguejou.
-- O que você
ouviu. Não se preocupe, não valerá nada fora daqui. É apenas um ritual que
dirá que teremos uma união de almas. – Relanceou os olhos em tédio.
Aimê mordiscou
o lábio inferior.
-- Por quê?
Somos mulheres... Como vou me casar com uma mulher?
-- Olha,
garotinha estúpida, essa é a única forma de sairmos daqui, então chega de
perguntas e faça o que deve ser feito, apenas siga o jogo.
A Villa Real
odiava aquela forma arrogante de agir de Diana, odiava quando ela agia como se
pudesse decidir tudo e da forma que desejasse fazê-lo.
-- Nossa, jamais
imaginei casar-me com uma mulher e muito menos pensei que como essa mulher
pediria minha mão de forma tão romântica. – Ironizou.
Os olhos negros
da morena pareceram surpresos diante do sarcasmo.
-- Não me casarei
contigo, nem que fosse a última pessoa do mundo todo. – Aimê se negou altivamente.
Diana ficou tão
irritada que mais uma vez tentou se livrar das cordas.
Alguns olhares
se voltaram para ela, então a morena baixou o tom de voz.
-- Sua idiota,
essa é a única forma de sair daqui e voltar para a civilização.
-- Por que temos
que nos casar? – Aimê questionou curiosa. – Eu sou grata por você ter me
salvado, mas não poderia me envolver contigo, não tenho interesse.
A filha de
Alexander não pareceu gostar de ser rejeitada, mas tentou não demonstrar
isso.
Respirou fundo e
depois voltou a falar.
-- Porque eu sou
a filha de uma princesa indı́gena e preciso honrar meu sangue!
A surpresa
estava presente na expressão da jovem.
-- Como?
-- Essa tribo
que você não consegue ver são de canibais!
-- Não
acredito! – Negou de forma assustada. – Eles têm mais educação que você!
-- Aimê, não
costumo mentir! Se você quiser sair daqui intacta, com seu lindo corpinho todo
arrumadinho, aceite e participe dessa palhaçada, pois se assim o for, amanhã
mesmo estaremos longe daqui, caso contrário, prepare-se para ser assada na
fogueira.
O cérebro da
Villa Real ainda estava preso no fato da sua salvadora ser uma indı́gena, ainda
tentava diluir aquela informação.
-- Deus, você
é uma canibal?
-- Sim, sou!
Agora vamos casar e pronto, garotinha.
Naquele dia tudo
começou a ser preparado para a celebração que só aconteceria dentro de três
dias.
Os costumes da
tribo requeria que o casal passasse por alguns rituais e só ao final dos
mesmos, poderiam se unir para toda a vida.
Nos momentos que
as duas ficaram juntas, nenhuma palavra era dita, ainda mais porque a morena
estava cada vez mais irritada, pois pensara que tudo seria feito logo.Em um
desses momentos, ambas estavam em uma oca, quando Diana pensou em fugir, mas
Tupã não baixara a guarda, ao contrário, havia sempre vários ı́ndios
vigiando-as de perto.
Diana suspirou
vencida.
Ela passava o
tempo observando Aimê que a cada dia exibia um olhar mais assustado.
Mas o perı́odo
passou rápido e o grande momento da vida de ambas chegara.
A lua estava
cheia e anunciava as núpcias.
Aimê fora
ajudada por Sirena.
O corpo da filha
de Otávio estava sendo enfeitado com pinturas.
Ela estava de
pé, enquanto algumas indı́genas coloriam a pele.
-- Você é uma
noiva muito linda, Diana vai enlouquecer quando te ver.
Aimê nada
disse. Apenas continuava a pensar em tudo o que ouviu da ruiva arrogante.
Ela é uma
ı́ndia?
Seria isso
verdade?
Canibal?
Não voltou a
tocar no assunto, pois as grosserias daquela mulher se superavam sempre que ela
abria a boca.
-- Sirena, posso
fazer uma pergunta? – Perguntou de forma temerosa.
-- Claro, meu
bem! – Ajeitava algumas flores ao redor da cabeça da jovem. – O que deseja
saber?
Aimê mordiscou
o lábio inferior.
-- A Diana é
ı́ndia?
Sirene não
respondeu de imediato, pois colocava um colar para enfeitar o pescoço esguio.
-- Sim! – Disse
sem interromper o serviço. – Ela herdou os traços fı́sicos do pai, mas tem o
gênio, o sangue da mãe e os olhos penetrantes herdara dela...
-- Mas como? – Indagou
ainda mais perplexa.
-- Não sabemos!
A única coisa que posso te dizer é que Diana é uma princesa indı́gena, neta
de um dos maiores chefes da mais importante tribo.
-- Canibais! –
Falou pausadamente.
Sirene riu alto
ao ouvir a palavra.
-- Meu anjo,
Diana conta essa história de canibal desde que tinha treze anos e vivia
seduzindo as ı́ndias com esse papo... Mas a forma de comer dela é diferente,
minha criança.
Aimê sentiu a
face queimar diante da insinuação.
A herdeira dos
Villa Real podia ter aquela aparência de menina, mas ela sabia muita coisa da
vida.
Esperava que
aquilo terminasse o mais rápido possível.
A única coisa
que desejava era poder voltar para casa e esquecer tudo que aconteceu,
principalmente as grosserias que vivera em todos aqueles dias, desejava retirar
da memória qualquer menção àquela mulher que adorava lhe tratar mal e zombar
da sua cara.
A lua estava
alta.
Os tambores
batiam em um ritmo alegre.
Ao redor da
grade fogueira as pessoas dançavam em um ritual para o espı́ritos da floresta.
Um cı́rculo fora
desenhado com pétalas de rosas vermelhas.
Tochas estavam
acesas...
Diana esperava
pelo momento de concretizar de uma vez aquela encenação.
Tivera que
deixar suas roupas, usando quase nada, tendo todo o corpo pintado.
Uma coroa fora
colocada em sua cabeça, simbolizando a sua tribo, seus ancestrais.
Tupã se
aproximou.
Vestia-se como o
xamã que presidiria aquela cerimônia. Um enorme cocar em sua cabeça o
destacava dentre todos.
Ouviu o som do
falcão sobre as enormes árvores...
A Calligari
mordiscou o lábio inferior, sentiu um arrepio na nuca.
Nada daquilo fazia
sentido para a bela morena.
Quando fora
levada para aquele lugar por seu pai, achara estranho, mas aos poucos toda sua
história fora contada.
Ela se adaptara
rápido a nova realidade, apenas não aceitava a maioria dos costumes.
Sempre fora uma
garota cheia de vontades e não era acostumada a aceitar as imposições de
regras, devido a isso fora expulsa e condenada a nunca mais retornar, porém as
circunstâncias a levaram novamente ali.
Já estava a
ponto de ir buscar a filha de Otávio e acabar com toda aquela história quando
viu um pequeno grupo se aproximar.
Sirena trazia
Aimê pela mão.
O luar a
iluminava.
Prateava os cabelos
intensamente negros. Os olhos grandes pareciam iluminados.
Ela estava ainda
mais bela... Totalmente nua... Tendo o corpo coberto por pinturas que
representavam as divas virgens.
Seria virgem?
Sentiu um
estremecimento na espinha e logo decidiu observar o rosto bonito e sereno...
Os cabelos não
estavam trançados, mas soltos, livres, emoldurando a face delicada.
Havia flores em
sua cabeça.
Estava linda!
Trazia colares,
pulseiras e tornozeleiras nos calcanhares.
Os bonitos pés
estavam à mostra.
Respirou fundo!
-- Entrego-a a
ti, Diana, guerreira, princesa e elo entre todas as tribos. – Sirena disse em
dialeto local.
Aimê engoliu em
seco quando sua mão foi tomada pela filha de Alexander.
A Villa Real
nada disse, enquanto sentia sobre si o olhar daquela que se tornaria sua mulher
de acordo com as leis daquelas pessoas.
Tupã se
aproximou, trazendo uma caneca de barro, entregou à Diana.
-- Veja, meu
povo, testemunhem nossa princesa honrando nossa cultura, pagando a dívida que
tinha com todos nós. – Falou em seu dialeto. – Teremos a paz que tanto lutamos
para conseguir.
Gritos de
euforias foram dados. Os tambores soavam.
-- Os espı́ritos
de nossos ancestrais estão presentes nessa união, os deuses fizeram com que
os vossos caminhos se cruzassem e agora seguirão de mãos dadas por todas as
vidas.
Diana sentiu a
noiva inquieta e teve vontade de rir de toda aquela palhaçada, mas se assim o
fizesse, com certeza, arrancariam sua pele fora.
-- Bebam! – O
chefe ordenou.
A Calligari
levou aos lábios a caneca e depois ajudou a neta de Ricardo a fazer o mesmo.
Esboçou um sorriso
ao ver a careta que ela fez e não se controlou, provocando-a:
-- É sangue
humano! – Sussurrou em seu ouvido.
Os olhos azuis
ficaram ainda mais abertos, enquanto empalidecia diante do comentário.
A cerimônia
seguiu por mais meia hora, até que chegou ao fim.
-- Beije-a,
princesa Diana, mostre ao seu povo que sua união é verdadeira e receba todas
as bênçãos.
A Calligari não
recordava daquele detalhe. Na verdade, acreditava que ele fora acrescentado agora,
pois já presenciara inúmeros enlaces indı́genas e em nenhum deles precisava de
um beijo para selar a união.
Olhou para Tupã
de forma desafiadora, mas acabou fazendo o que fora dito.
Aimê não
entendia o que estava sendo falado e isso a deixava cada vez mais apreensiva.
A pintora ficou
de frente para ela e se aproximou dos lábios rosados.
Viu os olhos
azuis se abrirem em total espanto ao sentir a respiração tão próximas...
Fechou os olhos,
tocou-os brevemente, mesmo assim conseguiu sentir a maciez e a doçura.
Afastou-se
rapidamente.
Sirena esboçou
um sorriso.
Tambores
voltaram a tocar e os ı́ndios começaram a dançar, enquanto comidas eram servidas
e bebidas.
Sentou Aimê em
um banco e seguiu até Tupã que bebia alegremente.
-- Tão cedo e
já deixou sua mulher sozinha? – O chefe disse em tom de deboche. – Cuidado
para ela não ser roubada por outro. É muito bonita e qualquer um adoraria uma
criatura tão meiga ao lado.
-- Poupe-me
dessas besteiras! – Disse irritada. – Amanhã ao amanhecer iremos embora.
-- Sim, esse foi
o trato e como presente de casamento, alguns guerreiros as acompanharão até o
limite do território, assim me certifico que não apareça mais por aqui.
-- Ok!
Já dava as
costas para seguir quando palavras a detiveram.
-- Outro
presente que receberá é a nossa oca! – Apontou. – Dormirá lá com sua
mulher.
Diana nada
disse, seguindo rapidamente até o lugar onde ficará naqueles dois dias.
Desejava se
livrar daquelas pinturas e vestir suas roupas.
Sentia-se
exposta, ridı́cula.
Nem mesmo se
importou em deixar sozinha a jovem Villa Real.
Era tarde quando
Sirena levou Aimê até o lugar que dormiria.
Diana não aparecera
mais na comemoração.
-- Descanse,
querida! – Sirena depositou um beijo em sua testa.
-- Obrigada por
tudo e boa noite.
A ı́ndia esboçou
um sorriso, em seguida se despediu.
A Villa Real
tateou e conseguiu encontrar o leito simples, porém confortável.
Sentou-se.
Começou as
massagear as têmporas.
Sua cabeça doía muito.
Aqueles dias
estavam sendo muito estressantes e ainda mais esse negócio de casamento.
Esperava que um
dia quando realmente unisse sua vida a de outra pessoa, que ela pelo menos não
fosse abandonada durante toda a festa.
Levou o
indicador aos lábios.
Surpreendeu-se
ao sentir a boca quente de Diana, pois imaginara que o toque seria tão frio
quanto era demonstrava frieza em suas ações.
Os lábios não
eram gelados...
Eram macios...
Deus, parecia que
ainda os tinha sobre os seus.
Tirou os
enfeites que estavam sobre a cabeça, depois se deitou.
Fechou os olhos,
mas não conseguia dormir, estava ansiosa...
Já era tarde
quando ela percebeu que parecia sua noite de núpcias sozinha naquele leito
simples.
Aaaah posta mais um 😕
ResponderExcluirMaisss 🤭😔😉😘
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